Cruzeiro 2×1 Ceará – Mulheres fazendo história

Elenco e comissão: autores de mais uma página heroica e imortal

Uma campanha espetacular. Assim podemos resumir a trajetória do time feminino do Cruzeiro na sua primeira competição. Uma equipe que foi formada há apenas 5 meses, e que já encarou seu primeiro jogo com apenas 40 dias de existência. Naquele dia o Cruzeiro saiu derrotado, mas até agora isso não se repetiu mais. Aliás, desde aquela tarde em Taubaté, não houve sequer empates. Oito vitórias consecutivas garantiram o clube na primeira divisão do futebol feminino nacional em 2020. Uma página heroica imortal — mais uma.

O time que iniciou o jogo do acesso: Isabela e Duda na dupla volância, Vanessa por dentro e Micaelly de “falsa 9”

Mas o jogo que definiu o acesso das “Cabulosas” não foi tão fácil quanto parece. Com a vantagem construída já no fim do jogo de ida em Fortaleza, o Cruzeiro podia até perder o jogo por 1 gol de diferença e ainda assim alcançaria seu objetivo. O técnico Hoffman Túlio mandou a campo a equipe que queria ter escalado no jogo de ida. O gol de Camila foi protegido pela linha defensiva formada por Lia e Pires no miolo de zaga e Janaína e Eskerdinha nas laterais. Na cabeça de área, Isabela e Duda formavam uma dupla de suporte a Vanessa, centralizada, que tentava servir a Miriã pela direita e Thayane na esquerda, com Micaelly fazendo a função na frente.

Já o Ceará, por sua vez, não tinha outra alternativa senão se lançar ao ataque, pressionar e tentar fazer um gol logo cedo. E foi isso que aconteceu. As visitantes subiram a marcação no início do jogo e dificultaram muito as ações com bola das jogadoras celestes. A dificuldade na saída de bola se traduzia em bolas longas, que quase sempre eram recuperadas pela zaga do Ceará, e assim um novo ataque era iniciado. Porém, a defesa bem postada do Cruzeiro não permitiu maiores finalizações por parte do adversário, exceção feita a um chute de fora de Jady que passou por cima do gol de Camila.

Nas poucas vezes em que conseguia sair, faltava ao Cruzeiro um capricho maior na hora de construir, e os erros de passe devolviam a bola ao adversário. Mas com o passar do tempo, o Ceará deixou de pressionar alto. O Cruzeiro assim conseguiu sair tocando de trás com mais facilidade. Além disso, as trocas de passe no terço final melhoraram. Micaelly, que até aquele momento tinha poucos toques na bola, começou a cair pelo lado esquerdo na costas da lateral adversária e encontrou muito espaço pra ser lançada. Por ali gerou boas chances. Deu dois belos passes pra Thayane, de frente, finalizar, mas em ambos a camisa 21 desperdiçou.

O jogo foi pro intervalo com a sensação de que o Cruzeiro havia equilibrado as ações e até sendo superior no meio-campo. Duda e Isabela faziam uma dupla de volantes muito entrosada. Quando uma subia pra pressionar, a outra já estava perto pra fazer a cobertura. Se uma subia de cabeça, a outra já tentava pegar a segunda bola. E assim o Cruzeiro controlou o meio, e também o jogo.

Não por acaso, assim saiu o primeiro gol. Duda deixou a bola escapar num lance no meio, mas conseguiu se recuperar e dar um toque na bola pra Isabela mais atrás. A camisa 17 acionou Janaína na direita, que tabelou com Vanessa e serviu Thayane na marca do pênalti com um passe rasteiro. Dessa vez ela não perdeu e colocou o Cruzeiro em vantagem.

O gol foi um baque para as cearenses. A vantagem do Cruzeiro, que já era grande, ficou ainda maior. Duda e Isabela seguiam vencendo duelos no meio-campo e ajudando na frente. Numa dessas, Duda dominou de cabeça uma rebatida de Lia e chapelou Jady, que fez falta e levou o amarelo. O controle era tal que o segundo gol não demorou a sair, novamente com protagonismo das volantes. Em jogada sendo trabalhada pela esquerda, Isabela recebe o passe, vê Janaína passando do outro lado, tenta a inversão, mas é curta. Duda disputa a rebatida, consegue o passe pra Thayane que devolve de primeira. Duda corta a marcação e aciona Janaína, que continuava livre na direita. A lateral invadiu a área e tocou no canto da goleira Tati.

Com a imensa vantagem, o Cruzeiro tirou o pé e se contentou em controlar as investidas do Ceará. Recuou suas linhas e tentava ativar Miriã, Micaelly e Vanessa pelos lados com bola longa, sem muito sucesso. E o Ceará não conseguia conectar mais passes incisivos, sem incomodar a última linha do Cruzeiro. Camila pouco trabalhou. Na verdade, a grande vantagem que o Cruzeiro tinha dava mais confiança para as atletas celestes e minava o ânimo das cearenses, naturalmente.

Hoffmann fez suas trocas, mas apenas para dar mais fôlego e não deixar cair o ritmo. Isa Leone entrou na vaga de Janaína e Jajá entrou no lugar de Pires, em duas trocas diretas. Vanessa cedeu seu lugar à volante Nathália, reforçando o meio-campo ainda mais. Não havia necessidade. O gol de honra do Ceará só saiu por causa de um erro do Cruzeiro, um tiro de meta mal cobrado por Jajá que caiu diretamente no pé de uma adversária já perto do gol. Cruzamento, e Maria Vitória venceu Lia pelo alto pra encobrir Camila e descontar.

