Então 2014 chegou ao fim. Mas no futebol tupiniquim, já estamos em 2015 há muito tempo. Terminado o Brasileiro, a época de contratações foi aberta e o mercado se movimentou. E o Cruzeiro, é claro, não ficou parado e contratou jogadores de maneira pontual, pois a manutenção da base de 2013/14 é sem dúvida uma grande vantagem.
Mas, como de praxe, existe um certo reducionismo da imprensa — e a reboque, dos torcedores — em relação à posição e função tática dos reforços que chegam. E o Constelações tenta aqui analisar como os jogadores contratados até este 31 de dezembro podem contribuir taticamente.
Fabiano
Como vocês sabem, Fabiano é lateral-direito de origem e jogava na Chapecoense em 2014. Muita gente especulou que isso era uma precaução do Cruzeiro em relação a uma possível perda de Mayke para o futebol europeu. Não é assim que enxergo, pois Fabiano tem muito mais características defensivas, faz a linha de quatro atrás com mais qualidade e às vezes até joga de zagueiro.
No entanto, também sabe apoiar bem o ataque, ainda que não tenha o mesmo ímpeto de Mayke. Ele foi o jogador que mais deu assistências para gol na Chapecoense, e o 20º no campeonato, com 5 (números Footstats). Podemos dizer que ele é um misto entre Mayke e Ceará, mas bem mais próximo do segundo do que do primeiro.
Gilson
Do outro lado da defesa, o Cruzeiro tem Egídio, o titular, e Breno, contratado no meio do ano. Samudio não teve seu empréstimo renovado. Assim, com Gilson, que estava emprestado ao América, o Cruzeiro passaria a contar com três laterais esquerdos.
Mas a decisão de reintegrar Gilson pode não passar pelo setor. Pois se quando jogava no Cruzeiro, ele de fato era um lateral, no América Gilson jogou aberto pela esquerda no meio-campo, ou seja, como ponteiro esquerdo, à frente do lateral. O jogador foi o 3º geral em assistências na Série B, e ainda marcou 5 gols.
Joel
Destaque da sofrível campanha do Coritiba deste ano, Joel é um atacante do tipo Élber: ousado, driblador e veloz. Parte pra cima do zagueiro no um-contra-um sem medo. No time paranaense, jogava constantemente pelo lado direito na linha de três do 4-2-3-1 de Marquinhos Santos.
Como era um time feito para dar liberdade a Alex, que não tinha nenhum trabalho defensivo, Joel era obrigado a ter responsabilidades de marcação no lateral esquerdo adversário. Mas também jogava de centroavante móvel, principalmente quando o time mudava para um 4-4-1-1, no qual o Coritiba se fechava em duas linhas e deixava apenas Alex e Joel para os contra-ataques. Repare essa formação no vídeo abaixo, no gol marcante contra o São Paulo, quando ele pula a placa e cai no túnel de acesso dos vestiários:
Seymour
Surpresa para muitos — inclusive para este escriba, a contratação do chileno foi, ao que parece, um pedido do técnico Marcelo Oliveira para dar consistência na marcação à frente da área. Para a posição, já temos Nilton e Willian Farias, tendo ainda Eurico como terceira opção. De acordo com o noticiado, o jogador veio devido à sua experiência em torneios sul-americanos, pois foi o dono do meio-campo da Universidad do Chile de 2010/11, que encantou o continente sob o comando de Jorge Sampaoli.
Porém, depois daquele período, Seymour foi para a Itália e não rendeu o esperado. Foi emprestado pelo Genoa para o Spezia, da segunda divisão. Lá jogou alguns jogos e, dizem as notícias, foi bem. Mas por alguma razão ainda não jogou na temporada 2014/15, e está parado há alguns meses. Resta saber se a chegada dele representa uma possível precaução da diretoria com a perda de algum outro da posição — Nilton tem proposta séria do Internacional, por exemplo.
Damião
Talvez a contratação mais controversa de todas, Damião é a aposta da diretoria celeste para a posição de referência no ataque. Com Borges liberado e Marcelo Moreno muito caro para ser comprado em definitivo, o Cruzeiro ficou sem centroavantes. Hugo Ragelli é da posição, mas acabou de subir da base e portanto precisa de tempo de maturação. Deve ser a terceira opção, com a segunda sendo ou a reintegração de Anselmo Ramon, ou uma contratação ainda não anunciada.
A grande questão em relação a Damião, no entanto, nem é se ele vai recuperar o futebol de 2012/13 do Internacional, e sim o seu estilo. Se o Cruzeiro desse ano deu muito certo com Moreno na frente, era porque o boliviano era intenso: liderava a pressão alta, saía da área para abrir espaço para Goulart, e ainda era bom no jogo aéreo e tinha velocidade, ainda que tivesse menos técnica e errasse muitas finalizações.
Veja no vídeo abaixo um exemplo: Moreno aplicava tanta intensidade que às vezes roubava bolas até dos companheiros:
Damião é um jogador diferente. Se tem mais técnica que Moreno, me parece mais um nove clássico, homem-alvo dentro da área, sem se movimentar tanto, o que pode facilitar a marcação das defesas adversárias. Talvez até engessar um pouco a movimentação do quarteto de frente, prendendo Ricardo Goulart ao meio-campo. Defensivamente, Damião terá de ser a referência da marcação adiantada, como é responsabilidade de todo centroavante do 4-2-3-1. É ele quem vai decidir quando subir a pressão ou não, e o resto do time tem de acompanhar.
Conclusão: versatilidade conta
As contratações celestes até aqui — com a notável exceção de Leandro Damião — me parecem ter uma coisa em comum: todos os jogadores podem fazer mais de uma função em campo para além das “oficiais”. Isso é mais nítido nos casos de Fabiano (lateral e zagueiro) e Gilson (lateral e ponteiro). Joel é menos versátil, mas para uma situação de proteção de resultado e de contra-ataques, ele pode jogar como um centroavante solto e veloz. E Seymour, apesar de ser tipicamente um volante de marcação, tem bom arremate e pode participar da construção como Henrique faz atualmente.
Assim, de certa forma, apenas Damião é um jogador de uma função só. Porém, não acredito que Marcelo Oliveira se contentará com isso e deverá treiná-lo para que, sem a bola, incomode os zagueiros adversários, e até mesmo caia pelos lados para dar o último passe. Se ficar parado, esperando a bola, perderá a posição, pois irá atrapalhar a dinâmica do time, e será uma contratação perdida.
Essa busca pela versatilidade faz sentido. Ainda que não seja explícito — ou até mesmo consciente — por parte do Cruzeiro, é nessa direção que o futebol mundial está seguindo. Para contratar um jogador de uma função só, somente se ele for extraordinário. E todos dessa classe provavelmente estão na Europa.
Feliz 2015
É isso para 2014, amigos. Este blog deseja a todos um 2015 azul-celeste. E que venha o tri da Libertadores, o penta do Brasileiro e o Mundial!