Cruzeiro 2 x 0 América/TO – Sob a batuta de Roger

Com Roger ditando o ritmo, o Cruzeiro só precisou de um tempo para definir a vitória contra o América-TO ontem na Arena do Jacaré, com mais 2 de WP. E ao reagir com substituições corretas às mexidas do adversário, Vágner Mancini facilitou a vitória de seus comandados, em um claro exemplo de como mexer na característica do time sem necessariamente mexer na formação.

O costumeiro losango celeste do primeiro tempo, com Roger invertendo com Leandro Guerreiro

O Cruzeiro jogou todo o jogo no 4-3-1-2 usual, com Roger dando qualidade à saída de bola, trocando frequentemente de posição com Leandro Guerreiro. Já o América-TO veio para o jogo num surpreendente 3-4-2-1, com Geraldo na referência, Diego Faria um pouco mais à frente do que Luciano Mourão na ligação. Talvez uma tentativa do técnico Gilmar Estevam de emperrar a criação celeste lotando o meio-campo com seis homens.

Não deu muito certo, no entanto. Como tem feito nos últimos jogos, Roger era frequentemente visto logo à frente dos zagueiros para receber a primeira bola e fazer o time sair,  jogando em uma função cujo nome em inglês é deep-lying playmaker (“articulador recuado”, numa tradução livre), algo como um “falso 10”, que é cada vez mais comum no futebol. E o meia tinha muita liberdade, pois somente Geraldo marcava mais à frente. Os outros nove jogadores de linha do América ficavam atrás da bola, e com isso havia muito tempo para estudar o jogo e encaixar o melhor passe.

Além disso, com três zagueiros, os laterais do time de Teófilo Otoni se posicionavam na penúltima linha. Isso criava espaços às suas costas, que não eram cobertos pelo trio defensivo, mais centralizado. As enfiadas de Roger em diagonal acabaram se tornando comuns, ilustradas pelo primeiro lance do jogo: um gol anulado de Montillo em uma jogada pela esquerda de Marcelo Oliveira, recebendo passe de Roger exatamente naquele setor. Diego Renan também usou este espaço quando lançou Anselmo Ramon, que protegeu e devolveu para o lateral dentro da área. O pênalti inexistente resultou no primeiro gol.

Com os laterais na penúltima linha e os três zagueiros muito centralizados, Roger explorava os espaços deixados dos lados do campo

Montillo ainda recebia marcação especial de Elber, que o seguia para todos os lados do campo. Com muita inteligência tática, o argentino arrastava o volante para os lados do campo, abrindo espaços para seus companheiros. Leandro Guerreiro, em uma das inversões com Roger, aproveitou este espaço e recebeu um excelente passe no meio, avançando sem ser incomodado. Ele conectou Anselmo Ramon que, fazendo muito bem o trabalho de pivô (mais uma vez, diga-se), serviu WP, que emendou de primeira no canto direito de Fábio Noronha.

Do outro lado, o Cruzeiro só era realmente incomodado em contra-ataques. O time mandante dava espaços, devido principalmente à intensa participação de seus volantes na criação, inclusive gerando um contra-ataque três contra três que, felizmente, foi desperdiçado pelo América. O posicionamento muito recuado do meio-campo visitante, entretanto, fazia com que as ações ofensivas fossem mais tímidas. Além disso, Geraldo é muito mais um homem de área do que atacante de movimentação, não sendo o homem ideal para puxar contra-ataques. A vitória azul no primeiro tempo foi justa.

Após as alterações, Cruzeiro no 4-3-1-2 quase 4-3-3 com o ataque super fluido sem centroavante fixo, e LG revezando com MO nas subidas pelo lado esquerdo

No intervalo, Gilmar Estevam colocou o lateral direito Rafinha no lugar do zagueiro Danilo, repaginando sua equipe numa árvore de natal, ou 4-3-2-1. Com mais largura na última linha, o problema dos espaços nas pontas do campo foi resolvido. Mancini tentou explorar o espaço aberto no meio-campo, ocasionado pela redução de jogadores adversários no setor (de 6 para 5), adiantando Roger para se tornar um articulador mais clássico, com Montillo praticamente de atacante, quase num 4-3-3. Mas como é um jogador que se movimenta pouco, Roger não foi tão eficiente na criação com a marcação direta que recebia, mesmo tendo criado alguns lances. Além disso, voltava lentamente para ajudar na parte defensiva, proporcionando mais posse do América.

Assim, o técnico visitante arriscou um 4-2-2-2, colocando o atacante Karreta no lugar do volante Felipe Dias, na tentativa de transformar a maior posse em gols. Mancini respondeu com a entrada de Rudnei no lugar de Roger. O esquema permaneceu sendo 4-3-1-2, mas com Rudnei muito mais móvel que Roger, aparecendo pra jogar e voltando pra marcar pela direita. MO e LG se revezavam: um protegia a zaga, o outro subia para o ataque pelo outro lado. Montillo, agora liberado atribuições defensivas, se adiantou de vez, e o Cruzeiro voltou a ter muito mais posse de bola.

