Fluminense 3 x 3 Cruzeiro – Futebol moderno

A preguiça do Cruzeiro diante do Santa Rita, no duelo de volta pelas oitavas da Copa do Brasil, foi tal que o time não chutou uma única bola sequer no primeiro tempo contra o gol alagoano, e ainda sofreu um gol por puro desleixo na rebatida para fora da área de um escanteio. Diante de um Santa Rita aplicado, em duas linhas de quatro, e que só queria ganhar o jogo pois sabia que a classificação era difícil, o Cruzeiro só fez o suficiente no segundo tempo pra vencer.

Mas isso foi um ponto fora da curva. Até compreensível, pela vantagem que tinha no confronto e pelo fato de ser um time alternativo. Mas no jogo seguinte, a postura tinha que ser outra — e foi. Fluminense e Cruzeiro protagonizaram um duelo moderno, com muita intensidade na marcação no meio-campo e na frente, e com velocidade na troca de passes para tentar sair dessa marcação.

Formações

Os dois times no 4-2-3-1: equilíbrio nos duelos invidivuais e marcação intensa no meio-campo

Os dois times no 4-2-3-1: equilíbrio nos duelos invidivuais e marcação intensa no meio-campo

Os dois treinadores lançaram suas equipes no 4-2-3-1. Marcelo Oliveira definiu o time com Fábio no gol, Mayke e Samudio nas laterais direita e esquerda, e Dedé e Léo no miolo de zaga. Sem Lucas Silva, na Seleção sub-20, Nilton foi o companheiro de Henrique na proteção. Marlone, como ponteiro direito, e Júlio Baptista, como meia central, foram os escolhidos para as vagas dos selecionáveis Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart. Willian ocupou sua faixa pela esquerda normalmente e Moreno foi o jogador mais avançado.

Já o bom Cristóvão Borges armou o Fluminense com Kléver no gol, Henrique e Elivélton na zaga, com Bruno fechando pela direita e Chiquinho pela esquerda. Diguinho e Jean fizeram a dupla volância atrás do trio formado por Cícero na direita, Conca centralizado e Wagner pela esquerda. Na frente, Fred.

Equilíbrio

O jogo começou bem intenso no meio-campo. Os times marcavam muito bem e chegavam poucas vezes perto da área adversária. Tanto que, após o primeira tentativa de Conca logo a um minuto de jogo, não houve mais finalizações até o pênalti cometido por Cícero em Samudio e convertido por Júlio Baptista. O lance evidencia o posicionamento, onde Cícero tinha a função de espetar pela direita quando o Fluminense tinha a bola e acompanhar Samudio quando este ia para o apoio.

O mesmo Júlio Baptista, porém, seria o responsável pela desatenção no gol de empate. Era ele quem marcava Wagner, mas no desvio de cabeça Júlio largou o meia do Fluminense, que ficou sozinho pra completar para as redes. E no segundo gol dos cariocas, o discutível lance entre Dedé e Fred seria o fator determinante. Com o zagueiro caído, a zaga ficou com um buraco, e foi exatamente esse o espaço por onde Cícero — aquele mesmo que deveria ter sido expulso pela voadora em Samudio no lance do pênalti — se infiltrou e finalizou.

Troca forçada

Antes deste gol, Samudio sentiu um problema muscular e teve que ser trocado. Sem Egídio, Marcelo só podia colocar Ceará, lateral direito com o pé trocado. O incidente com o paraguaio viria a ser um ponto chave da partida posteriormente.

Uma partida que seguia equilibrada, com muita marcação e poucas chances de parte a parte. O Cruzeiro tinha um pouco mais a bola, mas errava mais passes no terço final do campo. Mas isso era puramente uma questão de estilo. O Cruzeiro é um time que tem por característica arriscar os passes agudos ao invés de ficar rodando com a bola até encontrar um espaço maior. Por serem tentativas de passe mais difíceis, a taxa de erros de passes ofensivos era levemente maior.

Já do outro lado, Conca foi bem vigiado na função de pensar o jogo e só foi perigoso quando se infiltrou na área, talvez inspirado por Ricardo Goulart. Assim, o Fluminense preferia trocava passes no meio-campo mas só espetava quando o Cruzeiro abria uma rara brecha. Coisa que aconteceu aos 42, quando Fred recebeu dentro da área e finalizou. Fábio tocou levemente para que ela explodisse no poste esquerdo e sobrasse para Conca do outro lado. O argentino finalizou a menos de 3 metros da linha fatal, mas não contava que Fábio já estivesse ali para salvar o terceiro.