Não importava. Era o finzinho do jogo e o grito de alegria já estava preparado na garganta. Foi só esperar o apito do juiz e comemorar um feito histórico.

E que venham as semifinais. Avante, Cabulosas!

Santos 0 x 1 Cruzeiro – Modo seguro (mas nem tanto)

Em entrevista recente, Mano disse que planejou o Cruzeiro em três etapas. Fugir do rebaixamento estabilizando o time, depois voltar a competir de igual para igual, e por último tentar propor o jogo com a bola, sendo protagonista do jogo. Mas também disse que, quando a coisa começa a degringolar, os jogadores começam a perder a confiança no planejamento do treinador, o que é natural. Pra isso, ele confessa que, nesses momentos, é necessário “voltar algumas casas” na evolução do time.

Posicionamento estrutural das equipes: Cruzeiro mais conservador, duas linhas de quatro com Neves e Barcos à frente. Santos num 4-3-3, mas com uma trinca de volantes no meio.

Na Vila Belmiro, pelo jogo de ida das quartas da Copa do Brasil, parece que foi o que ocorreu. Vindo de dois resultados negativos no Brasileiro, o Cruzeiro visitou o Santos e se defendeu no melhor estilo Mano Menezes. Duas linhas de quatro com Barcos e Neves à frente, praticamente abdicando de um ataque organizado, tentando sempre chegar em transições ou bolas paradas. O resultado pode indicar que o plano foi um sucesso, mas não foi bem assim. Não dá pra dizer que foi um jogo perfeito defensivamente, porque o Santos teve chances de marcar.

Primeiro tempo

No início, Neves e Barcos pressionavam a saída dos zagueiros, induzindo-os a circular para o lado. Depois que a bola saía, eles voltavam e encaixavam nos volantes, pra fechar a linha de passe. Já os pontas Robinho e Arrascaeta alternavam a marcação, ora nos laterais, ora no volante do lado. Arrascaeta e Robinho constantemente olhavam para trás antes de subir a pressão no lateral se a bola chegava ali, para não deixar seu lateral “vendido”, ou mesmo pra ver se o volante fazia a cobertura.

Barcos e Neves pressionam os zagueiros e induzem a bola a chegar no lateral. Na direita, Robinho subia a pressão em Dodô, com Henrique na cobertura

Aqui, Santos fez uma saída de 3 com Alison entre os zagueiros, causando superioridade. Na parte de baixo da imagem, vemos Arrascaeta sinalizando a passagem de Victor Ferraz

O plano era induzir o Santos a sair pelo lado, e isso foi bem executado na primeira parte. Com isso, o Cruzeiro conseguia balançar para o lado da bola e defender em igualdade numérica, normalmente em três contra três: o lateral, o ponteiro e o volante do lado da bola. Aqui, um pequeno problema, já que um drible ou um erro de leitura — já que o Cruzeiro marca por encaixes no setor — poderia deixar um jogador livre pra cruzar. Um risco calculado, aconteceu algumas vezes, mas felizmente as jogadas não deram em nada.

Cruzeiro defendendo o lado esquerdo em igualdade numérica com o lateral, o ponta e o volante do lado da bola

Aqui, um momento em que o Cruzeiro defendia o lado direito. Novamente, igualdade numérica no setor, com o lateral, o ponta e o volante do lado

Um outro problema, pelo lado esquerdo, era a falta de uma pressão maior no jogador do retorno do adversário (o que fica por trás), quando este recebia a bola. Em duas ou três vezes ele conseguiu inverter a bola na diagonal longa pro lado direito, deixando Lucas Romero no mano a mano, ora com Bruno Henrique, ora com Gabriel. Novamente, por sorte as jogadas nada produziram.

Com a bola, o Cruzeiro tinha bastante dificuldade em sair da primeira pressão do Santos após recuperar a bola. Devolvia a bola com facilidade, pois tentava passes difíceis e longos para quem estava na frente, que obviamente sempre estavam em inferioridade numérica. Se na disputa aérea ficou mais ou menos dividida, na segunda bola o Santos ganhava quase todas e prosseguia com a posse.

Nas raras vezes em que teve a chance de um ataque mais organizado, o Cruzeiro errava muitos passes, principalmente os de ruptura, que quebram as linhas adversárias — o famoso penúltimo passe. Além disso, Thiago Neves novamente não fez um bom jogo tecnicamente, com muita dificuldade de receber a bola entre as linhas e prosseguir na jogada. Muitas vezes nem conseguia girar em cima da marcação pra pegar o campo de frente, cedendo a posse. Por outras vezes, recuando pra receber o passe, não tentava uma jogada mais aguda, fazendo apenas a bola circular por trás ou mesmo recuando para um volante.

De positivo, mais uma vez, a circulação de Arrascaeta. O uruguaio foi um ponto de apoio, aparecendo entre as linhas, recuando pra ajudar na saída e sempre tentando um passe vertical. Por sinal, a única jogada perigosa do Cruzeiro no primeiro tempo só aconteceu pela flutuação do uruguaio. Ele acha espaço entre as linhas, recebe de Dedé e aciona Thiago Neves. Cruzamento, e no rebote, Vanderlei defende Lucas Silva. Na cobrança do lateral, Egídio cobra direto pra Thiago Neves, que passa a Henrique, que acha Robinho, que vê Arrascaeta infiltrando por trás da zaga do outro lado. De novo, Vanderlei defendeu.

