Números: cuidado com eles! A eficiência de passe dos jogadores do Cruzeiro

É costume dizer que os números são “frios”. Em outras palavras, os números contam uma verdade única e incontestável. Porém, se colocados da maneira correta, números de qualquer natureza podem contar somente uma parte da história, ou a parte da história que mais lhe convier.

Um pequeno exemplo: suponha que havia dois hospitais em uma cidade, e o prefeito foi lá e construiu mais um. Candidato à reeleição, o prefeito diz à população que aumentou em 50% o número de hospitais. Um número “impressionante”. Mas o candidato de oposição pode usar o mesmo dado, contado de forma diferente, e dizer que o atual prefeito construiu “apenas” um hospital. Um caso clássico de números relativos contra absolutos que acontece em qualquer pleito.

No futebol não é diferente. Dia desses, o perfil cruzeirense da Footstats, a maior empresa de estatísticas futebolísticas do Brasil, publicou o seguinte no Twitter:



Nada mais do que a verdade: Éverton Ribeiro é o cruzeirense que errou mais passes. Ponto. Mas essa análise não diz nada se não for mais profunda. Deve-se levar em conta, também, o total de passes tentados. Afinal, quem tenta mais passes, naturalmente erra mais passes no número absoluto. Para dar um exemplo simplório: se uma equipe A tenta 50 passes e erra 10, enquanto a equipe B tenta passar a bola 200 vezes e erra 20, a equipe B erra mais no total (20 contra 10), mas em eficiência de passes, a equipe B é melhor (90% contra 80%).

Eficiência de passes

Eficiência de passes dos jogadores do Cruzeiro até a 13ª rodada. Em branco, os jogadores que tentaram menos de 100 passes

Eficiência de passes dos jogadores do Cruzeiro até a 13ª rodada. Em branco, os jogadores que tentaram menos de 100 passes

Em termos de eficiência, de acordo com os números da própria Footstats, a maioria dos jogadores está numa faixa entre 80% e 95% de acerto. Fábio tende naturalmente a liderar o quesito, pois qualquer passe errado do goleiro pode resultar em gol adversário e portanto os passes mais seguros são os escolhidos, aumentando muito o índice. Isso se expande para os jogadores de linha: quanto mais à frente o posicionamento de um jogador, maior a probabilidade de erro. Os zagueiros em média tem mais eficiência que os volantes, que por sua vez tem uma taxa de acerto maior que os meias e assim por diante. Exploraremos isso mais à frente no texto.

Além disso, alguns desses números tem que ser relativizados. É o caso de Samudio, Júlio Baptista e Manoel. Estes jogadores estiveram em campo por apenas um jogo, ou nem isso no caso de Samudio e Júlio, e isso acaba por desviar os números demais. Dessa forma, retiramos os jogadores que tem menos de 100 tentativas de passe da análise (Júlio, Samudio, Borges, Tinga, Alisson e Manoel).

De fato, vemos que os jogadores que tem menor taxa de acerto são os jogadores de frente, onde naturalmente há menos espaço para completar um passe. E Éverton Ribeiro é o terceiro menos eficiente dentre os jogadores com mais de 100 passes, de certa forma comprovando o tuíte da Footstats acima. Mas isso também não conta a história completa, como veremos adiante.

Relação passes certos x errados

Na relação entre passes certos e errados, vemos como os jogadores se concentram uma faixa diagonal: quem tenta mais, naturalmente erra mais no número absoluto, mas também tem mais acertos

Na relação entre passes certos e errados, vemos como os jogadores se concentram uma faixa diagonal: quem tenta mais, naturalmente erra mais no número absoluto, mas também tem mais acertos

O eixo vertical representa os passes errados, ou seja, quanto mais pra cima no gráfico está um jogador, mais passes ele erra, em número absoluto. E o eixo horizontal representa os passes certos — da mesma forma, quanto mais à direita no gráfico, mais passes o jogador completa com sucesso, novamente em número absoluto.

Reparem que, de fato, Éverton é o jogador que mais errou passes no Cruzeiro, pois é o ponto que está mais acima que todos os outros. No entanto, ele também acerta muitos passes, sendo o terceiro do time neste quesito, empatado com seu companheiro Ricardo Goulart. Os dois jogadores que acertam mais são Henrique e Egídio. Como já dito, é preciso considerar que Ribeiro e Goulart jogam em regiões do campo onde há muito menos espaço, ao contrário de Henrique e Egídio. Assim, podemos dizer que são dois dos melhores passadores do time. Além disso, na maioria das vezes é deles a responsabilidade de dar o passe final, aquele que deixa o companheiro na cara do gol, e que quase sempre é um passe de maior dificuldade do que os “normais”. Por isso, a taxa de erros é ligeiramente maior.

