Atlético/MG 1 x 0 Cruzeiro – Nas trincheiras do círculo central

O xadrez é um dos jogos mais estudados do mundo. Talvez por ser um dos mais antigos e com regras solidificadas há tanto tempo. Por isso mesmo, existem nomes para o conjunto de movimentos na fase inicial da partida, chamadas de “aberturas“, nas quais um dos objetivos do enxadrista é tomar o controle da região central do tabuleiro, para ter vantagem territorial posteriormente.

No futebol, que é um esporte bem mais jovem mas tão estudado quanto, a analogia vale para o meio-campo: quem tem o controle deste setor normalmente tem o controle da partida – o que não significa que sairá vencedor. Há várias maneiras de se ter o controle do meio, seja com ou sem a posse de bola. E um misto de desvantagem física com estratégia agressiva do adversário no setor deram o domínio deste setor tão crucial ao Atlético Mineiro. No fim, acabou não sendo a causa direta do revés, mas explica a inoperância ofensiva celeste, este sim, um motivo– em que pese a boa atuação da dupla de zaga celeste e do goleiro Fábio.

Escalações

No 4-2-3-1, ambos os times tinha três meio-campistas centrais, mas o Atlético foi mais intenso na briga pela segunda bola e minou o toque de bola celeste

No 4-2-3-1, ambos os times tinha três meio-campistas centrais, mas o Atlético foi mais intenso na briga pela segunda bola e minou o toque de bola celeste

Os dois treinadores armaram suas equipes no 4-2-3-1 costumeiro a ambas. Marcelo Oliveira teve Fábio no gol, Ceará na lateral direita, Léo e Bruno Rodrigo na zaga central e Egídio como lateral esquerdo. Nilton e Lucas Silva faziam a dupla volância, com Éverton Ribeiro na ponta direita, Ricardo Goulart como central e Willian partindo da esquerda mas circulando. Na frente, Borges enfiando entre os zagueiros.

Já Cuca não abre mão do 4-2-3-1 que implantou com sucesso no segundo semestre do ano passado e no início deste ano. A linha defensiva do goleiro Giovanni teve Marcos Rocha e Júnior César nas laterais, com Leonardo Silva e Emerson no miolo. Pierre, mais marcador, e Josué, com mais liberdade, faziam a proteção à área e davam suporte ao quarteto ofensivo: Luan partindo da direita, Diego Tardelli centralizado e Fernandinho pela esquerda articulavam atrás de Alecsandro, o centroavante.

A segunda bola

Um fenômeno que este blogueiro ainda precisa entender é porque o Independência é um campo que favorece a bola longa e a disputa aérea, sendo que o campo possui as mesmas medidas de vários estádios do Brasil, inclusive o Mineirão. Talvez seja um um fator psicológico, pois de fato este estádio faz com que o jogo fique muito mais competido do que jogado, como dizia Celso Roth. Menos bola no chão, passes e toque de bola, e muito mais disputa e jogo de desarmes.

Mas é mais provável que seja o estilo de jogo que o Atlético Mineiro impõe no campo do Horto, pois é um estilo que lhe favorece. Intensidade na disputa pela bola, e assim que consegue, transição rápida, seja por que lado for. Eram três contra três próximos do círculo central, mas os jogadores atleticanos tinham muito mais sede — e aqui entra um fator físico, já que os titulares descansaram durante a semana especificamente com vistas ao clássico — e por isso ganhavam quase todas as sobras da disputas aéreas neste setor. Correndo o risco de ser redundante, é o famoso jogo de primeira e segunda bola, no qual um jogador faz um passe longo na direção do ataque e dois jogadores disputam o toque no ar — a primeira bola — tentando fazer a bola sobrar para um de seus companheiros — a segunda bola.

Apesar das chances, só uma finalização foi feita no primeiro tempo -- Fábio defendeu. O Cruzeiro, time que mais finaliza no Campeonato Brasileiro, não chutou sequer uma vez (Footstats)

Apesar das chances, só uma finalização foi feita no primeiro tempo — Fábio defendeu. O Cruzeiro, time que mais finaliza no Campeonato Brasileiro, não chutou sequer uma vez (Footstats)

E assim seguiu todo o primeiro tempo: bola longa de ambos os times, disputa aérea, e a posse era quase sempre do time da casa, que tentava resolver rápido a jogada. O primeiro tempo foi um jogo praticamente de ataque e defesa especificamente por causa deste aspecto. O Cruzeiro não finalizou ao gol de Giovanni uma vez sequer. Não houve nem tentativas erradas.

Mas há que se destacar também a boa atuação defensiva da zaga cruzeirense. Com tanta intensidade, o Atlético Mineiro também só conseguiu uma finalização na primeira etapa, com Fernandinho que Fábio salvou brilhantemente. Alecsandro não contribuía e as chances criadas pelo time atleticano não eram convertidas em finalização, muito por causa da boa marcação de Léo e Bruno Rodrigo. Ceará teve dificuldades com Fernandinho, mas foi brilhante em um lance dentro da área, onde evitou o pênalti a todo custo e fez o jogador adversário se enrolar com a bola e cair sozinho.

Menos refinamento, mais disputa

Com Henrique e Alisson, a disputa no meio-campo equilibrou, mas não foi suficiente para incomodar  a defesa do Atlético Mineiro

Com Henrique e Alisson, a disputa no meio-campo equilibrou, mas não foi suficiente para incomodar a defesa do Atlético Mineiro

Coincidência ou não, o estilo do rival não só lhe favorece como desfavorece o jogo celeste. Com a bola sempre sobrando nos pés dos atleticanos no meio, ela simplesmente não chegava aos pés do quarteto ofensivo, muito porque os atacantes do Atlético Mineiro forçavam o chutão — e por isso ganhava a segunda bola — e também porque o adversário lotava o meio-campo para esperar um passe errado celeste, e dali partir na transição ofensiva rápida.

Era preciso mais intensidade, portanto. Era preciso disputar com o Atlético Mineiro a bola no meio. Também por isso, no intervalo Marcelo colocou Henrique na vaga de Lucas Silva, que já estava na caderneta de advertências e não poderia entrar em disputas mais duras. E portanto, o Cruzeiro saiu um pouco de sua característica de leveza e toque de bola para competir pela posse. O jogo já não ficou tão desequilibrado, e logo no início Ricardo Goulart teve a chance de ouro de mudar a partida, mas Giovanni defendeu.

