Náutico 1 x 4 Cruzeiro – Trotando

Seis minutos do segundo tempo, escanteio para o Náutico. Ricardo Goulart é quem sobe para afastar a bola da área, que sobra no pé de Éverton Ribeiro no grande círculo. Goulart avança correndo de leve, desde a grande área defensiva vendo o lance se desenrolar. Troca de passes daqui e dali, e sem interromper o ritmo da corrida, o jogador invade a área ofensiva sem marcação, e de repente a bola chega, redondinha, até seus pés. Arremate no canto esquerdo baixo de Ricardo Berna e a corrida para o abraço.

Poucas partidas podem ser bem sintetizadas taticamente pelos lances dos gols como a que aconteceu na Arena Pernambuco no domingo — partida esta que este blogueiro teve o prazer de acompanhar in loco, pela primeira vez na torcida visitante. Acima, a descrição do segundo gol pela perspectiva de Ricardo Goulart é um bom exemplo: um Cruzeiro descansando, quase em ritmo de amistoso, mas mesmo assim conseguindo criar o suficiente para vencer de forma inapelável.

Onze inicial

Dois momentos capturados, ambos tiros de meta a serem cobrados por Fábio. Note as diferenças na marcação encaixada do Náutico nos dois momentos

Dois momentos capturados, ambos tiros de meta a serem cobrados por Fábio. Note as diferenças na marcação encaixada do Náutico nos dois momentos

O 4-2-3-1 habitual de Marcelo Oliveira teve mudanças. Para a vaga do suspenso Egídio, Mayke foi o escolhido, com Ceará indo para a lateral esquerda. E na zaga, Léo entrou no lugar de Dedé, a serviço da seleção nacional. Desta forma, o Cruzeiro se alinhou com Fábio no gol, Mayke, Léo, Bruno Rodrigo e Ceará na linha defensiva, Nilton e Lucas Silva na proteção, Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Willian na articulação e Borges na referência, como você pode ver nas fotografias ao lado, clicadas diretamente da arquibancada da Arena Pernambuco por este que vos escreve.

Já o Náutico, do até então invicto treinador Marcelo Martelotte, veio a campo num 4-3-1-2, para tentar se defender ganhando o meio-campo em número e partindo em velocidade nos contra-ataques, principalmente com Maikon Leite. A meta de Ricardo Berna foi protegida pelos zagueiros William Alves e Leandro Amaro, com João Filipe na lateral direita e Bruno Collaço na esquerda. Elicarlos — aquele mesmo — ficou plantado na frente da defesa, tendo Dadá à sua direita e Derley à sua esquerda. A criação ficou por conta de Morales, que procurava Maikon Leite mais leve pela direita e Olivera, mais centroavante, um pouco mais à esquerda.

Superioridade clara

A partida começou com domínio total de território do Cruzeiro, embora a maior posse de bola fosse um tanto preguiçosa. Os três meias não se aproximavam tanto quanto em outras jornadas, facilitando a marcação pernambucana. Na primeira vez em que Willian e Éverton Ribeiro se aproximaram e tabelaram, saiu o escanteio que originou o gol. Goulart sobe sem marcação para cabecear, num erro crasso de marcação de bola parada do time da casa. Aparentemente, ali os jogadores celestes sentiram que seria um jogo fácil, talvez inconscientemente.

Assim, após o gol, diminuiu ainda mais a velocidade, deixando o Náutico com a bola e frustrando os planos de ataque do Náutico com facilidade — principalmente com Ceará pela esquerda, iniciando o seu jogo perfeito. Sem dúvida, o veterano foi o melhor em campo defensivamente, anulando Maikon Leite no setor. Morales não via a bola e quando a tinha não criava, Olivera não era perigoso e os laterais do Náutico não apoiavam tanto, receosos de levar um contra-ataque dos rápidos meias cruzeirenses. Fábio só teve trabalho em uma cobrança de falta.

Aqui um tiro de meta defensivo, mostrando o 4-3-1-2 pernambucano. Nota-se Dadá bem aberto à direita e B. Collaço avançado para bater diretamente com Mayke

Aqui um tiro de meta defensivo, mostrando o 4-3-1-2 pernambucano. Nota-se Dadá bem aberto à direita e B. Collaço avançado para bater diretamente com Mayke

E quanto tinha a bola, porém, o Cruzeiro era marcado de duas formas diferentes pelos lados do campo. Pela direita, Dadá abria para impedir o avanço de Ceará, deixando João Filipe para marcar o ponteiro esquerdo do Cruzeiro. Do lado esquerdo, Bruno Collaço tinha liberdade para subir e bater diretamente com Mayke, e Derley fazia a cobertura do ponteiro direito celeste. Se a jogada fosse pelo meio, os volantes fechavam de novo e ajudavam Elicarlos a superlotar o setor. Só funcionou porque o Cruzeiro, como explicado, estava em ritmo de amistoso.

