As duas margens do rio

Pesquisando rapidamente para buscar inspiração para este texto, me pego lendo sobre a história do Uruguai. Nosso vizinho é conhecido oficialmente como República Oriental do Uruguai em português. Oriental, no caso, é porque o país fica à margem leste do rio Uruguai, ou seja, ocupa a banda oriental do rio Uruguai. Não sei se o termo “La Banda” pode ter vindo daí, mas é provável que seja o sentido mais óbvio pra nós: um grupo de pessoas.

Falemos, então, de alguns jogadores do Cruzeiro que vêm dos países que ficam dos dois lados do rio Uruguai.

Uruguai

Arrascaeta, como todos sabem, é uruguaio. Mas no Cruzeiro, não joga na margem oriental e sim na ocidental (considerando que o “norte” é o gol oposto — o objetivo). Nosso 10 parte do lado esquerdo do ataque para se associar com os companheiros e criar situações.

Porém, Arrascaeta está sempre “atravessando o rio”. Ele não fica preso do lado como um ponta típico, pisando na linha lateral e esperando por vários minutos a bola chegar pra tentar o drible no mano a mano. Ele flutua por dentro, vai no corredor central, e até atravessa o campo, vai se encontrar com Robinho lá do outro lado. Esse é o jogo dele, é como ele rende mais, como estamos vendo nesses dois jogos dele pós-Copa do Mundo. Moleque está voando, não só pelos gols, mas porque tem participação direta em vários lances perigosos.

Dois momentos contra o América em que Arrascaeta “flutua”: sai da ponta esquerda pra participar do jogo, às vezes até atravessando o campo

Mas, como costumo dizer, futebol é cobertor curto. Toda escolha que o treinador faz — seja em termos de escalação ou de posicionamento — tem seus benefícios, mas também traz prejuízos. É muito difícil potencializar uma coisa sem ter que tirar de outro lugar, seja como for: quer ser mais ofensivo? Vai ter que correr mais riscos atrás. Quer marcar mais alto? Vai ter que deixar espaço nas costas da defesa. Quer se retrancar? Vai ter que deixar pouca gente na frente, tornando um contragolpe mais difícil. E por aí vai. O grande trabalho de um treinador é saber mediar isso, minimizar os defeitos e potencializar as virtudes. Compensações, posicionamento de outros jogadores, o que seja: montar um time é quase uma arte.

De forma que, essa movimentação de Arrascaeta, que inegavelmente vem tendo um excelente rendimento nessa função, traz um “problema” na marcação pelo lado esquerdo. Está entre aspas porque pode não ser um problema de fato, e sim um risco assumido. Só Mano pode responder isto, mas é o que parece: quando o uruguaio flutua e o Cruzeiro perde a bola, ele está fora de posição, e um dos volantes tem que compensar. No jogo de ontem, era Ariel Cabral, o volante do lado esquerdo, mas Henrique também o fez (pois eventualmente Ariel e Henrique se cruzavam no campo). Às vezes não dá tempo de compensar e o lateral adversário tem bastante campo pra ir. Egídio pode encaixar e abandonar a linha ou ficar pra não quebrá-la, de qualquer forma, vai haver espaço em algum lugar perigoso se o adversário for rápido o suficiente.

Com Arrascaeta flutuando, na perda de bola às vezes ele está fora de lugar, e outros jogadores tem que cobrir. Aqui, Henrique tenta, mas não chega a tempo de impedir o cruzamento

É uma escolha. Como quase tudo no futebol, há o bônus e o ônus. Uma das formas de não ter esse ônus com Arrascaeta por fora é colocá-lo oficialmente por dentro no 4-2-3-1, na função do Thiago Neves. Mas aí você tem que tirar o camisa 30 do time. Ou jogar sem um centroavante. E isso mostra, de novo, como cada escolha quase sempre traz um prejuízo junto. E vendo por esse prisma, chega a ser até surpreendente ver um treinador tão conhecido pelo pragmatismo como Mano arriscar o lado do campo assim. Bem, enquanto ele estiver se pagando, como está agora, me parece claro que vale o risco.

Argentina

Do outro lado do rio, está a Argentina. Dos argentinos que jogaram ontem, já falei sobre Cabral em um texto do início de 2016. Apesar de velho, aquele texto ainda tem muita coisa atual, portanto deixo pra escrever sobre o baixista da La Banda em outro momento. Quero falar aqui de duas novidades: Barcos e Mancuello. Mancuello novidade? Sim, explicarei logo mais.

O centroavante é a mais nova aquisição do Cruzeiro. Mas como pudemos ver no jogo de ontem, ele não é um centroavante clássico, que só conclui jogadas. Ele participa do jogo, cai pelos lados, recua pra ajudar na construção. Mas ainda assim consegue dar profundidade e atrair a atenção de zagueiros. Apesar de não ter finalizado em gol ontem, a simples presença do Pirata ali abre espaços para companheiros.

No primeiro gol, ele tem uma participação sutil. Neves desce pra base da jogada, Robinho percebe e flutua por dentro. Quando a bola chega nele, um zagueiro sai da última linha pra combater, mas ele já sabe que vai tocar pra Thiago atrás dele. Leva uma pouco de sorte, pois é o zagueiro que tenta tirar e a bola acaba chegando pro camisa 30. De qualquer forma, rapidamente Robinho se desmarca e entra no espaço gerado pela quebra da linha, com Barcos prendendo o outro zagueiro. Neves toca por cima num belo passe e Robinho perde, mas Arrascaeta chega por trás pra concluir no rebote.

