Em um mundo dominado pelo 4-2-3-1, o famigerado 3-5-2 é um esquema condenado a cair em desuso. Isso porque, como bem Jonathan Wilson explica em seu livro “Invertendo a Pirâmide”, o embate entre estes dois esquemas gera três problemas diretos para o time do 3-5-2: primeiro, seus três zagueiros só tem um atacante para marcar, fazendo uma sobra dupla e desnecessária, pois se há dois a mais na defesa, significa dois a menos em outros lugares do campo; segundo, os alas, que em tese se posicionariam no meio-campo neste esquema, têm que recuar para lidar com os extremos da linha de 3 meias, arruinando a amplitude de ataque do time; e terceiro, os laterais adversários ficam totalmente livres para atacar, podendo ambos apoiar sem nenhuma preocupação defensiva, ou apenas um, se o adversário quiser manter uma sobra contra seus dois atacantes.
Sabendo que a Portuguesa de Geninho vem jogando neste esquema, nada mais natural para Celso Roth do que retomar o 4-2-3-1 que vinha sendo usando antes do estranho 4-3-1-2 losango o jogo contra o Grêmio. Mas não foi isso o que o treinador celeste fez ontem no Canindé.
Celso mandou a campo uma formação pesada. Na zaga, a escalação de Rafael Donato foi uma surpresa, e provavelmente se deveu ao temor de que a Portuguesa tentaria muito o jogo aéreo. Ceará estreou na ala direita e com isso Diego Renan foi para o outro lado, com Everton saindo do time, e William Magrão voltou depois de ser impedido contratualmente de atuar contra o Grêmio. Outra surpresa foi a opção de Roth por não levar velocistas a São Paulo, deixando Wallyson e Fabinho em Belo Horizonte.
A surpresa maior, no entanto, foi no posicionamento. No papel, parecia ser novamente um 4-3-1-2, mas na prática foi um 3-4-1-2 com o recuo de Leandro Guerreiro entre os zagueiros, para ser o homem da sobra. Com a posse de bola, o volante era o responsável pelo primeiro passe. Léo e Donato abriam para dar opção de saída, e os alas partiam para o apoio. Além disso, Guerreiro tinha uma certa liberdade para avançar e dar suporte às ações ofensivas, jogando quase como um líbero. Papel que executou bem, diga-se.
Esquemas espelhados, o jogo foi quase um “cada um pega o seu”, mas com um homem a mais nas duas defesas. Com ambas as equipes priorizando a marcação, muitos erros de passe (28 lusos contra 29 celestes), e nenhum atleta conseguindo vencer claramente o duelo contra seu marcador, nada de muito interessante aconteceu no primeiro tempo, inclusive taticamente. O único aspecto digno de nota era o posicionamento de Leandro Guerreiro. A prova desse marasmo foi a edição de melhores momentos da transmissão do jogo: dois lances para cada lado, sendo um chute por cima e um fraquinho. O cabeceio de Diego Viana por cima aproveitando cruzamento do zagueiro Rogério não valeu, pois o atacante da Portuguesa estava impedido, mas mesmo assim entrou na relação.
Estava claro que alterações viriam no intervalo, mas para a surpresa deste blogueiro — que teria adotado o 4-2-3-1 ainda no primeiro tempo para aproveitar as vantagens citadas acima — ambos os treinadores mantiveram suas formações. Talvez os treinadores estivessem receosos de fazer o primeiro movimento, e agiriam de acordo com que o adversário fizesse. E a segunda etapa começou como terminou a primeira, com a ligeira diferença de que o Cruzeiro parecia querer ficar mais com a bola, mas sem ser propositivo. Tanto que a melhor chance foi com Borges, aproveitando chutão da defesa celeste, mas parando em Dida.
Geninho então arriscou o primeiro movimento aos 10: uma substituição dupla, lançando os leves Héverton e Ricardo Jesus no lugar da dupla de ataque pesada que iniciou a partida, Diego Viana e William Xavier. A tentativa era dar velocidade e movimentação em um 3-4-2-1, mas não funcionou: Ricardo Jesus ficou encaixotado entre os zagueiros e o simples avanço de Leandro Guerreiro ao meio-campo era suficiente para lotar o setor e dificultar as ações de ataque da Portuguesa. De certa forma, até piorou, já que os atacantes pesados pelo menos incomodavam a defesa celeste com presença na área.
Aos 14, Wellington Paulista aproveitou outra ligação direta, desta vez um pouco mais consciente, dominou no peito e bateu por cima. Um sinal de que a defesa da Portuguesa começava a querer avançar demais, e que os espaços poderiam aparecer — mas também um sinal de que construir pelo chão seria estava difícil.