 

Arrascaeta flutua, encontra um oceano de espaço entre as linhas e recebe de Dedé. No fim desse lance, ele aciona TN na esquerda, e no rebote do cruzamento, Vanderlei defende chute de Lucas Silva

Segundo tempo

Após o intervalo, as equipes ajustaram ligeiramente suas estretégias. O Santos passou a marcar mais alto, pressionando a saída do Cruzeiro para forçar o erro, e conseguia muitas vezes. Já pelo lado do Cruzeiro, Neves e Barcos já não pressionavam os zagueiros, apenas fechavam as linhas de passe por dentro. O Santos continuava saindo pelo lado, mas os zagueiros agora tinham mais tempo pra pensar e por vezes até achavam campo pra avançar.

Logo aos dez minutos, Mano lançou Raniel na vaga de Barcos. Sou da opinião de que não existe troca “seis por meia dúzia”, pois não existe jogador igual ao outro. Porém, confesso que não sei precisar a razão. Talvez uma questão física de Barcos, ou mesmo pra Raniel dar mais intensidade e/ou velocidade, estando descansado. Entretanto, o sistema tático não se alterou, nem a postura.

Aos 20, o melhor momento do Cruzeiro no jogo. Posses de bola longas, de mais de um minuto, em sequência. Bastante conservadoras, como era o plano. Na primeira, o Cruzeiro trocou passes pacientemente por 1 minuto e 10 segundos, de um lado a outro do campo, com todos os jogadores (exceto Raniel) tocando na bola ao menos uma vez. Terminou em cruzamento errado de Lucas Romero (em raríssima aparição ofensiva). Outra gerou um cruzamento longo demais de Robinho, e também houve cruzamento de Arrascaeta que Vanderlei tirou, e um chute de Lucas Silva por cima. Um momento que durou 6 minutos.

Depois, Cuca trocou Renato, volante, por Daniel Guedes, lateral. Efetivamente, deixava só Alisson na proteção, com Victor Ferraz indo para o meio-campo ajudar na construção. Com isso, o Santos empurrou o Cruzeiro pra trás, com muita presença no campo ofensivo e pressão após a perda forte. O Cruzeiro não conseguiu sair com qualidade e foi sufocado. Mano agiu e colocou Rafinha na vaga de Thiago Neves, deslocando Robinho para o centro. A troca funcionou, e a pressão arrefeceu, apesar do Santos ainda ter maior posse. Mas futebol prega peças e num rebote, a zaga do Cruzeiro deixou Gabriel livre, mas Fábio salvou. Foi a melhor chance deles.

E como diria Muricy, a bola pune. Duas posses depois, o Cruzeiro chegaria a seu gol. Curiosamente, na primeira vez em que Rafinha participa com a bola, quase 6 minutos depois de entrar no jogo. Na jogada, Robinho acha o espaço ao lado de Alisson, que tinha muito campo pra cobrir. Ele recebe e aciona Rafinha. Como era o único volante, Alisson fechou em Rafinha, deixando Robinho livre. No jogo de corpo, Rafinha enganou Alisson e abriu a linha de passe, deixando Robinho de frente pro gol na entrada da área, o lugar mais disputado do campo. Raniel se desmarca, recebe e chuta girando. Essa Vanderlei não pegou.

No lance do gol, Robinho, já na função de central com a troca Rafinha x TN, acha espaço ao lado de Alison, o volante único do Santos àquela altura

Alison atravessa o campo pra combater Rafinha, mas este drible de corpo abre a linha de passe pra Robinho pegar de frente; ele aciona Raniel, que se desmarca pra girar e marcar

Imediatamente, Mano tirou Robinho e mandou Sobis a campo. Arrasceta seria o novo central, com Sobis indo para o lado esquerdo. Com algum risco, o Cruzeiro controlou o jogo até o fim.

Confiança

Uma vitória com a marca de Mano. Como esperado, fechou o time e jogou no erro do Santos. Ainda assim, correu riscos, com algumas falhas de marcação, e com a bola teve dificuldade em manter a posse no início. De certa forma, se aproveitou do mau momento do adversário também. Quando o jogo se abriu um pouco com o Santos arriscando mais, conseguiu aproveitar a única chance que teve.

Thiago Neves novamente não foi bem, mas é preciso ser justo: por mais que tecnicamente ele ainda esteja abaixo do esperado, a simples presença dele nas costas dos volantes ajuda a abrir espaço para os companheiros. Coletivamente, ajudou nessa parte. Com a bola nos pés, me parece que Thiago passa por uma crise de confiança. Que só será dissipada quando conseguir um gol ou assistência. Que seja logo, pois o Cruzeiro precisa muito dele.

Em suma, o resultado é obviamente muito bom, tanto por ser fora de casa em um mata-mata como por estancar a sequência de derrotas. Porém, ainda há muito o que remar em termos de desempenho, mesmo nesse “modo seguro”. O Flamengo é um time melhor que o Santos, e dificilmente desperdiçaria os espaços em lapsos de marcação do Cruzeiro. Algo a se corrigir.

As duas margens do rio

Pesquisando rapidamente para buscar inspiração para este texto, me pego lendo sobre a história do Uruguai. Nosso vizinho é conhecido oficialmente como República Oriental do Uruguai em português. Oriental, no caso, é porque o país fica à margem leste do rio Uruguai, ou seja, ocupa a banda oriental do rio Uruguai. Não sei se o termo “La Banda” pode ter vindo daí, mas é provável que seja o sentido mais óbvio pra nós: um grupo de pessoas.

Falemos, então, de alguns jogadores do Cruzeiro que vêm dos países que ficam dos dois lados do rio Uruguai.

Uruguai

Arrascaeta, como todos sabem, é uruguaio. Mas no Cruzeiro, não joga na margem oriental e sim na ocidental (considerando que o “norte” é o gol oposto — o objetivo). Nosso 10 parte do lado esquerdo do ataque para se associar com os companheiros e criar situações.

