Cruzeiro 2 x 3 São Paulo – O feitiço contra o feiticeiro

Surpreendido com a velocidade do contra-ataque do São Paulo, o Cruzeiro conheceu sua primeira derrota no Brasileiro 2012, sábado, no Independência. Uma soma de pequenos problemas em todos os setores do campo, aliada à habilidade de alguns jogadores do time adversário, foi a razão para o revés.

O 4-2-3-1 diagonal do Cruzeiro no primeiro tempo, sem profundidade pelo lado direito, já que Léo avançava pouco e Tinga era atraído para o meio, abrindo um corredor para Cortês

Celso Roth voltou com Tinga ao meio-campo, manteve Léo na lateral direita e escalou o Cruzeiro no já famigerado 4-2-3-1 diagonal, mas com uma particularidade no meio campo que fazia parecer um 4-2-2-2, como veremos. Já o São Paulo, com a demissão de Emerson Leão no início da semana, foi comandado pelo preparador Milton Cruz, que trabalhou com Muricy Ramalho à época do tricampeonato brasileiro entre 2006 e 2008. Por isso, resgatou a defesa com três zagueiros dos tempos de “Muricibol” e mandou um São Paulo a campo repaginado num 3-4-1-2, com muita liberdade para os laterais Douglas e Cortez, Lucas pelo centro-direita do ataque e Jádson na ligação.

Mais uma vez jogando do lado direito, Léo teve Cortez para marcar na primeira metade de etapa inicial. O lateral esquerdo são-paulino apoiou sem se preocupar em deixar seu setor desguarnecido, já que era suportado por três zagueiros e também porque Tinga era atraído para a batalha no centro meio-campo. Cortez foi uma boa opção de passe, mas Leo não o deixava ter mais profundidade e não foi uma ameaça tão grande. A consequência era que Leo ficava na defesa sem apoiar, e por isso o teve tinha poucas jogadas por aquele lado do ataque.

Do outro lado, Everton não conseguia marcar Lucas, que entrava em diagonal da direita para o centro com frequência. Ele foi ajudado por Douglas, que apoiava com coragem, deixando Fabinho mais livre à frente. O atacante celeste até recuava junto com ele, mas apenas até o meio-campo, tendo mais liberdade para atacar, e por isso o lado esquerdo foi por onde saíram a maioria das movimentações ofensivas do Cruzeiro (isso, junto à situação de Tinga pelo outro lado, é que fazia o esquema às vezes parecer um 4-2-2-2). Charles tentou ajudar na marcação por ali, mas Douglas e Lucas estavam levando a melhor naquele lado. Foi de Douglas a jogada do primeiro gol: meia-lua em Everton após dividida de Charles e Lucas, cruzamento rasteiro para a área. A bola veio nos pés de Rafael Donato, mas o zagueiro falhou e ela bateu nas suas duas pernas, sobrando para Luís Fabiano, limpa, dentro da pequena área. Nem Fábio conseguiria salvar o gol.

A desvantagem no placar mudaria o jogo, porque o Cruzeiro teria que sair para buscar o empate, mas ele veio já no minuto seguinte. Rafael Donato completou escanteio cobrado por Montillo, fazendo uma movimentação inteligente dentro da área para se desvencilhar da marcação e vencer Dênis.

Se Donato se movimentou brilhantemente no gol de empate, foi Luís Fabiano quem o fez no segundo gol são-paulino. O camisa 9 tinha a marcação do zagueiro com Victorino na sobra, mas frequentemente recuava para fazer o pivô e atraía a marcação. Num desses recuos, recebeu passe de Maicon, devolveu e recebeu de volta uma bola quase perdida. Avançou, mas adiantou demais em cima da sobra de Victorino, que dividiu com ele por baixo. A bola acabou indo para frente e sobrando para Lucas, que havia avançado para aproveitar o espaço deixado por Luís Fabiano. Os dois laterais do Cruzeiro, Leo e Everton, fecharam às pressas em cima do jovem atacante, que teve categoria para limpar o lance e tocar no canto.

Detalhe do segundo gol do São Paulo: Lucas aproveita o espaço que Luís Fabiano abre atraindo Donato para fora da área. Note o posicionamento do defensor estreante enquanto Victorino, que estava na sobra, divide com o atacante adversário

Com a contusão de Fabinho, Celso Roth aproveitou para consertar os flancos: Leo passou para o lado esquerdo para marcar Lucas, avançando Everton para segurar Douglas. Souza, o substituto, ficou pela lateral direita. A mudança deu certo e o Cruzeiro passou a ter profundidade pelos dois lados do campo. Souza aproveitou o corredor deixado por Tinga e avançava com frequência, segurando Cortez. Montillo se juntava a ele e a Everton pelo lado esquerdo. Mas os três zagueiros do São Paulo eram muito para Welligton Paulista, sozinho dentro da área. Além disso, o São Paulo sempre podia deslocar um dos defensores para melhorar o combate pelos flancos e ainda garantia a sobra em cima de WP, e por isso a primeira etapa terminou com o time visitante acuado em seu próprio campo, sem ter saída de jogo, mas sem passar muitos sustos. Ainda no primeiro tempo, Rodolpho se contundiu e deu lugar a Paulo Miranda, sem mudar a formação tática.