A mesma coisa no gol da virada: a jogada é muito bem trabalhada pelo lado esquerdo, fazendo a linha defensiva do América balançar toda pro lado da bola: o lateral direito (Norberto) vai em Egídio, o zagueiro da direita (Messias) fecha em Arrascaeta, que está infiltrando, e o outro zagueiro (Matheus Ferraz) fica na sobra. Então o lateral esquerdo Giovanni fica com sua atenção presa em Barcos, “esquecendo” Robinho às suas costas. Depois da tabela entre Neves e Arrascaeta, Barcos para a corrida e fica na marca do pênalti sozinho. Se a bola viesse nele, certamente seria uma grande chance. Mas Arrascaeta coloca na segunda trave. Dá pra ver que Giovanni parece tranquilo enquanto a bola viaja, com a certeza que está sozinho, e até faz o movimento pra tocar pra escanteio, mas Robinho intercepta.

Três momentos do gol da virada: 1- marcação encaixada com a linha defensiva do América toda para o lado da bola; 2- Barcos prende a atenção de Giovanni, Moisés é vencido pela tabela Neves-Arrascaeta; 3- no momento do cruzamento, Barcos e Robinho estão livres

Então, não foi uma estreia brilhante, mas como afirmei no último texto: o sistema do Cruzeiro meio que pede um centroavante com mais presença ali. O 4-4-2 (ou 4-2-4-0, como costumo chamar, pra destacar a ausência de um centroavante) não tem tido muito sucesso em criar superioridades no último terço. Tendo alguém ali, o Cruzeiro consegue ter mais profundidade, mais jogo central (com pivô) e até ter alvos preferenciais na área para um jogo mais lateral.

Sobre Mancuello, claro que ele em si não é uma novidade, já está aí desde o início do ano. A novidade é a função que, aparentemente, Mano está criando pra ele: jogar por dentro, e não pelos lados como tentava antes. Os amistosos já eram um indício: no primeiro contra o Corinthians e no jogo-treino contra o Coimbra, Mancuello entrou ali, porém na ponta de cima de um losango. Talvez pra acomodar todos os jogadores reservas que entraram com ele. Já no segundo amistoso com o Corinthians, ele entrou de fato por dentro no sistema usual do Cruzeiro, que por vezes é um 4-4-2 e por vezes um 4-2-3-1.

Me parece que Mano está preparando Mancuello para ser uma espécie de reserva do Thiago Neves. Claro que não tem a mesma qualidade, ainda que Thiago Neves esteja recuperando sua forma técnica aos poucos, mas Mancuello nessa função é uma aposta interessante, até mesmo porque não dá pra ter a certeza de contar com o camisa 30 em todos os jogos, principalmente na questão física. E também, porque essa função no sistema do Cruzeiro é imprescindível, como pudemos ver no jogo contra o Paraná logo antes da parada pra Copa: os dois Lucas, por trás, não infiltravam; os dois abertos, Mancuello e Robinho, não flutuavam por dentro, e os dois da frente, Sobis e Raniel, não recuavam. No fim, ninguém circulando entre as linhas do adversário. Não gera jogo.

Brasil

No futuro, escreverei mais sobre os outros integrantes da La Banda: Lucas Romero e Ariel Cabral — este com um texto novo, mais atualizado. E até mesmo sobre Barcos, com o avanço do entrosamento dele com o resto do time. Com Henrique e Cabral suspensos, Lucas Romero já deve jogar no domingo contra o Atlético/PR, ao lado de Lucas Silva. Como dito acima, essa foi a dupla de volantes contra o Paraná, o último jogo antes da Copa. Por característica, nenhum dos dois costuma infiltrar, ambos ficam por trás, na base da jogada. Assim, vamos precisar ainda mais que o quarteto de frente se movimente, pra ter sempre alguém ali nas costas dos volantes adversários.

Portanto, Robinho, Rafinha, Thiago Neves, Raniel, ou até mesmo Edilson ou Egídio (se apoiarem por dentro ao invés de passarem por fora), seja quem for jogar, vão precisar ajudar nesse setor do campo. O que não pode é ficarem estáticos em suas posições. Afinal, futebol, no Brasil, tem organização, mas na hora de atacar, é tudo junto e misturado.

E não tem problema nenhum nisso.

América/MG 0 x 2 Cruzeiro – Eficiente e suficiente

A partida contra o América foi bem melhor do que a de quinta na Venezuela, mas era bem difícil ser pior ou até mesmo igual. O Cruzeiro ainda teve alguns problemas, inclusive cansaço físico da longa viagem — como revelado por Marcelo Oliveira na coletiva — mas foi mais compacto, protegeu bem sua área e conseguiu explorar um pouco melhor os espaços no contra-ataque.

Não foi nada brilhante, mas o Cruzeiro errou muito pouco, tanto na marcação quanto nas poucas chances que teve, e por isso saiu com a vitória.

