U. Sucre 0 x 0 Cruzeiro – Faltou pouco (e não foi ar)

Na estreia pela Libertadores, o Cruzeiro subiu a cordilheira e usou uma estratégia inteligente para minimizar os efeitos da altitude: dosar a intensidade. Para isso, tentou fechar os espaços e sair em velocidade, algo pouco comum nos últimos dois anos. Mas com o desenrolar do jogo, o time foi lentamente tendo mais posse de bola, mas não conseguiu se adaptar por completo à maior velocidade da bola na altitude e acabou voltando da Bolívia com apenas um ponto.

Formações iniciais

Cruzeiro no 4-2-3-1 com ponteiros recuando, desenhando duas linhas de quatro para partir em contra; Universitario no 4-3-3, com Silvestre livre e Cuesta articulando

Cruzeiro no 4-2-3-1 com ponteiros recuando, desenhando duas linhas de quatro para partir em contra; Universitario no 4-3-3, com Silvestre livre e Cuesta articulando

O Cruzeiro de Marcelo Oliveira não tinha nenhuma surpresa. O 4-2-3-1 costumeiro tinha Fábio no gol, Fabiano e Mena nas laterais e Léo e Paulo André no miolo de zaga. No suporte, Henrique e Willian Farias marcavam por dentro, com Willian e Marquinhos recompondo pelos lados. De Arrascaeta ficava ligeiramente mais atrás de Damião, ambos centralizados.

Já o Universitario do “DT” Julio Baldivieso entrou num 4-3-3 clássico: triângulo de base alta no meio-campo. Protegendo o gol de Robles, a linha defensiva tinha Ballivián pela direita, Filippetto e Barón no miolo e Camacho pela esquerda. No vértice baixo, o volante Silvestre fazia a saída, tendo Ribera mais contido para liberar Cuesta. À frente, Palavicini era o centroavante, com Bejarano pela direita e Castro pela esquerda.

Cruzeiro esperando

A partida começou com o Universitario mais com a bola, como esperado, por estar em casa. O Cruzeiro não pressionava alto, marcando a partir do meio-campo, esperando o avanço do time boliviano. Os ponteiros Marquinhos e Willian se alinhavam a Willian Farias e Henrique formando uma segunda linha de quatro, deixando De Arrascaeta e Damião à frente. Essa segunda linha fazia bem o trabalho de fechar as linhas de passe, deixando os zagueiros do time boliviano sem opções.

Pouca compactação

Porém, em alguns momentos, o Cruzeiro subia a pressão, mas só com o quarteto de frente. Os volantes não acompanhavam, e a linha defensiva ficava quase sempre mais próxima da área de Fábio, talvez porque era composta por jogadores lentos, e correr pra trás em lançamentos profundos por cima era um perigo. Isso “dividia” o time em dois, deixando um espaço entre o sexteto defensivo e os quatro da frente. Se a pressão não funcionava, os bolivianos achavam um passe nesse espaço e se aproximavam muito da área de Fábio.

Felizmente, os defensores foram bem e conseguiam neutralizar quase todas as investidas do Universitario. Henrique foi disparado quem mais teve recuperações de bola na partida, com 7 (dados da Conmebol). Paulo André e Léo venciam quase todos os duelos aéreos, e os laterais fizeram boa partida defensivamente, principalmente Mena, que tinha menos a ajuda de Willian do que Fabiano a de Marquinhos.

Dados da Conmebol mostram Cruzeiro roubando muito a bola: 21x2; só Henrique roubou 7

Dados da Conmebol mostram Cruzeiro roubando muito a bola: 21×2; só Henrique roubou 7

Transição rápida

Quando roubava a bola, a tentativa era sempre de resolver a jogada o mais rápido possível. Mas isso também era afetado pela altitude: com o ar mais rarefeito, a bola fica levemente mais rápida. E os jogadores não conseguiam acertar o tempo do passe, ou a força a aplicar na bola.

Um lance no primeiro tempo (aos 9 segundos do vídeo abaixo) exemplifica bem isso: De Arrascaeta mandou de primeira para Willian na esquerda, que ficou livre. Mas a bola foi um pouco mais longe que o ideal, fazendo Willian correr um pouco a mais pra recolher a bola e atrasar o tempo da jogada. Aí Willian esperou Damião entrar na área para executar o passe, mas novamente a bola foi um pouco mais rápida que o bigode queria, e Damião chegou atrasado.