Quatro contra três

O Atlético Mineiro chegava menos, mas ironicamente começou a finalizar mais, mas sem muito perigo. Chutes bloqueados e defendidos com facilidade por Fábio nos quinze primeiros minutos. Marcelo Oliveira então lançou Alisson na vaga de Borges, numa excelente troca: Goulart foi ser centroavante para brigar no alto com os zagueiros do Atlético Mineiro, quesito no qual se saiu melhor do que Borges, e Alisson entrou de central, circulando por todo o campo e chamando Everton Ribeiro para dentro.

A marcação atleticana, individual, não encaixou no novo esquema e Júnior César ficou sem ter a quem marcar, já que Ribeiro já não ficava por ali. Resultado: o Cruzeiro tinha um homem a mais no setor em que anteriormente estava perdendo a batalha pela posse, e passou a ganhar algumas segundas bolas. Teve mais a bola no pé e equilibrou a partida de vez.

Mas a peleja seguia mais disputada do que jogada, e o ataque celeste não apareceu. Se nada mais acontecesse, dali o jogo seguiria certamente para um empate sem gols. Cuca então lançou Neto Berola na vaga de Alecsandro, invertendo Fernandinho de lado, e logo depois tirou Josué e pôs Leandro Donizete, tentando desequilibrar novamente a batalha no meio-campo. Marcelo respondeu com Dagoberto na vaga de Willian, apagado. Os dois treinadores queriam a vitória.

O Cruzeiro até teve mais a bola nos pés (52 a 48%) mas gastou quase metade de sua posse de bola no terço de defesa, ou seja de sua intermediária para trás - o maior índice até aqui no campeonato

O Cruzeiro até teve mais a bola nos pés (52 a 48%) mas gastou quase metade de sua posse de bola no terço de defesa, ou seja de sua intermediária para trás – o maior índice até aqui no campeonato

De todas as trocas, foi a primeira de Cuca que mais funcionou: Fernandinho, agora pela direita, incomodava bem mais, já que o poder de marcação de Egídio é menor que o de Ceará. O Atlético Mineiro voltou a ter chances, mas com exceção do lance de Luan defendido espetacularmente por Fábio, as outras finalizações não foram tão perigosas.

A ironia do futebol

Ironicamente, o gol que definiu a partida aconteceu em um erro de Alisson, o que tinha equilibrado o jogo: ele tentou cavar uma falta e perdeu a bola, armando o contra-ataque do Atlético com o Cruzeiro saindo para o ataque. Egídio estava muito à frente e obrigou Bruno Rodrigo a sair na cobertura, dando o bote no tempo errado — talvez seu único erro durante toda a partida. Fernandinho chutou uma bela bola e Fábio ainda raspou nela mas não conseguiu desviar o suficiente.

Depois disso, o Atlético Mineiro se encastelou e partiu nos contra-ataques, dificultando muito as ações ofensivas celestes. Com pouco tempo e sem trocas restantes, Marcelo nada pôde fazer a não ser esperar o fim do jogo.

Lições para o futuro

O clássico tem essas coisas, ainda mais agora que existe o mando de campo. O time que não tem mais nada o que fazer no campeonato descansa seus jogadores especificamente para pegar o rival — não duvido que isso tenha sido uma “ordem de cima”. Ao contrário do Cruzeiro, que está disputando o título e mandou seus melhores jogadores para a desgastante partida do meio de semana.

Portanto, o fator físico foi sim muito importante para o desenrolar deste jogo. Mas não há como negar que o modelo de jogo do rival tem seus méritos, principalmente no seu campo. Méritos de Cuca, que achou este modelo há mais de um ano atrás e ainda colhe seus frutos. Ao Cruzeiro fica a lição de que poderia sim ter vencido se tivesse sido minimamente mais aplicado no meio-campo central, minando a principal característica do jogo atleticano. A partir dali, seria mais fácil se movimentar na frente para desorganizar a marcação individual que Cuca pede a seus comandados.

O título ainda está longe de estar em perigo, muito também por causa da incompetência dos perseguidores mais próximos. Entretanto, as duas derrotas ligam o alerta: é preciso voltar a vencer para não dar nenhuma esperança aos milhares de “anti” que espreitam por aí.

Cruzeiro 0 x 2 São Paulo – No meio do caminho tinha um Muricy

Eis que a invencibilidade do Cruzeiro no Mineirão chegou ao fim. E o maior responsável foi o treinador do São Paulo, Muricy Ramalho. Uma verdadeira pedra no sapato cruzeirense.

Minimizar os erros e aproveitar ao máximo os do adversário é um dos pilares do famigerado Muricybol, estilo de jogo que veio à luz no tricampeonato do São Paulo de 2006 a 2008. Pois consciente da inferioridade técnica de sua equipe e jogando em campo desfavorável, Muricy aplicou este princípio muito bem ao armar o São Paulo para que não houvesse jogo algum, travando a movimentação celeste — principal trunfo do Cruzeiro até aqui. Com isso, o jogo se transformou em uma competição de quem errava menos e quem capitalizasse melhor as poucas oportunidades que apareceriam, e nesse quesito o São Paulo foi melhor.

Escretes

O sistema de coberturas do 3-4-1-2 de Muricy travou a movimentação dos três mais cruzeirenses: Goulart cercado e laterais pressionados pelos alas

O sistema de coberturas do 3-4-1-2 de Muricy travou a movimentação dos três mais cruzeirenses: Goulart cercado e laterais pressionados pelos alas

Marcelo Oliveira escalou o time atualmente considerado titular, desfalcado apenas de Dedé, na seleção, no já habitual 4-2-3-1. Fábio no gol, Ceará, Léo, Bruno Rodrigo e Egídio faziam a linha defensiva, Nilton e Lucas Silva na proteção e no suporte ao trio de meias, Everton Ribeiro da direita para o centro, Ricardo Goulart partindo do centro e Willian mais pela esquerda e mais agudo, se aproximando de Borges.

O São Paulo entrou num 3-4-1-2 com coberturas especiais para parar a fluidez celeste. Dênis era o goleiro e tinha em seu trio defensivo Paulo Miranda à direita, Rodrigo Caio no centro e Édson Silva à esquerda. Tudo para poder avançar os alas Douglas e Reinaldo para se alinharem aos volantes Wellington e Maicon — este último com mais liberdade para sair e se aproximar de Ganso na ligação. Na frente, Ademílson e Aloísio ficavam um de cada lado. Não havia centroavantes.

Encaixes

Os leitores mais assíduos do blog sabem que sempre menciono o problema que acontece quando trios defensivos encaram ataques com jogadores abertos, que aqui no blog chamo de ponteiros. Ou os alas têm que recuar para marcar os ponteiros — e com isso perdendo amplitude no ataque, cedendo espaços aos laterais adversários e ainda criando uma sobra dupla redundante na defesa — ou corre-se o risco de ficar no mano a mano.