Formações iniciais

Cruzeiro e América entraram no 4-2-3-1. Cruzeiro numa postura reativa, com De Arrascaeta se mexendo um pouco mais para acionar os ponteiros em contra-ataque; América tinha mais a bola, com Renatinho caindo pelos lados para criar superioridade numérica

Cruzeiro e América entraram no 4-2-3-1. Cruzeiro numa postura reativa, com De Arrascaeta se mexendo um pouco mais para acionar os ponteiros em contra-ataque; América tinha mais a bola, com Renatinho caindo pelos lados para criar superioridade numérica

As duas equipes vieram no 4-2-3-1. Marcelo Oliveira mandou a campo o mesmo onze do jogo com o Mineros, com Fábio no gol, Mayke na lateral direita e Mena na esquerda, com Léo e Paulo André no miolo de zaga. Willian Farias e Henrique ficaram na proteção, e mais à frente Alisson e Marquinhos flanqueavam De Arrascaeta, atrás de Damião.

O América de Givanildo tinha João Ricardo no gol, Wesley Matos e Anderson Conceição na zaga, com Robertinho à direita e Bryan fechando o lado esquerdo. Na volância, Thiago Santos e Diego Lorenzi davam suporte ao central Renatinho, que tinha ainda Felipe Amorim pela direita e Sávio pela esquerda, com Rubens na referência.

Duelos por todo o campo

A marcação encaixou e gerou duelos interessantes nos quatro cantos do campo: Mayke x Sávio, Mena x Felipe Amorim, Alisson x Robertinho e Marquinhos x Bryan. No meio-campo, Henrique e Willian Farias se encarregavam de marcar Renatinho e o volante que subisse, que normalmente era Diego Lorenzi, enquanto Thiago Santos ficava a cargo de cuidar de De Arrascaeta. E os centroavantes duelavam com as duplas de zagueiros nas áreas.

Mas quem marcava mais eram os celestes. Isso porque o América tomou a iniciativa e ficou com a bola, tentando chegar pelos lados, devido à movimentação de Renatinho, que saía do centro para criar superioridade numérica nesses setores. Por duas vezes, a marcação celeste ficou indefinida e os jogadores americanos conseguiram chegar ao fundo. Talvez De Arrascaeta pudesse se espelhar nisso, apesar de ter sido muito mais móvel neste jogo do que na Venezuela.

Felipe Amorim deu muito trabalho para Mena pela esquerda. Até conseguiu passar em alguns lances, mas no cômputo geral, Mena fez um bom trabalho: o camisa 7 americano só conseguiu criar duas chances, uma em cada tempo. Do outro lado, Sávio se dava melhor contra Mayke, porque destro que é, partia para o centro e batia com a perna direita. Acertou a trave num desses chutes.

Zagueiros e contra-ataque

Com o time do Cruzeiro mais compacto, porém, o América não conseguia entrar na área adversária. No 1º tempo, o time da casa finalizou 6 vezes, mas todas de fora da área. Muito por causa de um bom trabalho da linha defensiva, mais uma vez. Léo e Paulo André venciam todas pelo alto e pelo chão, em contraste com o desempenho irregular da dupla de volantes.

Em azul, as finalizações do América, e em vermelho, as do Cruzeiro; os dois únicos chutes do América de dentro da área foram no 2º tempo (Footstats)

Em azul, as finalizações do América, e em vermelho, as do Cruzeiro; os dois únicos chutes do América de dentro da área foram no 2º tempo (Footstats)

Com as linhas avançadas, o América deixava espaços atrás, cedendo o contra-ataque ao Cruzeiro, que ensaiou uma, duas até acertar na terceira. Após cobrança de falta do América, a bola sobrou na esquerda, e a defesa rechaçou novo cruzamento. A bola sobrou para Marquinhos, que viu a movimentação de De Arrascaeta e deu na frente. O uruguaio girou e acionou Alisson imediatamente pela esquerda, onde estava apenas Diego Lorenzi, com o outro volante Thiago Santos, na cobertura — os zagueiros estavam na área adversária por causa da bola parada. Alisson avançou, cortou pra dentro e bateu maravilhosamente no canto, fora do alcance de João Ricardo.

Com o gol, Givanildo percebeu o perigo e recuou as linhas. O América passou a marcar a partir do meio-campo, dando um pouco mais a bola para o Cruzeiro e partindo em velocidade. Mas o primeiro tempo acabou mesmo com o Cruzeiro em vantagem.

Segundo tempo

As equipes voltaram do intervalo sem alterações, assim como o panorama do jogo após o gol. A posse de bola era equilibrada, e nenhuma das duas equipes via necessidade avançar as linhas: o Cruzeiro porque tinha o placar a seu favor, e o América porque não queria sofrer mais estocadas no perigoso contra-ataque celeste. A partida ficava sendo disputada entre as duas intermediárias, e a bola só se aproximava dos goleiros em bolas paradas.

Givanildo com quem fez o primeiro movimento, trocando de centroavante: Rodrigo Silva na vaga de Rubens. A partida não mudou, mas o Cruzeiro conseguiu achar alguns bons passes pela esquerda. Marquinhos achou Mena, que cruzou para Damião sozinho perder; e depois Alisson foi acionado, driblou duas vezes mas no último toque a bola escapou ligeiramente e ele bateu prensado.

Troca nas pontas

Marcelo então mexeu nos flancos. Trocou de ponteiros: Alisson deu lugar a Gilson — que sim, foi jogar na meia esquerda — e Marquinhos cedeu vaga a Judivan. O 4-2-3-1 estava mantido, mas com mais fôlego pelos lados e mais proteção a Mena pela esquerda, já que Gilson também é lateral e sabe recompor. Após o jogo, Marcelo justificou as trocas dizendo que era por cansaço, já que os titulares não estavam mais recompondo.

