Números: cuidado com eles! A eficiência de passe dos jogadores do Cruzeiro

É costume dizer que os números são “frios”. Em outras palavras, os números contam uma verdade única e incontestável. Porém, se colocados da maneira correta, números de qualquer natureza podem contar somente uma parte da história, ou a parte da história que mais lhe convier.

Um pequeno exemplo: suponha que havia dois hospitais em uma cidade, e o prefeito foi lá e construiu mais um. Candidato à reeleição, o prefeito diz à população que aumentou em 50% o número de hospitais. Um número “impressionante”. Mas o candidato de oposição pode usar o mesmo dado, contado de forma diferente, e dizer que o atual prefeito construiu “apenas” um hospital. Um caso clássico de números relativos contra absolutos que acontece em qualquer pleito.

No futebol não é diferente. Dia desses, o perfil cruzeirense da Footstats, a maior empresa de estatísticas futebolísticas do Brasil, publicou o seguinte no Twitter:



Nada mais do que a verdade: Éverton Ribeiro é o cruzeirense que errou mais passes. Ponto. Mas essa análise não diz nada se não for mais profunda. Deve-se levar em conta, também, o total de passes tentados. Afinal, quem tenta mais passes, naturalmente erra mais passes no número absoluto. Para dar um exemplo simplório: se uma equipe A tenta 50 passes e erra 10, enquanto a equipe B tenta passar a bola 200 vezes e erra 20, a equipe B erra mais no total (20 contra 10), mas em eficiência de passes, a equipe B é melhor (90% contra 80%).

Eficiência de passes

Eficiência de passes dos jogadores do Cruzeiro até a 13ª rodada. Em branco, os jogadores que tentaram menos de 100 passes

Eficiência de passes dos jogadores do Cruzeiro até a 13ª rodada. Em branco, os jogadores que tentaram menos de 100 passes

Em termos de eficiência, de acordo com os números da própria Footstats, a maioria dos jogadores está numa faixa entre 80% e 95% de acerto. Fábio tende naturalmente a liderar o quesito, pois qualquer passe errado do goleiro pode resultar em gol adversário e portanto os passes mais seguros são os escolhidos, aumentando muito o índice. Isso se expande para os jogadores de linha: quanto mais à frente o posicionamento de um jogador, maior a probabilidade de erro. Os zagueiros em média tem mais eficiência que os volantes, que por sua vez tem uma taxa de acerto maior que os meias e assim por diante. Exploraremos isso mais à frente no texto.

Além disso, alguns desses números tem que ser relativizados. É o caso de Samudio, Júlio Baptista e Manoel. Estes jogadores estiveram em campo por apenas um jogo, ou nem isso no caso de Samudio e Júlio, e isso acaba por desviar os números demais. Dessa forma, retiramos os jogadores que tem menos de 100 tentativas de passe da análise (Júlio, Samudio, Borges, Tinga, Alisson e Manoel).

De fato, vemos que os jogadores que tem menor taxa de acerto são os jogadores de frente, onde naturalmente há menos espaço para completar um passe. E Éverton Ribeiro é o terceiro menos eficiente dentre os jogadores com mais de 100 passes, de certa forma comprovando o tuíte da Footstats acima. Mas isso também não conta a história completa, como veremos adiante.

Relação passes certos x errados

Na relação entre passes certos e errados, vemos como os jogadores se concentram uma faixa diagonal: quem tenta mais, naturalmente erra mais no número absoluto, mas também tem mais acertos

Na relação entre passes certos e errados, vemos como os jogadores se concentram uma faixa diagonal: quem tenta mais, naturalmente erra mais no número absoluto, mas também tem mais acertos

O eixo vertical representa os passes errados, ou seja, quanto mais pra cima no gráfico está um jogador, mais passes ele erra, em número absoluto. E o eixo horizontal representa os passes certos — da mesma forma, quanto mais à direita no gráfico, mais passes o jogador completa com sucesso, novamente em número absoluto.