Outro ponto a se destacar é que os jogadores se concentram numa faixa diagonal que vai do canto inferior esquerdo ao canto superior direito do gráfico. Isso é explicado facilmente pela máxima: quem tenta mais passes, erra mais vezes, mas também acerta mais do que os outros.

Qualidade x quantidade

Entre as equipes, após os dados da 13ª rodada serem contabilizados, o Cruzeiro é o segundo time que mais tenta trocar passes do Brasileirão, com 5457 tentativas, atrás apenas do São Paulo (5590). Em eficiência, o Cruzeiro é o sexto, com 90,17% de acerto. Fluminense (91,66%), Bahia (91,20%), Internacional (90,96%), Atlético-MG (90,89%) e Flamengo (90,78%) estão à frente. Nesta página você pode ver este gráfico e brincar com outros números das equipes.

Vendo estes números, cabe a pergunta: como é possível que o Flamengo, lanterna do campeonato, tenha mais eficiência em passes do que o Cruzeiro, líder absoluto da competição — 90,78% contra 90,17%? A explicação é simples: o número de passes trocados e a eficiência também não contam toda a história. Imagine que os zagueiros de um time ficam trocando passes entre si durante os 90 minutos e o time não tente uma jogada mais aguda. No fim, a equipe terá índices astronômicos de posse de bola e de passes certos, com eficiência de quase 100%, mas o placar terá ficado em branco.

Portanto, além de quantificar, é preciso qualificar a estatística. Quantos desses passes foram no campo de defesa do adversário? Ou melhor, quantos desses passes foram em direção ao terço final do campo, onde é mais difícil completá-los? Quantos foram para frente, ao invés de serem laterais ou para trás? Infelizmente, no momento a Footstats não fornece publicamente a localização dos passes. Talvez nem faça este levantamento ainda.

Há outros fornecedores de dados que fazem esta qualificação. Os dados dos sites WhoScored e Squawka são da Opta, que é a líder nesse setor na Europa e no mundo. No Squawka, é possível ver quem deu o passe, de que lugar do campo para qual lugar do campo, em que minuto do jogo ele foi feito, se ele foi completado, se criou uma chance de gol ou se foi uma assistência (ou nenhum dos dois), se foi de cabeça ou não, se foi longo ou curto — vários qualificadores que ajudam na análise.

Números: cuidado com eles

É claro que os números só dizem a verdade. Mas podem não dizer toda ela. Dependendo da forma em que são colocados, podem esconder uma parte da realidade. Qualquer análise simplista, como a do tuíte acima, pode gerar falsas impressões sobre um jogador ou equipe. Éverton Ribeiro é um dos jogadores mais técnicos do Cruzeiro, se não o mais técnico; portanto, o número absoluto de passes errados, se é o maior do time, diz pouco sobre a qualidade do jogador.

Sob a mesma ótica, também não gosto muito dos famosos “números do jogo” que as emissoras colocam nos intervalos das transmissões. Ali também consta o número de passes errados absoluto, e não a eficiência. A estatística de posse de bola, sem a análise de como foi utilizada essa posse, também não diz muita coisa. Como já dito, um time pode ficar com a bola em seu campo de defesa e não fazer nada com ela.

Penso que as análise de números no futebol no jornalismo esportivo em geral devem ser feitas com mais cuidado. Simplesmente somar as quantidades de qualquer coisa sem qualificar os números já não é o bastante e pouco acrescentam.

Diagnósticos e perspectivas

O inverno acabou (inVerno, com V). Ele foi longo e tenebroso. Mas acabou, e aqui estamos.

Este espaço não é atualizado desde a final do Campeonato Mineiro, e muita coisa aconteceu desde então. O Brasileirão começou, técnicos já caíram, jogadores foram convocados para a Copa (ou não), e a Libertadores entrou em sua fase eliminatória, nas oitavas e quartas de final.

Brasileirão: dois estilos

Taticamente, alguns pontos chamam a atenção. No Brasileiro, o 4-2-3-1 se manteve como sistema base, mas com o time alternativo, as características dos jogadores são diferentes, e portanto, o time tem um estilo distinto do considerado titular.