Fim de jogo: ambos os times mantiveram o 4-2-3-1 durante todos os 90 minutos; Cruzeiro teve Gilson como ponteiro esquerdo para recompor melhor e ajudar Mena

Fim de jogo: ambos os times mantiveram o 4-2-3-1 durante todos os 90 minutos; Cruzeiro teve Gilson como ponteiro esquerdo para recompor melhor e ajudar Mena

No América, Pedrinho entrou na vaga de Sávio, com câimbras. Ele se posicionou pela esquerda do ataque, mantendo o sistema original. Mas quem continuava dando trabalho era Felipe Amorim, que derivou para o centro a partir da direita, levando Mena consigo e causando o chileno a cometer falta. Ele mesmo cobrou, mas mal.

O que ele não imaginava é que o tiro de meta originaria o segundo gol celeste. Na bola longa de Fábio, Damião inverte com De Arrascaeta para brigar pelo alto, e foi exatamente o que aconteceu: uma casquinha para o uruguaio na frente, que driblou seu marcador e avançou pela esquerda. Damião também fez um movimento interessante: primeiro ele corre na direção do zagueiro, “empurrando-o” pra longe. Quando De Arrascaeta se aproxima da área, ele muda de direção, indo para a primeira trave. Isso fez ficar sozinho pra receber o passe e aumentar o placar.

No lance, o zagueiro Anderson Conceição se lesionou e teve de ser substituído por Allison, acabando com as trocas do América. E no fim, Marcelo tirou Damião apenas para receber os aplausos da torcida. Henrique Dourado jogou pouco mas conseguiu roubar uma bola excelente no meio-campo, fazendo o que se espera de centroavantes modernos.

Novo estilo

O Cruzeiro de 2013/14 nos acostumou a ver uma equipe com a bola nos pés, intensa na movimentação e inversão de posições. Mobilidade necessária para criar os espaços diante de times que enfrentavam o Cruzeiro com muito respeito, com muitos jogadores postados atrás da linha da bola. Em 2015, a equipe parece ter uma característica diferente: marca forte no meio (apesar das deficiências dos últimos dois jogos) e prefere jogar na transição, com velocidade. Quando acertou o passe nessa fase, venceu.

Já são dois meses na temporada e o Cruzeiro ainda não fez um jogo em que dominou a posse de bola criou chances em profusão. O entrosamento, que ainda não chegou totalmente, tem parte nisso, mas talvez já seja hora de reconhecer que o Cruzeiro de 2015 seja um time diferente, mais reativo, mais competitivo e letal.

Sofrer poucos gols e ser muito eficiente nas poucas chances que cria. Não me agrada, mas aí já é questão de gosto. E não que eu acredite nisso, mas torço para que esta característica seja mais eficaz para campeonar na Copa Libertadores — que, ao fim e ao cabo, é o objetivo principal.

Quatro jogos e perspectivas

Antes de mais nada, este blogueiro pede desculpas aos leitores por ter ficado tanto tempo ser dar satisfações. Entrei em um momento de mudança na vida — literalmente — e por isso fiquei sem infra-estrutura necessária para escrever os posts (leia-se: internet e computador).

Então, para não deixar de falar sobre nenhum dos jogos passados, aqui vão notas rápidas sobre os quatro últimos jogos.

Villa Nova 2 x 4 Cruzeiro

Em alguns jogos, o equilíbrio entre as equipes é simplesmente uma questão de número no centro do meio-campo. Que o Cruzeiro tem um elenco superior ao do Villa Nova todos sabemos, mas neste jogo o Villa tinha um quarteto no centro do campo, com o seu 4-3-1-2 losango frente ao 4-2-3-1 do Cruzeiro. Os dois volantes e Tchô, o meia central, se deram melhor em relação a Leandro Guerreiro e Nilton, que não conseguiam marcar os três. A partida tendeu para o domínio do time da casa no primeiro tempo simplesmente por isso.

Já no segundo, Marcelo Oliveira lançou Tinga para fazer um 4-1-2-3 que acertou a marcação: Guerreiro ficou responsável apenas por Tchô, e mesmo perdendo o duelo algumas vezes, como no gol de empate do Villa Nova, conseguiu tirar a liberdade que o camisa 10 adversário tinha na primeira etapa.

Mas com a mudança, Diego Souza foi jogar aberto do lado direito, deixando o time sem um meia central. Com isso, o time equilibrou o centro do meio-campo, mas criou pouco. A entrada de Ricardo Goulart aconteceu justamente para resolver este problema. Com ambos os times com meio-campo em losango, a qualidade técnica fez diferença e o Cruzeiro marcou mais dois gols.

Em suma: quando tinha apenas 2 meio-campistas (já que Diego Souza marca pouco) contra 4 do adversário, o Cruzeiro foi dominado. Com Tinga, o 3 x 4 equilibrou, e com Goulart, o número de meio-campistas se igualou, e aí o Cruzeiro se sobressaiu.

América 1 x 4 Cruzeiro

O América do técnico Paulo Comelli quis jogar de igual para igual contra o Cruzeiro no Mineirão. E foi amplamente dominado, principalmente porque, diferente dos outros times do campeonato, foi um time que tentou sair para o jogo e deu espaço para os jogadores de frente do Cruzeiro.