Interssante notar como as batalhas individuais se davam neste momento. Nas duas pontas viam-se batalhas de dois zagueiros contra dois atacantes. Os homens da sobra de ambas as equipes agora se encontravam no meio-campo: três volantes do Cruzeiro contra dois meias do América, e dois volantes do América contra Montillo. A diferença é que os cruzeirenses se preocupavam mais em ajudar o ataque, enquanto os americanos tinha como prioridade vigiar Montillo.

As entradas de Wallyson e Walter nos lugares de WP e AR deram mais fluidez e movimentação, com um ataque sem centroavante fixo, mas tiraram um pouco o poder de conclusão. Gilmar Estevam tentou fazer o mesmo, colocando o rápido Celinho no lugar de Geraldo, mas sem sucesso. O Cruzeiro continuou com mais posse e criou várias chances, mas não conseguiu ampliar, pois o time visitante, mesmo com os dois atacantes, recuou para evitar uma goleada. Mas não precisou, pois o Cruzeiro claramente já se poupava e cozinhou o jogo até o fim, mesmo com a expulsão de Karreta, quando o América se repaginou no clássico 4-4-1.

No jogo de xadrez dos dois treinadores, Mancini venceu, tomando as contra-medidas certas para manter o controle do jogo. WP vem se destacando pelas conclusões certeiras e Roger pela qualidade na saída. Mas é importante lembrar que o Cruzeiro ainda não foi realmente testado na temporada. Contra uma equipe mais técnica e experiente, o meia muito provavelmente não terá tanta liberdade. O ataque mais móvel, com Walter e Wallyson, provavelmente será a melhor opção contra estes times, pois elas saem mais para o jogo e não ficam tão entrincheiradas.

O próximo jogo será interessante do ponto de vista tático, pois Marcelo Oliveira, Diego Renan e Wellington Paulista estão suspensos pelo terceiro cartão. Vamos ver como Vágner Mancini reagirá aos primeiros desfalques forçados da temporada.

Democrata/MG 0 x 2 Cruzeiro – Cuidado com os buracos

Com dois de Montillo (que poderiam muito bem ser creditados a Anselmo Ramon), o Cruzeiro venceu a terceira seguida, mas por sorte não caiu num enorme buraco criado pelo seu próprio treinador.

Formação inicial: 4-3-1-2 losango com muito espaço entre o trio de volantes e o trio ofensivo

Com Rudnei no lugar de Roger, poupado, o Cruzeiro continuou no seu costumeiro 4-3-1-2 losango, mas sem a criatividade de Roger na saída de bola e com mais poder de marcação proporcionado por Rudnei. José Maria Pena escalou o time da casa num 4-2-2-2, mas com o meio-campo todo formado por volantes, e com Adriano um pouco mais recuado que Léo Andrade na frente.

Com três volantes “de raiz”, o Cruzeiro novamente teve problemas de criatividade no primeiro tempo. Leandro Guerreiro, Marcelo Oliveira e Rudnei não são jogadores criativos, e Montillo joga sempre muito avançado, mais próximo do gol. Além disso, o Democrata se alinhava em duas linhas de quatro quando perdia a posse, com os dois “meias” ofensivos recompondo pelos flancos. Com isso, os laterais do Cruzeiro não avançavam muito, sob o risco de deixar um buraco nos flancos defensivos e tomar bolas nas costas em contra-ataque. O Cruzeiro só conseguia sair com a bola pelos lados, quando Montillo ou Wellington Paulista caíam pelo setor e se apresentavam para o primeiro passe, mas a essa altura já estavam muito longe do gol.

Defensivamente, o Cruzeiro se portou bem, pressionando a bola assim que perdia a posse, diminuindo ainda mais a qualidade do passe dos meio-campistas do Democrata, que eram volantes por natureza. A rigor, a única chance criada pelos valadarenses foi num erro de arbitragem, quando a defesa do Cruzeiro fez a linha de impedimento e o auxiliar nada marcou, fazendo com que Fábio tivesse que mostrar porque é um dos ídolos da torcida. De resto, alguns lampejos de Léo Andrade, que tentou se movimentar mais, na tentativa de puxar a marcação de um defensor para fora de sua zona, gerando um efeito cascata. Note como, aos 01:14 deste vídeo, como o zagueiro Leo está fora da área, à caça do atacante democratense, abrindo um buraco na defesa celeste. Diego Renan teve que sair pra fazer a cobertura, deixando dois jogadores sozinhos do lado direito do ataque. A sorte foi que Flávio Lopes, vendo-se sozinho, tentou chutar ao invés de passar para seus companheiros.

