Náutico 1 x 4 Cruzeiro – Trotando

Seis minutos do segundo tempo, escanteio para o Náutico. Ricardo Goulart é quem sobe para afastar a bola da área, que sobra no pé de Éverton Ribeiro no grande círculo. Goulart avança correndo de leve, desde a grande área defensiva vendo o lance se desenrolar. Troca de passes daqui e dali, e sem interromper o ritmo da corrida, o jogador invade a área ofensiva sem marcação, e de repente a bola chega, redondinha, até seus pés. Arremate no canto esquerdo baixo de Ricardo Berna e a corrida para o abraço.

Poucas partidas podem ser bem sintetizadas taticamente pelos lances dos gols como a que aconteceu na Arena Pernambuco no domingo — partida esta que este blogueiro teve o prazer de acompanhar in loco, pela primeira vez na torcida visitante. Acima, a descrição do segundo gol pela perspectiva de Ricardo Goulart é um bom exemplo: um Cruzeiro descansando, quase em ritmo de amistoso, mas mesmo assim conseguindo criar o suficiente para vencer de forma inapelável.

Onze inicial

Dois momentos capturados, ambos tiros de meta a serem cobrados por Fábio. Note as diferenças na marcação encaixada do Náutico nos dois momentos

Dois momentos capturados, ambos tiros de meta a serem cobrados por Fábio. Note as diferenças na marcação encaixada do Náutico nos dois momentos

O 4-2-3-1 habitual de Marcelo Oliveira teve mudanças. Para a vaga do suspenso Egídio, Mayke foi o escolhido, com Ceará indo para a lateral esquerda. E na zaga, Léo entrou no lugar de Dedé, a serviço da seleção nacional. Desta forma, o Cruzeiro se alinhou com Fábio no gol, Mayke, Léo, Bruno Rodrigo e Ceará na linha defensiva, Nilton e Lucas Silva na proteção, Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Willian na articulação e Borges na referência, como você pode ver nas fotografias ao lado, clicadas diretamente da arquibancada da Arena Pernambuco por este que vos escreve.

Já o Náutico, do até então invicto treinador Marcelo Martelotte, veio a campo num 4-3-1-2, para tentar se defender ganhando o meio-campo em número e partindo em velocidade nos contra-ataques, principalmente com Maikon Leite. A meta de Ricardo Berna foi protegida pelos zagueiros William Alves e Leandro Amaro, com João Filipe na lateral direita e Bruno Collaço na esquerda. Elicarlos — aquele mesmo — ficou plantado na frente da defesa, tendo Dadá à sua direita e Derley à sua esquerda. A criação ficou por conta de Morales, que procurava Maikon Leite mais leve pela direita e Olivera, mais centroavante, um pouco mais à esquerda.

Superioridade clara

A partida começou com domínio total de território do Cruzeiro, embora a maior posse de bola fosse um tanto preguiçosa. Os três meias não se aproximavam tanto quanto em outras jornadas, facilitando a marcação pernambucana. Na primeira vez em que Willian e Éverton Ribeiro se aproximaram e tabelaram, saiu o escanteio que originou o gol. Goulart sobe sem marcação para cabecear, num erro crasso de marcação de bola parada do time da casa. Aparentemente, ali os jogadores celestes sentiram que seria um jogo fácil, talvez inconscientemente.

Assim, após o gol, diminuiu ainda mais a velocidade, deixando o Náutico com a bola e frustrando os planos de ataque do Náutico com facilidade — principalmente com Ceará pela esquerda, iniciando o seu jogo perfeito. Sem dúvida, o veterano foi o melhor em campo defensivamente, anulando Maikon Leite no setor. Morales não via a bola e quando a tinha não criava, Olivera não era perigoso e os laterais do Náutico não apoiavam tanto, receosos de levar um contra-ataque dos rápidos meias cruzeirenses. Fábio só teve trabalho em uma cobrança de falta.

Aqui um tiro de meta defensivo, mostrando o 4-3-1-2 pernambucano. Nota-se Dadá bem aberto à direita e B. Collaço avançado para bater diretamente com Mayke

Aqui um tiro de meta defensivo, mostrando o 4-3-1-2 pernambucano. Nota-se Dadá bem aberto à direita e B. Collaço avançado para bater diretamente com Mayke

E quanto tinha a bola, porém, o Cruzeiro era marcado de duas formas diferentes pelos lados do campo. Pela direita, Dadá abria para impedir o avanço de Ceará, deixando João Filipe para marcar o ponteiro esquerdo do Cruzeiro. Do lado esquerdo, Bruno Collaço tinha liberdade para subir e bater diretamente com Mayke, e Derley fazia a cobertura do ponteiro direito celeste. Se a jogada fosse pelo meio, os volantes fechavam de novo e ajudavam Elicarlos a superlotar o setor. Só funcionou porque o Cruzeiro, como explicado, estava em ritmo de amistoso.

Mudança de planos

Com a lesão de Dadá, porém, o jogo mudou. Marcelo Martelotte ousou e mandou Peña a campo, um meia para espelhar o esquema celeste, mandando Maikon Leite para o lado esquerdo. O Náutico melhorou em três setores: o meio-campo central, que agora tinha um jogador mais criativo — Peña fazia a mesma rota de Éverton, partindo da direita para o centro; a lateral-direita, já que o corredor se abriu para o apoio do zagueiro-lateral João Filipe; e a ponta esquerda, com Maikon Leite dando muito trabalho para Mayke na marcação.

O gol de empate é a síntese: belíssimo passe de Peña entre os zagueiros celestes, achando Maikon Leite fazendo a diagonal, ganhando na velocidade de Mayke e completando de primeira.

É importante dizer, no entanto, que mesmo em ritmo claramente menor que o adversário, o Cruzeiro matou a maioria das campanhas ofensivas do Náutico e ainda conseguia com pouco esforço chegar em alguns momentos. Então, é seguro concluir que a primeira etapa foi equilibrada principalmente porque o Cruzeiro não quis acelerar muito.

