O futebol moderno hoje impõe versatilidade aos jogadores. É fato que o Barcelona, sob a batuta de Pep Guardiola, acaba por ditar a filosofia do futebol ofensivo em todo o mundo: todos jogam, mas todos marcam. Não existe mais aquele jogador que não tem obrigações defensivas, que fica esperando a bola para poder num lance decidir o jogo. Assim como também não existe mais aquele jogador super-defensivo, que “carrega o piano” para o craque do time poder jogar mais tranquilo.
Portanto, é mais do que natural, e cada vez mais comum, que jogadores joguem em posições que não são a sua de origem. Um caso emblemático é o de Marcelo Oliveira, que com a chegada de Celso Roth, foi parar na lateral esquerda. O volante de origem vinha jogando como segundo volante, ou pelo lado esquerdo do losango no 4-3-1-2 de Vagner Mancini, ou como vértice esquerdo do triângulo de base baixa quando num 4-3-3.
Estes jogadores comumente são taxados de “improvisos” pela grande mídia brasileira, como se a opção pela escalação do jogador naquele setor fosse um remendo que não necessariamente durará. Não raro, comentaristas gostam de dar ênfase a isto, para evidenciar que um determinado time precisa de reforços naquela posição ou que o técnico está inventando. É claro que jogar em sua posição de origem é melhor, pois o jogador está mais acostumado às funções que este papel lhe impõe. Mas ninguém pode guardar posição e ficar estático em sua zona – a Holanda de 74 foi a pioneira neste quesito, e o Barcelona atual aperfeiçoou o conceito.
Pois bem, para se fazer uma boa análise tática de uma partida, é preciso diferenciar bem três conceitos: posição, posicionamento e função. Como o excelente blog do Eduardo Cecconi já explicou:
“POSICIONAMENTO é a região do campo de onde o atleta parte NO JOGO em análise, a sua ZONA. Somados os posicionamentos de cada jogador chegamos ao sistema tático base da equipe. POSIÇÃO diz respeito à característica do jogador, é a ‘profissão’ dele, INDEPENDENTEMENTE da partida em andamento. É imutável. E a FUNÇÃO é o conjunto de atribuições que o jogador cumpre também NO JOGO observado.”
Entretanto, mesmo com essa clareza, algumas vezes percebo análises táticas muito ruins de comentaristas tarimbados, que não conseguem ir além da posição do jogador. Apresento dois casos para o mesmo jogo: Cruzeiro 0 x 0 Atlético/GO, pela primeira rodada do Campeonato Brasileiro 2012.
Como este blog já disse, o Cruzeiro jogou num 4-2-3-1, que variava para um 4-4-1-1 na fase defensiva com o recuo dos alas do meio-campo, como se pode ver em dois momentos do primeiro tempo, abaixo:
O 4-2-3-1 com a posse também fica evidenciado quando se vê o gráfico de passes recebidos pelos 5 jogadores do meio-campo no primeiro tempo:
Durante o jogo, era claro o posicionamento: Everton aberto pela esquerda, Souza pela direita, Montillo se movimentando por dentro mas caindo mais pela direita, e Charles e Amaral fazendo a dupla volância, com Charles tendo mais liberdade e Amaral mais preso na cobertura a Marcos. Até a própria abertura da transmissão acertou na hora de apresentar o gráfico com a escalação, pelo menos no sistema, pois os alas apareceram invertidos:
Durante o jogo, o comentarista Leonardo Figueiredo, durante a transmissão do pay-per-view, dizia que os dois times se posicionavam taticamente iguais, o que não é verdade. Disse que o Cruzeiro jogava com dois meias – o que é meia verdade, se consideramos apenas a posição dos jogadores, e não seu posicionamento. Mas se assim fosse, teríamos que dizer que o Cruzeiro jogou com 4 volantes, pois Marcelo Oliveira estava na lateral esquerda. Certamente o Cruzeiro não jogou num 3-4-2-1.
Dias depois, o mesmo comentarista apresentou uma análise tática muito equivocada do meio-campo cruzeirense. Ele posicionou Souza pelo lado esquerdo, plantou Amaral à frente dos zagueiros e deslocou Charles para a direita. Ora, as imagens acima desmentem isto. O que houve? Ele simplesmente não conseguiu (ou se recusou a) enxergar as atribuições de articulação de Everton, cuja POSIÇÃO é volante, mas cujo POSICIONAMENTO neste jogo era aberto pela esquerda na linha de 3 do 4-2-3-1, e sua FUNÇÃO foi de meia-esquerda. Da mesma forma, Marcelo Oliveira é volante, mas neste jogo jogou do lado esquerdo da defesa e tinha como função fechar aquele setor, deixando as atribuições ofensivas daquele lado para o camisa 11, mais à frente.
Também, o comentarista Bob Faria, em seu programa noturno “MG Esporte Clube”, apresentou uma arte onde posicionava o Cruzeiro num 4-3-2-1, da mesma forma. Pelo menos ele não colocou nomes nas bolinhas que representavam os jogadores. Correu menos risco. Ainda assim, apresentou uma análise errada.
Esta é uma das razões pelas quais decidi iniciar este blog. O nível de expertise dos ditos comentaristas na imprensa (principalmente mineira) é deplorável. Alguns se destacam e fazem excelentes análises, mas são raras exceções. A grande maioria se limita a comentar a parte técnica, dizendo que o jogador está mal ou bem na partida. Pouco ou nada sobre a parte tática.
Por isso, quando descobri, nas minhas leituras sobre o assunto, que o excelente site de análises táticas Zonal Marking também foi motivado pelas mesma razões, eu me encho de esperanças…