Também num 4-2-3-1, o time de Paulo Comelli foi facilmente repelido pela linha defensiva celeste. Com Rodriguinho, o meia central, encaixotado entre os volantes, Fábio Júnior tinha que sair muito da área, e Fábio quase não viu a cor da bola.

Já o Cruzeiro, desta vez com Ricardo Goulart na vaga do suspenso Dagoberto, imprimiu movimentação e confundiu a marcação americana. Já aos 16 minutos o Cruzeiro vencia por dois a zero, em jogadas de bola áerea. Depois disso apenas controlou as ações, repelindo as investidas do América com propriedade. Ainda sofreria um gol em falha de Leandro Guerreiro na cobrança de escanteio, mas matou o jogo logo em seguida com excelente trama pela direita com Everton Ribeiro e Ceará e a conclusão de Borges.

O 4-2-3-1 foi mantido do início ao fim. Apesar do placar e do domínio, os volantes ainda tiveram pouca participação ofensiva e uma certa dificuldade na marcação. Acredito ser o setor mais frágil da equipe no momento, ao contrário da maioria dos comentaristas e torcedores que dizem ser a defesa.

CSA 0 x 3 Cruzeiro

Eliminar o segundo jogo era esperado. Mas o futebol apresentado, preguiçoso, não. Era quase como se o Cruzeiro soubesse que tinha que fazer pouca força para avançar de fase, e assim foi. Já o CSA jogava a vida, provavelmente o jogo de maior visibilidade que o time terá no ano, e por isso foram pra cima, com muita velocidade.

A defesa do Cruzeiro jogava bem alta, longe de sua própria área, para compactar o time. Mas isso só funciona se os jogadores de frente também fizerem marcação avançada, o que não acontecia. Assim, o CSA tocava a bola e o Cruzeiro esperava, deixando espaços atrás de sua própria defesa. E time da casa, num moderno 4-1-2-3, jogava bolas longas para jogadores rápidos que tinha abertos, nas costas dos nossos laterais. Para nossa sorte, a pontaria deles não estava boa e pelo menos três chances reais foram mandadas pra fora.

Ofensivamente, o Cruzeiro parecia, de fato, bem preguiçoso. Os gols aconteceram mais por bobeira da defesa do time alagoano do que por mérito celeste. O primeiro numa bola longa de Dagoberto, na direita, para Diego Souza. A defesa estava mal posicionada e deixou o camisa 10 entrar livre. O segundo em um pênalti cometido atabalhoadamente pelo zagueiro. Somente o terceiro pode ser considerado superioridade técnica: Ricardo Goulart recebeu o passe final de uma trama rápida de passes, driblou um marcador, ganhou na força do segundo e concluiu sem chances para o goleiro.

O jogo provou a força do elenco cruzeirense, que mesmo jogando com pouca vontade, mostrou ser forte o suficiente para construir o placar. Entretanto, a mesma preguiça causou dificuldades desnecessárias. Portanto, não foi um jogo bom para se tirar alguma conclusão.

Cruzeiro 5 x 0 Nacional

Ah, goleadas. Como elas têm o poder de enganar o torcedor. Basta fazer uma grande soma de gols num mesmo jogo e automaticamente tudo fica bem, a torcida se empolga e tal. Felizmente, não era esse o caso.

É claro que se deve levar em conta a fragilidade do Nacional, que está brigando para sobreviver no Módulo I do Campeonato Mineiro. Mas é justamente contra estes é que o poderio do time mais capacitado tem que aparecer. E assim foi feito: o Cruzeiro jogou como se fosse um jogo decisivo (não, confirmar a liderança na primeira fase do estadual não dá esse caráter à partida). Ricardo Goulart entrou na vaga do suspenso Diego Souza e promoveu a mesma intensa movimentação de jogos anteriores, e foi o senhor da partida.

O Nacional se entrincheirou numa espécie de 4-3-3 defensivo, contra o 4-2-3-1 costumeiro de Marcelo Oliveira. Os três da frente estreitavam e bloqueavam a saída pelo meio, mas deixavam as laterais livres. Além disso, os volantes cruzeirenses não eram pressionados e buscavam a bola no pé dos zagueiros para iniciar o jogo, quase sempre jogando para um dos laterais. E dali, a bola circulava tranquilamente para os três armadores, trocando de posição a todo momento.

Sem a bola, o Cruzeiro pressionava no alto do campo, com muita sede de roubar a bola. Foi a pressão alta mais intensa até aqui no ano. Quando o Nacional tinha a bola, não tinha muito tempo pra pensar, pois o quarteto ofensivo do Cruzeiro encurtava os espaços dos zagueiros, obrigando ao chutão ou passe errado. Os gols saíram naturalmente, em erros do Nacional provocados pela marcação intensa do Cruzeiro e ataques velocíssimos.

Todos os quatro jogadores de frente participaram dos dois primeiros gols: no primeiro, o tiro de meta ruim veio parar nos pés de Goulart, que de letra achou Everton Ribeiro, que finalizou de fora da área. No segundo, Borges se desloca e tabela com Dagoberto, deixando o companheiro na cara do gol. Já o terceiro foi uma jogada dos defensores: Nilton a Bruno Rodrigo, que de peito passou a Leo dentro da área. O zagueiro cruzeirense ainda marcaria mais um de cabeça em bola parada, ainda no primeiro tempo.