Etapa final e trocas

Mas Marcelo Oliveira não queria que fosse equilibrado, e pediu mais vontade no intervalo. Dito e feito: o lance do segundo gol, narrado no primeiro parágrafo deste texto sob a perspectiva do autor do tento, novamente é uma boa síntese daquele momento do jogo e da partida como um todo. Aproximação e troca de passes entre Éverton Ribeiro e William, com intensidade suficiente para enlouquecer a defensa pernambucana, que nem viu Ricardo Goulart entrar na área praticamente andando e colocar o Cruzeiro novamente na frente. Veja o vídeo e repare na tranquilidade de Goulart: ele só aparece na imagem aos 6 segundos, à direita.

Pouco tempo depois, Willian fez fila pela esquerda e sofreu pênalti tão claro que os zagueiros nem reclamaram. Éverton Ribeiro quase perdeu mas converteu, praticamente definindo o jogo ali mesmo aos 13 da etapa final. Logo após o gol, Martelotte tirou Morales e mandou Hugo a campo como ponteiro esquerdo, centralizando Peña na criação e invertendo Maikon Leite novamente de lado. Marcelo Oliveira respondeu com Dagoberto e Tinga nas vagas de Borges e Éverton Ribeiro, com Ricardo Goulart indo fazer a função de centroavante, e Tinga flutuando entre as duas grandes áreas. Dagoberto foi para a direita.

Ao 32, quase 50 segundos de posse de bola e dezoito toques na bola até a conclusão de Mayke no canto direito que mandou a torcida pernambucana embora do estádio. Nós, torcedores celestes, agora éramos oficialmente donos daquele campo. Alisson ainda entrou no lugar de Willian, e Maikon Leite jogaria por dez minutos na função de centroavante com a entrada de Marcos Vinícius na vaga de Olivera, mas nada mais aconteceu de relevante.

Sínteses e analogias

Como dito, os gols resumem bem o que foi a partida. O primeiro estabeleceu a diferença entre as equipes, já que foi um erro infantil de marcação da defesa do Náutico; o gol de empate mostrou como o time da casa levava vantagem em alguns setores, muito devido ao baixo ritmo do Cruzeiro naquele momento; o segundo gol foi uma demonstração de que bastava o Cruzeiro acelerar um pouco mais que criava com facilidade, em clara superioridade tática; o terceiro a prova da superioridade técnica, com dribles sucessivos de Willian até o pênalti; e o quarto gol foi a confirmação do que o primeiro estabeleceu, já que o Náutico sequer encostou na bola durante vários segundos até a conclusão final.

Convido o leitor, porém, a reler o primeiro parágrafo deste texto, mas agora fazendo uma analogia diferente: o trote de Goulart de uma área até a outra, sem ter a companhia de nenhum adversário até a linha fatal, pode ser uma representação do trajeto do próprio Cruzeiro no certame a partir daqui. A vantagem de onze pontos é muito significativa, e faz com que os adversários tenham que galopar muito intensamente durante todo o resto do campeonato, e ainda contando com tragédias do Cruzeiro ao longo do caminho.

Ao Cruzeiro, porém, basta um leve trote — como o de Goulart.

Exaltando a escola cruzeirense de futebol

Depois de um jogo em que poderia ter vencido não fosse o goleiro adversário ter gasto suas últimas fichas para fechar a meta, o Cruzeiro não deu chances ao azar e venceu outros dois adversários. Internacional e Portuguesa usaram estratégias e estilos de jogo diferentes para tentar surpreender Marcelo Oliveira, mas o estilo leve e rápido do ataque cruzeirense sobressaiu sobre ambas as equipes.

Como não sou pago para escrever e não posso tirar meu sustento do blog, não posso me dedicar a ele como gostaria. Por isso não foi possível postar uma análise separada para os dois jogos. Assim, o blogueiro vai tentar ser menos prolixo e condensar as duas partidas em apenas uma postagem.

Internacional 1 x 2 Cruzeiro

O 4-2-3-1 do Internacional tentou explorar a velocidade com um quarteto leve, principalmente com Otávio às costas de Egídio; já o Cruzeiro sentiu um pouco a falta de Goulart e não teve tanta presença no meio-campo central

O 4-2-3-1 do Internacional tentou explorar a velocidade com um quarteto leve, principalmente com Otávio às costas de Egídio; já o Cruzeiro sentiu um pouco a falta de Goulart e não teve tanta presença no meio-campo central

Para o jogo contra o Internacional, Ricardo Goulart e Lucas Silva estavam suspensos, e por isso Marcelo optou por lançar Henrique de volante mais solto e Dagoberto de ponteiro direito no 4-2-3-1 habitual. Com isso, Éverton Ribeiro foi deslocado para a posição de central — mas essa é só uma referência inicial neste Cruzeiro de 2013, onde os três meias circulam por todos os setores. Porém, mais do que o ponto de partida de Ribeiro, o estilo do quarteto ofensivo também mudou. Com Goulart, o time tem mais presença próximo ao círculo central e por isso as jogadas saem de trás com mais fluência. Já Dagoberto tem tendência de ser mais agudo, como Willian do outro lado. Com isso o Cruzeiro fica mais vertical e incisivo, mas perde em volume no meio-campo.

A jogada do primeiro gol merece destaque. Nas partidas contra o Atlético/PR e Botafogo, Nilton “inverteu” de papéis com Dedé — ou seja, o volante fechava na segunda trave enquanto Dedé puxava a marcação. Normalmente é o volante que segura os marcadores do zagueiro, numa jogada inspirada no pick-and-roll do basquete. Porém, depois de dar certo duas vezes, a dupla voltou ao modo “normal”, e o cruzamento de Egídio na primeira trave achou a cabeça de Nilton.

No lance seguinte o Inter empataria, tirando a vantagem psicológica que o Cruzeiro acabara de construir. Com a igualdade de volta ao placar, o estado inicial do jogo foi recolocado. Sem D’Alessandro, Dunga — agora ex-técnico do Inter — armou um 4-2-3-1 com Jorge Henrique pela esquerda, Otávio na direita e Alan Patrick de central, com Caio na frente — quatro jogadores leves, tentando surpreender a defesa celeste na base da velocidade. Otávio foi quem melhor aproveitou a estratégia, aproveitando espaços às costas de Egídio. Foi dele o gol de empate, recuando para sair da marcação do lateral esquerdo e ainda contando com um desvio no meio do caminho, mas não parou por aí. O Inter arrematou 7 vezes no primeiro tempo, com um gol e duas defesas de Fábio, bem acima do que o Cruzeiro permite a seus adversários.