Primeiro, a diferença nas laterais. Ceará e Samudio são mais marcadores do que apoiadores — ainda que o paraguaio tenha surpreendido com a qualidade na frente — e contrastam com os estilos ofensivos de Mayke e Egídio. Assim, os volantes tem que ficar um pouco mais presos para fazer a cobertura, e por isso Nilton e Souza são os escolhidos.

Mais à frente, temos Tinga como central, um jogador que ocupa bem os espaços e sempre está perto da bola para ajudar um companheiro, mas que não possui a mesma visão de jogo e qualidade de passe de Ricardo Goulart. Como ponteiros, Marlone e Willian são mais incisivos e verticais, no que se assemelham a Dagoberto, mas Luan é mais trombador e também é muito ofensivo, diferente de Éverton Ribeiro.

Todas essas diferenças acabam por favorecer Marcelo Moreno, que é um centroavante diferente de Borges ou Júlio Baptista. Com jogadores ofensivos e verticais pelos lados, o jogo celeste acaba sendo muito pelos flancos e pouco pelo meio. O resultado é um número maior de cruzamentos na área, o que favorece o boliviano pelo seu bom posicionamento na área: nos dois primeiros jogos, contra Bahia e Atlético/PR, o gol da vitória veio num cabeceio de Moreno. Não é por acaso.

O time titular jogou na segunda rodada contra o São Paulo: o número de cruzamentos em relação ao time alternativo da primeira e terceira rodadas é bem menor

O time titular jogou na segunda rodada contra o São Paulo: o número de cruzamentos em relação ao time alternativo da primeira e terceira rodadas é bem menor

Já na última partida, contra o Coritiba, o Cruzeiro jogou mais no estilo 2013, já que estavam em campo Éverton Ribeiro, Goulart, Dagoberto e Borges — o quarteto “clássico”. Um estilo que pode ser resumido no lance do segundo gol: Goulart recebe de Fábio, avança, passa a Borges e imediatamente começa a corrida para entrar na área, lendo a jogada que se desenhava. Borges, o único jogador do elenco que faz o pivô com qualidade, segura o zagueiro e toca de primeira para Éverton Ribeiro na direita. Livre, o camisa 17 acha Goulart dentro da área, que entrou livre de marcação para concluir e recolocar o Cruzeiro na frente.

 

Este gol é simbólico porque ilustra bem o papel de Goulart e o de Borges, não só taticamente como em termos de estilo de jogo. Não consigo enxergar Júlio Baptista fazendo nenhum dos dois papéis, por exemplo. Nem mesmo Marcelo Moreno fazendo esta jogada pivô, pois a sua característica seria dominar e tentar girar no zagueiro para poder concluir. Em suma, Borges é o melhor centroavante para o estilo de jogo de 2013, mas Moreno é o mais adequado para o estilo do time reserva.

O aspecto mental

Já na Libertadores, porém, o time não foi tão bem, em termos de resultados. Isso, na modesta opinião deste escriba, se deve muito mais ao fator psicológico e mental do que propriamente ao técnico ou tático, dentro de campo. É um característica, não da Libertadores, mas sim de torneios neste formato eliminatório, com uma partida de ida e volta.

Explico: em um torneio de pontos corridos, com 38 rodadas, ao sofrer um gol por um erro de tempo de bola, um desarme mal sucedido, enfim, um lance bobo, o impacto psicológico não é tão grande. Isso porque cada partida se encerra em si mesma, no sentido de que não importa quantos gols foram sofridos, o que importa é vencer aquela partida em questão e somar três pontos. O impacto de um gol sofrido, seja em casa ou fora, é diluído ao longo das rodadas.

Porém, num torneio de mata-mata, o impacto de um gol é altíssimo. Pois um erro pode decidir o confronto e a permanência ou não na competição. Isso acontece em todos os torneios que usam este formato: Copa do Mundo, Liga dos Campeões e, é claro, a Libertadores da América. Isso ainda é agravado pela regra do gol fora de casa, o famoso gol qualificado como critério de desempate — uma regra da qual este blogueiro discorda frontalmente.

Cerro Porteño

Foi o que aconteceu com o Cruzeiro nos dois confrontos. Contra o Cerro, uma partida boa até o momento do gol dos paraguaios, praticamente na única vez em que foram ao ataque, numa jogada de escanteio inexistente. Ao sofrer o gol em casa, o time se enervou e começou a falhar também tecnicamente. No fim, nada de tática: blitz na área adversária até o gol no apagar das luzes de Samudio, que minimizou o prejuízo.