Muricy optou pela segunda opção, pois ordenava constantemente seus alas a avançarem e baterem com Ceará e Egídio, travando o avanço pelos lados, deixando Rodrigo Caio com Borges e os zagueiros de lado fazendo a cobertura dos alas, deixando três contra três. Por isso a margem de erro do São Paulo era mínima, já que, ao ver o Cruzeiro se aproximar de sua área, um bote mal dado poderia gerar inferioridade numérica, o pesadelo de qualquer defesa. Mas com o setor central congestionado, com Goulart cercado pelo volantes e às vezes até por Ganso, a bola não chegava à frente com qualidade, fazendo com que a falta de um jogador na sobra da defesa fosse um problema menor.

Já na outra ponta do campo, Aloísio e Ademílson ficavam mais livres para pressionar Léo e Bruno Rodrigo, puxando Ganso para cercar o passe aos volantes, ou então eles mesmos marcarem Nilton e Lucas Silva, fazendo Ganso ficar próximo dos volantes e criando a compactação citada no parágrafo anterior.

Chama e vai

Diante da dificuldade, o Cruzeiro concedia a posse mais frequentemente que o normal e passou a tentar chamar o São Paulo para seu campo. Com a bola, Rodrigo Caio subia da da linha defensiva para junto de Wellington e confundia a marcação celeste. Num desses lances o volante-lateral avança sem ser incomodado, com Borges correndo atrás para tentar cercar, e chuta com perigo à meta de Fábio. Além disso, o São Paulo apoiava com os dois alas ao mesmo tempo, por vezes criando uma situação de quatro contra quatro na defesa celeste e obrigando um dos volantes a afundar, deixando Ganso no mano a mano com o outro volante.

Com dificuldade em reter a bola no ataque, o Cruzeiro acabava cedendo a posse e por isso o São Paulo foi a equipe com maior posse de bola no terço final do campo -- ou seja, da intermediária ofensiva para frente -- na rodada (Footstats)

Com dificuldade em reter a bola no ataque, o Cruzeiro acabava cedendo a posse e por isso o São Paulo foi a equipe com maior posse de bola no terço final do campo — ou seja, da intermediária ofensiva para frente — na rodada (Footstats)

Mesmo com dificuldades de reter a bola, o Cruzeiro conseguia se defender razoavelmente, passando a tentar explorar os contra-ataques em velocidade, talvez a única vulnerabilidade do sistema de Muricy. Porém, naquela noite os passes rápidos não estavam saindo com a mesma qualidade, e novamente a posse era perdida. Quando saiu uma jogada, foi o lance capital da partida: Éverton Ribeiro achou Goulart, que tabelou com Willian e bateu para ótima defesa de Dênis. No rebote, com o gol aberto e Dênis batido, Willian mandou na trave. O imponderável do futebol, uma espécie de Sobrenatural de Almeida às avessas entrou em campo e não queria que o Cruzeiro vencesse.

O jogo de xadrez

No início do segundo tempo o Cruzeiro foi pra cima e pressionou, sufocando o São Paulo com o time bem avançado. Foram cinco minutos em que só o Cruzeiro jogou. Mas depois disso o jogo voltou ao patamar do primeiro tempo, com cada treinador esperando o outro fazer o primeiro movimento. Como nenhum fez, os dois fizeram ao mesmo tempo: Marcelo Oliveira lançou Dagoberto, desta vez na vaga de Goulart — com isso, Ribeiro foi ser central e Dagoberto esquerda, com Willian invertendo de lado — e Muricy pôs Welliton na vaga de Aloísio, sem modificar seu sistema.

O jogo de xadrez continuou. Muricy viu que Dagoberto não voltava muito pra marcar e mandou seu ala apoiar ainda mais, dando dificuldades para Egídio. Marcelo respondeu lançando Mayke na vaga do camisa 6, invertendo Ceará de lado para reforçar a marcação. E foi justamente num lance de bote errado de Mayke em Maicon que o São Paulo abriu o placar. Note o efeito cascata nas coberturas por causa do erro: Léo, que devia estar em Welliton, saiu em Maicon. Bruno Rodrigo então saiu de Ademílson para marcar Welliton, e Ceará, por sua vez, saiu da esquerda para marcar Ademílson. A bola rodou e Douglas ficou sozinho do outro lado para finalizar.

Três minutos depois, o Cruzeiro errou mais uma vez. Méritos para Ganso, que não foi desarmado por três cruzeirenses que o cercavam na entrada da área. Na cobrança, novo erro de cobertura fez com que o rebote não fosse rebatido, e o São Paulo aumentou a vantagem. Com pouco tempo para fazer alguma coisa, Marcelo tentou Alisson na vaga de Lucas Silva, soltando de vez o Cruzeiro num 4-1-4-1/4-3-3. Muricy só fez mais uma troca, com Lucas Evangelista na vaga de Ganso, mas manteve o sistema que dava tão certo até ali e que, com o novo 4-1-4-1 celeste, ficou com a marcação ainda mais encaixada. Alisson até que se movimentou bem, causando certa confusão na marcação paulista, mas não foi suficiente para fazer Dênis trabalhar.

Acontece

Muricy mostrou porque é um grande técnico. Conseguiu descobrir um sistema que permitia maximizar as chances de parar o ataque celeste, arriscando ficar sem sobra na defesa para ter vantagem numérica no melhor setor cruzeirense, o meio ofensivo (defensivo para o São Paulo). Mesmo assim, não impediu o Cruzeiro de criar chances, que, se não foram muitas, foram perigosas. A bola de Willian na trave teria mudado o jogo completamente.

Mas não há o que lamentar. Talvez a oportunidade perdida de aumentar a vantagem de 11 para 14 pontos, já que o Grêmio conseguiu perder para o Criciúma em casa horas antes. A vantagem permaneceu a mesma, mas agora com menos jogos a serem cumpridos, o que na prática aumentou as chances celestes de título.

Na postagem passada o blog disse que o Cruzeiro poderia avançar em ritmo menor que os concorrentes que mesmo assim seria campeão. De fato, a vantagem de 11 pontos, faltando 11 partidas, nos permite fazer o seguinte raciocínio: se o Grêmio, o perseguidor mais próximo, fizer uma média de dois pontos por jogo — ou seja, um aproveitamento de 67%, que só o Cruzeiro tem no atual certame — ainda assim o Cruzeiro só precisaria fazer 1 ponto por jogo, o que daria um aproveitamento de 33%, o que seria o terceiro pior do campeonato. Mas as duas coisas me parece improváveis: nem o Grêmio dá sinais de que vai conseguir tudo isso, nem o Cruzeiro vai perder tanto gás assim até o fim do campeonato.