No segundo, o time desacelerou, naturalmente. Mesmo assim, Élber completaria a goleada “roubando” a bola na jogada individual de Ricardo Goulart, tamanha a facilidade que o Cruzeiro criou na partida, muito devido à sua própria atuação.

Outro ponto a se destacar é que, nas raras vezes em que era marcado em seu próprio campo, o Cruzeiro evitava ao máximo a bola longa para o ataque. O objetivo era manter a bola nos pés e construir a jogada de trás. É uma mudança sutil de postura, mas que revela como Marcelo Oliveira quer sua equipe.

Perspectivas

Notadamente, existe uma preocupação da torcida e da crítica em geral com o setor defensivo do Cruzeiro. Quase todos localizam a instabilidade nos zagueiros, mas este blogueiro pensa que o problema está na volância. Leandro Guerreiro e Nilton são bons marcadores, mas não estão com funções definidas. Não sabemos quem sai mais e quem fica mais (pense em Paulinho e Ralf, por exemplo).

Mas, Dedé chegou. E com ele a segurança na zaga que a torcida precisava. Porém, estou esperando muito mais os testes de Henrique ou Lucas Silva no meio para ver como se encaixam neste time. Aparentemente, Lucas Silva jogará neste domingo contra o Tupi, mas não será um 4-2-3-1 e sim num 4-3-1-2 losango ao lado de Tinga, com Nilton no suporte e Diego Souza na ligação. Terá liberdade para atacar. Sorte para o garoto.

Ademais, o time está se encaixando mais rápido do que esperávamos, e não só o time titular. O Cruzeiro hoje tem mais do que 11 titulares, e isso é um luxo que poucos times no Brasil podem ter. O esquema base está definido, variações estão sendo treinadas e têm dado certo em determinadas situações de jogo. Podemos esperar, sim, um bom ano em 2013.

Cruzeiro 1 x 2 América/MG – O problema nunca foi o esquema

Num ímpeto desorganizado, o Cruzeiro está fora das finais do Mineiro 2012 devido a uma excelente execução tática do América.

A formação inicial titular do Cruzeiro, com os dois meias que a torcida tanto queria, mas sem força pelo lado esquerdo

Vágner Mancini tinha todo o elenco à disposição, à exceção de Walter, e optou por entrar com o tradicional 4-2-2-2 que a torcida tanto pediu, com Roger e Montillo servido Anselmo Ramon e Wellington Paulista, deixando Wallyson de fora. Givanildo só não pôde contar com o lateral esquerdo Pará, lançando o jovem Bryan em seu lugar. No resto do time, sem mistério: o mesmíssimo 4-3-1-2 do primeiro jogo das semifinais.

Logo no início do jogo, o Cruzeiro mostrou sua proposta: atacar e muito. Anselmo Ramon recebeu de costas, girou e bateu pra fora. Seria um sinal do que o jogo seria. Mas logo no início o Cruzeiro sofreu um golpe: Rodriguinho recebeu na esquerda, ganhou no mano-a-mano com Diego Renan e conseguiu um cruzamento. Victorino estava na marcação de Alessandro, e atrapalhado pelo americano, cabeceou contra a própria meta.

Com a vantagem, o América se fechou ainda mais e se preocupava mais em defender do que incomodar em contra-ataques. Assim, deu campo ao Cruzeiro, que chegava até a intermediária até com certa facilidade. O time tinha mais posse de bola (chegou a 60% na metade do primeiro tempo), mas esbarrou no mesmo problema dos últimos jogos: a falta de criatividade no meio. Mesmo com Roger e Montillo em campo, ainda havia algum espaço entre os defensores e atacantes, sendo que Roger estava no primeiro grupo e Montillo no segundo. Roger mais uma vez afundou entre os volantes para fazer a bola rodar, cadenciar o jogo. Mas os outros jogadores pareciam não querer cadenciar e queriam resolver logo. WP e AR mal pegavam na bola e finalizavam, muitas vezes sem estarem em boas condições para isso.

Montillo, por sua vez, novamente teve Dudu em seu encalço. Recentemente ele disse que, no esquema com três atacantes, era mais difícil fugir do homem-a-homem, pois havia pouco espaço pelos lados, já que os pontas ocupam estes setores. No jogo de hoje, o argentino de fato participou mais do jogo e tentou sim cair pelos lados, mas esteve longe de ser o jogador decisivo de outros jogos. Dudu fez um excelente jogo e reduziu muito a efetividade do camisa 10.

Anselmo Ramon, como de costume, jogou enfiado entre os zagueiros, mas a bola chegou pouco a ele. WP caía pela direita e tinha a marcação direta de Bryan, com a cobertura de Leandro Ferreira. Não chegou a ser anulado, mas também não foi efetivo. Roger, quando subia (e, por vezes, até quando recuava) era vigiado pelo mesmo Leandro Ferreira, que forçava o camisa 7 a se livrar logo da bola. Sobrava sempre para Leandro Guerreiro e Marcelo Oliveira, que não fizeram um bom jogo ofensivamente. O último errou muitos passes e esteve longe de sua forma usual.