No jogo da volta, o Cruzeiro escapou de sofrer gols no primeiro tempo. Os paraguaios estavam em ritmo mais acelerado, e o Cruzeiro tentando tirar a velocidade do jogo, mesmo com o zero a zero desfavorável. Estratégia ou imposição do adversário? Não saberemos. Mas na etapa final o Cruzeiro entrou correndo mais, disputando mais bolas. Não é o “espírito de Libertadores” que todos pregam, não; isso vale para qualquer campeonato. É a tal intensidade, tanto ofensiva quanto defensiva, que o Cruzeiro tanto usou em 2013 para sobrar no Brasileiro, que faltou no jogo.

A expulsão de Bruno Rodrigo por acúmulo de advertências parecia selar a eliminação, mas o gol de Dedé numa bola improvável reacendeu este espírito. Com a vantagem, o Cruzeiro se imbuiu em defender, mesmo com dez em campo um 4-4-1 que, com as câimbras de Samudio, teve Éverton Ribeiro na lateral esquerda, com o paraguaio indo ser o centroavante. Era praticamente 11 contra 9, mas o Cruzeiro se defendeu bem e ainda marcou mais um em erro da defesa do Cerro.

San Lorenzo

A classificação para as quartas veio, e ainda com a pressão adicional de ser o único brasileiro ainda vivo na competição. Porém, a forma como ela veio indicava que não estava tudo bem. Algo precisava ser feito, principalmente na parte mental. Desta vez, o primeiro jogo foi fora de casa, e foi, sem dúvida, a pior partida da equipe no certame continental. O Cruzeiro quis garantir um resultado médio para poder resolver em casa, mas pagou o preço de ficar atrás, jogando contra sua própria natureza de jogo.

As estatísticas da Conmebol provam: apenas 4 finalizações, todas de média e longa distância e erradas; apenas 174 passes, muito abaixo da média da equipe; e 8 desarmes contra 23 do time do Papa.

É claro que o resultado era plenamente reversível. Mas mais uma vez o impacto psicológico do gol sofrido fez a diferença. Nesta partida, Marcelo resolveu lançar Nilton e Marcelo Moreno na equipe titular, sacando Lucas Silva e Ricardo Goulart. A princípio, achei que fosse para liberar os laterais para o ataque e sufocar o San Lorenzo, mas depois da partida Marcelo Oliveira revelou que queria aproveitar a bola aérea do volante — a mesma explicação podia ser dada para a entrada de Moreno e a permanência de Júlio.

Até os 10 minutos, o Cruzeiro amassava o San Lorenzo, mesmo sem finalizar muito. Nilton e Moreno entraram na equipe para disputarem pelo alto, mas a bola não chegava por ali. Com Ribeiro e Júlio Baptista, a bola não rodava tanto pelos lados e os cruzamentos não saíam, e tampouco o Cruzeiro chegava pelo centro, pois Éverton Ribeiro não tem o mesmo entendimento com Júlio do que com Goulart, já que o primeiro segura mais a bola e cadencia.

O gol do San Lorenzo, porém, destruiu o espírito da equipe. Samudio saiu por lesão, piorando ainda mais a situação. Bruno Rodrigo, Marcelo Moreno e Éverton Ribeiro tentaram: o primeiro sendo absoluto na defesa, o segundo com muita luta e várias finalizações que pararam no goleiro adversário, e o terceiro sem medo de chamar a responsabilidade e tentar conduzir a equipe à frente. Mas o nervosismo atrapalhou, e quando o Cruzeiro chegava, o goleiro adversário estava em noite inspirada. O empate saiu, só aos 30 do segundo tempo, mas ainda era preciso mais dois gols. Não deu tempo.

Nas coletivas pós-jogo, tanto na ida quanto na volta, Dedé e Marcelo Oliveira se referiram à postura do Cruzeiro na Argentina. O zagueiro dizia que era estratégia, já era esperado que eles atacassem e a ordem era segurar. Já o treinador disse que nem sempre isso acontece porque o time quer, mas sim porque o adversário impõe a condição. Então fiquei na dúvida: quem está certo? Foi o San Lorenzo que impôs ao Cruzeiro a condição de apenas se defender, ou o Cruzeiro que escolheu assim para poder decidir a vaga no Mineirão?

Não há como responder, mas meu palpite era de que a ordem era sim se defender, pois era sabido que o ponto forte do time argentino é não sofrer gols, o que indica que o ataque não é tão poderoso assim. É claro que não é tão simples, mas partindo disso, o mais ousado seria atacar o San Lorenzo em sua própria casa, mesmo correndo o risco dos contra-ataques.