Assim, se não existe hora certa para perder, como disse Marcelo Oliveira na coletiva pós-jogo, não há dúvidas de que o revés, que cedo ou tarde aconteceria, veio no momento mais oportuno possível.

Seguimos olhando só para a frente.

Náutico 1 x 4 Cruzeiro – Trotando

Seis minutos do segundo tempo, escanteio para o Náutico. Ricardo Goulart é quem sobe para afastar a bola da área, que sobra no pé de Éverton Ribeiro no grande círculo. Goulart avança correndo de leve, desde a grande área defensiva vendo o lance se desenrolar. Troca de passes daqui e dali, e sem interromper o ritmo da corrida, o jogador invade a área ofensiva sem marcação, e de repente a bola chega, redondinha, até seus pés. Arremate no canto esquerdo baixo de Ricardo Berna e a corrida para o abraço.

Poucas partidas podem ser bem sintetizadas taticamente pelos lances dos gols como a que aconteceu na Arena Pernambuco no domingo — partida esta que este blogueiro teve o prazer de acompanhar in loco, pela primeira vez na torcida visitante. Acima, a descrição do segundo gol pela perspectiva de Ricardo Goulart é um bom exemplo: um Cruzeiro descansando, quase em ritmo de amistoso, mas mesmo assim conseguindo criar o suficiente para vencer de forma inapelável.

Onze inicial

Dois momentos capturados, ambos tiros de meta a serem cobrados por Fábio. Note as diferenças na marcação encaixada do Náutico nos dois momentos

Dois momentos capturados, ambos tiros de meta a serem cobrados por Fábio. Note as diferenças na marcação encaixada do Náutico nos dois momentos

O 4-2-3-1 habitual de Marcelo Oliveira teve mudanças. Para a vaga do suspenso Egídio, Mayke foi o escolhido, com Ceará indo para a lateral esquerda. E na zaga, Léo entrou no lugar de Dedé, a serviço da seleção nacional. Desta forma, o Cruzeiro se alinhou com Fábio no gol, Mayke, Léo, Bruno Rodrigo e Ceará na linha defensiva, Nilton e Lucas Silva na proteção, Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Willian na articulação e Borges na referência, como você pode ver nas fotografias ao lado, clicadas diretamente da arquibancada da Arena Pernambuco por este que vos escreve.

Já o Náutico, do até então invicto treinador Marcelo Martelotte, veio a campo num 4-3-1-2, para tentar se defender ganhando o meio-campo em número e partindo em velocidade nos contra-ataques, principalmente com Maikon Leite. A meta de Ricardo Berna foi protegida pelos zagueiros William Alves e Leandro Amaro, com João Filipe na lateral direita e Bruno Collaço na esquerda. Elicarlos — aquele mesmo — ficou plantado na frente da defesa, tendo Dadá à sua direita e Derley à sua esquerda. A criação ficou por conta de Morales, que procurava Maikon Leite mais leve pela direita e Olivera, mais centroavante, um pouco mais à esquerda.

Superioridade clara

A partida começou com domínio total de território do Cruzeiro, embora a maior posse de bola fosse um tanto preguiçosa. Os três meias não se aproximavam tanto quanto em outras jornadas, facilitando a marcação pernambucana. Na primeira vez em que Willian e Éverton Ribeiro se aproximaram e tabelaram, saiu o escanteio que originou o gol. Goulart sobe sem marcação para cabecear, num erro crasso de marcação de bola parada do time da casa. Aparentemente, ali os jogadores celestes sentiram que seria um jogo fácil, talvez inconscientemente.

Assim, após o gol, diminuiu ainda mais a velocidade, deixando o Náutico com a bola e frustrando os planos de ataque do Náutico com facilidade — principalmente com Ceará pela esquerda, iniciando o seu jogo perfeito. Sem dúvida, o veterano foi o melhor em campo defensivamente, anulando Maikon Leite no setor. Morales não via a bola e quando a tinha não criava, Olivera não era perigoso e os laterais do Náutico não apoiavam tanto, receosos de levar um contra-ataque dos rápidos meias cruzeirenses. Fábio só teve trabalho em uma cobrança de falta.

Aqui um tiro de meta defensivo, mostrando o 4-3-1-2 pernambucano. Nota-se Dadá bem aberto à direita e B. Collaço avançado para bater diretamente com Mayke

Aqui um tiro de meta defensivo, mostrando o 4-3-1-2 pernambucano. Nota-se Dadá bem aberto à direita e B. Collaço avançado para bater diretamente com Mayke

E quanto tinha a bola, porém, o Cruzeiro era marcado de duas formas diferentes pelos lados do campo. Pela direita, Dadá abria para impedir o avanço de Ceará, deixando João Filipe para marcar o ponteiro esquerdo do Cruzeiro. Do lado esquerdo, Bruno Collaço tinha liberdade para subir e bater diretamente com Mayke, e Derley fazia a cobertura do ponteiro direito celeste. Se a jogada fosse pelo meio, os volantes fechavam de novo e ajudavam Elicarlos a superlotar o setor. Só funcionou porque o Cruzeiro, como explicado, estava em ritmo de amistoso.

Mudança de planos

Com a lesão de Dadá, porém, o jogo mudou. Marcelo Martelotte ousou e mandou Peña a campo, um meia para espelhar o esquema celeste, mandando Maikon Leite para o lado esquerdo. O Náutico melhorou em três setores: o meio-campo central, que agora tinha um jogador mais criativo — Peña fazia a mesma rota de Éverton, partindo da direita para o centro; a lateral-direita, já que o corredor se abriu para o apoio do zagueiro-lateral João Filipe; e a ponta esquerda, com Maikon Leite dando muito trabalho para Mayke na marcação.

O gol de empate é a síntese: belíssimo passe de Peña entre os zagueiros celestes, achando Maikon Leite fazendo a diagonal, ganhando na velocidade de Mayke e completando de primeira.

É importante dizer, no entanto, que mesmo em ritmo claramente menor que o adversário, o Cruzeiro matou a maioria das campanhas ofensivas do Náutico e ainda conseguia com pouco esforço chegar em alguns momentos. Então, é seguro concluir que a primeira etapa foi equilibrada principalmente porque o Cruzeiro não quis acelerar muito.