Porém, Arrascaeta está sempre “atravessando o rio”. Ele não fica preso do lado como um ponta típico, pisando na linha lateral e esperando por vários minutos a bola chegar pra tentar o drible no mano a mano. Ele flutua por dentro, vai no corredor central, e até atravessa o campo, vai se encontrar com Robinho lá do outro lado. Esse é o jogo dele, é como ele rende mais, como estamos vendo nesses dois jogos dele pós-Copa do Mundo. Moleque está voando, não só pelos gols, mas porque tem participação direta em vários lances perigosos.

Dois momentos contra o América em que Arrascaeta “flutua”: sai da ponta esquerda pra participar do jogo, às vezes até atravessando o campo

Mas, como costumo dizer, futebol é cobertor curto. Toda escolha que o treinador faz — seja em termos de escalação ou de posicionamento — tem seus benefícios, mas também traz prejuízos. É muito difícil potencializar uma coisa sem ter que tirar de outro lugar, seja como for: quer ser mais ofensivo? Vai ter que correr mais riscos atrás. Quer marcar mais alto? Vai ter que deixar espaço nas costas da defesa. Quer se retrancar? Vai ter que deixar pouca gente na frente, tornando um contragolpe mais difícil. E por aí vai. O grande trabalho de um treinador é saber mediar isso, minimizar os defeitos e potencializar as virtudes. Compensações, posicionamento de outros jogadores, o que seja: montar um time é quase uma arte.

De forma que, essa movimentação de Arrascaeta, que inegavelmente vem tendo um excelente rendimento nessa função, traz um “problema” na marcação pelo lado esquerdo. Está entre aspas porque pode não ser um problema de fato, e sim um risco assumido. Só Mano pode responder isto, mas é o que parece: quando o uruguaio flutua e o Cruzeiro perde a bola, ele está fora de posição, e um dos volantes tem que compensar. No jogo de ontem, era Ariel Cabral, o volante do lado esquerdo, mas Henrique também o fez (pois eventualmente Ariel e Henrique se cruzavam no campo). Às vezes não dá tempo de compensar e o lateral adversário tem bastante campo pra ir. Egídio pode encaixar e abandonar a linha ou ficar pra não quebrá-la, de qualquer forma, vai haver espaço em algum lugar perigoso se o adversário for rápido o suficiente.

Com Arrascaeta flutuando, na perda de bola às vezes ele está fora de lugar, e outros jogadores tem que cobrir. Aqui, Henrique tenta, mas não chega a tempo de impedir o cruzamento

É uma escolha. Como quase tudo no futebol, há o bônus e o ônus. Uma das formas de não ter esse ônus com Arrascaeta por fora é colocá-lo oficialmente por dentro no 4-2-3-1, na função do Thiago Neves. Mas aí você tem que tirar o camisa 30 do time. Ou jogar sem um centroavante. E isso mostra, de novo, como cada escolha quase sempre traz um prejuízo junto. E vendo por esse prisma, chega a ser até surpreendente ver um treinador tão conhecido pelo pragmatismo como Mano arriscar o lado do campo assim. Bem, enquanto ele estiver se pagando, como está agora, me parece claro que vale o risco.

Argentina

Do outro lado do rio, está a Argentina. Dos argentinos que jogaram ontem, já falei sobre Cabral em um texto do início de 2016. Apesar de velho, aquele texto ainda tem muita coisa atual, portanto deixo pra escrever sobre o baixista da La Banda em outro momento. Quero falar aqui de duas novidades: Barcos e Mancuello. Mancuello novidade? Sim, explicarei logo mais.

O centroavante é a mais nova aquisição do Cruzeiro. Mas como pudemos ver no jogo de ontem, ele não é um centroavante clássico, que só conclui jogadas. Ele participa do jogo, cai pelos lados, recua pra ajudar na construção. Mas ainda assim consegue dar profundidade e atrair a atenção de zagueiros. Apesar de não ter finalizado em gol ontem, a simples presença do Pirata ali abre espaços para companheiros.

No primeiro gol, ele tem uma participação sutil. Neves desce pra base da jogada, Robinho percebe e flutua por dentro. Quando a bola chega nele, um zagueiro sai da última linha pra combater, mas ele já sabe que vai tocar pra Thiago atrás dele. Leva uma pouco de sorte, pois é o zagueiro que tenta tirar e a bola acaba chegando pro camisa 30. De qualquer forma, rapidamente Robinho se desmarca e entra no espaço gerado pela quebra da linha, com Barcos prendendo o outro zagueiro. Neves toca por cima num belo passe e Robinho perde, mas Arrascaeta chega por trás pra concluir no rebote.

A mesma coisa no gol da virada: a jogada é muito bem trabalhada pelo lado esquerdo, fazendo a linha defensiva do América balançar toda pro lado da bola: o lateral direito (Norberto) vai em Egídio, o zagueiro da direita (Messias) fecha em Arrascaeta, que está infiltrando, e o outro zagueiro (Matheus Ferraz) fica na sobra. Então o lateral esquerdo Giovanni fica com sua atenção presa em Barcos, “esquecendo” Robinho às suas costas. Depois da tabela entre Neves e Arrascaeta, Barcos para a corrida e fica na marca do pênalti sozinho. Se a bola viesse nele, certamente seria uma grande chance. Mas Arrascaeta coloca na segunda trave. Dá pra ver que Giovanni parece tranquilo enquanto a bola viaja, com a certeza que está sozinho, e até faz o movimento pra tocar pra escanteio, mas Robinho intercepta.