Mudança de planos

Com a lesão de Dadá, porém, o jogo mudou. Marcelo Martelotte ousou e mandou Peña a campo, um meia para espelhar o esquema celeste, mandando Maikon Leite para o lado esquerdo. O Náutico melhorou em três setores: o meio-campo central, que agora tinha um jogador mais criativo — Peña fazia a mesma rota de Éverton, partindo da direita para o centro; a lateral-direita, já que o corredor se abriu para o apoio do zagueiro-lateral João Filipe; e a ponta esquerda, com Maikon Leite dando muito trabalho para Mayke na marcação.

O gol de empate é a síntese: belíssimo passe de Peña entre os zagueiros celestes, achando Maikon Leite fazendo a diagonal, ganhando na velocidade de Mayke e completando de primeira.

É importante dizer, no entanto, que mesmo em ritmo claramente menor que o adversário, o Cruzeiro matou a maioria das campanhas ofensivas do Náutico e ainda conseguia com pouco esforço chegar em alguns momentos. Então, é seguro concluir que a primeira etapa foi equilibrada principalmente porque o Cruzeiro não quis acelerar muito.

Etapa final e trocas

Mas Marcelo Oliveira não queria que fosse equilibrado, e pediu mais vontade no intervalo. Dito e feito: o lance do segundo gol, narrado no primeiro parágrafo deste texto sob a perspectiva do autor do tento, novamente é uma boa síntese daquele momento do jogo e da partida como um todo. Aproximação e troca de passes entre Éverton Ribeiro e William, com intensidade suficiente para enlouquecer a defensa pernambucana, que nem viu Ricardo Goulart entrar na área praticamente andando e colocar o Cruzeiro novamente na frente. Veja o vídeo e repare na tranquilidade de Goulart: ele só aparece na imagem aos 6 segundos, à direita.

Pouco tempo depois, Willian fez fila pela esquerda e sofreu pênalti tão claro que os zagueiros nem reclamaram. Éverton Ribeiro quase perdeu mas converteu, praticamente definindo o jogo ali mesmo aos 13 da etapa final. Logo após o gol, Martelotte tirou Morales e mandou Hugo a campo como ponteiro esquerdo, centralizando Peña na criação e invertendo Maikon Leite novamente de lado. Marcelo Oliveira respondeu com Dagoberto e Tinga nas vagas de Borges e Éverton Ribeiro, com Ricardo Goulart indo fazer a função de centroavante, e Tinga flutuando entre as duas grandes áreas. Dagoberto foi para a direita.

Ao 32, quase 50 segundos de posse de bola e dezoito toques na bola até a conclusão de Mayke no canto direito que mandou a torcida pernambucana embora do estádio. Nós, torcedores celestes, agora éramos oficialmente donos daquele campo. Alisson ainda entrou no lugar de Willian, e Maikon Leite jogaria por dez minutos na função de centroavante com a entrada de Marcos Vinícius na vaga de Olivera, mas nada mais aconteceu de relevante.

Sínteses e analogias

Como dito, os gols resumem bem o que foi a partida. O primeiro estabeleceu a diferença entre as equipes, já que foi um erro infantil de marcação da defesa do Náutico; o gol de empate mostrou como o time da casa levava vantagem em alguns setores, muito devido ao baixo ritmo do Cruzeiro naquele momento; o segundo gol foi uma demonstração de que bastava o Cruzeiro acelerar um pouco mais que criava com facilidade, em clara superioridade tática; o terceiro a prova da superioridade técnica, com dribles sucessivos de Willian até o pênalti; e o quarto gol foi a confirmação do que o primeiro estabeleceu, já que o Náutico sequer encostou na bola durante vários segundos até a conclusão final.

Convido o leitor, porém, a reler o primeiro parágrafo deste texto, mas agora fazendo uma analogia diferente: o trote de Goulart de uma área até a outra, sem ter a companhia de nenhum adversário até a linha fatal, pode ser uma representação do trajeto do próprio Cruzeiro no certame a partir daqui. A vantagem de onze pontos é muito significativa, e faz com que os adversários tenham que galopar muito intensamente durante todo o resto do campeonato, e ainda contando com tragédias do Cruzeiro ao longo do caminho.

Ao Cruzeiro, porém, basta um leve trote — como o de Goulart.