Com as trocas, o Intermacional tentou pressionar com Damião e Alex, mas o Cruzeiro mudou o sistema e se defendeu com Tinga entre os volantes, controlando o jogo sem sustos até o fim

Com as trocas, o Intermacional tentou pressionar com Damião e Alex, mas o Cruzeiro mudou o sistema e se defendeu com Tinga entre os volantes, controlando o jogo sem sustos até o fim

Ofensivamente, Goulart fez falta. Ribeiro foi muito bem marcado por Willians, mais plantado para liberar Josimar, e Dagoberto ficou escondido do lado do campo. Só Willian tentava algo. Depois do gol, o Cruzeiro finalizou mais 3 vezes até os 15 minutos, e não mais até o intervalo. Marcelo percebeu o problema defensivo e tirou Egídio, amarelado, lançando Mayke e deslocando Ceará para a direita. A substituição funcionou e a defesa celeste equilibrou o jogo, que ficou mais lento e truncado. Quando o Cruzeiro acelerou pela primeira vez na segunda etapa, conseguiu o gol da vitória em jogada de Dagoberto, disputando bola aérea e acionando Willian no bico esquerdo da área. O bigodinho cortou pra dentro e colocou a bola quase com a mão no canto de Muriel, sem chance para o goleiro. Golaço.

Desta vez o Internacional não conseguiu empatar logo em seguida e o lado psicológico falou mais alto. Dunga tentou soltar o time, lançando Damião na vaga de Josimar e recuando Jorge Henrique para a volância, na tentativa de qualificar a saída e ter presença de área — Caio foi ser o ponteiro esquerdo. Depois trocou de central, Alan Patrick por Alex. Marcelo respondeu com Alisson na vaga do cansado Dagoberto para fazer as funções defensivas de ponteiro e depois Tinga no lugar de Éverton Ribeiro — uma espécie de 4-3-2-1 com dois jogadores abertos, quase um 4-5-1 com meio em linha. Assim o Cruzeiro controlou o jogo até o fim e garantiu mais três pontos.

Cruzeiro 4 x 0 Portuguesa

O 4-1-4-1 da Portuguesa até tentou explorar o lado esquerdo da defesa celeste com Luís Ricardo e Corrêa, mas Ferdinando e os laterais não conseguiram conter a intensidade do quarteto ofensivo celeste

O 4-1-4-1 da Portuguesa até tentou explorar o lado esquerdo da defesa celeste com Luís Ricardo e Corrêa, mas Ferdinando e os laterais não conseguiram conter a intensidade do quarteto ofensivo celeste

Já no jogo seguinte, o adversário tentou usar o mesmo espaço de campo, mas usou de outra estratégia. A ideia de Guto Ferreira era encaixar a marcação no meio-campo e soltar a bola rapidamente para Luís Ricardo — lateral de origem improvisado como ponteiro direito num 4-1-4-1 com Ferdinando entre as linhas e dois volantes — Bruno Henrique e Moisés — como meias centrais. Souza abriu na esquerda e Gilberto ficava centralizado. Corrêa, volante de ofício, foi quem deu o suporte defensivo a Luís Ricardo, jogando como lateral direito.

A tentativa era boa, pois é sabido que a marcação de Egídio é o ponto menos forte do time celeste. A primeira chance da partida foi exatamente com Luís Ricardo, mas não deu tempo de haver mais chances, porque a goleada foi construída em apenas 30 minutos. Nos outros 60 o Cruzeiro nitidamente se poupou e a Portuguesa recuou para não negativar o saldo de gols construído na partida anterior contra o Corinthians.

Os gols não foram parecidos na construção, mas tiveram sempre o mesmo elemento: Borges. No primeiro, a disputa aérea de Willian com Corrêa foi suficiente para fazer o volante-lateral errar e mandar a bola pra trás, que Borges aproveitou e mandou na trave. No rebote, Éverton Ribeiro, que acompanhou todo o lance, mandou para as redes sem marcação. Detalhe: quando a bola cruza a linha, Willian já estava dentro da área.

Depois, uma troca de passes pela esquerda e Goulart arrisca uma bomba que explode no travessão. No rebote, Borges está sozinho à frente de Lauro para aumentar. Já no terceiro, Borges, o camisa 9, homem de área, está à direita para receber o passe de Éverton Ribeiro e cruzar rasteiro para Willian ampliar. E no quarto, Borges é lançado após erro de saída da Portuguesa — na verdade forçado pela pressão alta dos atacantes celestes — e serve Ribeiro dentro da área sem olhar, saindo da área depois disso. Ribeiro perde o ângulo e acha Goulart, que finaliza em cima da zaga, e após disputa de Willian com o zagueiro, a bola sobra caprichosamente nos pés de Borges, que voltou lentamente para dentro da área. Fim de papo ainda com quinze minutos por jogar na primeira etapa.

Tudo por causa da estratégia de Marcelo nos jogos em casa: intensidade no início da partida para resolver logo a parada e chamar a torcida para junto do time. Com apenas dois pontos perdidos no Mineirão comprovam que a postura tem dado muito certo. Borges, que no fim do jogo contra o Inter saiu extenuado de campo, dizendo que todos estavam no limite, foi quem mais se aplicou enquanto houve jogo e por isso foi o nome da partida, com dois gols, duas traves e uma assistência.

Na etapa final, Marcelo Oliveira tentou reacender o jogo trocando todo o ataque; já Guto Ferreira repaginou o lado direito com Wanderson para poder deslocar Corrêa de volta para a proteção e melhorar a marcação no setor

Na etapa final, Marcelo Oliveira tentou reacender o jogo trocando todo o ataque; já Guto Ferreira repaginou o lado direito com Wanderson para poder deslocar Corrêa de volta para a proteção e melhorar a marcação no setor

Porém, depois dos gols, o jogo morreu. Difícil motivar um time no intervalo com tamanha vantagem, mas Marcelo Oliveira disse na coletiva pós-jogo que criou o desafio para o time de não sofrer gols, mesmo se poupando. A Portuguesa mudou para não sofrer mais gols, com o meia Wanderson de ponteiro direito na vaga de Ferdinando, que sofreu com os três mais celestes no primeiro tempo. Com isso, Corrêa e Luís Ricardo voltaram para suas posições “de origem” — volante e lateral direito, respectivamente, reforçando a marcação no meio e na direita.