Três momentos do gol da virada: 1- marcação encaixada com a linha defensiva do América toda para o lado da bola; 2- Barcos prende a atenção de Giovanni, Moisés é vencido pela tabela Neves-Arrascaeta; 3- no momento do cruzamento, Barcos e Robinho estão livres

Então, não foi uma estreia brilhante, mas como afirmei no último texto: o sistema do Cruzeiro meio que pede um centroavante com mais presença ali. O 4-4-2 (ou 4-2-4-0, como costumo chamar, pra destacar a ausência de um centroavante) não tem tido muito sucesso em criar superioridades no último terço. Tendo alguém ali, o Cruzeiro consegue ter mais profundidade, mais jogo central (com pivô) e até ter alvos preferenciais na área para um jogo mais lateral.

Sobre Mancuello, claro que ele em si não é uma novidade, já está aí desde o início do ano. A novidade é a função que, aparentemente, Mano está criando pra ele: jogar por dentro, e não pelos lados como tentava antes. Os amistosos já eram um indício: no primeiro contra o Corinthians e no jogo-treino contra o Coimbra, Mancuello entrou ali, porém na ponta de cima de um losango. Talvez pra acomodar todos os jogadores reservas que entraram com ele. Já no segundo amistoso com o Corinthians, ele entrou de fato por dentro no sistema usual do Cruzeiro, que por vezes é um 4-4-2 e por vezes um 4-2-3-1.

Me parece que Mano está preparando Mancuello para ser uma espécie de reserva do Thiago Neves. Claro que não tem a mesma qualidade, ainda que Thiago Neves esteja recuperando sua forma técnica aos poucos, mas Mancuello nessa função é uma aposta interessante, até mesmo porque não dá pra ter a certeza de contar com o camisa 30 em todos os jogos, principalmente na questão física. E também, porque essa função no sistema do Cruzeiro é imprescindível, como pudemos ver no jogo contra o Paraná logo antes da parada pra Copa: os dois Lucas, por trás, não infiltravam; os dois abertos, Mancuello e Robinho, não flutuavam por dentro, e os dois da frente, Sobis e Raniel, não recuavam. No fim, ninguém circulando entre as linhas do adversário. Não gera jogo.

Brasil

No futuro, escreverei mais sobre os outros integrantes da La Banda: Lucas Romero e Ariel Cabral — este com um texto novo, mais atualizado. E até mesmo sobre Barcos, com o avanço do entrosamento dele com o resto do time. Com Henrique e Cabral suspensos, Lucas Romero já deve jogar no domingo contra o Atlético/PR, ao lado de Lucas Silva. Como dito acima, essa foi a dupla de volantes contra o Paraná, o último jogo antes da Copa. Por característica, nenhum dos dois costuma infiltrar, ambos ficam por trás, na base da jogada. Assim, vamos precisar ainda mais que o quarteto de frente se movimente, pra ter sempre alguém ali nas costas dos volantes adversários.

Portanto, Robinho, Rafinha, Thiago Neves, Raniel, ou até mesmo Edilson ou Egídio (se apoiarem por dentro ao invés de passarem por fora), seja quem for jogar, vão precisar ajudar nesse setor do campo. O que não pode é ficarem estáticos em suas posições. Afinal, futebol, no Brasil, tem organização, mas na hora de atacar, é tudo junto e misturado.

E não tem problema nenhum nisso.

Superioridade (numérica)

Se me dissessem pra resumir a parte tática no futebol — e tudo que a ela envolve, como sistema, estratégia e afins — em uma frase só, eu diria que é “buscar ter mais gente perto da bola que o adversário”. Em qualquer momento do jogo: com bola, sem bola, bolas paradas. Na defesa, no meio-campo, no ataque. Por dentro, pelos lados. Isso não varia nunca.

O que muda, de fato, é a forma como os treinadores pensam pra atingir esse objetivo. E no jogo de ontem, no qual Cruzeiro e Atlético/PR empataram e o Cruzeiro avançou de fase pela Copa do Brasil, se pôde ver muitas dessas diferentes formas de buscar essa superioridade numérica.

Sem a bola

A primeira é mais óbvia: quando o Cruzeiro se defende, formava as duas linhas de quatro tão características dessa equipe, deixando apenas Thiago Neves e Sobis à frente. Rafinha e Arrascaeta fechavam os lados, com os volantes por dentro e a linha defensiva postada atrás. Mas futebol, como se sabe, não é totó, e as movimentações dos jogadores procuravam a superioridade numérica. Se a bola vinha pelo lado esquerdo (direito do adversário), o ponta do lado contrário (no caso, Rafinha) centralizava bastante, deixando o corredor esquerdo livre. Tudo pra que tenha um acúmulo de jogadores no setor da bola e criasse também um sistema de coberturas. A mesma coisa ocorria se a bola entrava pelo lado direito: Rafinha dava o combate, os volantes se aproximavam e Arrascaeta fechava bem no centro, deixando o lado direito aberto.

Isso até funcionou de maneira razoável, já que o Cruzeiro pressionava bastante o adversário com a bola e fechava linhas de passe próximas, obrigando o jogador a voltar com a bola ou tentar um passe mais difícil, que resultava em erro. Poucas vezes o Atlético-PR conseguiu inverter de lado a jogada pra aproveitar este espaço, e quando o fez, não foi de maneira rápida, de forma que o Cruzeiro conseguia rodar e mudar a pressão de lado até a bola chegar lá.