O jogador mais lúcido era Everton. Mas, como já dito neste espaço antes, ele tem tendência a centralizar, pois é meia de formação. Portanto, a ponta esquerda do Cruzeiro foi um setor pouco utilizado no primeiro tempo. Uma indicação disso é que o Cruzeiro teve 26% de sua posse pela esquerda do meio-campo, mas apenas 9% pela esquerda no ataque. Mesmo assim, foi dele a jogada do pênalti que WP conseguiu desperdiçar para vestir a camisa do Inacreditável Futebol Clube.

Sem criatividade e afobado nas jogadas pelo chão, restou ao Cruzeiro fazer o chuveirinho na área, para tentar aproveitar a boa presença de área de Anselmo Ramon e Wellington Paulista. Foram 13 cruzamentos no primeiro tempo, somente dois certos (no segundo tempo o Cruzeiro errou todos os 13 cruzamentos que tentou). De tanto insistir, o Cruzeiro chegou ao empate, não numa jogada aérea, mas na presença de área de WP. Diego Renan disputou uma bola pelo alto com o zagueiro, a bola foi em direção ao zagueiro Gabriel, que, ao tentar cortar o lance, acabou jogando para trás dando um presente para o camisa 9, que desta vez fez o gol.

O gol deu mais ânimo para o Cruzeiro, mas o América, com a cabeça fria, resolveu manter um pouco mais de posse. E para seu próprio espanto, conseguiu e até criou algumas chances. Porque este é o diagnóstico do Cruzeiro das últimas partidas: um time que passa aperto quando o adversário resolve manter a posse, já que deixa jogar, e somente consegue levar mais perigo se o adversário chamar o Cruzeiro para seu campo e abdicar do ataque. Foi assim contra o Uberaba, contra o Atlético/MG e na ida contra o América, quando o Cruzeiro só conseguiu gols na base da vontade, mas não em jogadas construídas e trabalhadas. Protagonismo, só quando o adversário quis.

Na saída para o intervalo, o meia Rodriguinho do América resumiu bem: “temos que manter mais posse na frente para que o Cruzeiro não tenha tanto volume”. E foi realmente isso o que houve no primeiro tempo: muito volume, mais posse (54%), mas pouco eficaz (4 finalizações certas de 13 tentativas).

Não houve alterações no intervalo, mas o Cruzeiro voltou a campo num losango, com Roger pela direita e LG na proteção à zaga. Num primeiro momento, o novo posicionamento até parecia dar certo, pois aso 4 minutos o América fazia uma marcação bem alta, e o Cruzeiro conseguiu sair numa linha de passe pelo chão sem dificuldades. A bola chegou a Everton na esquerda, que foi para o meio com a bola e, ao perceber que não havia ninguém na direita para o passe (Diego Renan estava mais preso hoje) resolveu ir ele mesmo até receber uma falta na entrada da área. Roger mandou no travessão.

Mas não demorou muito para o Cruzeiro começar a errar na saída de bola e o América aproveitar estes erros. Em um deles, Moisés recebeu uma bola livre na direita (Everton não estava por ali) e centrou para Alessandro completar. A bola caprichosamente bateu nos pés de Fábio, que já estava vencido, e ficou viva na frente do gol. Diego Renan tirou em cima da linha.

Vágner Mancini lançou Wallyson na vaga de Marcelo Oliveira. Com isso, Everton foi para o meio-campo, Diego Renan inverteu de lado e Wallyson foi jogar na ala direita. Sem a bola, Leandro Guerreiro afundava entre os zagueiros, empurrando Leo para a direita, desenhando um 4-3-3, com Roger ao lado de Everton e Montillo mais avançado à frente. Com ela, Guerreiro saía para fazer a primeira bola do 3-4-3 losango. Givanildo percebeu que o Cruzeiro era vulnerável na recomposição e lançou Bruno Meneghel no lugar de Alessandro para puxar os contra-ataques.

Aos poucos, o Cruzeiro começou a ter mais e mais dificuldade de saída de bola, já que o América recuava cada vez mais e fazia uma marcação perfeita. Para além da linha do meio-campo, os jogadores azuis tinham pouquíssimo espaço. WP não conseguia vencer Rodrigo Heffner pela esquerda e tinha que recuar ainda mais para tentar participar do jogo, mas era improdutivo. Wallyson até ganhava de Bryan pela esquerda e tinha chances, mas sua opção de passe era sempre ruim (ou inexistente, já que os atacantes se posicionavam na pequena área para concluir pelo alto). Dudu continuava perseguindo Montillo, que estava sumido no jogo, e Roger já estava cansado. Everton continuou sendo o melhor cruzeirense em campo, mas também errava.

Uma tentativa de explicar a formação cruzeirense após todas as alterações; meias de volante, volantes de zagueiros e zagueiro de lateral

O América levava perigo em contra-golpes e assustava, mas a pressão do Cruzeiro só aumentava. Em um dado momento, foi possível observar os 11 jogadores do América dentro da sua própria área. Mas a pressão era desordenada. Élber entrou no lugar de Diego Renan, fazendo Everton voltar para a lateral esquerda. A formação ficou um tanto confusa, uma espécie de 3-2-3-2, com Élber na esquerda, Montillo pelo meio e Wallyson na direita atrás dos dois centro-avantes. Roger era volante e nem aparecia no ataque mais. Everton subia para atacar e o Cruzeiro ficava com apenas dois defensores.

