Botafogo 1 x 1 Cruzeiro – O futebol é mais importante que o resultado

O Cruzeiro foi ao Maracanã sabendo do tamanho da crise do Botafogo. Mesmo assim, tinha um discurso de respeito ao adversário. Quando a bola rolou, parecia que era o time celeste que jogava em casa: controle da posse de bola e de território, jogando bom futebol e buscando a vitória a todo instante. Foi superior técnica e taticamente, anulando a maioria das poucas ameaças que sofreu e procurando criar espaços diante da retranca carioca.

Não foi suficiente desta vez, muito por conta de um único erro coletivo e também do goleiro adversário, mas valeu. Pois não foi uma busca pelo resultado a qualquer custo, de qualquer jeito: existe uma filosofia por trás. E o Cruzeiro deste sábado foi o verdadeiro Cruzeiro, e isso é o mais importante.

Sistemas e nomes

O 4-4-1-1 do Botafogo bloqueou os laterais celestes e forçou o 4-2-3-1 celeste a jogar pelo centro; Edilson era o puxador de contras

O 4-4-1-1 do Botafogo bloqueou os laterais celestes e forçou o 4-2-3-1 celeste a jogar pelo centro; Edilson era o puxador de contras

Para este jogo, Marcelo Oliveira lançou Mayke na vaga de Ceará, lesionado, pelo lado direito da linha defensiva do goleiro Fábio. Dedé e Léo repetiram o miolo e Egídio fechava o lado canhoto. Lucas Silva e Henrique mais uma vez fizeram a parceria na proteção e apoio ao ataque, se juntando ao trio de criativos: Everton Ribeiro à direita, Ricardo Goulart como central e Marquinhos à esquerda. Moreno completava o escrete na referência.

Vágner Mancini mudou em relação às últimas partidas. Ao invés do 4-3-1-2 losango esperado, para dar suporte a Carlos Alberto como criador no meio, o Botafogo entrou num 4-4-1-1, que variava para 4-2-3-1 com a bola. Jefferson teve Lúcio à direita e Júnior César à esquerda, com Bolivar e Dória protegendo o centro. Na segunda linha, Edilson fechava o lado direito, Bolatti e Gabriel protegiam a entrada da área e Rogério, estreante, foi escalado para fechar o lado esquerdo. Carlos Alberto, sem responsabilidade defensiva, ficava logo atrás de Emerson, que se movimentavam para os lados.

Flancos fechados

O Botafogo foi humilde e reconheceu a superioridade técnica do Cruzeiro, desde o início deixando claro qual era sua proposta de jogo: bloquear o Cruzeiro e partir em contra-ataques. Assim, deixava a bola com o Cruzeiro e não pressionava no alto do campo. Carlos Alberto apenas cercava Henrique e Lucas Silva, e Emerson fazia o mesmo com os zagueiros celestes.

Se a bola chegava a um dos laterais, no entanto, o Botafogo imediatamente subia a marcação. A ideia era forçar o jogo celeste pelo centro, e foi o que aconteceu: as duplas pelos lados fecharam os espaços de Mayke e Egídio. Sem a saída pelos lados, o Cruzeiro tinha duas opções pra compensar: invertendo o lado da jogada — pois os defensores do lado oposto compactavam o time horizontalmente para tirar o espaço dos toques rápidos dos meias celestes — ou os meio-campistas se movimentavam mais, dando mais opções de passe.

Mas as duas opções envolviam velocidade, e o Cruzeiro não aplicou velocidade suficiente para sair do ferrolho botafoguense. Tentou usar a solução conhecida: trocar passes rápidos pelo centro. Não havia espaço. Parecia que era o Cruzeiro que jogava em casa, tal era a proposta defensiva do adversário.

Erros e infelicidades

O Botafogo pouco chegou ao ataque. A rigor, Fábio só fez uma defesa difícil, em cobrança de falta de Edilson — bola parada. A estratégia com a bola era dar velocidade, principalmente com Edilson pela direita nas costas de Egídio. Incrível como todos os treinadores adversários tentam explorar essa brecha no sistema defensivo celeste.

Só não fez outra porque escorregou na hora do gol local. Mas o erro neste lance foi generalizado: Marquinhos e Egídio deixaram Lúcio escapar pela direita, fazendo Léo ter que sair na cobertura. O lateral cruzou e Dedé não conseguiu ganhar de Edilson, que nem cabeceou forte. A bola veio fácil, mas o escorregão tirou a possibilidade de Fábio espalmar.

A vantagem no placar fez o Botafogo se fechar ainda mais e praticamente abdicou do ataque. Tanto é que só foi finalizar de novo já na metade do segundo tempo, quando o jogo já estava empatado. De sua parte, o Cruzeiro jogou o seu futebol, sem afobação. Tocou a bola, tentou achar espaços, se movimentou, mas não foi suficiente para empatar ainda no primeiro tempo.