Léo longe da linha defensiva, encaixado no seu jogador; Rafinha bem fechado por dentro; ponta oposto do CAP “livre”; acúmulo de jogadores sobre a bola. Mesmo assim, o passe para o centroavante sai, na única finalização certa do adversário

O que não gostei muito foram os encaixes de marcação. O Cruzeiro marca por encaixes no setor, isto é, jogadores ficam em suas zonas, mas quando um adversário entra ali, o cruzeirense cola nele e vai com ele até o fim da jogada. Se a bola sai de perto, aí eles voltam para as suas zonas. Por vezes víamos Rafinha atrás de Edilson, por exemplo, o que é um forte indício deste tipo de marcação: Rafinha encaixava no lateral e Edilson no ponta, e quando o lateral passava, não havia a “troca” de marcação típica de uma zonal pura: Edilson continuava com o ponta e Rafinha afundava até o fim com o lateral deles.

Do lado esquerdo do Cruzeiro, isso era ainda mais claro. E esse tipo de marcação gerava, por vezes, uma indefinição para Egídio, que começava na saída de bola do Atlético/PR. O time paranaense, quando entrava em modo de construção, realizava o que se chama de “saída de 3”: três jogadores ficam por trás para gerar superioridade numérica — olha ela aí — e sair com a bola mais limpa. No caso, um volante entrava entre os dois zagueiros, que abriam, formando temporariamente uma linha de 3. Os laterais subiam ao mesmo tempo, empurrando os pontas do Cruzeiro pra trás, e assim apenas Sobis e Thiago Neves encurtavam nos zagueiros. Com dois contra três, Paulo André, o zagueiro da direita, por vezes conseguia bastante campo pra conduzir a bola sem ser incomodado. Quando o fazia, Arrascaeta tinha que deixar Jonathan para pressionar, e Egídio não sabia se permanecia na linha de 4 contra o ponteiro ou se saía pra combater Jonathan. Na maioria das vezes, Egídio deixava o ponta para os zagueiros pegarem e subia a marcação. Mas em pelo menos duas vezes, o lateral direito do Atlético/PR teve chance de fazer um cruzamento limpo.

Com a bola

Já quando atacava, o Cruzeiro procurava muito os lados do campo. Talvez até induzido pela marcação do Atlético/PR, que fechava bem o corredor central, empilhando jogadores na entrada da área — superioridade numérica. Muito dessa falta de jogo pelo meio decorre, claro, da falta de um centroavante que pudesse fazer a parede num passe vertical e deixar para alguém chegar de trás. Tanto é que, com a entrada de Raniel, a equipe passou a atuar num 4-2-3-1, e Raniel conseguiu dar um bom apoio pelo centro em várias jogadas.

Além disso, Thiago Neves também não está em seus melhores dias tecnicamente, pois essa região do campo é dele, entre as linhas do adversário. Em um setor tão vigiado, é preciso ter técnica para se desvencilhar da primeira pressão (que chega imediatamente ao receber a bola) e ter um mínimo de tempo pra olhar o jogo de frente e dar o passe. Outra forma de se ter espaço ali é se desmarcar, movendo-se alguns passos e se separando momentaneamente do marcador. O passe tem que entrar exatamente nessa hora, é uma janela de tempo curta. Em vários momentos, Thiago fazia esse desmarque, mas não recebia a bola. O time também precisa procurá-lo mais.

Os volantes do Cruzeiro também tem uma parte nisso. Até porque, Lucas Silva é volante passador, fica na base da jogada, não faz jogo entre as linhas do adversário, não pisa na área. Até por isso, Henrique, que é o volante de pegada, tem feito também um trabalho de infiltração que não é lá bem sua característica. Então essa parte do campo fica menos povoada com cruzeirenses, e o Atlético/PR, novamente, tem superioridade numérica no setor.

Henrique pedindo a bola em uma infiltração: tem feito, mas não é bem a a característica dele

Restou, portanto, jogar pelos lados. Mas sem um alvo claro na área, por exemplo, um bom cabeceador, ou mesmo sem ter a área muito povoada, não era muito frutífero ficar cruzando bolas a esmo. O Cruzeiro buscava cruzamentos cirúrgicos, às vezes buscando um jogador mais baixo na segunda trave, às vezes um cruzamento rasteiro pra quem vem de trás. Sem sucesso, é uma jogada muito difícil de entrar.

O gol

Tudo isso resultou num jogo de poucas finalizações, de ambos os times. Não é surpresa, portanto, que o gol do Cruzeiro tenha saído em uma jogada de contragolpe, que é uma das situações em que se busca ter superioridade numérica no campo ofensivo, pegando o adversário desorganizado. Como já eram decorridos 80 minutos, e o Atlético/PR precisava de gols, passou a pressionar alto. E futebol é cobertor curto: se você marca lá na frente, dá o espaço às costas da sua defesa. O Cruzeiro conseguiu bem sair da pressão adversária trocando de lado. Aqui, destacamos o passe Edilson/Raniel, tanto pela boa leitura e execução do lateral quanto pela movimentação inteligente do centroavante para buscar o espaço. Sempre gosto de dizer que um bom passe é obra tanto de quem executa quanto de quem recebe. É uma tarefa de dois jogadores.

O passe Edilson/Raniel que quebrou a segunda linha do CAP: origem

O passe de Edilson venceu de uma só vez toda a segunda linha do Atlético/PR, que estava correndo pra trás pra defender o contragolpe. O quarteto ofensivo do Cruzeiro, de repente, se viu com apenas os dois zagueiros à frente: novamente, superioridade numérica. E quando se tem mais gente que o adversário, é sempre mais fácil fazer a jogada. Robinho passa, recebe e já sabe que Arrascaeta está chegando por trás, e passa a bola sem olhar. Arrascaeta quase perde a chance, mas se recupera e conclui para o gol.