Como os deuses do futebol não brincam, praticamente no lance seguinte Júlio Baptista acertou um rebote fraco fora do alcance de Kléver e empatou a peleja. Um 2 x 2 digno do que foi o jogo.

Segundo tempo

Normalmente no segundo tempo é um jogo diferente. Se não há alterações, há pelo menos ajustes táticos feitos pelos treinadores com os 11 titulares. Mas nesse caso foi uma exceção. Cruzeiro e Fluminense mantiveram suas formações, posturas e estratégias. Aos poucos, o Fluminense foi sentindo a pressão de ter que vencer em casa e cada vez mais subia a pressão na marcação no campo de ataque. Mas era uma pressão quebrada, da qual o Cruzeiro saía facilmente e criava contra-ataques velocíssimos.

Assim foi o terceiro gol: um contra ultrarrápido que teria entrado para a história do jogo como uma chance desperdiçada por Mayke, na marca do pênalti, frente a frente com Kléver. Teria, se Moreno não fizesse um voleio espetacular no rescaldo do lance para virar o jogo para o Cruzeiro.

O lado “menos forte”

No fim, Cristóvão espetou Kenedy e deslocou Jean para a direita pra jogar em cima de Ceará; Marcelo respondeu com W. Farias para reforçar a marcação no setor

No fim, Cristóvão espetou Kenedy e deslocou Jean para a direita pra jogar em cima de Ceará; Marcelo respondeu com W. Farias para reforçar a marcação no setor

A partir daí o jogo se tornou mais tático. Com a vantagem no placar e sabendo que seria pressionado, Marcelo colocou Marquinhos na vaga de Júlio Baptista, lançando-o na direita e trazendo Marlone para a faixa central. Willian foi mantido na esquerda. A intenção era explorar a velocidade nas oportunidades de contra — ou seja, foi apenas uma oficialização do que já estava em curso na partida.

Por sua vez, Cristóvão parecia gostar do que via, pois não dava sinais de mudança. Já a torcida do Fluminense pedia Walter nas arquibancadas. Até que teve uma epifania, provavelmente se lembrando do lance em que Ceará, lateral direito na esquerda, errou um cruzamento com o pé ruim numa das raras vezes em que subiu pro apoio. Ali era o mapa da mina. Colocou o jovem Kenedy para atacar o setor, mas para não perder Cícero, deslocou-o para a faixa central junto a Conca e recuou Jean para a lateral direita, sacando Bruno. Era um 4-2-3-1 mas com cara de 4-3-3, com Cícero e Conca de meias centrais.

O jogo se desenhou conforme queriam seus treinadores. O Cruzeiro com ótimas oportunidades de fazer o quarto gol e matar a partida em contra-ataques, e o Fluminense atacava insistentemente pela direita. Kenedy deu muito trabalho para o Ceará, que ainda teve que lidar com as subidas corajosas de Jean deixando Willian para trás. Percebendo isso, Marcelo trocou de Willian: saiu o bigode e entrou o Farias. Ao contrário do que se pode pensar, o sistema não se alterou. Continuou sendo um 4-2-3-1, mas com um volante aberto na direita. A intenção era clara em reforçar a marcação daquele lado. E ia dando muito certo.

A seleção de passes do Fluminense após a entrada de Kenedy no minuto 75 mostra bem como o time abandonou o lado esquerdo e forçou em cima de Ceará

A seleção de passes do Fluminense após a entrada de Kenedy no minuto 75 mostra bem como o time abandonou o lado esquerdo e forçou em cima de Ceará

Ia, porque faltando pouco para uma vitória que seria maiúscula, Fred disputou um lançamento na grande área, Ceará fechou e o desarmou, mas a bola sobrou exatamente para Kenedy. O garoto conseguiu acertar um belo chute de fora da área, longe do alcance de Fábio, para dar números finais ao jogo.