Em destaque, o momento do jogo em que Fábio foi mero espectador: depois de conseguir o gol, o Botafogo não chutou nenhuma vez até levar o empate

Em destaque, o momento do jogo em que Fábio foi mero espectador: depois de conseguir o gol, o Botafogo não chutou nenhuma vez até levar o empate

Alugando o campo ofensivo

O time do empate era uma espécie de 4-3-3 com Ribeiro armando de trás, Willian e Dagoberto nas pontas e Lucas Silva sozinho na volância

O time do empate era uma espécie de 4-3-3 com Ribeiro armando de trás, Willian e Dagoberto nas pontas e Lucas Silva sozinho na volância

O segundo tempo começou sem mudanças, tanto em peças quanto nos sistemas e nas propostas. Aos dez, a entrada criminosa de Emerson em Henrique lesionou o volante e foi a deixa para Marcelo abrir o time: tirou Henrique e lançou Willian como ponteiro direito, recuando Éverton para ser um armador recuado. No mesmo movimento, Dagoberto substituiu Marquinhos: menos poder de marcação, mas mais verticalidade e drible. Com a proposta do Botafogo, não era tão arriscado.

As trocas surtiram efeito e Cruzeiro alugou o campo ofensivo. Willian mandou no travessão antes da blitz que resultou no gol celeste. Éverton Ribeiro teve que cruzar duas vezes, com os zagueiros na área todo o tempo, para achar Dedé que fez a deixadinha para Léo. O zagueiro fez um gol típico de centroavante: girou e bateu sem olhar. A bola bateu no travessão e quicou dentro da meta.

Com o empate, o Botafogo voltou à estratégia do zero a zero: sair em contra-ataques. E desta vez havia espaço, pois com um volante só a cobertura dos laterais é mais difícil. Mancini — que àquela altura já havia trocado Bolatti por Rodrigo Souto sem modificar nada — sacou Rogério e lançou Júlio César, tentando replicar a função de Edilson do outro lado: um “assistente de lateral” que puxa contra-ataques. Marcelo respondeu com Nilton na vaga de Moreno, avançando Goulart para a referência.

O mapa de passes mostra como o Cruzeiro jogou o tempo todo no campo adversário; foi a partida em que o Cruzeiro mais trocou passes em todo o campeonato

O mapa de passes mostra como o Cruzeiro jogou o tempo todo no campo adversário; foi a partida em que o Cruzeiro mais trocou passes em todo o campeonato

O fator Jefferson

Risco controlado, o Cruzeiro seguiu atacando, e a bola não saía do campo de ataque. Quando o Botafogo conseguia interceptar, só respondia com chutões para frente, onde não havia ninguém de cinza. Vágner Mancini ainda tentou dar um novo fôlego para a estratégia de contra-ataques com Zeballos na vaga do inoperante Carlos Alberto, mas não funcionou.

Já o time celeste buscava a vitória, mas não a qualquer custo. Com calma, mas com velocidade, tocando a bola pelo chão, sem muitos chuveirinhos na área. Só tentava o jogo aéreo quando era bola parada. Nilton cabeceou duas vezes: na primeira Jefferson milagrou, e na segunda beijou caprichosamente a trave direita. Depois, o Cruzeiro fez uma espécia de contra-contra-ataque: o time local errou sua tentativa de pegar a defesa celeste aberta e o Cruzeiro aproveitou o espaço para realizar um contra-ataque lindíssimo, partindo do meio-campo e levando a bola até dentro da área, onde Éverton perdeu a bola.

O Cruzeiro tentou 18 vezes contra a meta de Jefferson: um gol (preto), duas na trave (azul) e seis defendidas por Jefferson (vermelho escuro)

O Cruzeiro tentou 18 vezes contra a meta de Jefferson: um gol (preto), duas na trave (azul) e seis defendidas por Jefferson (vermelho escuro)

O Cruzeiro seguiu tentando, inclusive com Dagoberto no finalzinho, quando Jefferson fez novamente uma defesa espetacular e garantiu o empate.

Jogar bem sempre: somos Cruzeiro

Se no futebol os resultados fossem decididos como na ginástica artística ou nos saltos ornamentais, onde há uma junta de juízes que dão suas notas para quem foi melhor, certamente o Cruzeiro teria saído vencedor. Foi a equipe que buscou o gol a todo instante, não se alterou com o resultado adverso e o mais importante: não foi só na base da raça. Teve técnica e tática, bem aplicadas, e que só não geraram o resultado por que o goleiro adversário foi o melhor em campo.

Mesmo assim, o resultado positivo teria acontecido se o Cruzeiro não tivesse cometido seu único deslize grave na partida. O erro de marcação do lado esquerdo, a falha de Dedé e o escorregão de Fábio foi uma sequência de eventos desafortunados que nos tiraram dois pontos. Deve-se sim tentar corrigir os erros, mas é impossível anulá-los por completo. Nenhum time no mundo consegue fazer uma partida perfeita.

No fim, o que fica é que o Cruzeiro jogou bem, não se conformou com o empate e buscou o resultado, mesmo fora de casa. Postura de time que quer ser campeão novamente. E com bom futebol, que é o mais importante. Quando César Menotti assumiu a Seleção Argentina em 1974, definiu como um de seus mandamentos que “não me interessa ganhar de 1 x 0 com gol de falta; quero vencer por superar futebolisticamente o nosso rival”. Em outras palavras, o que o treinador campeão mundial em 1978 quis dizer é que jogar bem é mais importante que jogar apenas pelo resultado de apenas um jogo. No longo prazo, a filosofia e o bom futebol trarão mais vitórias.

Mas não as garantem. Pos isso, sendo Cruzeiro, prefiro empatar jogando bem do que vencer jogando um futebolzinho chulé.