Pode parecer fácil falar depois dos jogos, mas a verdade é que o Cruzeiro, enquanto equipe, ainda carece de experiência para não se enervar com resultados adversos em torneios eliminatórios. A Copa do Brasil, no segundo semestre, será mais uma boa oportunidade para medir este aspecto.

Perspectivas

Uma formação possível, bem ousada, que privilegia o ataque: um 4-1-4-1 que aproxima Goulart e Ribeiro, com laterais ofensivos e ponteiros verticais

Uma formação possível, bem ousada, que privilegia o ataque: um 4-1-4-1 que aproxima Goulart e Ribeiro, com laterais ofensivos e ponteiros verticais

Olhando para frente, nas partidas em que precisava construir um resultado (a volta contra o San Lorenzo e contra o Coritiba, após sofrer novo empate), o Cruzeiro apresentou uma formação interessante, que eu gostaria muito de ver iniciando um jogo. Um dos volantes saía para a entrada de mais um ponteiro: com isso, Éverton Ribeiro recuava e fazia o segundo volante, para tentar construir o jogo de trás. Na prática, era um 4-3-3/4-1-4-1, com Ribeiro e Goulart próximos no centro do campo, Willian e Dagoberto pelas pontas e um centroavante.

Uma formação bem ofensiva, especialmente na partida contra o Coritiba, quando Mayke e Egídio estavam em campo. Atacar com 7 jogadores (2 laterais, 4 meias e o centroavante) é uma postura muito ousada e que pode dar certo para resolver as partidas o quanto antes. Seria um sistema ideal para usar nos pontos corridos, sem correr o risco de um gol sofrido dar um choque psicológico grande na equipe. É improvável, porém, que Marcelo Oliveira abandone o bom e velho 4-2-3-1, pelo menos para iniciar as partidas.

Assim, mesmo fora da Libertadores, a perspectiva ainda é boa. Mas fica a lição: em mata-mata, o fator psicológico conta muito mais do que em pontos corridos. E é preciso aprimorar esta aspecto enquanto equipe, mesmo que individualmente o Cruzeiro possua jogadores experientes. É errando que se aprende. Já foram duas (Copa do Brasil 2013 e Libertadores 2014). Na próxima, com certeza, será melhor.

O tamanho dos gramados do Brasileirão 2012

Certamente os leitores fantasma deste blog já devem ter ouvido Celso Roth falar que o Independência é um “campo rápido”. Ele diz isso por causa das dimensões do gramado, que teoricamente são “reduzidas”, e que fariam o jogo ser mais veloz no sentido de que qualquer chutão chega na área adversária facilmente, que por sua vez favoreceria times de menor qualidade técnica, que recorrem ao contra-ataque.

Na última quarta-feira, o discurso contrário pôde ser ouvido: o Serra Dourada, por ser um campo grande, faz o jogo ficar lento, difícil de correr, dando à partida um ritmo cadenciado de posse de bola. Engraçado, porque o Cruzeiro fez exatamente o oposto. Talvez tenha se acostumado a jogar no Independência, mas mesmo que não faça tanta diferença tecnicamente, a postura de treinadores e jogadores tem sido diferentes de acordo com os tamanhos dos campos, como o contrastante exemplo dos jogos contra os dois Atléticos, um no Independência e o outro no Serra Dourada, o que influi diretamente na estratégia da equipe em uma determinada partida — e portanto na parte tática.

Das 20 17 regras do futebol, definidas pela FIFA, a que define o campo de jogo é a Regra 1, que diz que o campo deve ter entre 90 e 120 metros de comprimento, e entre 45 e 90 metros de largura (ou seja, é possível termos um campo quadrado, de 90 m x 90 m, mas isso é uma outra história). Em competições internacionais, a variação é mais restrita, e o comprimento fica entre 100 e 110 m e a largura entre 64 e 75 m. Ainda, na Copa do Mundo, os gramados devem ter a dimensão fixa de 105 x 68 m.

Acredite se quiser, estes campos são válidos para partidas não oficiais: 120 x 45 m (esq) e 90 x 90 m (dir). A grande área o círculo central estão em escala.