Reparem que, de fato, Éverton é o jogador que mais errou passes no Cruzeiro, pois é o ponto que está mais acima que todos os outros. No entanto, ele também acerta muitos passes, sendo o terceiro do time neste quesito, empatado com seu companheiro Ricardo Goulart. Os dois jogadores que acertam mais são Henrique e Egídio. Como já dito, é preciso considerar que Ribeiro e Goulart jogam em regiões do campo onde há muito menos espaço, ao contrário de Henrique e Egídio. Assim, podemos dizer que são dois dos melhores passadores do time. Além disso, na maioria das vezes é deles a responsabilidade de dar o passe final, aquele que deixa o companheiro na cara do gol, e que quase sempre é um passe de maior dificuldade do que os “normais”. Por isso, a taxa de erros é ligeiramente maior.

Outro ponto a se destacar é que os jogadores se concentram numa faixa diagonal que vai do canto inferior esquerdo ao canto superior direito do gráfico. Isso é explicado facilmente pela máxima: quem tenta mais passes, erra mais vezes, mas também acerta mais do que os outros.

Qualidade x quantidade

Entre as equipes, após os dados da 13ª rodada serem contabilizados, o Cruzeiro é o segundo time que mais tenta trocar passes do Brasileirão, com 5457 tentativas, atrás apenas do São Paulo (5590). Em eficiência, o Cruzeiro é o sexto, com 90,17% de acerto. Fluminense (91,66%), Bahia (91,20%), Internacional (90,96%), Atlético-MG (90,89%) e Flamengo (90,78%) estão à frente. Nesta página você pode ver este gráfico e brincar com outros números das equipes.

Vendo estes números, cabe a pergunta: como é possível que o Flamengo, lanterna do campeonato, tenha mais eficiência em passes do que o Cruzeiro, líder absoluto da competição — 90,78% contra 90,17%? A explicação é simples: o número de passes trocados e a eficiência também não contam toda a história. Imagine que os zagueiros de um time ficam trocando passes entre si durante os 90 minutos e o time não tente uma jogada mais aguda. No fim, a equipe terá índices astronômicos de posse de bola e de passes certos, com eficiência de quase 100%, mas o placar terá ficado em branco.

Portanto, além de quantificar, é preciso qualificar a estatística. Quantos desses passes foram no campo de defesa do adversário? Ou melhor, quantos desses passes foram em direção ao terço final do campo, onde é mais difícil completá-los? Quantos foram para frente, ao invés de serem laterais ou para trás? Infelizmente, no momento a Footstats não fornece publicamente a localização dos passes. Talvez nem faça este levantamento ainda.

Há outros fornecedores de dados que fazem esta qualificação. Os dados dos sites WhoScored e Squawka são da Opta, que é a líder nesse setor na Europa e no mundo. No Squawka, é possível ver quem deu o passe, de que lugar do campo para qual lugar do campo, em que minuto do jogo ele foi feito, se ele foi completado, se criou uma chance de gol ou se foi uma assistência (ou nenhum dos dois), se foi de cabeça ou não, se foi longo ou curto — vários qualificadores que ajudam na análise.

Números: cuidado com eles

É claro que os números só dizem a verdade. Mas podem não dizer toda ela. Dependendo da forma em que são colocados, podem esconder uma parte da realidade. Qualquer análise simplista, como a do tuíte acima, pode gerar falsas impressões sobre um jogador ou equipe. Éverton Ribeiro é um dos jogadores mais técnicos do Cruzeiro, se não o mais técnico; portanto, o número absoluto de passes errados, se é o maior do time, diz pouco sobre a qualidade do jogador.

Sob a mesma ótica, também não gosto muito dos famosos “números do jogo” que as emissoras colocam nos intervalos das transmissões. Ali também consta o número de passes errados absoluto, e não a eficiência. A estatística de posse de bola, sem a análise de como foi utilizada essa posse, também não diz muita coisa. Como já dito, um time pode ficar com a bola em seu campo de defesa e não fazer nada com ela.

Penso que as análise de números no futebol no jornalismo esportivo em geral devem ser feitas com mais cuidado. Simplesmente somar as quantidades de qualquer coisa sem qualificar os números já não é o bastante e pouco acrescentam.

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