Já o Cruzeiro claramente descansava com a bola nos pés, preservando a parte física para enfrentar a última maratona de jogos até o fim de outubro (em novembro os jogos serão apenas aos domingos, com exceção de uma rodada). Borges saiu ovacionado para dar lugar a Dagoberto, mandando Goulart temporariamente à frente. Era uma tentativa de Marcelo Oliveira de reacender o jogo, sem muito sucesso. Na Portuguesa, Cañete entrou na vaga de um inoperante Souza, mantendo a função de ponteiro esquerdo, e depois Gilberto cedeu seu lugar a Bérgson, mais móvel. Mas não houve sucesso em incomodar a defesa do Cruzeiro, que ainda teve Vinícius Araújo e Lucca nos lugares de Willian e Éverton Ribeiro, em novas tentativas de continuar com a intensidade, mas os jogadores preferiram descansar e repelir as poucas ações do time visitante.

Contra tudo e contra todos

Talvez eu não tenha conseguido resumir tanto quanto gostaria. Mas a ideia é que o Cruzeiro consegue jogar sempre da mesma forma, contra qualquer adversário, estilo ou estratégia adotada, seja onde for.

O Cruzeiro enfrentou dois adversários em momentos diferentes — a Portuguesa em recuperação e o Internacional em queda — com estratégias diferentes, mas tendo o mesmo resultado: o revés. O estilo cruzeirense — intensidade em todos os setores, solidez e estrutura defensiva, e velocidade, leveza e maleabilidade no ataque — se impõe sobre os planos táticos dos adversários, que já não sabem muito o que fazer para parar o time celeste. Um time que respeita o estilo histórico de jogar futebol do Cruzeiro: ofensivo e envolvente.

Esta equipe já foi testada de todas as formas, seja saindo atrás do placar e sendo paciente para buscar a virada; seja resolvendo o jogo em trinta minutos e garantindo os três pontos, e saiu vitoriosa na grande maioria das vezes. Ainda falta muito, mas a consistência tática é que permite aos estatísticos afirmar que o Cruzeiro tem mais de 90% de chances de levantar a taça no fim do ano.

Porém, se continuar neste ritmo, talvez até mesmo antes do fim do ano.

Corinthians 0 x 0 Cruzeiro – Igualdade desigual

Num duelo de dois treinadores com boa leitura de jogo, nenhum deles levou a melhor. Marcelo venceu o primeiro tempo, mas Cássio impediu que o Cruzeiro abrisse vantagem. Na etapa final, Tite ajustou peças e Marcelo foi obrigado a trocar uma das suas, mas enviando o jogador “errado”, passando por 15 minutos que quase colocaram a invencibilidade a perder até “consertar” e reequilibrar a partida.

No fim da contas, o empate foi um resultado que ilustrou bem a partida, mas o Cruzeiro esteve bem mais perto da vitória.

Sistemas de jogo

Ambos os times no 4-2-3-1, mas no Cruzeiro os três meias estreitavam fazendo maior número no meio-campo central e complicavam a rigidez defensiva do Corinthians

Ambos os times no 4-2-3-1, mas no Cruzeiro os três meias estreitavam fazendo maior número no meio-campo central e complicavam a rigidez defensiva do Corinthians

O Cruzeiro entrou no habitual 4-2-3-1 de Marcelo Oliveira em sua rotação “titular”. Do gol, Fábio viu Dedé e Bruno Rodrigo fazendo a dupla de área, com Ceará no flanco direito e Egídio pela esquerda. A proteção ficou por conta de Nilton e Lucas Silva, este último ligeiramente mais solto e próximo do setor mais fluido da equipe, o trio de meias. Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Willian partem da direita, centro e esquerda respectivamente, mas promovem muitas trocas entre si e tendo ainda a ajuda do centroavante Borges neste carrossel.

Tite “enganou” a imprensa inteira, que, pela suspensão de Guerrero e com Alexandre Pato fora do time titular, dizia que seria um Corinthians sem centroavante. É a velha mania da mídia de olhar apenas a posição de origem do jogador e dar a informação sem olhar sua função em campo. Acabou sendo o mesmo 4-2-3-1 que o Corinthians usou durante toda a era Tite, com Cássio no gol, Edenílson na lateral direita, Gil e Paulo André no miolo e Igor na esquerda. Ralf foi o primeiro volante, com Maldonado a seu lado e atrás de Danilo à direita, Douglas pelo centro e Emerson à esquerda, deixando Romarinho para brigar com os zagueiros.

Defendendo

Saída de bola do Corinthians. Dois passes para trás e Paulo André já faz o chutão para se livrar da pressão de Borges (assista o início deste vídeo para ver). É a característica deste Cruzeiro 2013: marcação pressão no alto do campo no início das partidas, recuperando a posse no campo adversário ou forçando o erro — algo que era característico do Corinthians de Tite no ano passado. A forte marcação imposta mal deixava Fábio aparecer na transmissão, pois o Corinthians sequer conseguia chegar perto da área celeste.

Além disso, posicionar Romarinho entre os zagueiros cruzeirenses não foi a melhor opção, já que o corintiano desapareceu nos quinze primeiros minutos. Logo Tite “corrigiu” isso invertendo o jovem com Emerson, que estava travando — e perdendo — um duelo intenso com Ceará na esquerda. O time da casa passou a ter uma presença melhor na faixa central, principalmente quando Douglas e Emerson trocavam passes, mas a zaga cruzeirense levou a melhor sempre.

Atacando

Um belo exemplo do quarteto ofensivo cruzeirense elouquecendo a retaguarda corintiana (veja o vídeo no link do texto)

Um belo exemplo do quarteto ofensivo cruzeirense elouquecendo a retaguarda corintiana (veja o vídeo no link do texto)

Quando roubava a bola, o Cruzeiro promovia a tradicional aproximação dos três meias — Ribeiro, Goulart e Willian se procuram em campo, gerando jogadas como esta. Essa aproximação, uma coisa que Michael Cox, do excelente Zonal Marking, chama de narrowness“estreiteza”, numa tradução livre — tem duas consequências. Uma é povoar o meio-campo central, causando superioridade numérica no setor e levando a uma tendência de ganhar a batalha pela posse de bola. Outra é abrir os corredores para o apoio dos laterais, que vem sendo uma das principais armas ofensivas do Cruzeiro nesta temporada (leia o artigo sobre a vitória do City sobre o United escrito por Michael onde ele fala exatamente dessas duas coisas).