O passe Edilson/Raniel que quebrou a segunda linha do CAP: destino

Mesmo com a vantagem, o Cruzeiro surpreendentemente não se fechou totalmente, e ainda teve mais uma chance com Robinho, novamente em lance de superioridade numérica, 4 contra 3. Mas no fim, com apenas mais alguns minutos por jogar e com a vantagem que já existia no empate ampliada pelo gol, era natural um relaxamento. Bergson conseguiu empatar numa desatenção dos zagueiros, ainda que exista mérito na jogada do atacante paranaense, uma tentativa de chapéu dentro da área que surpreendeu.

Atacar defendendo (por enquanto)

Ao fim, valeu a classificação. Cruzeiro fez um jogo seguro defensivamente, com alguns detalhes aqui e ali como dito no texto. Mas nem sempre será assim, alguma vez um outro time pode conseguir um gol numa bola parada por exemplo, e tudo muda. Não é muito saudável ficar sempre andando no fio da navalha, no limite da classificação ou da vitória, pendurado por um gol. E isso nem é culpa da defesa, mas sim da produção com a bola. Cruzeiro depende um bocado de seu meia central em boa forma técnica para conseguir ter mais jogo ofensivo, como dito acima. E também de um centroavante, esse sistema de jogo do Cruzeiro praticamente pede por um. Sem um atacante central, tem sido bem difícil, neste sistema, criar chances claras.

Otimista que sou, espero sinceramente que Thiago Neves volte à sua melhor forma mais próximo do jogo contra o Flamengo pelas oitavas da Libertadores, que é o sonho do torcedor. Claro que bons desempenhos no Brasileiro serão bem-vindos. E a chegada de Barcos, juntamente com a recuperação de Raniel e, mas tarde, de Fred, nos faça voltar a ter uma produção ofensiva. Oxalá!

Huracán 3 x 1 Cruzeiro – O humano e o desumano

Pouco mais de dois dias após um jogo de alta intensidade, o Cruzeiro voltava a campo para jogar. Fez bons minutos iniciais, levando alguns sustos mas aplicando alguns também, mas dois terríveis erros defensivos mudaram a história do jogo. Mesmo após os gols, o Cruzeiro continuou tendo alguma iniciativa e até conseguiu diminuir no início da segunda etapa, apenas para ver sua reação morrer com mais um erro defensivo e o esgotamento físico.

Escalações

Com Henrique se movendo entre a ponta e o centro, o Cruzeiro variava entre um 4-2-3-1 e um 4-3-1-2, com Mena dando amplitude pela esquerda e Willians ajudando Mayke pela direita, com Willian circulando

Com Henrique se movendo entre a ponta e o centro, o Cruzeiro variava entre um 4-2-3-1 e um 4-3-1-2, com Mena dando amplitude pela esquerda e Willians ajudando Mayke pela direita, com Willian circulando

Com Alisson vetado, Marcelo Oliveira surpreendeu e escolheu Willian Farias para o seu lugar. Três volantes? Mais ou menos. O time foi a campo num 4-2-3-1, mas com uma variação com a movimentação de Henrique. A meta de Fábio era defendida por Mayke à direita, Léo e Paulo André no centro e Mena pela esquerda. À frente da área Willian Farias ficava mais fixo, liberando Willians para ajudar no ataque pela direita. Henrique variava entre as funções de ponteiro e volante esquerdo, com Willian do outro lado, De Arrascaeta centralizado e Damião na frente.

O Huracán do treinador Néstor Apuzzo também entrou no 4-2-3-1. A linha defensiva do goleiro Díaz tinha Nervo e Domínguez na zaga, com Mancinelli pela direita e Balbi na lateral esquerda. Na proteção, os volantes Villaruel e Vismara davam suporte ao trio formado por Puch na ponta direita, Toranzo central e Gamarra pela esquerda. Na referência, Abila.

Entendendo o sistema

Ter jogado um clássico de alta intensidade 48 horas antes não resultou apenas no veto a Alisson. Marcelo revelou após a partida que a entrada de Willian Farias era para aliviar a barra de Willians, tendo a companhia de outros dois jogadores marcadores no centro. De fato, Henrique começou o jogo bem centralizado, tentando fechar a entrada da área. Mas logo recebia instruções de Marcelo Oliveira para marcar o avanço do lateral Mancinelli, que tinha o corredor livre.

Assim, sem a bola, o Cruzeiro se configurava num 4-2-3-1, com Henrique na ponta. Quando o Cruzeiro recuperava a bola, Henrique tentava explorar o espaço entre o centro e a ponta esquerda, participando da construção e abrindo o corredor para Mena apoiar. Do outro lado, Marcelo Oliveira dava orientações para Willian estreitar no campo e abrir o corredor para o avanço de Mayke, outro objetivo deste esquema.

Errou, pagou

Depois de uma certa pressão inicial, da qual o Cruzeiro se defendeu muito bem, o jogo passou a ficar bem equilibrado. O Cruzeiro teve boas oportunidades, mas pecava ou no último passe ou na finalização. Em suma, na fase ofensiva, faltou apenas um capricho maior.

O problema do 1º tempo foi a transição ofensiva. O Huracán tentava pressionar imediatamente após a perda da bola, inclusive fazendo várias faltas, algumas não marcadas pelo juiz. Como a que Damião sofreu antes do 1º gol. Willians até recuperou a bola, mas foi displicente e tentou driblar numa área perigosa, sem sucesso. Ainda por cima, Abila estava impedido quando o passe saiu. Fábio até conseguiu adivinhar o lado do drible, mas não conseguiu pegar a conclusão.