Num intervalo de seis minutos, o Cruzeiro queimou a regra três. Tinga deu lugar ao jovem Lucas Silva. Depois, Léo sentiu dores na coxa e teve de ser substituído por Mateus; na mesma tacada, Marcelo Oliveira foi para a ala esquerda no lugar de Ceará, ainda sem condições de atuar 90 minutos, invertendo Diego Renan de lado. Três substituições depois, o 3-4-1-2 que variava para 4-3-1-2 na fase ofensiva estava mantido.
A Portuguesa avançava cada vez mais na busca pelo primeiro e provável único gol, que lhe daria tranquilidade para se defender até o fim contra o pouco criativo ataque celeste. Mas o Cruzeiro não aproveitava os espaços cedidos. Ironicamente, na primeira posse de bola após uma sequência interminável de escanteios para o adversário, Wellington Paulista recebeu um passe de Lucas Silva, girou como pivô em cima de seu marcador e alçou a Borges dentro da área, que penetrava em profundidade. Agarrado que foi por Rogério, que já tinha perdido na corrida, caiu e o juiz prontamente marcou a penalidade, expulsando o zagueiro.
WP, sempre ele, cobrou e colocou o Cruzeiro na frente. Nas anotações que faço durante os jogos, escrevi: “agora é o jogo do Cruzeiro: reativo”. E assim foi: depois do gol, o Cruzeiro se fechou esperando o desespero da Portuguesa, que não recuou seus alas na tentativa do empate, no que deveria ser um suicida 4-2-1-2, mas que na prática era um 2-4-1-2. A equipe celeste teve inúmeras chances de marcar em contra-ataques muito velozes. Primeiro com Montillo servindo WP, que bateu para fora. Depois, Diego Renan aproveitou o imenso espaço sem cobertura do lado direito para avançar e receber passe de cabeça de Borges na bola chutada pela defesa celeste. Ele foi tranquilamente até ficar frente a frente com Dida, fuzilar e correr para o abraço.
A última mexida de Geninho foi Luís Ricardo dar lugar a Henrique, mas foi seis por meia dúzia. O inusitado 2-4-1-2 continuava, cedendo espaços generosos pelos flancos, obviamente, e o Cruzeiro teve ainda mais chances: Magrão carregou a bola pela direita sem ser incomodado e inverteu para Marcelo Oliveira na esquerda. O volante entrou na área com muita liberdade e cruzou alto demais para os atacantes, mas Montillo chegava do outro lado, dominando e vencendo Dida, mas não Ferdinando, que estava em cima da linha. Depois, Montillo carregou a bola, atraiu a marcação de deixou Borges na cara do gol, mas o atacante chutou por cima. Montillo ainda teria mais uma chance, no finzinho do jogo, dessa vez em tabela com Diego Renan pela direita, envolvendo totalmente a defesa paulista. O gol seria uma homenagem à centésima partida do argentino com a camisa cruzeirense, mas ele chutou em cima de Dida.
Quebrar a incômoda sequência de derrotas era o mais importante para o time e o treinadores terem tranquilidade. A formação com três na defesa surpreendeu e mostra que Roth ainda não conseguiu achar uma formação ideal para a equipe, e arrisco dizer que não o fará, pois a característica do time, atualmente, é se adaptar ao esquema do adversário, marcando primeiro e atacando na transição. O próprio treinador disse que o time ainda não consegue sair para o jogo, porque se o faz, cede espaços e sofre gols.
Por outro lado, as estréias de Ceará e Lucas Silva foram animadoras. O lateral mostrou ter experiência e um bom passe, enquanto que o volante da base ficou um pouco inseguro no início, mas logo entrou no jogo e tanto marcou quanto saiu para o jogo com qualidade — foi dele o passe para WP no lance do pênalti. E há que se destacar o jogo de Leandro Guerreiro, atuando com muita inteligência tática, detectando os momentos certos para ora ficar na sobra, ora dar o bote mais alto, ora sair para o jogo.
O próximo passo é voltar a vencer em casa, contra o Flamengo. Não acredito que a formação com três defensores será mantida, já que o time de Joel joga mais frequentemente no 4-3-1-2 losango, esquema preferido do treinador. Fabinho deveria voltar ao time na beirada esquerda de um 4-2-3-1 diagonal, que não daria liberdade a Léo Moura, principal saída de ataque do time carioca, e o meia-direita, mais recuado (Tinga ou Magrão) poderia se juntar ao meio para equalizar o número de jogadores no centro do meio-campo. Talvez um 4-4-1-1 com os flancos bem fechados, com Souza pela esquerda à frente de Diego Renan, e Magrão do outro lado à frente de Ceará, pronto para contra-atacar.
Mas como é improvável que Borges e Wellington Paulista saiam do time, o 4-3-1-2 losango parece ser a aposta para domingo.
Não que eu concorde, mas o que vale são os três pontos.