Tudo isso, aliado à péssima qualidade do gramado e ao forte calor que fazia em Valadares, contribuíram para um primeiro tempo, ironicamente, morno, de baixa qualidade técnica. O Cruzeiro teve mais posse de bola, mesmo tendo menos homens no meio-campo do que o time mandante (3 contra 4, já que Montillo era praticamente um atacante). Rudnei, mas enérgico que Roger, não conseguiu suprir a ausência deste criativamente, e mais uma vez a ligação entre o trio ofensivo e o trio de volantes foi fraca, com um buraco entre as linhas.

A saída de Rudnei abriu um buraco na meia direita celeste, recomposto mais tarde por Roger

No intervalo, Mancini substituiu Rudnei pelo atacante Walter. Com mais homens à frente, o treinador tentou fazer o time da casa se preocupar mais em defender e dar mais espaço no meio-campo para os volantes jogarem. Efetivamente, o que aconteceu foi que WP recuou ainda mais para se tornar um meia-armador de fato, Montillo continuou na sua posição normal e um buraco se abriu no meio-campo defensivo, onde antes estava Rudnei, já que os volantes não se reposicionaram no novo 4-2-2-2 “torto”. A assistência primorosa de calcanhar de Anselmo Ramon para Montillo marcar seu primeiro gol na temporada e se tornar o maior artilheiro estrangeiro do Cruzeiro (com o perdão das rimas) escondeu um pouco o alto risco da substituição escolhida pelo treinador cruzeirense.

Em desvantagem no placar, o Democrata tratou de tentar atacar o Cruzeiro, e aproveitaram o tal buraco. Se os visitantes tinham um homem a menos no meio-campo no primeiro tempo, com dois a menos ficou impossível ganhar a batalha pela posse. Com a tentativa de pressão, os dois volantes cruzeirenses recuaram ainda demais, e os mandantes ganhavam praticamente todas as bolas rebatidas pela zaga azul. No entanto, o Democrata não conseguiu criar muitas chances, seja pela baixa qualidade criativa de seus volantes, seja pelo ótimo desempenho dos defensores cruzeirenses, particularmante Victorino e Diego Renan. A pressão só foi terminar quando Mancini corrigiu seu próprio “erro” e colocou Roger no lugar de Wellington Paulista, voltando o time ao 4-3-1-2 losango. Roger, novamente, entrou na função de box-to-box, indo de uma área à outra, para fazer o time ter saída de bola e se apresentar a todo momento para receber o passe. Quando recebia, cadenciava o jogo e fazia a bola rodar, invertendo o jogo quando necessário.

Com a pressão “aliviada”, o Cruzeiro conseguiu sair um pouco mais, e gradativamente foi empurrando o time da casa para trás. Para tentar evitar a derrota em sua estréia pelo time, José Maria Pena arriscou e tentou colocar Anderson, um meia de fato, no lugar do volante Elton, para melhorar a ligação ao lado de Bob. O risco era estreitar o meio-campo, agora um quadrado de fato, e “chamar” os laterais cruzeirenses para o apoio. E o castigo veio no minuto seguinte: Diego Renan conseguiu avançar e combinou com Anselmo Ramon, que, novamente fazendo bem uma das funções do homem de referência, que é o pivô, devolveu de calcanhar para o lateral chutar forte em cima do goleiro reserva Jonathan. Montillo, desmarcado, aproveitou o rebote e cavalgou mais uma vez pelo Mamudão, definindo o jogo.

Com a expulsão de Bob, o Democrata se reorganizou num ousado 4-3-2 (ou 4-2-1-2), mas com Adriano voltando para ajudar na marcação, efetivamente um 4-4-1. O time ainda tentou se arriscar, mas o Cruzeiro tinha uma defesa recomposta com a entrada de Roger e parecia satisfeito com o resultado, se postando atrás e dificultando muito a vida dos mandantes. Wallyson ainda entrou no lugar de Anselmo Ramon, fazendo o ataque WWW (Walter Montillo, Walter e Wallyson, que é a aposta de muita gente para o decorrer do ano), mas o time manteve o desenho tático.

Fim de jogo, terceira vitória seguida e mais tranquilidade para Mancini continuar tentando dar uma cara para o Cruzeiro este ano. Destaques para as atuações de Anselmo Ramon (que vem demonstrando ser muito mais um camisa 9 do que WP) e Diego Renan, que, apesar de não ter sido brilhante ofensivamente, teve participação fundamental quando o Cruzeiro não tinha a posse de bola. No entanto, é bom não ficar muito animado, pois foram vitórias contra times mais fracos. Os verdadeiros testes serão contra América e Atlético, mais para o fim da primeira fase.

Será uma caminhada longa, e a estrada já é esburacada o suficiente.