Para saber mais, o Constelações foi buscar as dimensões dos gramados dos principais estádios do Brasileirão 2012. Os dados vieram depois de extensas pesquisas na Internet:

Estádio Comprimento (m) Largura (m)
Aflitos (Náutico) 105 70
Arena Barueri (Palmeiras) 107 70
Beira-Rio (Internacional) 108 72
Canindé (Portuguesa) 103,4 70,5
Couto Pereira (Coritiba) 109 72
Engenhão (Flamengo, Fluminense e Botafogo) 105 68
Ilha do Retiro (Sport) 105 78
Independência (Cruzeiro e Atlético/MG) 105 68
Moisés Lucarelli (Ponte Preta) 107 70
Morumbi (São Paulo) 108,25 72,7
Olímpico (Grêmio) 105 68
Orlando Scarpelli (Figueirense) 105 70
Pacaembu (Corinthians) 105 68
Pituaçu (Bahia) 110 68
São Januário (Vasco) 110 70
Serra Dourada (Atlético/GO) 110 75
Vila Belmiro (Santos) 105,8 70,3

Análise

Isto posto, vamos colocar a tabela acima em forma de gráfico para vermos as diferenças:

 

Relação entre comprimento e largura dos principais palcos do Brasileirão 2012

Quanto mais à direita um ponto, mais comprido é o campo, e quanto mais para a esquerda, mais curto. De maneira análoga, quanto mais pra cima, mais largo, quanto mais pra baixo, mais estreito. A linha azul no gráfico representa a “proporção média” entre comprimento e largura de todos os campos analisados, ou seja, à medida que se aumenta o comprimento, aumenta-se a largura proporcionalmente.

Análise

Olhando o gráfico, dois pontos chamam a atenção de cara: a Ilha do Retiro, o campo mais largo do Brasileirão, com impressionantes 78 m. São dez metros a mais que o Independência, ou seja, cinco metros de cada lado. Para se ter uma ideia, uma quadra de vôlei tem seis metros de largura, ou seja, é um espaço onde cabem três jogadores lado a lado e com conforto.

O outro campo que se destaca é o Serra Dourada. O campo do Atlético/GO possui as dimensões máximas para partidas internacionais, sendo o maior do Brasileirão 2012. Além de ser o segundo mais largo de todos, é o mais comprido, ao lado de São Januário e Pituaçu, com 110 metros de comprimento.

Pituaçu, aliás, é um caso estranho. É um dos mais compridos, mas ao mesmo tempo é um dos mais estreitos, juntamente com outros 4 estádios: Independência, Engenhão, Olímpico e Pacaembu.

O Canindé é o campo mais curto. São apenas 103,4 metros de comprimento — quase 7 em relação aos mais compridos.

Além disso, nada menos do que sete equipes mandam seus jogos em gramados que possuem as medidas “oficiais”: Flamengo, Fluminense e Botafogo (Engenhão), Cruzeiro e Atlético/MG (Independência), Grêmio (Olímpico) e Corinthians (Pacaembu). Ainda, se considerarmos uma tolerância de um metro para cada lado em cada dimensão, podemos incluir neste bolo o Canindé, Aflitos e Orlando Scarpelli, a Vila Belmiro e a Arena Barueri e Moisés Lucarelli, todos com até um metro a mais (ou menos) em cada lado do campo. Com isso, o número de times mandantes em campos “rápidos” sobe para 13, fazendo com que nada menos do que 65% do campeonato se desenrole neste tipo de gramado.

Diferenças entre as dimensões de alguns dos campos do Brasileirão 2012. As áreas penais e o círculo central estão em escala.

Conclusão

É claro que haverá defensores dos campos grandes. Basta saber que os antigos Maracanã e Mineirão, ambos templos do futebol brasileiro e mundial, possuíam campos de 110 x 75, as mesmas dimensões do Serra Dourada atual. Portanto, podemos considerar que os brasileiros gostam de futebol de posse, com jogo ritmado, sem a correria e os chutões que os campos menores proporcionam. Basta olhar  o gráfico e ver que a maioria dos campos do Brasil é igual ou maior que o “padrão FIFA” de 105 x 68 — dimensões que fazem com que o jogo fique mais brigado, e como só o Barcelona é o Barcelona, nenhuma outra equipe consegue manter a posse de bola por longos períodos em campos com essas medidas.

