Acabou o crédito

(originalmente publicado no site Diário Celeste)

Acabou o crédito.

Acabou o crédito pra você, Gilvan. Sob sua gestão, ganhamos dois brasileiros seguidos. Um fato raro para qualquer equipe, não só na era dos pontos corridos, mas em toda a história do nacional. E é ainda mais impressionante se consideramos que não é um clube do eixo Rio-SP. Um feito, sem dúvidas. O time montado em 2013 e mantido em 2014 ficará para sempre nos corações cruzeirenses.

Mas todas as glórias que você colheu nesse período foram pisadas e esmigalhadas em mil pedacinhos, sem dó nem piedade, em 2015 e 2016. Por uma série de decisões ruins tomadas por você, Gilvan. Bancar a vinda de alguns jogadores, vetar a vinda de outros, baseado apenas no seu “conhecimento” de futebol dentro de campo — que, assuma, não é tão grande quanto você pensa. Trazer um ex-treinador em atividade, simplesmente porque você “gostava” dele, é estar vivendo do passado. Depois, ao determinar o caminho “econômico” na escolha do treinador para este ano, efetivando um cara esforçado e trabalhador, mas que ainda não estava preparado para comandar um clube tão enorme. No futebol moderno, principalmente no alto nível, não se economiza em treinador, Gilvan. Perdemos vários meses de trabalho, e os impactos desta escolha estão presentes até hoje.

Acabou o seu crédito, Gilvan.

Acabou o crédito pra você, Vicintin. Ter suas origens em uma torcida organizada o fez ser desejado por muitos como diretor de futebol. Você acabou virando vice-presidente de futebol, mas deu no mesmo: a torcida se sentiu representada dentro do clube, que apostou todas as fichas em você. E depois de um monte de erros cometidos em 2015, com a reformulação na saída do Luxemburgo, imediatamente você trouxe um treinador pensando primeiro em tirar o Cruzeiro da péssima situação, e depois em um projeto maior. As coisas funcionaram bem e você angariou crédito.

Mas este seu passado como torcedor não serve como desculpa nem como atenuante para a quantidade de erros que foram cometidos no departamento de futebol. A efetivação de Deivid pode ter sido uma ordem de cima, mas a demora em corrigir o rumo quando finalmente ele saiu é responsabilidade direta sua. Sabemos que é o presidente quem manda, mas também é seu papel mostrar pra ele quando ele está equivocado, Vicintin. Tem que bater a mão na mesa, exigir autonomia se não a tiver, ou falar com firmeza se discordar. Tem que dar a cara a tapa nos momentos ruins também, não só nos bons.

Acabou o crédito pra você, Scuro. Sabemos que você é um gestor moderno, tem formação, teve experiência em times menores, se preparou para o cargo. Gente que o futebol brasileiro como um todo precisa ter mais. Junto com Vicintin, você foi o responsável por trazer o Mano e fazer com que nosso 2015 fosse menos pior. Você vem tentando, na medida do possível dentro do que lhe é permitido, fazer contratações, estudando o mercado. Ali você ganhou pontos.

Mas a sua formação e credibilidade não podem servir de escudo para defender dos erros no planejamento da temporada, Scuro. A saída de Mano o dificultou, mas o remanejamento do elenco que está sendo feito agora devia ter sido feito antes. E com um treinador que tivesse respaldo para que pudesse desenvolver um trabalho e chegar com o time pronto para o Brasileiro, que no fim das contas é o que importa: ninguém tá nem aí pro Estadual. Em 2013 foi assim.

Acabou o crédito pra você, Bento. Quando você chegou, a torcida apoiou e entendeu que levaria um tempo até você se situar no caos que é o futebol brasileiro. Vindo de uma escola moderna, a portuguesa, que é a que mais contribui mundialmente para o entendimento teórico do futebol, você chegou com respaldo. E o time mostrou, várias vezes, boa evolução em campo, jogando melhor que o adversário em períodos longos do jogo. E ainda que os resultados não aparecessem, dava pra ver alguma coisa sendo feita. Talvez isto seja o que mais dá pra ver no seu trabalho.

Mas você vem tomando algumas decisões extremamente questionáveis, pra dizer o mínimo. Mesmo tendo vários jogadores no DM e um elenco curto disponível, certas decisões do onze inicial e em algumas substituições não são muito bem explicadas. Eu sou um dos caras que mais tenta entender todas as decisões, porque tento ver também o lado tático, o que o jogo pede, a estratégia, o placar, a circunstância do jogo; não olho só o lado técnico. Mas mesmo assim não consegui entender várias das suas decisões ultimamente, Bento. Se você tem convicções, então as explique. Se você escala um jogador por política do clube, então deixe claro quem são e quem disse isso. Mas não nos mande sinais misturados: é sua convicção ou é política do clube?

Acabou o crédito pra vocês, jogadores. Sim, todos sabemos que vocês estão tentando fazer o que podem. Eu sou otimista e acredito que ninguém está ali de brincadeira, ou fazendo corpo mole — com uma notável exceção, que não precisamos dizer quem é. Estamos cientes de que vocês estão tentando jogar da melhor forma possível dentro daquilo que lhes é pedido.

Mas nessas horas de crise, a gente exige que pelo menos um pouquinho de suor a mais seja derramado. Nem sempre os gritos de “raça, raça” da torcida fazem sentido; em alguns jogos isso é a única coisa que não falta. Sabemos que vocês nem sempre conseguem fazer o melhor que sabem, pois o futebol é coletivo e o mau desempenho de um quase sempre atrapalha o bom desempenho de todos. Mas queremos fome de bola, a famosa intensidade, mesmo se não tiver muita organização. Queremos cada disputa como se a bola fosse o único copo d’água num deserto enorme. Não se pode dar por vencido mesmo quando tudo vai mal, jogadores; tem que lutar principalmente quando tudo vai mal.

Nem espero que recuperem o crédito perdido. Podemos chegar em algum lugar na Copa do Brasil (aguardemos a quarta-feira), mas não espero ir longe. Apenas quero que terminem o ano “no azul”, ou seja, paguem as dívidas com a torcida e façam um segundo semestre digno, mirando em 2017.

Sim, pois os “juros” de um eventual “cheque especial” serão enormes, e poderão ter impacto por muitos anos. Tem uma madeira aí? Bate três vezes.

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