Demorou pra acontecer. O Cruzeiro já mostrava dificuldade em superar as retrancas que os visitantes armam no Mineirão, mas conseguia pelo menos se defender bem, sofrendo poucos gols e conseguindo empates. Contra o Tombense, até trabalhou razoavelmente com a bola para abrir o placar, mas depois a já escassa mobilidade do time cessou.
Some-se a isso os graves problemas defensivos, ocasionados pela distância entre os volantes e a linha defensiva, além do mérito do adversário em explorar exatamente essas falhas, e temos a primeira derrota do Cruzeiro na temporada.
Esquemas iniciais
Sem Marquinhos, Marcelo Oliveira optou por Judivan na função de ponteiro direito do seu fiel 4-2-3-1, com De Arrascaeta pelo centro e Alisson na esquerda atrás de Damião. Na proteção, Charles e Henrique faziam uma dupla leve e de bom passe, à frente dos zagueiros Manoel e Paulo André, com Mayke e Mena nos flancos. Todos capitaneados pelo goleiro Fábio.
Júnior Lopes, o treinador do Tombense, armou seu time num 4-4-2 britânico, ou seja, em duas linhas: a linha defensiva do arqueiro Warley tinha Gedeílson pela direita, Heitor e Alexandre no miolo e Anderson pela esquerda; a segunda linha tinha Betinho e Jonatan pelas pontas, com os volantes Coutinho e Mateus no centro. Na frente, Rafael Pernão e Jean.
Movimentação até fazer o gol
A escalação de Charles e Henrique era uma tentativa de melhorar a saída de bola e o suporte à organização ofensiva, já que os dois tem bom passe e se alternariam na subida ao ataque. Isso aconteceu em parte, e nos primeiros minutos o Cruzeiro teve até uma saída de bola razoável, com exceção do passe errado de Manoel para De Arrascaeta que o volante Mateus interceptou, para avançar e finalizar em Fábio.
Além disso, De Arrascaeta se mexeu um pouco mais no início, aparecendo pela esquerda e pela direita do ataque, ainda que os ponteiros Judivan e Alisson não ocupassem o setor central em troca. A jogada do primeiro gol é um exemplo: o uruguaio vai até o setor direito para ajudar Mayke, Judivan e Alisson, que naquele momento estava do outro lado, contra quatro defensores. Troca rápida de passes e De Arrascaeta acha Alisson sozinho na frente, forçando a cobertura a sair da área para dar combate. Bastou um drible e veio a assistência para mais um gol de Damião.
Cobertor curto
Mas, como sempre no futebol, se você investe num lugar tem que ceder em outro, afinal são sempre 11 jogadores. Com Henrique e Charles mais voltados a participar da construção, a parte defensiva, que tanto vinha bem neste ano, deixou a desejar. Muito provavelmente a falta de entrosamento especificamente entre os dois tenha atrapalhado, já que em vários momentos ambos avançavam simultaneamente e desguarneciam a última linha.
Dessa forma, o time de Tombos, que já estava numa postura reativa, esperando uma oportunidade para sair em contra-ataques, teve o espaço que queria. Não foi surpresa, portanto, que o passe que iniciou a jogada do gol de empate tenha sido do volante Coutinho, já que Henrique e Charles estavam avançados demais. Ele passou a Rafael Pernão, mas Paulo André fez a leitura e foi pra cobertura, atrasando a jogada e dando tempo para a defesa se recompor. No entanto, isso não aconteceu, pois Charles se preocupou com o jogador dentro da área e Henrique nem voltou. Jonatan recebeu sozinho na entrada da área para empatar.
Excesso de tranquilidade?
A impressão que ficou da primeira etapa é que o Cruzeiro estava numa espécie de letargia pós-gol. Trabalhou com certa preguiça até abrir o placar e depois parou totalmente de vez de se movimentar. Tirando um chute numa jogada individual de Alisson e o gol de Damião, o Cruzeiro pouco ameaçou. Talvez, com o time já classificado no estadual e já pensando no jogo contra o Mineros pela Copa Libertadores, os jogadores naturalmente não mostrassem tanto afinco. Não pode ser desculpa.