Aqui vemos os três meias novamente bem centralizados, indefinindo a marcação do lado direito e fazendo o lateral esquerdo corintiano ficar totalmente fora da jogada

Aqui vemos os três meias novamente bem centralizados, indefinindo a marcação do lado direito e fazendo o lateral esquerdo corintiano ficar totalmente fora da jogada

Só o primeiro fator, porém, foi efetivamente usado a favor. Pois o Corinthians se defendia com uma rigidez defensiva não muito vista no Brasil. A equipe de Tite talvez seja a única no país que exerce um tipo de marcação diferente, com uma estrutura sólida, sem que as linhas se quebrassem, quase uma marcação por zona que é muito comum no futebol inglês. Os laterais não saíam para acompanhar os ponteiros quando eles centralizavam, e isso causou problemas para a retaguarda paulista, como no lance já citado e numa metida de bola de Goulart para Willian, que concluiu tão mal que a bola saiu pela lateral. Raridade.

Os laterais não subiram tanto porque Ceará tinha uma preocupação muito mais defensiva, enquanto Egídio não conseguia avançar com frequência devido à presença de Danilo no seu setor. O camisa 6 só subia na boa, e assim mesmo conseguiu criar duas boas chances, um cruzamento que Willian completou para um milagre de Cássio, e em um lançamento primoroso de Lucas Silva numa inversão de jogada que pegou o lateral sozinho dentro da área. Ele só teve uma opção, que era bater para o gol, e assim o fez, mas Cássio novamente desviou. Em ambos os lances, podemos ver Danilo voltando para marcar Egídio.

Saída de Borges

A primeira etapa terminou com 6 finalizações celestes (metade delas no alvo) e contra 3 paulistas (todas erradas), de acordo com o WhoScored.com. Infelizmente não foi possível converter ao menos uma delas em gol, muito graças à excelente tarde de Cássio. Depois do intervalo, Júlio Baptista entrou no jogo na vaga de Borges, empurrando Goulart para o fronte — uma substituição que já critiquei aqui no Constelações. Borges, apesar de ter feito um primeiro tempo apenas razoável do ponto de vista técnico, é uma peça fundamental no sistema de Marcelo Oliveira, pois seu bom posicionamento de área causa preocupação para os zagueiros adversários e acaba abrindo espaços para os três meias jogarem seu melhor futebol.

Já Goulart não tem essa característica, e fica apenas ocupando um dos zagueiros, jogando de costas para o gol. E ainda por cima, a presença de Júlio no meio-campo central, mesmo melhorando a presença física e ganhando experiência no setor, faz o time perder um pouco a mobilidade e a velocidade, a principal característica de ataque do Cruzeiro. O resultado foi que o time passou a perder o meio-campo e o Corinthians cresceu.

Cópia, mas nem tanto

Mas o time da casa não melhorou apenas por causa da troca. Tite provavelmente viu que estava perdendo o meio-campo porque tinha menos jogadores no setor, e acabou por “copiar” o modelo cruzeirense, fazendo os ponteiros Danilo e Romarinho se aproximarem de Douglas. Assim, não só o Cruzeiro parou de ganhar a batalha da posse quando atacava como também quando defendia, já que Egídio e Ceará preferiam esperar a subida dos laterais para fazerem o combate.

O gráfico de posicionamento médio mostra o constraste dos quartetos ofensivos: a rigidez corintiana (em azul) e a fluidez celeste (em laranja); no segundo tempo, os ponteiros do Corinthians se aproximaram mais do centro

O gráfico de posicionamento médio mostra o constraste dos quartetos ofensivos: a rigidez corintiana (em azul) e a fluidez celeste (em laranja); no segundo tempo, os ponteiros do Corinthians se aproximaram mais do centro

Quinze minutos se passaram, com o Corinthians chutando a gol com uma frequência assustadora, até que Marcelo “corrigiu” o erro, tirando Goulart e colocando Anselmo Ramon, centroavante de ofício. Anselmo praticamente não participou do jogo — a não ser nos acréscimos, com um passe que deixou Júlio Baptista cara a cara com Cássio e que acabou por consagrar a tarde do goleiro corintiano — mas sua presença de área ocupou os zagueiros e o Cruzeiro reequilibrou o jogo.

Na linha do tempo do site WhoScored.com, vemos claramente o período perigoso do jogo: exatamente entre a primeira e a segunda substituições

Na linha do tempo do site WhoScored.com, vemos claramente o período perigoso do jogo: exatamente entre a primeira e a segunda substituições

Pato e Dagoberto

Após quinze minutos sem chutes a gol, Tite fez sua única troca na partida inteira. Tirou Emerson da referência e lançou Alexandre Pato, provavelmente para ter um ganho técnico no ataque. Porém, logo em seu primeiro lance o atacante pisou na bola — um lance que ilustra bem a má fase do jogador. Já Marcelo fez seu último movimento com Dagoberto na vaga de Willian — uma ousadia, já que o camisa 11 não marca tanto quanto o 41. Uma prova de que ele não tem o famoso “medo de perder que tira a vontade de ganhar”.

Mas o jogo não se desequilibrou novamente, e o zero a zero só persistiu porque Júlio Baptista perdeu a bola do jogo no fim, numa típica jogada “fominha”, já que Dagoberto entrava livre pela área de frente para o gol e já sem Cássio à sua frente. O goleiro corintiano “adivinhou” o canto e garantiu a igualdade.

Um tropeço menor que o dos outros

Com sempre digo, não acredito em resultados injustos, pois o zero só não saiu do placar porque o Cruzeiro não teve a eficiência costumeira nas conclusões (foi o menor número de arremates do Cruzeiro no certame até aqui) e Cássio esteve em uma tarde inspirada. Portanto, o zero a zero é justo. Mas o primeiro tempo celeste foi digno de um time líder, se impondo tanto no ataque como na defesa, e por isso merecia ter marcado mais de uma vez.