Capricho nos detalhes

Em partidas onde os dois times se propõem a jogar, o capricho nos detalhes é o que costuma fazer a diferença. Particularmente no duelo do Maracanã, estes detalhes foram: 1- a improvisação forçada de Ceará na esquerda, o que certamente diminuiu levemente a capacidade do Cruzeiro de se defender e de atacar por aquele lado; 2- o capricho no último passe nos vários contra-ataques que o Cruzeiro teve quando o jogo ainda estava 3 a 2; 3- as pequenas falhas de marcação que acabaram por definir dois dos três gols do Fluminense: a de Júlio largando Wagner e a de Ceará que largou Kenedy, embora este último tenha feito isso para ganhar a bola de Fred.

Entretanto, em que pese o gosto amargo de ter sofrido o empate bem no finzinho do jogo, o Cruzeiro foi um time maduro em campo. Ciente de sua capacidade e responsabilidade, mesmo com os muitos desfalques, que certamente mudam a característica do time. Jogou com autoridade de líder que é, e não se intimidou em nenhum momento. Ponto positivo, diante de um Fluminense que jogou a vida pela última chance de tentar um improvável título.

Essa é, em última análise, a diferença do Cruzeiro para seus perseguidores mais próximos: joga o mesmo tipo de futebol, em qualquer lugar, contra que adversário for, e mesmo que as peças mudem de uma partida pra outra. É o motivo pelo qual o Cruzeiro mantém a folga na liderança, enquanto os outros times se revezam como candidatos a concorrentes.

Fruto de longevidade e de manutenção de elenco. E que continue assim por muitas temporadas, amém.

Bahia 1 x 3 Cruzeiro – Tranquilidade agitada

Jogando com certa tranquilidade — por vezes até excessiva — o Cruzeiro venceu o Bahia na Fonte Nova num jogo em que poderia ter tomado menos sustos se não tivesse, por iniciativa própria, tentado se poupar ao máximo. A temporada é desgastante e certamente esta é uma decisão consciente da comissão técnica, mas esta postura perigosa pode dificultar demais alguns jogos aparentemente controlados. Por outro lado, indica a consciência que o time tem sobre si mesmo, o que é importante ao definir a proposta de jogo para cada partida em um campeonato tão longo.

O triunfo garantiu a liderança ao fim do turno com uma rodada de antecedência. Um título simbólico, é verdade, mas que indica a força do elenco celeste e o bom trabalho do treinador: mudam-se as peças, o estilo e até a estratégia, mas a consistência é mantida.

Alinhamentos iniciais

Cruzeiro no 4-2-3-1 de sempre, mas sem a mesma intensidade diante do 3-1-4-2 baiano quase em marcação individual

Cruzeiro no 4-2-3-1 de sempre, mas sem a mesma intensidade diante do 3-1-4-2 baiano quase em marcação individual

Marcelo Oliveira continuou com sua política de fazer rodízio com os jogadores, procurando poupar os que vem tendo sequências grandes. O escolhido da vez foi Ricardo Goulart, e com isso, Júlio Baptista e Borges foram escalados juntos, em suas posições normais do 4-2-3-1: Borges à frente e Júlio centralizado no meio. Fazendo a linha de três junto ao camisa 10 estiveram Éverton Ribeiro à direita e Willian à esquerda. Atrás deles, Henrique e Lucas Silva repetiram a parceria na volância, protegendo a linha defensiva formada por Ceará à direita, Dedé e Bruno Rodrigo no miolo e Egídio à esquerda. Fábio foi o goleiro e capitão.

Já o Bahia de Cristóvão Borges surpreendeu, abandonando o 4-3-3 das últimas partidas e vindo a campo numa espécie de 3-1-4-2. Defendendo a meta de Marcelo Lomba, Titi comandava a defesa, com Demerson à sua direita e Lucas Fonseca pela esquerda. Fahel era o cão de guarda do triângulo no círculo central, com Hélder mais avançado à esquerda e Marquinhos Gabriel um pouco mais centralizado à direita. Lado este que era fechado por Mádson, bem avançado e batendo com Egídio, e Raul na ala esquerda, um pouco mais atrás, mas ainda bem alto em relação a um lateral. Na frente, Wallyson caía mais pela esquerda e Fernandão ficava na referência.