Segundo tempo

No intervalo, Marcelo tirou Willian Farias por causa de um cartão amarelo desnecessário e lançou Willians. Além disso, ajustou melhor o posicionamento pra não dar tanto espaço na entrelinha. Assim, o jogo seguiu da mesma forma, mas o Universitario dessa vez não conseguia mais se aproximar tanto da área de Fábio, se limitando a tentar cruzamentos aéreas a partir da intermediária.

Com isso, o Cruzeiro passou a ter mais posse de bola e conseguia chegar, mas pecou no último passe ou na finalização. Damião teve pelo menos duas chances, assim como de Arrascaeta, no seu último lance antes de ser substituído. Foi uma troca estranha a princípio, mas Marcelo explicou na coletiva pós-jogo que avaliou o uruguaio como um dos mais afetados pela altitude, não fisicamente mas tecnicamente.

Judivan + laterais expostos

Quem entrou em seu lugar foi Judivan, e a ideia de Marcelo era tanto marcar o volante Silvestre, vértice baixo do triângulo de meio do 4-3-3 boliviano, quanto dar velocidade na transição, já que o Cruzeiro conseguia roubar a bola até com certa facilidade.

Porém, à essa altura do jogo, Willian já não recompunha tão bem e expunha Mena ainda mais pelo lado esquerdo ao avanço do lateral Ballivián. Do outro lado, Marquinhos ainda conseguia voltar, mas também não marcava com mesmo afinco, deixando Fabiano no dois contra um. Marcelo então viu o problema e tentou corrigir com Joel na vaga do bigode, pelo lado esquerdo.

Um a menos

No fim, Cruzeiro com um a menos se postou num 4-4-1, mas não foi ameaçado, conseguindo até equilibrar na posse de bola

No fim, Cruzeiro com um a menos se postou num 4-4-1, mas não foi ameaçado, conseguindo até equilibrar na posse de bola

Teria sido uma boa alteração, pois os jogadores de fôlego renovado poderiam dar a velocidade que o Cruzeiro precisava para chegar com qualidade ao gol de Robles. Mas Joel só ficou 6 minutos em campo, expulso com o vermelho direto após uma entrada desnecessária no campo de ataque.

Com um a menos, Judivan saiu do centro e foi pra ponta esquerda, fazendo duas linhas de deixando apenas Damião à frente: 4-4-1. Uma pressão do time da casa era esperada, mas ela não veio, e mesmo com um a menos, a posse de bola foi equilibrada, com o Cruzeiro ameaçando a área do Universitario. Judivan não teve muita disciplina para recompor e deixou o lado esquerdo exposto, com Henrique se desdobrando para cobrir, mas o gol de Fábio não foi mais seriamente ameaçado até o fim do jogo.

Foi bom, mas poderia ter sido melhor

A estratégia usada pelo Cruzeiro em Sucre foi acertada, distribuindo o fôlego ao longo dos 90 minutos para não cansar antes da hora e correr riscos. Nesse ponto, o time foi surpreendeu positivamente, pois no fim parecia que poderia engrenar e chegar ao gol da vitória. Mas duas coisas frearam este movimento: a expulsão de Joel e a saída de De Arrascaeta.

O camaronês — que não parece, mas é mais jovem que Alisson e Mayke, por exemplo — entrou pilhado demais na marcação e acabou prejudicando o time com sua saída. Mesmo com um a menos, o Cruzeiro conseguiu ter alguma posse, o que dá a medida que com onze em campo, poderia ter feito uma pressão no fim.

Já a saída do também jovem uruguaio fez o Cruzeiro ser mais intenso com Judivan, numa tentativa de gastar o resto de oxigênio até o fim da partida e se impor fisicamente. Isso até aconteceu, mas sem o camisa 10, o time ficou pouco com a bola nos pés, acelerando muito. De Arrascaeta talvez pudesse ser o jogador que desse cadência, fazendo os bolivianos correrem atrás na marcação. Mas não dá pra ser engenheiro de obra pronta, criticando depois do acontecido. Naquele momento, Marcelo tinha de tomar uma decisão, e tomou.

Fica a impressão positiva de que o Cruzeiro foi um time tranquilo, sem pressa nem pilha excessiva, o famoso “espírito de Libertadores” (exceção feita à Joel). Se continuar com essa solidez defensiva, ajustando alguns pontos aqui e ali, e também evoluir ofensivamente, como é a tendência com o maior entrosamento, o Cruzeiro só tem a crescer.

Para o temor dos rivais.