Etapa final e trocas

Mas Marcelo Oliveira não queria que fosse equilibrado, e pediu mais vontade no intervalo. Dito e feito: o lance do segundo gol, narrado no primeiro parágrafo deste texto sob a perspectiva do autor do tento, novamente é uma boa síntese daquele momento do jogo e da partida como um todo. Aproximação e troca de passes entre Éverton Ribeiro e William, com intensidade suficiente para enlouquecer a defensa pernambucana, que nem viu Ricardo Goulart entrar na área praticamente andando e colocar o Cruzeiro novamente na frente. Veja o vídeo e repare na tranquilidade de Goulart: ele só aparece na imagem aos 6 segundos, à direita.

Pouco tempo depois, Willian fez fila pela esquerda e sofreu pênalti tão claro que os zagueiros nem reclamaram. Éverton Ribeiro quase perdeu mas converteu, praticamente definindo o jogo ali mesmo aos 13 da etapa final. Logo após o gol, Martelotte tirou Morales e mandou Hugo a campo como ponteiro esquerdo, centralizando Peña na criação e invertendo Maikon Leite novamente de lado. Marcelo Oliveira respondeu com Dagoberto e Tinga nas vagas de Borges e Éverton Ribeiro, com Ricardo Goulart indo fazer a função de centroavante, e Tinga flutuando entre as duas grandes áreas. Dagoberto foi para a direita.

Ao 32, quase 50 segundos de posse de bola e dezoito toques na bola até a conclusão de Mayke no canto direito que mandou a torcida pernambucana embora do estádio. Nós, torcedores celestes, agora éramos oficialmente donos daquele campo. Alisson ainda entrou no lugar de Willian, e Maikon Leite jogaria por dez minutos na função de centroavante com a entrada de Marcos Vinícius na vaga de Olivera, mas nada mais aconteceu de relevante.

Sínteses e analogias

Como dito, os gols resumem bem o que foi a partida. O primeiro estabeleceu a diferença entre as equipes, já que foi um erro infantil de marcação da defesa do Náutico; o gol de empate mostrou como o time da casa levava vantagem em alguns setores, muito devido ao baixo ritmo do Cruzeiro naquele momento; o segundo gol foi uma demonstração de que bastava o Cruzeiro acelerar um pouco mais que criava com facilidade, em clara superioridade tática; o terceiro a prova da superioridade técnica, com dribles sucessivos de Willian até o pênalti; e o quarto gol foi a confirmação do que o primeiro estabeleceu, já que o Náutico sequer encostou na bola durante vários segundos até a conclusão final.

Convido o leitor, porém, a reler o primeiro parágrafo deste texto, mas agora fazendo uma analogia diferente: o trote de Goulart de uma área até a outra, sem ter a companhia de nenhum adversário até a linha fatal, pode ser uma representação do trajeto do próprio Cruzeiro no certame a partir daqui. A vantagem de onze pontos é muito significativa, e faz com que os adversários tenham que galopar muito intensamente durante todo o resto do campeonato, e ainda contando com tragédias do Cruzeiro ao longo do caminho.

Ao Cruzeiro, porém, basta um leve trote — como o de Goulart.

Exaltando a escola cruzeirense de futebol

Depois de um jogo em que poderia ter vencido não fosse o goleiro adversário ter gasto suas últimas fichas para fechar a meta, o Cruzeiro não deu chances ao azar e venceu outros dois adversários. Internacional e Portuguesa usaram estratégias e estilos de jogo diferentes para tentar surpreender Marcelo Oliveira, mas o estilo leve e rápido do ataque cruzeirense sobressaiu sobre ambas as equipes.

Como não sou pago para escrever e não posso tirar meu sustento do blog, não posso me dedicar a ele como gostaria. Por isso não foi possível postar uma análise separada para os dois jogos. Assim, o blogueiro vai tentar ser menos prolixo e condensar as duas partidas em apenas uma postagem.

Internacional 1 x 2 Cruzeiro

O 4-2-3-1 do Internacional tentou explorar a velocidade com um quarteto leve, principalmente com Otávio às costas de Egídio; já o Cruzeiro sentiu um pouco a falta de Goulart e não teve tanta presença no meio-campo central

O 4-2-3-1 do Internacional tentou explorar a velocidade com um quarteto leve, principalmente com Otávio às costas de Egídio; já o Cruzeiro sentiu um pouco a falta de Goulart e não teve tanta presença no meio-campo central

Para o jogo contra o Internacional, Ricardo Goulart e Lucas Silva estavam suspensos, e por isso Marcelo optou por lançar Henrique de volante mais solto e Dagoberto de ponteiro direito no 4-2-3-1 habitual. Com isso, Éverton Ribeiro foi deslocado para a posição de central — mas essa é só uma referência inicial neste Cruzeiro de 2013, onde os três meias circulam por todos os setores. Porém, mais do que o ponto de partida de Ribeiro, o estilo do quarteto ofensivo também mudou. Com Goulart, o time tem mais presença próximo ao círculo central e por isso as jogadas saem de trás com mais fluência. Já Dagoberto tem tendência de ser mais agudo, como Willian do outro lado. Com isso o Cruzeiro fica mais vertical e incisivo, mas perde em volume no meio-campo.

A jogada do primeiro gol merece destaque. Nas partidas contra o Atlético/PR e Botafogo, Nilton “inverteu” de papéis com Dedé — ou seja, o volante fechava na segunda trave enquanto Dedé puxava a marcação. Normalmente é o volante que segura os marcadores do zagueiro, numa jogada inspirada no pick-and-roll do basquete. Porém, depois de dar certo duas vezes, a dupla voltou ao modo “normal”, e o cruzamento de Egídio na primeira trave achou a cabeça de Nilton.

No lance seguinte o Inter empataria, tirando a vantagem psicológica que o Cruzeiro acabara de construir. Com a igualdade de volta ao placar, o estado inicial do jogo foi recolocado. Sem D’Alessandro, Dunga — agora ex-técnico do Inter — armou um 4-2-3-1 com Jorge Henrique pela esquerda, Otávio na direita e Alan Patrick de central, com Caio na frente — quatro jogadores leves, tentando surpreender a defesa celeste na base da velocidade. Otávio foi quem melhor aproveitou a estratégia, aproveitando espaços às costas de Egídio. Foi dele o gol de empate, recuando para sair da marcação do lateral esquerdo e ainda contando com um desvio no meio do caminho, mas não parou por aí. O Inter arrematou 7 vezes no primeiro tempo, com um gol e duas defesas de Fábio, bem acima do que o Cruzeiro permite a seus adversários.