Por sorte, mas também por competência de Fábio e cia., o Cruzeiro não sofreu o gol nos 15 minutos iniciais da segunda etapa, no período “sem centroavante”. Infelizmente, Borges sentiu dores e teve que sair, mas não entendi porque Marcelo não levou Vinícius Araújo ou já promoveu a entrada de Anselmo logo de cara. A experiência com Goulart na frente já não havia dado certo antes, e não entendo porque insistir nisto. Mesmo o líder tem mistérios.

A sequência de vitórias foi interrompida, mas os deuses do futebol nos sorriu e nos deu a derrota em casa do perseguidor mais próximo, aumentando a vantagem na ponta. Passando sem derrota no próximo fim de semana, contra um Internacional desfalcado de seu principal jogador e cansado pelo jogo da Copa do Brasil no meio de semana, acredito que as chances de campeonar chegam perto de 100%.

Com todo esse cenário, como torcedor, é preciso muita força de vontade para não cravar o título…

Cruzeiro 3 x 0 Botafogo – O time da moda

Muito já se falou sobre o jogo de quarta-feira (leia as análises de André Rocha, do blog Olho Tático do ESPN.com.br, e de Léo Miranda, no blog Painel Tático na Globo.com). Obviamente, por ser inegavelmente o jogo mais esperado da rodada, do líder contra o vice-líder, ambos com sequências de vitórias incomuns em Campeonatos Brasileiros (7 celestes contra 4). E os textos contém muitos pontos importantes e descrevem bem a partida, mas o Constelações não poderia ficar de fora, já que é o único blog de tática exclusivo sobre o Cruzeiro Esporte Clube, o líder incontestável do Brasileirão 2013.

O jogo foi de domínio cruzeirense na primeira etapa e de equilíbrio na segunda — em que pese as propostas das equipes terem se alterado no intervalo.

Esquemas táticos iniciais

A diferença entre os 4-2-3-1 de ambas as equipes era a intensidade, e Borges se aproximando dos meias para dar velocidade às trocas de passes

A diferença entre os 4-2-3-1 de ambas as equipes era a intensidade, e Borges se aproximando dos meias para dar velocidade às trocas de passes

O Cruzeiro foi para o jogo no tradicional 4-2-3-1 de Marcelo Oliveira, apenas com a volta de Ceará à lateral direita no lugar de Mayke, que jogou contra o Atlético-PR. O resto da linha defensiva foi igual à daquele jogo, com Egídio na lateral esquerda, Dedé de zagueiro direito e Bruno Rodrigo na zaga esquerda, protegendo o gol de Fábio. Nilton e Lucas Silva fizeram mais uma vez a dupla volância para dar suporte à linha de três meias, com Ribeiro partindo da direita, Goulart se movimentando do centro para as pontas e Willian fazendo a diagonal da esquerda para a área, se aproximando do centroavante Borges.

Oswaldo de Oliveira também armou seu Botafogo no 4-2-3-1 que vem utilizando na temporada toda. De volta da Seleção, o goleiro Jefferson teve sua meta defendida pelos zagueiros Bolívar e André Bahia — este último na vaga do suspenso Dória. Nas laterais, Edilson ficou pela direita e Júlio César foi o esquerdo. Marcelo Mattos fez a marcação principal e Renato tinha um pouco mais de liberdade no meio-campo defensivo, tentando se juntar ao trio formado por Lodeiro, Seedorf e Rafael Marques. Na referência do ataque, Elias.

Pressão na saída

Como vem se tornando comum em jogos no Mineirão, no início do jogo, o Cruzeiro procurou dar o máximo de intensidade, tanto na ofensiva quanto na marcação. Pressionava os zagueiros do Botafogo, forçando-os ou a passes longos — que ficavam quase sempre com a defesa celeste — ou a erros que entregavam a posse da bola perto da sua própria área, ou mesmo dentro dela, como no passe errado de André Bahia que Borges recebeu de presente dentro da área, logo a 3 minutos. Bolívar se recuperou e travou a conclusão.

Já quando tinha a bola, a “novidade” foi o posicionamento de Borges, um pouco mais recuado junto aos três meias, que naturalmente já jogam mais próximos uns dos outros. O camisa 9 ficou mais longe da área e não teve tantas chances de conclusão, mas ofereceu uma linha de passe rápida para dar seguimento e velocidade às jogadas. Destaque para um lance de condução de Goulart, que tabelou com Borges e passou a Willian já dentro da área, com Bolívar travando o chute no último instante.

Verticalidade x cadência

O Botafogo demorou uns dez minutos para passar da linha divisória, tamanho o controle do jogo que o Cruzeiro exercia. Porém, depois dos quinze minutos iniciais, o Cruzeiro arrefeceu um pouco e passou a variar mais a altura da pressão: ora buscava encurtar em cima dos zagueiros e laterais botafoguenses para forçar o chutão, ora fechava o meio-campo e deixava o time carioca com a bola. Com isso o Botafogo cadenciou, pois lhe era vantajoso tirar a intensidade do Cruzeiro naquele momento.

A estatística de posse de bola foi virando lentamente, muito devido aos estilos contrastantes. O Cruzeiro recuperava a bola e aplicava velocidade, tentando resolver rápido a jogada para pegar os defensores cariocas fora de posição e recuando para a sua própria área, e o Botafogo tentando abrir um espaço no excelente sistema defensivo do Cruzeiro. A estratégia cruzeirense acabou funcionando melhor, com Jefferson trabalhando em conclusões de Ribeiro e Willian, além de dois lances de cruzamento rasteiro que por pouco não foram empurrados para o gol, um de cada lado.

Já o Botafogo pouco ameaçou a meta de Fábio. O bom jogo defensivo dos laterais foi um fator, mas Lucas Silva fez uma partida excelente, conseguindo ganhar a maioria dos embates com Seedorf. Isso acabou por fazer o holandês procurar espaços longe da área, para ter tempo com a bola e armar o time de trás, tentando fugir da marcação de Lucas.  Fábio só trabalhou em chute de Elias na entrada da área, mas trabalhou muito bem.

O gol e a mudança

É difícil falar em justiça no futebol, porque este blogueiro sempre acredita que o placar do jogo é o mais justo. Mas merecimento é diferente, e se tinha de haver um vencedor no primeiro tempo, este tinha de ser o Cruzeiro. E no último lance do primeiro tempo isso se comprovou, num repeteco do lance do gol contra o Atlético/PR: escanteio da direita, Dedé segurando o marcador e Nilton sozinho completando de pé para o gol. Desta vez, porém, o volante pegou mais bonito na bola para fazer um golaço.