Na coletiva, Marcelo citou muitas vezes que “faltou espírito de luta, de competição”. Segundo ele, foi por isso que voltou do vestiário com Gabriel Xavier e Marcos Vinícius nas vagas de Judivan e De Arrascaeta. Marcos Vinícius jogou pelo centro, e Gabriel Xavier o setor direito. A ideia era dar mais mobilidade ao time, e quem sabe aumentar a competitividade.
Um pouco melhor, mas igualmente ruim
As trocas deram uma movimentação um pouco melhor com a bola, já que Gabriel e Marcos se procuravam e tentavam aproximações, sem ainda ser suficiente pra abrir a defensa adversária. Tanto que o lance mais perigoso foi uma bola longa para Gabriel Xavier, que conseguiu dominar já colocando na frente para finalizar. Mandou por cima.
Os problemas defensivos, porém, continuaram. No primeiro contra-ataque da equipe de Tombos, uma falha defensiva generalizada: Alisson não percebe Gedeílson passando às suas costas e não o acompanha, além dos volantes mais uma vez estarem demasiadamente avançados, deixando a última linha em inferioridade numérica. Ainda houve tempo para recuperação, e a defesa ficou no mano a mano, mas Henrique não prestou devida atenção em Coutinho, que infiltrou e virou o placar.
Última cartada
Imediatamente após o gol, Marcelo gastou sua última troca, tirando Charles da partida para lançar Joel. Com isso, Marcos Vinícius era o responsável por qualificar a saída, com Joel entrando na área e Gabriel Xavier circulando entre a direita e o centro. Ficou bem exposto, mas o Tombense recuou as linhas e parou de sair em contra-ataques.
Num dos primeiros lances após o gol, Marcos Vinícius chutou de fora, o goleiro Warley deu rebote nos pés de Gabriel Xavier, que chutou em cima do goleiro novamente. Parecia que o time ia tomar conta, mas foi talvez o lance mais perigoso do Cruzeiro na etapa final. O time celeste finalizou muitas vezes, mas quase sempre de muito longe e sem perigo.
Já perto do fim, Júnior Lopes trocou Jean e Jonatan por Daniel Amorim e Lucas Silva. O Cruzeiro, sem substituições a fazer, se lançou de vez ao ataque, sintetizado na entrada de Paulo André na área com bola rolando, ao invés de bolas paradas como é mais comum. Bastou um erro para deixar Mayke, o último defensor, sozinho contra quatro jogadores. Pra sorte do Cruzeiro, Mayke conseguiu afastar.
Depois, o treinador do Tombense fechou o time de vez com Djair na vaga de Pernão, trancando o meio. Ainda houve tempo para um chute de Joel, mas o camaronês mandou na trave a chance de evitar o primeiro revés da temporada — que, convenhamos, já devia ter chegado antes.
E agora?
A grande verdade é que o Cruzeiro jogou a mesma coisa que jogou nos outros jogos. Só que desta vez teve falhas defensivas graves que foram bem aproveitadas pelo adversário. Tanto que foi o primeiro jogo do ano em que o Cruzeiro sofreu mais de um gol — não por acaso, foi a primeira derrota.
A aproveitamento no Mineirão é ruim, mas tem explicação: todos que visitaram o Cruzeiro se fecharam na defesa, inclusive o Atlético Mineiro. E o Cruzeiro atual ainda tem imensa dificuldade em entrar nessas defesas bem postadas. O time ainda é estático demais, com jogadores muito presos aos seus respectivos setores.
Esse é o diagnóstico: falta mobilidade. Nem é preciso muita, como prova o solitário gol da derrota. Muitos sugerem troca de posição de De Arrascaeta, ou mesmo a troca do esquema. Pode funcionar, desde que isso faça com o que o time tenha mobilidade. Se trocar peças, ou de esquema, mas não se mexer, vai continuar tendo dificuldade em destravar estes ferrolhos.
Na quarta-feira, mais uma vez um visitante vai se fechar no Mineirão. Marcelo já sinalizou o time titular, no 4-2-3-1, com De Arrascaeta central e Willian pela direita. Novamente será um jogo para se ter paciência, mas a movimentação tem que aparecer.
Torçamos para que o time, pelo menos, tenha mais espírito de luta.