Entretanto, isso pode gerar um problema a longo prazo. Mesmo considerando que a maioria dos jogadores da Seleção Brasileira joga fora do Brasil, em gramados europeus, os jogadores daqui que forem convocados poderão ter mais dificuldade em se adaptar aos gramados de uma eventual Copa do Mundo que disputarem. Até mesmo jogadores que fizerem sucesso por aqui e forem vendidos para o exterior poderão ter dificuldades. Em uma pesquisa rápida, a maioria dos grandes estádios do futebol mundial estão nas medidas FIFA:

  • Old Trafford (Manchester United)
  • Emirates Stadium (Arsenal)
  • Stanford Bridge (Chelsea)
  • Camp Nou (Barcelona)
  • Santiago Bernabéu (Real Madrid)
  • Allianz Arena (Bayern de Munique)
  • San Siro (Internazionale e Milan)
  • Olimpico di Roma (Roma e Lazio)
  • Bombonera (Boca Juniors)
  • Monumental de Núñez (River Plate)

Particularmente, gosto de campos grandes que proporcionam um futebol mais vistoso com equipes que possuem jogadores técnicos. Infelizmente não é o caso do nosso Cruzeiro atual. Além disso, jogos disputados mais na física e na correria do que na técnica sempre serão vistos com desconfiança por este blogueiro. Aparentemente, porém, é o destino cruzeirense jogar em campos com as medidas “oficiais” — o Mineirão terá suas dimensões mantidas após a Copa do Mundo. Além disso, a tendência é que cada vez mais estádios adotem essas medidas ao longo do tempo. Assim, a adaptação é mais que necessária.

Só nos resta torcer para que, a médio prazo, tenhamos um time técnico o suficiente para conseguir ter longos períodos de posse e objetividade para controlar o jogo, como — porque não — o Barcelona atual.

Sobre as análises táticas da grande mídia

O futebol moderno hoje impõe versatilidade aos jogadores. É fato que o Barcelona, sob a batuta de Pep Guardiola, acaba por ditar a filosofia do futebol ofensivo em todo o mundo: todos jogam, mas todos marcam. Não existe mais aquele jogador que não tem obrigações defensivas, que fica esperando a bola para poder num lance decidir o jogo. Assim como também não existe mais aquele jogador super-defensivo, que “carrega o piano” para o craque do time poder jogar mais tranquilo.

Portanto, é mais do que natural, e cada vez mais comum, que jogadores joguem em posições que não são a sua de origem. Um caso emblemático é o de Marcelo Oliveira, que com a chegada de Celso Roth, foi parar na lateral esquerda. O volante de origem vinha jogando como segundo volante, ou pelo lado esquerdo do losango no 4-3-1-2 de Vagner Mancini, ou como vértice esquerdo do triângulo de base baixa quando num 4-3-3.

Estes jogadores comumente são taxados de “improvisos” pela grande mídia brasileira, como se a opção pela escalação do jogador naquele setor fosse um remendo que não necessariamente durará. Não raro, comentaristas gostam de dar ênfase a isto, para evidenciar que um determinado time precisa de reforços naquela posição ou que o técnico está inventando. É claro que jogar em sua posição de origem é melhor, pois o jogador está mais acostumado às funções que este papel lhe impõe. Mas ninguém pode guardar posição e ficar estático em sua zona – a Holanda de 74 foi a pioneira neste quesito, e o Barcelona atual aperfeiçoou o conceito.

Pois bem, para se fazer uma boa análise tática de uma partida, é preciso diferenciar bem três conceitos: posição, posicionamento e função. Como o excelente blog do Eduardo Cecconi já explicou:

“POSICIONAMENTO é a região do campo de onde o atleta parte NO JOGO em análise, a sua ZONA. Somados os posicionamentos de cada jogador chegamos ao sistema tático base da equipe. POSIÇÃO diz respeito à característica do jogador, é a ‘profissão’ dele, INDEPENDENTEMENTE da partida em andamento. É imutável. E a FUNÇÃO é o conjunto de atribuições que o jogador cumpre também NO JOGO observado.”

Entretanto, mesmo com essa clareza, algumas vezes percebo análises táticas muito ruins de comentaristas tarimbados, que não conseguem ir além da posição do jogador. Apresento dois casos para o mesmo jogo: Cruzeiro 0 x 0 Atlético/GO, pela primeira rodada do Campeonato Brasileiro 2012.

Como este blog já disse, o Cruzeiro jogou num 4-2-3-1, que variava para um 4-4-1-1 na fase defensiva com o recuo dos alas do meio-campo, como se pode ver em dois momentos do primeiro tempo, abaixo:

Dois momentos das duas linhas de quatro do Cruzeiro na fase defensiva

O 4-2-3-1 com a posse também fica evidenciado quando se vê o gráfico de passes recebidos pelos 5 jogadores do meio-campo no primeiro tempo:

Locais onde os jogadores de meio estavam posicionados quando receberam um passe: Amaral (vermelho), Charles (verde), Souza (branco), Montillo (azul) e Everton (amarelo)

