(nota: este texto está sendo escrito após a derrota vergonhosa contra o Figueirense, portanto pode estar um pouco mais carregado do que deveria.)
O futebol, na maioria das vezes, não é simples nem lógico. Mas na partida entre Cruzeiro e Sport, no último fim de semana na Ilha do Retiro, o futebol foi exatamente isso: lógico, simples. Mas nosso treinador não conseguiu enxergar isso, fez as mexidas de sempre que alteraram apenas a característica dos jogadores sem alterar o sistema, e por isso amargamos a segunda derrota seguida.
Acompanhe o raciocínio: ganha o jogo quem faz mais gols, certo? Mas faz mais gols quem cria mais chances, e quem cria mais chances é quem tem mais a bola nos pés. Para ter mais posse é preciso ganhar o meio-campo, e para isso é só ter mais jogadores no setor. Logo, quem tiver domínio do meio-campo — por consequência — pode fazer mais gols e vencer. É claro que na maioria das vezes não é assim, mas nesta partida foi o que aconteceu.
Cruzeiro de Celso Roth no mesmo 4-3-1-2 em losango das últimas partidas: Fábio no gol, defesa com Léo mais preso na direita, Donato e Mateus na zaga e Everton bem avançado na esquerda; meio-campo com Sandro Silva no pé do losango, Tinga e Charles pelos lados e Montillo à frente; ataque com Wallyson pela direita voltando com o lateral e WP centralizado.
Waldemar Lemos deve ter ligado para seu irmão, Oswaldo de Oliveira, técnico do Botafogo, e pegado umas dicas. A isso, ele adicionou suas próprias armas e escalou o Sport num 4-3-3-0. Isso mesmo: sem centro-avantes, com um volante mais plantado e dois mais avançados, e três meias. Saulo no gol teve Cicinho (aquele mesmo) pela lateral direita, Edcarlos e Diego Ivo na zaga e Willian Rocha na lateral esquerda; Tobi foi o volante plantado, liberando Rithely e Moacir para se juntarem ao trio ofensivo formado por Felipe Azevedo aberto na esquerda, Gilsinho pela direita e o falso nove Hugo.
Basicamente, eram seis jogadores do Sport contra quatro do Cruzeiro no meio-campo. Sem qualidade de passe, o Cruzeiro recorria à ligação direta e até ganhava algumas bolas, mas a segunda bola era sempre do Sport, pelo simples fato de ter dois a mais no meio-campo — setor onde a maioria das bolas aéreas era disputada. Assim, o Sport teve mais posse de bola do início ao fim da partida — 57,16% contra 42,84%, a segunda pior posse do Cruzeiro no campeonato — e não perdeu o controle do meio-campo em nenhum momento. O Cruzeiro ainda saiu na frente, com Wallyson em jogada de velocidade e marcação pressão, e teve outras chances de marcar. Mas foi muito mais porque era ligeiramente superior na técnica do que pelo sistema tático, mesmo com Montillo praticamente inexistente no jogo.
Some-se a isso o fato de o Sport ter executado muito bem sua própria proposta tática — e o Cruzeiro cair na armadilha. Um falso nove é assim chamado porque joga centralizado, aparecendo na área para concluir como um centro-avante, mas não fica preso a ela e volta para compor o meio-campo, buscar a bola e participar da articulação. É uma espécie de híbrido entre um 10 e um 9 clássicos. E a principal vantagem de usar um jogador nessa função é a de abrir espaços para os companheiros explorarem, arrastando adversários consigo e tirando-os do caminho. Os melhores exemplos são os gols do Sport: no primeiro, Rithely aparece sozinho, sem ser incomodado, para cabecear com muito mérito de primeira por cima de Fábio, adivinhando que o goleiro sairia do gol para “abafar” o lance.
O segundo gol ainda teve um agravante: o buraco na esquerda da defesa, que causava um efeito cascata. Everton jogava avançado e, nos jogos anteriores, sempre tinha a cobertura de um dos três volantes, transformando o time num 4-2-3-1 temporariamente. Mas desta vez isso não aconteceu, e quem teve que ir cobrir as costas do lateral-volante era o zagueiro Mateus. Com isso, Sandro Silva afundava na zaga para recompor, ora na direita, ora dentro da área, fazendo o número de jogadores no meio ser ainda menor. Às vezes nem isso acontecia e o buraco simplesmente ficava lá: veja na imagem abaixo o momento do segundo gol, de Gilberto, que tinha acabado de entrar no jogo. Ele tabelou com facilidade com Rithely e apareceu exatamente no espaço aberto para decretar a virada.
Nem cabe uma análise mais aprofundada, porque o jogo foi praticamente inteiro assim. Diego Renan entrou no lugar de Donato, empurrando Leo para a zaga e mantendo o esquema; Tinga saiu para a entrada de Lucas Silva, também sem alterar a formação. A única nota tática quase não-digna de menção foi a entrada de Anselmo Ramon no lugar de Wallyson. Anselmo foi jogar dentro da área com WP, acabando por incentivar ainda mais o chuveirinho e a bola longa, ao invés de atacar o problema principal: o meio-campo sem posse de bola.
No fim da partida, Celso Roth disse que foi uma derrota inexplicável, que era jogo para ganhar. Concordo com a última afirmação apenas, porque em relação à primeira, é só ler o que eu escrevi aí em cima.
Reitero: o futebol vai contra a lógica em muitas ocasiões. Mas quando ele vai com a lógica, é preciso perceber isso. Se na derrota para o Botafogo o treinador teve pouca culpa, nesse caso o revés cai sim, infelizmente, nos ombros de Celso Roth.