Nenhuma mudança foi feita no intervalo, num sinal claro que ambos os treinadores estavam razoavelmente satisfeitos com o desempenho de seus times. Porém, logo no começo da etapa final, Luís Fabiano repetiu a dose e atraiu a marcação de Donato para fora da área, literalmente abrindo um buraco à frente de Fábio, sem cobertura. Ele recebe o passe e gira em cima de Donato, deixando Maicon de frente para o gol e com muita tranquilidade para executar um passe incisivo para Cortez — Souza não acompanhou desta vez. O lateral foi parado por Fábio, que não conseguiu segurar o rebote no canto de Jádson que vinha na corrida.

O Cruzeiro não se abateu e continuou jogando como terminou o primeiro tempo. Cinco minutos depois do gol são-paulino, Rafael Donato marcaria o segundo gol, novamente de cabeça, em escanteio cobrado por Montillo. Na busca pelo empate, Celso Roth sacou Charles e mandou Wallyson a campo, “oficializando” Tinga no centro do meio-campo. Com Wallyson, WP e Everton sendo abastecidos por Montillo, Tinga e Souza — que por vezes centralizava para armar de trás — o Cruzeiro abriu a defesa do São Paulo e criou seguidas chances, esbarrando nas finalizações sem qualidade.

No único contra-ataque perigoso que teve, o São Paulo conseguiu um pênalti, Souza em Lucas, recebendo bola longa da defesa. O quarto gol seria uma ducha de água fria na pressão cruzeirense, mas Fábio estava lá para defender a cobrança de Luís Fabiano, dando ainda mais moral para o time celeste. Tinga perdeu dois lances incríveis dentro da área. A essa altura, Milton Cruz já tinha colocado Cícero e Casemiro nas vagas de Jádson e Lucas, tentando fechar o time meio-campo em uma espécia de 5-3-1-1. Roth lançou William Magrão no lugar de Tinga, mas o Cruzeiro não perdeu força ofensiva, e Everton e Wallyson fizeram o goleiro Dênis aparecer.

No final, o Cruzeiro todo ataque numa espécie de 3-3-4 com Donato de centro-avante para tentar aproveitar os inúmeros cruzamentos na área

No fim, Rafael Donato já estava jogando no ataque, num inusitado 3-3-4, mas infelizmente as chances criadas não foram convertidas no gol de empate.

Taticamente, não foi uma partida ruim e podemos ter esperanças de uma melhor sorte no Campeonato Brasileiro. Entretanto, foi só elogiar a solidez defensiva do time celeste e alguns erros aconteceram. Rafael Donato talvez tenha ficado nervoso em sua estréia em casa cheia, mas compensou as falhas com gols e seu excelente jogo aéreo. O zagueiro será uma arma importante para o time ao longo do certame e, se bem lapidado, talvez até tenha chance de titularidade. Além disso, a desvantagem no placar logo no início (desfeita e refeita logo depois) fizeram o Cruzeiro sair de sua proposta de jogo — o contra-ataque. Encurralou o São Paulo em seu campo na maior parte do tempo, mas pecou no último passe sem qualidade e nas finalizações erradas. Teve muitas chances para o empate, mas não aproveitou. O São Paulo veio para tentar abafar a recente crise e Milton Cruz surpreendeu Celso Roth com o posicionamento de sua equipe com a linha defensiva de três zagueiros. Seus jogadores com grife de Seleção fizeram a diferença quando tiveram as oportunidades.

A escalação de Tinga pelo lado direito foi um erro, na modesta opinião deste blogueiro. Tinga, como dito, tem uma tendência a ser atraído para o centro do campo para batalhar pela posse de bola, e acabou abrindo um espaço grande por aquele setor para Cortez apoiar com liberdade, além de ter pouca profundidade pela direita. Souza teria sido uma melhor opção. Essa situação, no entanto, evidencia o quanto o Cruzeiro tem carência nas laterais, já que Diego Renan é o único da posição no momento. Ceará é muito bem vindo.

A sequência difícil continua, contra o Internacional em Porto Alegre. Será mais um teste para a linha defensiva de Celso Roth provar que este jogo foi só um deslize, parando o ataque 3D – Dagoberto, D’Alessandro e Damião. E ainda tem o Oscar. Ou seja, mais gente de Seleção.

É claro que existem pontos positivos em uma derrota como essa. Mas é bom ficar de olho.