Com as trocas, o Intermacional tentou pressionar com Damião e Alex, mas o Cruzeiro mudou o sistema e se defendeu com Tinga entre os volantes, controlando o jogo sem sustos até o fim

Com as trocas, o Intermacional tentou pressionar com Damião e Alex, mas o Cruzeiro mudou o sistema e se defendeu com Tinga entre os volantes, controlando o jogo sem sustos até o fim

Ofensivamente, Goulart fez falta. Ribeiro foi muito bem marcado por Willians, mais plantado para liberar Josimar, e Dagoberto ficou escondido do lado do campo. Só Willian tentava algo. Depois do gol, o Cruzeiro finalizou mais 3 vezes até os 15 minutos, e não mais até o intervalo. Marcelo percebeu o problema defensivo e tirou Egídio, amarelado, lançando Mayke e deslocando Ceará para a direita. A substituição funcionou e a defesa celeste equilibrou o jogo, que ficou mais lento e truncado. Quando o Cruzeiro acelerou pela primeira vez na segunda etapa, conseguiu o gol da vitória em jogada de Dagoberto, disputando bola aérea e acionando Willian no bico esquerdo da área. O bigodinho cortou pra dentro e colocou a bola quase com a mão no canto de Muriel, sem chance para o goleiro. Golaço.

Desta vez o Internacional não conseguiu empatar logo em seguida e o lado psicológico falou mais alto. Dunga tentou soltar o time, lançando Damião na vaga de Josimar e recuando Jorge Henrique para a volância, na tentativa de qualificar a saída e ter presença de área — Caio foi ser o ponteiro esquerdo. Depois trocou de central, Alan Patrick por Alex. Marcelo respondeu com Alisson na vaga do cansado Dagoberto para fazer as funções defensivas de ponteiro e depois Tinga no lugar de Éverton Ribeiro — uma espécie de 4-3-2-1 com dois jogadores abertos, quase um 4-5-1 com meio em linha. Assim o Cruzeiro controlou o jogo até o fim e garantiu mais três pontos.

Cruzeiro 4 x 0 Portuguesa

O 4-1-4-1 da Portuguesa até tentou explorar o lado esquerdo da defesa celeste com Luís Ricardo e Corrêa, mas Ferdinando e os laterais não conseguiram conter a intensidade do quarteto ofensivo celeste

O 4-1-4-1 da Portuguesa até tentou explorar o lado esquerdo da defesa celeste com Luís Ricardo e Corrêa, mas Ferdinando e os laterais não conseguiram conter a intensidade do quarteto ofensivo celeste

Já no jogo seguinte, o adversário tentou usar o mesmo espaço de campo, mas usou de outra estratégia. A ideia de Guto Ferreira era encaixar a marcação no meio-campo e soltar a bola rapidamente para Luís Ricardo — lateral de origem improvisado como ponteiro direito num 4-1-4-1 com Ferdinando entre as linhas e dois volantes — Bruno Henrique e Moisés — como meias centrais. Souza abriu na esquerda e Gilberto ficava centralizado. Corrêa, volante de ofício, foi quem deu o suporte defensivo a Luís Ricardo, jogando como lateral direito.

A tentativa era boa, pois é sabido que a marcação de Egídio é o ponto menos forte do time celeste. A primeira chance da partida foi exatamente com Luís Ricardo, mas não deu tempo de haver mais chances, porque a goleada foi construída em apenas 30 minutos. Nos outros 60 o Cruzeiro nitidamente se poupou e a Portuguesa recuou para não negativar o saldo de gols construído na partida anterior contra o Corinthians.

Os gols não foram parecidos na construção, mas tiveram sempre o mesmo elemento: Borges. No primeiro, a disputa aérea de Willian com Corrêa foi suficiente para fazer o volante-lateral errar e mandar a bola pra trás, que Borges aproveitou e mandou na trave. No rebote, Éverton Ribeiro, que acompanhou todo o lance, mandou para as redes sem marcação. Detalhe: quando a bola cruza a linha, Willian já estava dentro da área.

Depois, uma troca de passes pela esquerda e Goulart arrisca uma bomba que explode no travessão. No rebote, Borges está sozinho à frente de Lauro para aumentar. Já no terceiro, Borges, o camisa 9, homem de área, está à direita para receber o passe de Éverton Ribeiro e cruzar rasteiro para Willian ampliar. E no quarto, Borges é lançado após erro de saída da Portuguesa — na verdade forçado pela pressão alta dos atacantes celestes — e serve Ribeiro dentro da área sem olhar, saindo da área depois disso. Ribeiro perde o ângulo e acha Goulart, que finaliza em cima da zaga, e após disputa de Willian com o zagueiro, a bola sobra caprichosamente nos pés de Borges, que voltou lentamente para dentro da área. Fim de papo ainda com quinze minutos por jogar na primeira etapa.

Tudo por causa da estratégia de Marcelo nos jogos em casa: intensidade no início da partida para resolver logo a parada e chamar a torcida para junto do time. Com apenas dois pontos perdidos no Mineirão comprovam que a postura tem dado muito certo. Borges, que no fim do jogo contra o Inter saiu extenuado de campo, dizendo que todos estavam no limite, foi quem mais se aplicou enquanto houve jogo e por isso foi o nome da partida, com dois gols, duas traves e uma assistência.

Na etapa final, Marcelo Oliveira tentou reacender o jogo trocando todo o ataque; já Guto Ferreira repaginou o lado direito com Wanderson para poder deslocar Corrêa de volta para a proteção e melhorar a marcação no setor

Na etapa final, Marcelo Oliveira tentou reacender o jogo trocando todo o ataque; já Guto Ferreira repaginou o lado direito com Wanderson para poder deslocar Corrêa de volta para a proteção e melhorar a marcação no setor

Porém, depois dos gols, o jogo morreu. Difícil motivar um time no intervalo com tamanha vantagem, mas Marcelo Oliveira disse na coletiva pós-jogo que criou o desafio para o time de não sofrer gols, mesmo se poupando. A Portuguesa mudou para não sofrer mais gols, com o meia Wanderson de ponteiro direito na vaga de Ferdinando, que sofreu com os três mais celestes no primeiro tempo. Com isso, Corrêa e Luís Ricardo voltaram para suas posições “de origem” — volante e lateral direito, respectivamente, reforçando a marcação no meio e na direita.