Durante o jogo, era claro o posicionamento: Everton aberto pela esquerda, Souza pela direita, Montillo se movimentando por dentro mas caindo mais pela direita, e Charles e Amaral fazendo a dupla volância, com Charles tendo mais liberdade e Amaral mais preso na cobertura a Marcos. Até a própria abertura da transmissão acertou na hora de apresentar o gráfico com a escalação, pelo menos no sistema, pois os alas apareceram invertidos:

Até a abertura da transmissão acertou na disposição tática do time celeste, apenas invertendo os alas de lado

Durante o jogo, o comentarista Leonardo Figueiredo, durante a transmissão do pay-per-view, dizia que os dois times se posicionavam taticamente iguais, o que não é verdade. Disse que o Cruzeiro jogava com dois meias – o que é meia verdade, se consideramos apenas a posição dos jogadores, e não seu posicionamento. Mas se assim fosse, teríamos que dizer que o Cruzeiro jogou com 4 volantes, pois Marcelo Oliveira estava na lateral esquerda. Certamente o Cruzeiro não jogou num 3-4-2-1.

Dias depois, o mesmo comentarista apresentou uma análise tática muito equivocada do meio-campo cruzeirense. Ele posicionou Souza pelo lado esquerdo, plantou Amaral à frente dos zagueiros e deslocou Charles para a direita. Ora, as imagens acima desmentem isto. O que houve? Ele simplesmente não conseguiu (ou se recusou a) enxergar as atribuições de articulação de Everton, cuja POSIÇÃO é volante, mas cujo POSICIONAMENTO neste jogo era aberto pela esquerda na linha de 3 do 4-2-3-1, e sua FUNÇÃO foi de meia-esquerda. Da mesma forma, Marcelo Oliveira é volante, mas neste jogo jogou do lado esquerdo da defesa e tinha como função fechar aquele setor, deixando as atribuições ofensivas daquele lado para o camisa 11, mais à frente.

Também, o comentarista Bob Faria, em seu programa noturno “MG Esporte Clube”, apresentou uma arte onde posicionava o Cruzeiro num 4-3-2-1, da mesma forma. Pelo menos ele não colocou nomes nas bolinhas que representavam os jogadores. Correu menos risco. Ainda assim, apresentou uma análise errada.

Esta é uma das razões pelas quais decidi iniciar este blog. O nível de expertise dos ditos comentaristas na imprensa (principalmente mineira) é deplorável. Alguns se destacam e fazem excelentes análises, mas são raras exceções. A grande maioria se limita a comentar a parte técnica, dizendo que o jogador está mal ou bem na partida. Pouco ou nada sobre a parte tática.

Por isso, quando descobri, nas minhas leituras sobre o assunto, que o excelente site de análises táticas Zonal Marking também foi motivado pelas mesma razões, eu me encho de esperanças…

Bem-vindos ao Constelações

Olá, e sejam bem-vindos ao blog Constelações. Eu sou Christiano Candian, um programador empolgado com futebol, particularmente com o Cruzeiro Esporte Clube, e também fã de estatísticas de um modo geral.

As duas coisas somadas me levaram a procurar estatísticas de futebol, e do Cruzeiro especialmente. No processo, achei blogs e sites sobre análise tática, e achei a coisa mais legal do mundo. Agora sou um estudioso da área, e com este blog pretendo, também, melhorar cada vez mais nesse assunto. Assim, o principal assunto do blog será a análise tática dos jogos do Cruzeiro ao longo desta temporada de 2012. Com sorte, quem sabe em 2013 a coisa tenha andado de uma forma legal.

Este blog tem também, pretensiosamente, a intenção de desenvolver uma metodologia de coleta de dados e um aplicativo web para visualizar estes dados aqui, para facilitar e ilustrar as análises que tentarei fazer.

É importante lembrar que, como eu disse acima, sou só um empolgado/estudioso. NÃO sou jornalista e NÃO sou profissional da área. Além disso, blogs são, no meu modo de ver, espaços dissertativos, ou seja, o que estará escrito aqui representa a minha opinião sobre o assunto que estiver sendo escrito e somente isso. Não tenho a intenção de ser referência, mesmo que um dia o blog seja famoso.

Portanto, meus futuros leitores (visto que escrevo este post no momento do nascimento do blog, quando exatamente zero pessoas o visitam diariamente), a sorte está lançada. Dizem que manter blogs sempre atualizados é uma coisa difícil, mas acredito que neste caso, muito assunto vai existir. Só resta saber se conseguirei tornar estes assuntos suficientemente relevantes. Como diria Adilson Batista, “vamos aguardar”.