Movimentos iniciais

Desde o apito inicial, o Bahia mostrou o que queria: se defender e jogar no erro do Cruzeiro. Fernandão marcava a partir da linha divisória; Wallyson acompanhava Ceará, deixando Raul mais preocupado com Éverton Ribeiro; do outro lado, Mádson batia com Egídio; os dois meias centrais duelavam com os volantes e Fahel perseguia Júlio Baptista; e na zaga, Willian era marcado por Demerson, Borges por Titi e Lucas Fonseca ficava na sobra da Raul. Praticamente uma marcação mano-a-mano, mas com sobras no meio e na direita, deixando os zagueiros do Cruzeiro completamente livres.

Por já ter a bola nos pés, o Cruzeiro agradeceu ao Bahia por não precisar dar intensidade na marcação, poupando-se do desgaste. Porém, este parecia também ser um dos objetivos com a bola: descansar. Com muita paciência e tocando a bola como em um jogo de handebol, alterando entre os lados até conseguir uma brecha, o time celeste dominou a posse de bola, mas sem a costumeira troca de posições e movimentação que caracterizam o time. O resultado foi o baixo número de finalizações do time se comparado com ele mesmo em outras partidas: foram apenas 5 no primeiro tempo.

Buscando outra rota

Com o meio completamente congestionado, e sem muita vontade de desorganizar o sistema defensivo do Bahia, o Cruzeiro procurou a rota aérea. Primeiro com Egídio achando Júlio Baptista no meio da área, com a bola beijando a trave, e no lance seguinte, Willian centrou a Borges que, entre os zagueiros, mandou de peixinho para abrir o placar.

Nem com o gol sofrido o Bahia mudou a postura — a posse de bola chegou a ficar em 64% a 36%. O que mudou foi que o Cruzeiro também passou a administrar e deixava os zagueiros do Bahia com a bola também. Porém, o time baiano não sabia bem o que fazer com ela, já que a defesa celeste estava bem sólida num 4-4-1-1, com os ponteiros voltando e se alinhando aos volantes. O sistema do Bahia não favorecia, porque causava a sobra dupla redundante na zaga (3 zagueiros contra Borges) e assim o Cruzeiro dobrava a marcação pelos lados.

O intervalo parecia longe já que o jogo estava bem insosso, mas Everton Ribeiro tratou de aumentar a emoção, ao receber cruzamento da direita, driblar dois zagueiros e concluir forte no ângulo direito de Lomba.

O Cruzeiro concluiu pouco (11 vezes) devido à postura do Bahia e sua própria estratégia, mas acertou 6 tiros no alvo com 3 gols

O Cruzeiro concluiu pouco (11 vezes) devido à postura do Bahia e sua própria estratégia, mas acertou 6 tiros no alvo com 3 gols

Fim da linha de três

Marcelo Oliveira não fez trocas, mas Cristóvão Borges percebeu que a defesa com três zagueiros não funcionou e mandou William Barbio a campo na vaga de Mádson. O atacante foi ser ponteiro direito, puxando Demerson para a lateral direita, deixando os outros dois zagueiros no meio e recuando Raul para a linha defensiva. Fahel continuou mais plantado e Wallyson abriu de vez pela esquerda, configurando o 4-3-3 clássico.

Em teoria, a troca daria mais velocidade de contra-ataque ao time da casa, já que agora os pontas não tinham mais tantas atribuições defensivas. Porém, para existir o contra-ataque, era preciso existir o ataque primeiro — mas o Cruzeiro estava obviamente satisfeito com o resultado, tentando se poupar o máximo possível, já que o Bahia não conseguia chegar perto de Fábio quando tinha a bola nos pés.

Talisca

A entrada de Talisca no repaginado 4-3-3 do Bahia deu trabalho, e o Cruzeiro só foi voltar a ter intensidade quando Martinuccio foi a campo

A entrada de Talisca no repaginado 4-3-3 do Bahia deu trabalho, e o Cruzeiro só foi voltar a ter intensidade quando Martinuccio foi a campo

A entrada de Anderson Talisca na vaga do lesionado Marquinhos Gabriel, porém, mudou este panorama. O jovem deu mais criatividade e certa fluência nos passes do time da casa, que chegou algumas vezes em velocidade pelos lados. Wallyson e William Barbio tiveram chances, mas desperdiçaram. Marcelo Oliveira respondeu “aproveitando” a lesão de Borges para lançar Ricardo Goulart, mas desta vez como meia central, mandando Júlio Baptista à frente. A intenção era voltar a acelerar o jogo quando o Cruzeiro tinha a bola, pois o jogo começava a ficar arriscado demais.

