Enfim o Cruzeiro venceu na Copa Libertadores. Mas fez sua pior partida desde 2013, nas palavras do próprio Marcelo Oliveira. Foram 67 minutos em que a equipe foi mal em todas as fases do jogo: ataque, recomposição, defesa, transição, bola parada. Até no contra-ataque, onde até então vinha tendo seu melhor desempenho, o Cruzeiro não foi bom. Com as substituições, o time se distribuiu melhor em campo e passou a controlar as ações, mesmo sem brilho.
Formações iniciais
Marcelo escalou o Cruzeiro no 4-2-3-1 tradicional. A linha defensiva de Fábio tinha Mayke e Mena nas laterais, com Léo e Paulo André na zaga. Na volância, Willian Farias substituiu o lesionado Willians, na parceria com Henrique. À frente, Marquinhos fez a ponta direita e Alisson a esquerda, com De Arrascaeta por dentro se aproximando de Damião na referência.
A equipe do Mineros também se posicionou num 4-2-3-1, que variava para um 4-3-3 com a bola com o avanço do volante López. O gol de Romo foi protegido por Machado e Matos, com Vallenilla pela direita e Cíchero na esquerda. À frente da área, Jiménez ficava mais preso, liberando López para se juntar ao meia Blanco e aos atacantes Peña pela direita, Pérez pela esquerda e Cabezas, o avante.
Descompactação
Antes do jogo, escrevi no Twitter que não sabia qual seria a estratégia usada pelo time venezuelano: iriam atacar com tudo, mas dando espaços atrás, ou iriam preferir esperar para jogar no erro do Cruzeiro? A resposta veio logo no começo: o Mineros jogou a vida. Atacaram com muita intensidade, com os dois laterais subindo ao mesmo tempo, inversão de Pérez e Peña, Blanco entrando na área para dar profundidade e deixando a criação para López e o ponteiro do lado da bola. Sempre 5 atacando, com a ajuda dos laterais.
Nem o gol de Damião, na primeira jogada de ataque do Cruzeiro, mudou o cenário. O Cruzeiro parecia estar numa rotação abaixo, sem pressionar o homem da bola, num contraste claro com a intensidade aplicada pelo Mineros. López conseguia transitar com muita facilidade na intermediária ofensiva, ditando o ritmo, pois havia um grande buraco entre os volantes e os homens de frente. Henrique e Willian Farias simplesmente não conseguiam entender o sistema ofensivo venezuelano e tiveram muitas dificuldades em preencher os espaços.
Saída de bola
Quando o ataque do Mineros não funcionava, o Cruzeiro era imediatamente pressionado pelos vários jogadores venezuelanos que estavam no campo de ataque. Quase sempre apelava para a bola longa, também porque De Arrascaeta e Damião, sem contribuir com o trabalho defensivo estavam bem longe do resto do time. Apenas em um lance no primeiro tempo, De Arrascaeta conseguiu encaixar um contra-ataque que achou Damião na área, mas o centroavante chutou pra fora.
Com maior posse, o Mineros criou algumas chances, mas Fábio só teve de trabalhar em um chute do lateral Vallenilla (veja na imagem abaixo). Isso porque a linha defensiva celeste, mesmo exposta demais, teve um bom desempenho. Léo desviou um chute à queima-roupa deitado no chão, e em um passe por cima que deixou Cabezas cara a cara com Fábio, Mena se recuperou a tempo impedindo a finalização. Assim, a primeira etapa terminaria, por incrível que pareça, com o Cruzeiro na frente.
A troca que mudou a partida
Sempre se espera algo de Marcelo Oliveira no intervalo, mesmo que seja apenas na conversa. Um mero ajuste de posicionamento já poderia melhorar as coisas para o Cruzeiro, mas não foi isso o que aconteceu. O segundo tempo começou da mesma forma que o primeiro, com o Cruzeiro sofrendo em sua retaguarda e tentando sair em contras — Marquinhos poderia ter matado o jogo em um, mas chutou em cima do goleiro.
Foi então que Marcelo fez as trocas que mudaram o panorama. Trocou Mayke, que sofria na marcação pela direita, por Ceará, que sabe compor melhor a linha defensiva. O veterano lateral cumpriu sua função muito bem. Além disso, uma substituição fez a corneta soar forte: De Arrascaeta por Charles. A torcida logo se apressou em criticar, pois era uma troca de um meia por um volante. A velha confusão entre posição, posicionamento e função.
Charles se posicionou do lado esquerdo da linha de meio-campo, deixando apenas Alisson e Damião na frente, com Marquinhos recompondo pelo lado direito. As novas duas linhas de quatro sem a bola agruparam mais o time, o que matou os espaços que o Mineros tinha na intermediária ofensiva. O time venezuelano passou a ter a bola bem mais longe da área celeste, em seu campo de defesa, e já não conseguia entrar com facilidade.
Mais defensivo e mais ofensivo
Além de marcar melhor, o Cruzeiro passou também a fazer uma transição defesa-ataque bem mais suave, sem quebrar a bola. Com os jogadores mais próximos, era mais fácil encontrar um passe na saída após roubar a bola. Assim, podemos dizer que o Cruzeiro ficou mais defensivo e ao mesmo tempo mais ofensivo. Saindo pelo chão, o Cruzeiro começou a chegar com facilidade na intermediária ofensiva e trabalhar a bola.
Com a segurança de Charles pelo lado esquerdo, o lateral Mena, que até então não havia se aventurado no campo de ataque, passou a sair mais. Não por coincidência, a jogada do segundo gol passou pelos pés dele. Alisson puxou a marcação e deixou um corredor livre pelo meio para o chileno avançar, tabelar com Damião e servir Marquinhos do outro lado. O gol que deu tranquilidade e números finais ao jogo.
Sem resultadismo
Taticamente, a partida foi um desastre. Setores muito espaçados, falta de intensidade nas ações e muitos erros de passe com a bola. Talvez Marcelo tenha se surpreendido com a estratégia do Mineros de ir pra cima mesmo deixando espaços generosos atrás. Mas o Cruzeiro tinha que adaptar sua marcação e explorar estes espaços. Não fez nem uma coisa nem outra, a não ser em dois ou três contra-ataques desperdiçados.
Na parte do jogo em que foi dominado, o Cruzeiro só não sofreu gol por causa da falta de qualidade do Mineros. Fosse um time um pouco melhor tecnicamente, arrisco dizer que o Cruzeiro teria saído com o revés. Tanto é que quando o jogo se equilibrou na parte tática, com as trocas de Marcelo, a superioridade técnica do Cruzeiro ficou evidente — a jogada do segundo gol comprova isso.
Valeu a vitória, é claro. Mas cuidado com o resultadismo. É bom saber que o próprio Marcelo reconhece que atuação foi ruim, mesmo com um resultado importante.
Que este jogo seja pelo menos um exemplo de como NÃO se comportar em campo, principalmente na parte defensiva.