Apesar de não terem modificações, os times voltaram diferentes. Talvez pela vantagem que conseguiu, o Cruzeiro voltou mais calmo e assistindo o Botafogo trocar passes em sua defesa, provavelmente mais cansado pela intensidade do primeiro tempo. E por isso mesmo o Botafogo, que também tem jogadores de qualidade, imprimiu mais velocidade e foi acuando o Cruzeiro, aos poucos, até que Seedorf, naquele que talvez tenha sido seu único bom lance na partida, deu um belo passe e achou Rafael Marques livre de marcação na área. Bruno Rodrigo tentou tirar, e o zagueiro acabou chutando a perna do atacante botafoguense, que já havia sido dominada por ele. A bola de Seedorf no pênalti passou rente à trave direita, e isso foi o mais perto que o Botafogo chegaria do gol de Fábio.

Trocas

O Botafogo sentiu a perda do pênalti por sua maior referência em campo, e deixou de atacar tanto o Cruzeiro. Mas àquela altura o time celeste já estava no modo “contra-ataque para matar o jogo”, e novamente o Botafogo teve mais a bola nos pés, apesar de não levar tanto perigo como antes do pênalti.

Marcelo Oliveira se viu obrigado a trocar Nilton por Henrique devido a uma lesão do volante-artilheiro, mas aproveitou para lançar Júlio Baptista na vaga de Borges. Júlio foi ser o central e Goulart passou para a referência, mas depois sairia para a entrada de Dagoberto, que foi ser ponteiro direito, com Ribeiro passando a ser o central e Júlio o centroavante. No Botafogo, Oswaldo de Oliveira mandou Hyuri na vaga de Renato, fazendo um 4-3-3 com Marcelo Mattos de único volante e Seedorf tendo a companhia de Rafael Marques no meio-campo ofensivo, e depois lançou Alex na vaga de Elias na referência.

As trocas fizeram a intensidade cruzeirense ser retomada, principalmente nos contra-ataques. E foi numa transição rápida, em bola roubada por Bruno Rodrigo, que Everton Ribeiro entrou driblando na área, caiu e o juiz marcou pênalti duvidoso. Júlio converteu e praticamente matou o jogo. Oswaldo ainda tentaria uma última cartada, com Henrique no lugar de Rafael Marques, lotando o setor ofensivo com dois centroavantes e dois jogadores abertos. Henrique chegou a fazer Fábio defender uma bola, mas um contra-ataque mortal puxado por Júlio Baptista e muito bem concluído pelo próprio em um drible de corpo deu a oitava vitória seguida ao Cruzeiro.

O site WhoScored.com mostra equilíbrio nas finalizações, mas com o Cruzeiro sendo muito mais eficiente (10 chutes certos contra 3)

O site WhoScored.com mostra equilíbrio nas finalizações, mas com o Cruzeiro sendo muito mais eficiente (10 chutes certos contra 3)

Cara de campeão

A proposta de jogo cruzeirense já é bem conhecida: marcação a partir dos atacantes sem a bola, e aproximação e troca de posição dos meias e ultrapassagem dos laterais com a bola nos pés, tudo isso feito com muita intensidade. É claro que nenhuma proposta é perfeita — às vezes o Cruzeiro dá muito espaço, deixando os adversários com tempo demais com a bola nos pés. Porém, seja quando os adversários mudam sua forma de jogar, seja quando não o fazem e exploram os pontos menos fortes do Cruzeiro, como o Botafogo fez, a vitória vem.

Além disso, o comprometimento dos jogadores com o objetivo de campeonar ficou claro na saída para o intervalo, quando o repórter do PFC tentou entrevistar Nilton. O jogador não conseguiu falar devido à emoção de ver a torcida enlouquecida com o seu gol. Indício de comprometimento e motivação.

Se o Cruzeiro vencerá o torneio, ainda é cedo para dizer. Mas que estes ingredientes dão à equipe uma cara de campeão, ah, isso dão.

Cruzeiro 1 x 0 Atlético/PR – Inapelável

Seis vitórias seguidas fazer até mesmo os adversários mais fortes mudarem — não só na estratégia como também no sistema de jogo. O Atlético Paranaense respeitou o Cruzeiro, e mesmo após treze partidas invicto, mudou. Não adiantou muito: as seis vitórias viraram sete num jogo de três estágios bem distintos, e que poderia ter sido bem mais tranquilo se o juiz e a bandeirinha não fossem tão “apressadinhos”.

Plataformas iniciais

Atlético no 4-3-1-2 losango bem compactado e defesa alta encaixou no 4-2-3-1 celeste mas deixou Mayke livre

Atlético no 4-3-1-2 losango bem compactado e defesa alta encaixou no 4-2-3-1 celeste mas deixou Mayke livre

Com Borges de volta, Marcelo Oliveira pode escalá-lo no comando do ataque e escalou ao trio “titular” de meias, com Éverton Ribeiro partindo da direita, Ricardo Goulart centralizado e Willian pela esquerda. Nilton e Lucas Silva foram novamente os parceiros na proteção da área, e a defesa foi formada pelos zagueiros centrais Dedé e Bruno Rodrigo, com Egídio na lateral esquerda e Mayke, na vaga do poupado Ceará, na direita — todos capitaneados pelo goleiro Fábio.

Vágner Mancini não podia contar com o longevo Paulo Baier, e mudou a forma de jogar de sua equipe para encarar o líder no Mineirão. Foi um tradicional 4-3-1-2 losango, mas com compensações defensivas. Debaixo das traves, Weverton teve sua linha defensiva formada por Léo à direita, Manoel e Luiz Alberto no miolo e Maranhão, volante, fechando o lado esquerdo. Bruno Silva ficou plantado à frente da zaga, Deivid à direita e João Paulo à esquerda eram os apoiadores e Everton centralizado na ligação. No ataque, Marcelo fechava o lado esquerdo e Éderson ficava mais por dentro.

Encaixe de marcação

O Atlético começou o jogo muito compacto, com as linhas bem próximas e com perseguições bem definidas. No meio, Deivid colava em Goulart, e os dois apoiadores perseguiam os volantes celestes. Éverton, o meia de ligação, por vezes fechava o espaço no centro sem ter um jogador designado, por vezes fechava o lado direito para bater com Mayke. Marcelo caía pela direita para impedir os avanços de Egídio, e Éderson preferia marcar Dedé à distância.