E ficou de vez depois do gol de Fahel, em cabeceio sozinho dentro da pequena área, após cruzamento da esquerda. Imediatamente, Cristóvão Borges queimou a regra três mandando Feijão na vaga de Hélder, um volante com mais saída e melhor passe. O Bahia se animou e tentou atacar, dando trabalho principalmente a Egídio pela esquerda. Foi então que Marcelo Oliveira promoveu o inusitado: tirou Egídio de campo e mandou Mayke. Ceará foi ser, talvez pela primeira vez na vida, lateral esquerdo — era clara a intenção de acabar com as investidas de William Barbio por ali.

Lado esquerdo

Apesar do cartão amarelo logo em seu primeiro lance, Ceará aparentemente deu conta do recado e o Bahia parou de ter tantas chances. Só chegou em um chute de Fernandão por cima em passe de Talisca. A última troca teria Éverton Ribeiro dando seu lugar a Martinuccio, jogando Willian para a direita. Em seu primeiro lance, o argentino já tentou o gol — sinal de que, agora sim, o Cruzeiro tinha alguém para acelerar o jogo e definir o confronto de uma vez por todas.

A origem do terceiro gol é o exemplo: Martinuccio recebe o passe e acelera, sofrendo falta. Depois da cobrança, a bola chega em Goulart, que também dá intensidade e sofre nova falta. Na cobrança, Willian achou Dedé na segunda trave, que cabeceou para defesa parcial de Lomba. Júlio Baptista, sumido desde que virou centro-avante, pegou o rebote e — finalmente — matou a partida.

Com “emoção”

O final da partida na Fonte Nova provou que o Cruzeiro poderia sim ter matado a partida em um momento anterior, se optasse por acelerar ao invés de tirar a velocidade do jogo. Mas não se pode culpar totalmente os jogadores, que enxergaram no jogo uma chance de se pouparem do grande desgaste físico que a temporada impõe sem perder pontos. Sem dúvida, é uma postura arriscada, mas que deu certo desta vez.

Outro aspecto tático a ser notado é que, com a entrada de Júlio Baptista, a equipe perde em mobilidade e leveza no meio, mas o camisa 10 compensa isto com experiência e poder de conclusão — já são dois gols em dois jogos e meio. Mais uma opção de formação para o 4-2-3-1, com uma característica diferente.

E essa é a principal virtude desta equipe: ser mutante e adaptável, tendo à sua disposição estratégias, estilos e rotas de ataque diferentes — mas sem alterar a plataforma tática. Essa manutenção é muito importante para os jogadores, pois quem entra já sabe como a equipe joga e de que posição deve partir para exercer sua função em campo, obviamente, adaptada para sua característica.

Isso faz com que o elenco rode e a regularidade se mantenha — aspecto primordial de muitos campeões de pontos corridos…

Vasco 1 x 3 Cruzeiro – Reação

Ruud Gullit, quando jogava no Milan de Arrigo Sacchi no fim da década de 80, reclamava das repetitivas sessões de treinamento que o treinador aplicava, necessárias para se chegar ao nível que ele queria de entendimento mútuo entre os jogadores. “Eu disse a ele que cinco jogadores organizados sempre iriam vencer dez desorganizados”, disse Sacchi. “E provei isto a eles: coloquei Galli no gol, Tassotti, Maldini, Costacurta e Baresi. Eles tinham dez: Gullit, Van Basten, Rijkaard, Virdis, Evani, Ancelotti, Colombo, Donadoni, Lantignotti e Mannari. Eles tinham 15 minutos para marcar contra meus cinco jogadores, e a única regra era que, se ganhássemos a posse ou eles perdessem a bola, eles teriam que começar de novo, 10 metros dentro de seu próprio campo. Eu fazia isso a todo tempo e eles nunca marcaram. Nenhuma vez.”

Introduzi o post com esta história pelo fato de que muitas vezes o futebol organizado defensivamente é visto como retranca. Muitos jornalistas esportivos (com algumas raras exceções, diga-se), quando dizem que uma equipe jogou “bem armada taticamente”, na verdade querem dizer que o time ficou recuado, esperando o adversário para sair no contra-ataque. Na verdade, nada mais é do que um estilo de se jogar futebol. No Brasil, existe a preferência pelo futebol ofensivo, propositivo, com posse de bola, volume e chances criadas repetidamente, em detrimento de times reativos, que esperam o adversário e são eficientes. “Preferência” talvez seja até uma palavra fraca demais: aqui, isso é quase uma lei.