Errou, pagou (II)

Mesmo depois do gol, o Cruzeiro não se abateu. Continuou jogando da mesma forma, inclusive nos erros: o passe final ou a conclusão. Mas em outro erro na transição, desta vez mais coletivo, redundou no segundo gol argentino. Mena estava fora da sua posição quando o Cruzeiro perdeu a bola, fazendo Paulo André sair na cobertura pela esquerda e ficar no um contra um com Puch. O atacante do Huracán teve mérito no drible, e conseguiu achar um cruzamento para dentro da área que achou Abila, totalmente livre — nem Mayke nem Léo viram a movimentação do centroavante.

No segundo gol, erros em série: Paulo André é driblado por Puch, Mena sai na cobertura mas não impede o passe e ainda deixa o espaço para Abila receber a bola, com Mayke e Léo estáticos

No segundo gol, erros em série: Paulo André é driblado por Puch, Mena sai na cobertura mas não impede o passe e ainda deixa o espaço para Abila receber a bola, com Mayke e Léo estáticos

A partir daí, o Huracán parou de pressionar alto. Deu a bola para o Cruzeiro e se contentou em absorver a pressão. O Cruzeiro se moveu até onde suas pernas aguentavam. Teve volume, e iniciava as jogadas já no campo de ataque. Teve algumas “meias chances” de diminuir, mas não conseguiu abrir a defesa argentina com clareza até o fim do primeiro tempo.

Gabriel Xavier

Após o intervalo, o Cruzeiro voltou com Gabriel Xavier na vaga do extenuado Willians. Com isso, Henrique voltou à volância ao lado de Willian Farias, e Willian inverteu de lado para que Gabriel Xavier entrasse à direita, fazendo um 4-2-3-1 mais claro. Com o jovem meia, o Cruzeiro voltou gastando as últimas forças que tinha para recuperar o placar, e aplicou uma boa pressão inicial.

De Arrascaeta caía pelos lados mas também entrava na área, com Gabriel Xavier centralizando, abrindo o corredor pra Mayke. Posteriormente, Marcelo ordenou a inversão dos ponteiros, com Willian vindo para o lado direito, mas a dinâmica continuou a mesma: ponteiros centralizando para o lateral apoiar. Foi numa dinâmica dessas que veio o empate: Mayke subiu e cruzou, achando Gabriel Xavier dentro da área do outro lado. O meia fez a assistência pra Damião, que acabou sofrendo pênalti antes de concluir, convertido por ele mesmo.

Destruindo a reação

Fim de jogo: Cruzeiro no 4-2-3-1 mais claro, mas extenuado, tentando algo pelos flancos com Riascos e Pará, mas sem físico para marcar o 4-4-2 do Huracán

Fim de jogo: Cruzeiro no 4-2-3-1 mais claro, mas extenuado, tentando algo pelos flancos com Riascos e Pará, mas sem físico para marcar o 4-4-2 do Huracán

A postura que o Cruzeiro mostrava em campo dava a impressão de que o empate era uma questão de tempo, já que continuou tendo mais volume e iniciativa. Mas outro erro defensivo destruiu o bom momento celeste. Em uma falta boba longe da área, o Huracán optou por fazer o jogo aéreo. Em bolas paradas, o Cruzeiro faz marcação individual. Damião, que era o marcador de Mancinelli, simplesmente não acompanhou o lateral, que conseguiu chegar à bola e testar no contrapé de Fábio.

A partir daí, o cansaço finalmente bateu forte, e o Cruzeiro já não tinha mais forças para correr e abrir a defesa do Huracán. Pior, também marcava mais frouxo, perdia segundas bolas, e começou a dar espaço para o time argentino. Marcelo ainda tentou reequilibrar, com Riascos e Pará nas vagas de Willian e Mena — jogadores descansados pelos lados. Eles até conseguiram alguns cruzamentos, mas nada muito perigoso. E o setor de meio-campo ainda continuava cansado, de forma que o jogo se arrastou até o fim com o Huracán tendo a bola e controlando o jogo.

Lições e aprendizados

Falhas defensivas acontecem. Sempre aconteceram com qualquer time, e continuarão a acontecer. Certamente você se lembra daquele 0x3 para o Flamengo no Maracanã ano passado. Prova de que mesmo os times comprovadamente bem treinados e até já campeões cometem erros que culminam em derrotas. Mas isso não quer dizer que não se deva cobrar dos jogadores que cometeram essas falhas. É preciso que Marcelo corrija estes erros na transição, que é um momento muito vulnerável da equipe. Não é por acaso que a pressão alta é uma grande vedete no futebol moderno.

Além disso, é impossível desconsiderar o fator físico em qualquer análise sobre o jogo. Detratores dirão que o cansaço não é desculpa, já que o time sofreu dois gols em cinco minutos. É verdade, em erros defensivos não ocasionados pelo cansaço. Mas este aspecto interferiu diretamente na escalação, na estratégia e até o modelo de jogo da equipe. Não há como dizer que não influenciou o jogo desde o minuto 1.

Essa é a lição que se tem que tirar deste jogo. Nem vou entrar na controvérsia das datas dos jogos semifinais, que já foi muito explorada. Como já está definido que será novamente domingo, é preciso que se saiba dosar a intensidade, ainda que seja um clássico. A vantagem do empate pode pesar a favor, já que é o rival que terá que vencer para passar, e para isso terá que correr mais e propor o jogo.

Marcelo certamente sabe disso e usará esses aprendizados para tomar a melhor decisão em relação à escalação e à estratégia. Nós, torcedores, podemos discordar delas. Mas durante o jogo, devemos apoiar os onze, não importa quem sejam ou o que estão fazendo em campo.