Assim, ninguém marcava Mayke diretamente. Talvez Mancini esperasse por ali a presença de Ceará, que passa menos que o jovem lateral. Portanto ali era o setor de preferência de saída de bola. Por vezes, Éverton, o meia de ligação, caía por ali para cercar, e por vezes o volante lateral Maranhão subia a marcação no garoto.

Profundidade e velocidade

Mas a defesa do time paranaense jogava alta, um dos requisitos principais para a compactação, dificultando as ações celestes entre as linhas. Também por isso, nos quinze primeiros minutos, o Cruzeiro cadenciou, estudando a melhor forma de sair e atacar, sem dar velocidade. Nesse período, Mayke parecia um tanto nervoso, errando alguns passes bobos e errando domínios de bola, mas depois que o mapa da mina foi descoberto, o Cruzeiro acelerou e intensificou a movimentação. Preferiu a direita e bolas em profundidade, para pegar a defesa atleticana correndo pra trás.

Éverton Ribeiro, Willian, Egídio e o próprio Mayke arremataram contra Weverton nesse período, quase sempre em jogadas de passe vertical nas costas da defesa — assim como o escanteio que originou o gol: bola em profundidade para Mayke finalizar em cima de Weverton que mandou pra fora. Na cobrança, Nílton inverteu os papéis com Dedé e completou sozinho para o gol, de primeira, numa bola difícil — ela ainda resvalou na trave antes de entrar.

A jogada que originou o escanteio do gol foi como muitas outras: profundidade para aproveitar o posicionamento alto da defesa do Atlético/PR

A jogada que originou o escanteio do gol foi como muitas outras: profundidade para aproveitar o posicionamento alto da defesa do Atlético/PR

Mesmo com a vantagem, o Cruzeiro não se deu Logo depois, a arbitragem anularia o segundo gol legítimo e que poderia dar outra cara à partida. No fim do primeiro tempo, Borges também teria oportunidade de ampliar, novamente em jogada de profunidade, mas desta vez sim, ele estava impedido.

Cansaço?

No segundo tempo, a marcação ofensiva do Atlético mudou. Marcelo passou a acompanhar Éderson na semi-pressão aos zagueiros, deixando os laterais livres. A segunda etapa começou como terminou a primeira: antes do relógio ter dado uma volta completa Willian já tinha arriscado para o gol. Depois, Nilton quase fez o segundo num cabeceio, mas Weverton pegou no cantinho e Borges desperdiçou o rebote. Depois Lucas Silva tentaria mais uma vez de fora da área, mas o chute foi bloqueado.

E foi só. Inexplicavelmente — ou, pensando melhor, talvez pela questão física — o Cruzeiro reduziu a velocidade do jogo e deu campo ao Atlético Paranaense. Convidado a atacar, e atrás no placar, o Atlético aceitou a proposta e avançou suas linhas. As três finalizações do primeiro tempo já tinham agora a companhia de mais duas — todas para fora, é verdade, mas agora as estratégias haviam se invertido: o Cruzeiro esperava para contra-atacar e o Atlético tinha mais a bola.

Controle defensivo

Marcelo então promoveu duas trocas de uma só vez. Borges e o amarelado Éverton Ribeiro deram suas vagas e Júlio Baptista e Alisson. Júlio foi ser o central, empurrando Goulart para frente, e Alisson fechou o lado esquerdo, com Willian invertendo. Pernas novas para tentar segurar a bola no ataque e não correr riscos de um injusto empate. Vágner Mancini respondeu tirando Deivid e lançando o meia Felipe, e logo depois mandou Dellatorre na vaga de Marcelo, soltando o time num 4-3-3. A partir daí o Atlético teve mais posse, mas não teve muita eficiência. Foi só aí que Fábio fez sua única defesa no jogo, a única finalização certa do time paranaense durante todo o jogo.

Mancini ainda tentou colocar um homem de área, Roger, na vaga de Éderson, para a famosa tática da bola aérea, mas o Cruzeiro controlava bem o jogo defensivamente e não permitia cruzamentos. A posse de bola atleticana assustava, mas não era produtiva, e era o Cruzeiro quem tinha mais chances de marcar em contra-ataques. No fim, a troca de Willian por Lucca e a sequência interminável de escanteios com Júlio Baptista decretaram o fim da partida.

Chegou a hora

Não só o Atletico finalizou pouco como também concluiu mal e de longe: só 3 foram de dentro da área, e somente 1 foi no gol (Footstats)

Não só o Atletico finalizou pouco como também concluiu mal e de longe: só 3 foram de dentro da área, e somente 1 foi no gol (Footstats)

A vitória do Cruzeiro foi incontestável, diante de um rival direto na ponta da tabela. O jogo só equilibrou no fim porque o Cruzeiro cansou — lembrando que o Atlético não jogou com seu time titular no estadual, e por isso tem um condicionamento físico melhor. Mesmo assim, houve superioridade da defesa celeste sobre o ataque adversário. Não custa lembrar que o Atlético é o segundo time que mais finaliza no campeonato, perdendo apenas para o próprio Cruzeiro. A partida de sábado, no entanto, foi a terceira da equipe paranaense com menos finalizações nas 21 primeiras rodadas — o Atlético só concluiu menos contra Corinthians (na 8ª rodada) e Atlético/MG (10ª).

Encaixar uma sequência de treze jogos sem derrota não é para qualquer equipe. Vágner Mancini chegou ao Atlético Paranaense e conseguiu isso, mas diante de um Cruzeiro que impõe respeito antes mesmo das partidas, mudou sua equipe e conheceu seu primeiro revés — mesmo sendo, na modesta opinião deste blogueiro, a estratégia certa para enfrentar o líder em sua própria casa.

Resta saber se o Botafogo, agora o único rival mais próximo com a derrota do Grêmio, também respeitará o Cruzeiro, modificando ao menos sua estratégia de jogo, ou se irá tentar encarar o time celeste de igual para igual no Mineirão.

Cá pra nós: se Oswaldo de Oliveira preferir a segunda opção, tem muito mais chance de sair derrotado.