Contra o Vasco em São Januário, jogo que deu a liderança para o time celeste, o Cruzeiro não jogou assim. Nem por isso jogou mal. Ter mais posse de bola não significa necessariamente jogar melhor. Finalizar mais, tampouco. Jogar melhor, na modesta opinião deste blogueiro, é jogar equilibradamente: anular as armas do adversário (ou pelo menos enfraquecê-las) e aproveitar ao máximo as chances criadas. E foi isso que o Cruzeiro fez.

Cruzeiro no 4-2-3-1 diagonal com Fabinho mais adiantado por um lado e William Magrão mais recuado pelo outro, bloqueando os flancos do Vasco e dando espaço para Montillo

Celso Roth veio no 4-2-3-1 diagonal que vem aplicando nas últimas partidas, desta vez com William Magrão pela direita, mais recuado, e Fabinho pela esquerda, um pouco mais avançado. Montillo era o articulador central e era suportado por Leandro Guerreiro e Charles. Leo foi para a lateral direita para suprir a ausência do lesionado Diego Renan, e Victorino ganhou a vaga. O Vasco entrou no 4-3-3 alto (4-1-2-3) de Cristóvão Borges, tendo Felipe na lateral esquerda, Diego Souza e Eder Luis abertos e Alecsandro na frente. O volante Rômulo dava suporte aos meio-campistas mais avançados Nilton e Felipe Bastos.

Os esquemas eram quase espelhados. Um centro-avante contra dois zagueiros; dois jogadores de cada lado do campo e os trios combatendo no meio: o cruzeirense com dois volantes e um meia e o vascaíno ao contrário. Mas as propostas de jogo eram diferentes. A opção por Leo na lateral direita, ao invés de Diego Árias — que, segundo o próprio treinador, vem treinando muito bem na posição no time reserva — e por William Magrão no trio de meias pela direita, provavelmente foi para segurar a parceria Diego Souza / Felipe que se desenhou com a escalação. A tentativa saiu melhor que a encomenda: não só ambos defenderam muito bem o setor, encaixotando ambos com a ajuda de Leandro Guerreiro, como Leo foi muito bem ofensivamente, aparecendo no ataque em dois dos três gols azuis.

Do outro lado, Fabinho recuava junto com o lateral direito Fágner para não sobrecarregar Everton. Cumpriu bem sua função defensiva, mas apareceu pouco no ataque. Eder Luis foi anulado pela marcação dupla, além do suporte de Charles, e também criou pouco. Com isso, o fornecimento a Alecsandro foi muito prejudicado, já que os meio-campistas teoricamente mais livres do Vasco sempre procuravam os atacantes abertos em seus passes. Além disso, o centro-avante adversário perdia quase todos os duelos com a zaga azul, que jogou muito bem também.

Com o time bem armado defensivamente, não havia motivos para pressionar a saída de bola do adversário. O Cruzeiro preferia esperar o Vasco em seu campo, bloqueando os flancos, que são as armas mais fortes do time carioca. Mas isso também ocorreu por causa da proposta de jogo do Cruzeiro: retomar a bola e sair em velocidade no contra-ataque, pegando a defesa vascaína desorganizada. Fazia sentido, principalmente levando em conta o que Celso Roth falou no fim do jogo contra o Figueirense. O Vasco tinha a responsabilidade do jogo, tinha que vir pra cima, e isso abriria espaços para o Cruzeiro jogar. E a previsão feita no fim do último post se concretizou: quando o craque tem espaço…

Assim foi todo o primeiro tempo. Quando não punha velocidade no contra-ataque, o Vasco se organizava e o Cruzeiro tinha dificuldades para criar. O primeiro gol saiu num erro conjunto de Fernando Prass e Eder Luis: o primeiro fez um péssimo lançamento com a mão, e o segundo tentou salvar o lateral que aconteceria. Conseguiu, mas dando a bola para Leo dominar livre. O zagueiro-lateral avançou sem ser incomodado (onde estavam Felipe e Diego Souza?) e passou a Montillo, que tinha campo. O camisa 10 avançou, devolveu a Leo que teve muito tempo para caprichar no cruzamento. Achou WP, que conseguiu finalizar bem. A bola bateu em Charles e voltou para Montillo, novamente sem marcação, emendar um chute de primeira no ângulo de Prass e cavalgar pela primeira vez no Brasileiro 2012.