Já o Cruzeiro claramente descansava com a bola nos pés, preservando a parte física para enfrentar a última maratona de jogos até o fim de outubro (em novembro os jogos serão apenas aos domingos, com exceção de uma rodada). Borges saiu ovacionado para dar lugar a Dagoberto, mandando Goulart temporariamente à frente. Era uma tentativa de Marcelo Oliveira de reacender o jogo, sem muito sucesso. Na Portuguesa, Cañete entrou na vaga de um inoperante Souza, mantendo a função de ponteiro esquerdo, e depois Gilberto cedeu seu lugar a Bérgson, mais móvel. Mas não houve sucesso em incomodar a defesa do Cruzeiro, que ainda teve Vinícius Araújo e Lucca nos lugares de Willian e Éverton Ribeiro, em novas tentativas de continuar com a intensidade, mas os jogadores preferiram descansar e repelir as poucas ações do time visitante.

Contra tudo e contra todos

Talvez eu não tenha conseguido resumir tanto quanto gostaria. Mas a ideia é que o Cruzeiro consegue jogar sempre da mesma forma, contra qualquer adversário, estilo ou estratégia adotada, seja onde for.

O Cruzeiro enfrentou dois adversários em momentos diferentes — a Portuguesa em recuperação e o Internacional em queda — com estratégias diferentes, mas tendo o mesmo resultado: o revés. O estilo cruzeirense — intensidade em todos os setores, solidez e estrutura defensiva, e velocidade, leveza e maleabilidade no ataque — se impõe sobre os planos táticos dos adversários, que já não sabem muito o que fazer para parar o time celeste. Um time que respeita o estilo histórico de jogar futebol do Cruzeiro: ofensivo e envolvente.

Esta equipe já foi testada de todas as formas, seja saindo atrás do placar e sendo paciente para buscar a virada; seja resolvendo o jogo em trinta minutos e garantindo os três pontos, e saiu vitoriosa na grande maioria das vezes. Ainda falta muito, mas a consistência tática é que permite aos estatísticos afirmar que o Cruzeiro tem mais de 90% de chances de levantar a taça no fim do ano.

Porém, se continuar neste ritmo, talvez até mesmo antes do fim do ano.

Corinthians 0 x 0 Cruzeiro – Igualdade desigual

Num duelo de dois treinadores com boa leitura de jogo, nenhum deles levou a melhor. Marcelo venceu o primeiro tempo, mas Cássio impediu que o Cruzeiro abrisse vantagem. Na etapa final, Tite ajustou peças e Marcelo foi obrigado a trocar uma das suas, mas enviando o jogador “errado”, passando por 15 minutos que quase colocaram a invencibilidade a perder até “consertar” e reequilibrar a partida.

No fim da contas, o empate foi um resultado que ilustrou bem a partida, mas o Cruzeiro esteve bem mais perto da vitória.

Sistemas de jogo

Ambos os times no 4-2-3-1, mas no Cruzeiro os três meias estreitavam fazendo maior número no meio-campo central e complicavam a rigidez defensiva do Corinthians

Ambos os times no 4-2-3-1, mas no Cruzeiro os três meias estreitavam fazendo maior número no meio-campo central e complicavam a rigidez defensiva do Corinthians

O Cruzeiro entrou no habitual 4-2-3-1 de Marcelo Oliveira em sua rotação “titular”. Do gol, Fábio viu Dedé e Bruno Rodrigo fazendo a dupla de área, com Ceará no flanco direito e Egídio pela esquerda. A proteção ficou por conta de Nilton e Lucas Silva, este último ligeiramente mais solto e próximo do setor mais fluido da equipe, o trio de meias. Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Willian partem da direita, centro e esquerda respectivamente, mas promovem muitas trocas entre si e tendo ainda a ajuda do centroavante Borges neste carrossel.

Tite “enganou” a imprensa inteira, que, pela suspensão de Guerrero e com Alexandre Pato fora do time titular, dizia que seria um Corinthians sem centroavante. É a velha mania da mídia de olhar apenas a posição de origem do jogador e dar a informação sem olhar sua função em campo. Acabou sendo o mesmo 4-2-3-1 que o Corinthians usou durante toda a era Tite, com Cássio no gol, Edenílson na lateral direita, Gil e Paulo André no miolo e Igor na esquerda. Ralf foi o primeiro volante, com Maldonado a seu lado e atrás de Danilo à direita, Douglas pelo centro e Emerson à esquerda, deixando Romarinho para brigar com os zagueiros.

Defendendo

Saída de bola do Corinthians. Dois passes para trás e Paulo André já faz o chutão para se livrar da pressão de Borges (assista o início deste vídeo para ver). É a característica deste Cruzeiro 2013: marcação pressão no alto do campo no início das partidas, recuperando a posse no campo adversário ou forçando o erro — algo que era característico do Corinthians de Tite no ano passado. A forte marcação imposta mal deixava Fábio aparecer na transmissão, pois o Corinthians sequer conseguia chegar perto da área celeste.

Além disso, posicionar Romarinho entre os zagueiros cruzeirenses não foi a melhor opção, já que o corintiano desapareceu nos quinze primeiros minutos. Logo Tite “corrigiu” isso invertendo o jovem com Emerson, que estava travando — e perdendo — um duelo intenso com Ceará na esquerda. O time da casa passou a ter uma presença melhor na faixa central, principalmente quando Douglas e Emerson trocavam passes, mas a zaga cruzeirense levou a melhor sempre.

Atacando

Um belo exemplo do quarteto ofensivo cruzeirense elouquecendo a retaguarda corintiana (veja o vídeo no link do texto)

Um belo exemplo do quarteto ofensivo cruzeirense elouquecendo a retaguarda corintiana (veja o vídeo no link do texto)

Quando roubava a bola, o Cruzeiro promovia a tradicional aproximação dos três meias — Ribeiro, Goulart e Willian se procuram em campo, gerando jogadas como esta. Essa aproximação, uma coisa que Michael Cox, do excelente Zonal Marking, chama de narrowness“estreiteza”, numa tradução livre — tem duas consequências. Uma é povoar o meio-campo central, causando superioridade numérica no setor e levando a uma tendência de ganhar a batalha pela posse de bola. Outra é abrir os corredores para o apoio dos laterais, que vem sendo uma das principais armas ofensivas do Cruzeiro nesta temporada (leia o artigo sobre a vitória do City sobre o United escrito por Michael onde ele fala exatamente dessas duas coisas).

