Ariel Cabral, o baixista de “la banda”

(originalmente publicado no site Diário Celeste)

Muitos se perguntam porque Ariel Cabral não está rendendo como no fim do ano passado. Talvez seja prematuro fazer tal afirmação, afinal são apenas quatro jogos, mas essa é a amostra que temos. Particularmente, penso que Ariel não se adaptou (ainda) ao modelo de jogo que Deivid quis implantar no Cruzeiro, que consiste em jogar com bloco alto para dar suporte à circulação da bola e manutenção da posse.

Eu tenho o costume de dizer que o desempenho de um jogador de futebol nunca é responsabilidade apenas dele. Afinal, estamos falando de um esporte coletivo: as ações dos companheiros, do adversário, e também a estratégia tem influência no jogo, em todos os momentos. Inclusive é por essa razão que não gosto de dar notas individuais para jogadores, mas isso é assunto para outro texto.

Antes de entrar nas questões táticas, analisemos as características do argentino. É inegável que ele tem bom passe e ótimo senso de colocação. Em muitos momentos no ano passado, quando um jogador ficava sem opções ou recebia a pressão frontal de um adversário, lá aparecia Ariel para oferecer a linha de passe. Ele sabe ler o campo de jogo e se posicionar de forma a receber a bola e continuar a progressão. Esse princípio de jogo é chamado de apoio. Além disso, por vezes consegue executar o famoso último passe, sempre vertical, deixando companheiros na cara do gol.

Ariel Cabral: sempre oferecendo a linha de passe para dar apoio aos companheiros

Por outro lado, Ariel é um jogador com pouco dinamismo. Não é veloz, não é condutor de bola, nem tem bom drible. Ou seja, não é um jogador para realizar ultrapassagem — um princípio de jogo que é quando o jogador executa um passe e avança à frente da linha da bola. Tampouco é como alguns meiocampistas de infiltração, como Elias e Paulinho foram no Corinthians de Tite, ou pra ter um exemplo mais próximo dos cruzeirenses, Ramires no Cruzeiro de 2009. Willian Arão recentemente tem sido elogiado exatamente por ter essa característica no Flamengo deste ano.

Olhando tudo isso, parece fazer pouco sentido que Ariel jogue numa função em que ele tem que cobrir bastante campo. Independente se é ao lado de Henrique à frente da zaga numa dupla volância, ou se é pela esquerda numa trinca ou losango de meio-campo, Ariel não deveria ser responsável por correr grandes distâncias para fazer coberturas, ou ser opção de passe à frente da linha da bola. E é aí que penso que ele pode estar tendo dificuldades.

Ariel e seu posicionamento inicial “preferido”, por dentro e à esquerda no meio-campo

Em 2015, Ariel jogou exatamente nessas posições descritas no último parágrafo. Jogou em dois esquemas diferentes — o 4-3-3 do início da passagem de Mano e o 4-4-1-1 do final — mas o ponto comum era a altura do bloco defensivo do Cruzeiro. Com Mano, ele era mais baixo (ou seja, recuado), pois o treinador optava por ocupar espaços, marcando pra não sofrer gols ao invés de marcar para roubar a bola. Pode parecer estranho, mas existe diferença. Uma coisa é induzir o erro do adversário, fechando espaços, outra é subir a marcação, pressionar e sufocar o adversário até roubar a bola. Dois modelos de jogo diferentes, igualmente válidos.

Este ano, Deivid optou pela segunda opção. Prefere ter a bola sempre. Como as fases do jogo estão sempre conectadas — ou seja, ao atacar, tem que se ter cuidado com a defesa e vice-versa — para facilitar a circulação da bola e manter a posse, a linha defensiva joga bem longe da área de Fábio. Em alguns jogos, os zagueiros ultrapassaram a linha divisória do meio-campo, colocando os dez jogadores de linha no campo de ataque. A isso, chamamos de compactação ofensiva: isso aproxima os jogadores para que TODOS eles participem da fase de construção, criando superioridade numérica no setor da bola.

Assim, Ariel acabava por jogar com dificuldades ofensivas e defensivas. Com o time adversário muito recuado, seu senso de colocação nos espaços do adversário não era usado, pois ele sempre ficava para dar o primeiro passe. Ou seja, não conseguia dar apoio, sua melhor característica, ou mesmo encontrar o passe final. Deivid parece também tê-lo instruído a jogar indo e voltando, como um box-to-box: avançando para ser opção à frente da linha da bola, sendo que ele deveria ser o passe de retorno, e ao mesmo tempo recuando para defender e preencher o espaço. Com as linhas altas, um contragolpe do adversário simplesmente deixa Ariel vendido, pois ele não tem velocidade para fazer essa recomposição rápida.

Portanto, a questão me parece ser mais a forma que o Cruzeiro joga esse ano, que é bem diferente da do ano passado, do que uma queda de rendimento do próprio jogador, individualmente. Ariel não desaprendeu a passar a bola, nem perdeu seu senso de colocação: a estratégia coletiva é que parece estar emperrando estas virtudes do argentino.

Já que a última analogia com os bolos fez sucesso, aqui vai mais uma: imagino que Ariel é como se fosse o baixista de uma banda. Na maioria das vezes, é discreto, sereno, aparece pouco. Não tem intensidade, eletricidade, mas é fundamental para que a música fique completa. Porém, não adianta colocar o baixista para cantar ou tocar guitarra, funções de muito mais protagonismo e dinamismo, se ele não tiver essas qualidades. Penso que é assim com Ariel: talvez ele esteja tentando exercer funções que não tiram o melhor de suas características.

Finalizando, acredito que Ariel seja um excelente jogador para situações em que o Cruzeiro precise defender o resultado. Ao invés de cobrir um latifúndio de espaço, precisaria se preocupar com um pedaço bem menor de campo, sem a necessidade de correr grandes distâncias. Bola roubada, ele apareceria nos locais certos para ajudar o time a avançar e progredir até o campo adversário. Porém, para essa estratégia que Deivid que usar, acredito que Sánchez Miño seja um jogador mais adequado, pois esse sim tem o dinamismo para ir e voltar como parece ser a função do “meia esquerda” este ano. Se o Cruzeiro continuar jogando dessa forma, penso que não demora para que Miño assuma a vaga no time inicial.

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