No intervalo, Cristovão mandou Tiago Feltri na vaga de Felipe Bastos, avançando Felipe para o meio-campo. O objetivo era claro: dar criatividade pelo centro, coisa que faltou ao seu time no primeiro tempo. O jogo seguiu na mesma, já que o esquema ainda era o 4-3-3 alto, e Felipe recebia poucas bolas para criar. Cristóvão então tirou o inoperante Eder Luís e lançou Carlos Alberto. O meia procurava mais o meio campo e abria o corredor para Fagner avançar, e naturalmente o time se adiantou, na busca pelo empate.

Mas se adiantar demais contra um adversário que tem Montillo sem marcação é arriscado. Quando o Vasco ensaiava uma pressão, passe errado e a zaga rapidamente acha Montillo, condutor da bola numa situação de 3 contra 3. Vendo o lance, percebe-se que ele freia um pouco, chama a marcação de Dedé e dispara para o lado oposto, na direção de Rodolfo. A breve indefinição dos zagueiros vascaínos foi suficiente para que WP recebesse uma bola profunda, sem que Rodolfo pudesse alcançá-lo, e com um toque de classe encobrir Fernando Prass e praticamente matar o confronto.

No fim, Cruzeiro no 4-4-1-1 com Montillo responsável por puxar os contra-ataques e a mobilidade de Tinga pela direita com Léo, originando o terceiro gol

Só não matou porque, dois minutos depois, numa das raras falhas do nosso camisa 1, que saiu do gol no momento errado, o Vasco empatou em rebote de cabeça de Rodolfo. Era um lance controlado, e num erro individual o time adversário reacendeu. A partir daí, o Vasco tentou de todas as formas e empurrou o Cruzeiro para seu campo, mas ainda assim a defesa celeste sobressaía. Para garantir o importante resultado, Roth então manda Souza na vaga de Fabinho, para acompanhar Fágner que passou a ter espaço com a entrada de Carlos Alberto. O time passa para um 4-4-1-1 armado para contra-atacar. A alteração deu certo, porque o Vasco perdeu força e passou a só ficar com a bola, sem produção ofensiva. Então o treinador arriscou mais e fez as duas alterações restantes de uma só vez: Anselmo Ramon e Tinga nos lugares de WP e William Magrão. As duas linhas defensivas de quatro com um meia e um atacante permaneceram, mas com muito mais energia pelos flancos com Souza e Tinga, que acompanhavam os laterais do Vasco mas apareciam para atacar.

Cristóvão tentou responder com William Barbio no lugar de Diego Souza, que nada fez. O Vasco se soltou desordenadamente, a ponto de ser difícil definir os papéis de cada jogador ofensivo, e contra a organizada defesa do Cruzeiro (Arrigo Sacchi mandou lembranças) não conseguiu fazer muita coisa. Em uma bola perdida pelo meio-campo carioca, Tinga roubou, passou a Leo, novamente aparecendo no ataque pela direita, e pediu na frente. Recebendo de volta, emendou o cruzamento de primeira, que desviou e foi parar no pé de Anselmo Ramon, que só completou para o gol. Elemento surpresa, energia e velocidade e presença de área. Impossível afirmar que isso é uma retranca.

Ainda houve tempo de Fábio mostrar mais uma vez (isso está ficando repetitivo) porque merece estar na Seleção. Cresceu para cima de William Barbio num lance um contra um, amedrontando o garoto. Pareceu até fácil cair e roubar a bola nos pés do atacante.

A invencibilidade e a liderança são mais que justas e consequência do ótimo trabalho que Roth vem fazendo na defesa do Cruzeiro, apesar da pecha de retranqueiro que o treinador carrega. Ele simplesmente enxergou um aspecto óbvio: se a defesa era uma peneira e tomava muitos gols, o ataque não era tão ruim assim. Não que marcasse gols em profusão, mas também não era totalmente inoperante – só passou em branco em 4 dos 26 jogos até aqui no ano. Assim, consertar a defesa era a prioridade, e o ataque poderia ficar para depois.

Com a defesa sólida como está, parece que chegou a hora.