Aqui vemos os três meias novamente bem centralizados, indefinindo a marcação do lado direito e fazendo o lateral esquerdo corintiano ficar totalmente fora da jogada

Aqui vemos os três meias novamente bem centralizados, indefinindo a marcação do lado direito e fazendo o lateral esquerdo corintiano ficar totalmente fora da jogada

Só o primeiro fator, porém, foi efetivamente usado a favor. Pois o Corinthians se defendia com uma rigidez defensiva não muito vista no Brasil. A equipe de Tite talvez seja a única no país que exerce um tipo de marcação diferente, com uma estrutura sólida, sem que as linhas se quebrassem, quase uma marcação por zona que é muito comum no futebol inglês. Os laterais não saíam para acompanhar os ponteiros quando eles centralizavam, e isso causou problemas para a retaguarda paulista, como no lance já citado e numa metida de bola de Goulart para Willian, que concluiu tão mal que a bola saiu pela lateral. Raridade.

Os laterais não subiram tanto porque Ceará tinha uma preocupação muito mais defensiva, enquanto Egídio não conseguia avançar com frequência devido à presença de Danilo no seu setor. O camisa 6 só subia na boa, e assim mesmo conseguiu criar duas boas chances, um cruzamento que Willian completou para um milagre de Cássio, e em um lançamento primoroso de Lucas Silva numa inversão de jogada que pegou o lateral sozinho dentro da área. Ele só teve uma opção, que era bater para o gol, e assim o fez, mas Cássio novamente desviou. Em ambos os lances, podemos ver Danilo voltando para marcar Egídio.

Saída de Borges

A primeira etapa terminou com 6 finalizações celestes (metade delas no alvo) e contra 3 paulistas (todas erradas), de acordo com o WhoScored.com. Infelizmente não foi possível converter ao menos uma delas em gol, muito graças à excelente tarde de Cássio. Depois do intervalo, Júlio Baptista entrou no jogo na vaga de Borges, empurrando Goulart para o fronte — uma substituição que já critiquei aqui no Constelações. Borges, apesar de ter feito um primeiro tempo apenas razoável do ponto de vista técnico, é uma peça fundamental no sistema de Marcelo Oliveira, pois seu bom posicionamento de área causa preocupação para os zagueiros adversários e acaba abrindo espaços para os três meias jogarem seu melhor futebol.

Já Goulart não tem essa característica, e fica apenas ocupando um dos zagueiros, jogando de costas para o gol. E ainda por cima, a presença de Júlio no meio-campo central, mesmo melhorando a presença física e ganhando experiência no setor, faz o time perder um pouco a mobilidade e a velocidade, a principal característica de ataque do Cruzeiro. O resultado foi que o time passou a perder o meio-campo e o Corinthians cresceu.

Cópia, mas nem tanto

Mas o time da casa não melhorou apenas por causa da troca. Tite provavelmente viu que estava perdendo o meio-campo porque tinha menos jogadores no setor, e acabou por “copiar” o modelo cruzeirense, fazendo os ponteiros Danilo e Romarinho se aproximarem de Douglas. Assim, não só o Cruzeiro parou de ganhar a batalha da posse quando atacava como também quando defendia, já que Egídio e Ceará preferiam esperar a subida dos laterais para fazerem o combate.

O gráfico de posicionamento médio mostra o constraste dos quartetos ofensivos: a rigidez corintiana (em azul) e a fluidez celeste (em laranja); no segundo tempo, os ponteiros do Corinthians se aproximaram mais do centro

O gráfico de posicionamento médio mostra o constraste dos quartetos ofensivos: a rigidez corintiana (em azul) e a fluidez celeste (em laranja); no segundo tempo, os ponteiros do Corinthians se aproximaram mais do centro

Quinze minutos se passaram, com o Corinthians chutando a gol com uma frequência assustadora, até que Marcelo “corrigiu” o erro, tirando Goulart e colocando Anselmo Ramon, centroavante de ofício. Anselmo praticamente não participou do jogo — a não ser nos acréscimos, com um passe que deixou Júlio Baptista cara a cara com Cássio e que acabou por consagrar a tarde do goleiro corintiano — mas sua presença de área ocupou os zagueiros e o Cruzeiro reequilibrou o jogo.

Na linha do tempo do site WhoScored.com, vemos claramente o período perigoso do jogo: exatamente entre a primeira e a segunda substituições

Na linha do tempo do site WhoScored.com, vemos claramente o período perigoso do jogo: exatamente entre a primeira e a segunda substituições

Pato e Dagoberto

Após quinze minutos sem chutes a gol, Tite fez sua única troca na partida inteira. Tirou Emerson da referência e lançou Alexandre Pato, provavelmente para ter um ganho técnico no ataque. Porém, logo em seu primeiro lance o atacante pisou na bola — um lance que ilustra bem a má fase do jogador. Já Marcelo fez seu último movimento com Dagoberto na vaga de Willian — uma ousadia, já que o camisa 11 não marca tanto quanto o 41. Uma prova de que ele não tem o famoso “medo de perder que tira a vontade de ganhar”.

Mas o jogo não se desequilibrou novamente, e o zero a zero só persistiu porque Júlio Baptista perdeu a bola do jogo no fim, numa típica jogada “fominha”, já que Dagoberto entrava livre pela área de frente para o gol e já sem Cássio à sua frente. O goleiro corintiano “adivinhou” o canto e garantiu a igualdade.

Um tropeço menor que o dos outros

Com sempre digo, não acredito em resultados injustos, pois o zero só não saiu do placar porque o Cruzeiro não teve a eficiência costumeira nas conclusões (foi o menor número de arremates do Cruzeiro no certame até aqui) e Cássio esteve em uma tarde inspirada. Portanto, o zero a zero é justo. Mas o primeiro tempo celeste foi digno de um time líder, se impondo tanto no ataque como na defesa, e por isso merecia ter marcado mais de uma vez.

Por sorte, mas também por competência de Fábio e cia., o Cruzeiro não sofreu o gol nos 15 minutos iniciais da segunda etapa, no período “sem centroavante”. Infelizmente, Borges sentiu dores e teve que sair, mas não entendi porque Marcelo não levou Vinícius Araújo ou já promoveu a entrada de Anselmo logo de cara. A experiência com Goulart na frente já não havia dado certo antes, e não entendo porque insistir nisto. Mesmo o líder tem mistérios.

A sequência de vitórias foi interrompida, mas os deuses do futebol nos sorriu e nos deu a derrota em casa do perseguidor mais próximo, aumentando a vantagem na ponta. Passando sem derrota no próximo fim de semana, contra um Internacional desfalcado de seu principal jogador e cansado pelo jogo da Copa do Brasil no meio de semana, acredito que as chances de campeonar chegam perto de 100%.

Com todo esse cenário, como torcedor, é preciso muita força de vontade para não cravar o título…