Sem sucesso, Mancini preparava Bobô no lugar de WP para dar mais estatura e força e jogar a bola na área (claramente uma estratégia de desespero). Mas foi forçado a mudar, já que Victorino levou uma cotovelada ao disputar uma bola aérea e saiu de campo sangrando. O Cruzeiro só ficou com um zagueiro de ofício em campo, e a formação a essa altura era quase impossível de entender.

O gol de Fábio Júnior, nos acréscimos, dá uma idéia disso. Na hora do lançamento, era Léo que estava encurtando em China (que havia entrado no lugar de Rodriguinho, o melhor em campo), tendo Amaral e Leandro Guerreiro mais centralizados na última linha de defesa. Amaral que não é zagueiro, sai da marcação de Bruno Meneghel, que parte em velocidade. Everton, perdido, deu condições, mas parou pedindo impedimento. Ficaram dois contra Fábio.

Léo cerca China, Amaral se “esquece” de Bruno Meneghel, já pedindo bola, e Everton, fora da imagem, dá condições

É preciso entender que o adversário foi melhor. Executou sua proposta tática com precisão e segurou o ataque sem criatividade do Cruzeiro. Mesmo com três meias e três atacantes. Ao Cruzeiro, restou a Copa do Brasil. Se não chegar ao menos em uma semi-final, pode sobrar para o técnico, e todo o trabalho de 4 meses é jogado fora (infelizmente, mas no Brasil é assim). Mas, como o título do post diz, o problema nunca foi a formação tática, mas sim sua execução.

É compreensível que 2012 seja um ano de mudanças, afinal é uma administração nova, um time novo (diferente da era Adilson Batista, na qual o meio-campo jogava junto há muito tempo). É compreensível que não seja um ano de conquistas. Mas é preciso mudar para que o ano não seja de vergonhas.

Na coletiva do fim do jogo, ao ser perguntado se o Cruzeiro iria brigar na rabeira do Brasileiro novamente, Montillo foi categórico: “No”. E, depois de uma pausa, emendou: “Tomara que no.”

Tomara que “no”, Montillo. Tomara que “no”.

Cruzeiro 2 x 1 América/MG – Gol de treinador também vale

Sem perder nem o controle do jogo nem a cabeça, o Cruzeiro passou com louvor no seu teste mais difícil na temporada, ontem na Arena do Jacaré, com gols de Anselmo Ramon e Vágner Mancini (Walter). Alessandro descontou para o América.

Cruzeiro no 4-3-3 anunciado, com Wallyson invertendo constantemente de lado com WP nas parcerias pelos flancos com os laterais e Montillo

O Cruzeiro foi a campo no 4-3-3 anunciado durante a semana, o mesmo esquema dos últimos jogos. Um movimento acertado, já que a equipe vem dando boas respostas com esta formação. Já o América veio num 4-2-2-2, tendo Fábio Jr. e Alessandro à frente de Luciano e Kaio na articulação.

No embate dos dois esquemas, vários duelos naturais se formaram. Anselmo Ramon batia de frente com os dois zagueiros americanos; Wallyson e Wellington Paulista seguravam os laterais adversários, que mal participavam do jogo; Montillo tentava (e conseguia) fugir da marcação dos dois volantes; Leandro Guerreiro e Marcelo Oliveira se encarregavam dos meias de criação e Fábio Jr. e Alessandro duelavam com a zaga azul. Os laterais cruzeirenses ficavam mais livres, e ajudavam os zagueiros.

O resultado é que, sem a bola, o Cruzeiro se defendia muito bem, tendo sempre um homem a mais na defesa – até mesmo quando um dos laterais do América avançava, deixando os atacantes azuis às suas costas. Assim, os dois volantes adversários (que não são jogadores criativos) ficavam procurando companheiros para passar a bola e não achavam, frequentemente tentando jogadas infrutíferas. O América só ameaçava quando o Cruzeiro errava no bote, e perdia o homem a mais. Em um desses lances, Léo tentou tirar de cabeça uma cobrança de lateral e não alcançou a bola, que sobrou para Luciano, pelo lado esquerdo. O meia ainda driblou Marcelo Oliveira, que foi cobrir, e concluiu para Fábio defender.

Ofensivamente, o Cruzeiro se aproveitou das saídas rápidas pelos lados, nas costas dos laterais americanos, com as excelentes parcerias que têm se formado neste esquema com três atacantes. Duplas e até trios se agrupam constantemente pelos flancos, sufocando a marcação adversária. Do lado esquerdo, Diego Renan tem sempre a opção de passar para o atacante que abre – Wallyson reveza com Wellington Paulista – ou para Montillo um pouco mais centralizado, e também pode ir para a diagonal para concluir. Do outro lado, Marcos tem as mesmas opções, e todos eles podem fazer uma tabelinha de pivô com Anselmo Ramon. Foi assim no lance em que Diego Renan concluiu de fora da área, e na tabelinha Montillo/WP (que desta vez estava na referência) para a linda conclusão de Montillo no ângulo, ambos os lances defendidos por Neneca.

WP não fechou a linha e Luciano recebeu livre nas costas dos volantes para sofrer a falta que originou o gol

O Cruzeiro tinha mais posse e o América não conseguia criar, pois Luciano e Kaio eram bem vigiados por Leandro Guerreiro e Marcelo Oliveira. O gol americano saiu numa tentativa mal executada de exercer marcação sob pressão. Como manda o figurino neste tipo de situação, os volantes azuis se encontravam bem avançados, empurrando os adversários para trás. Mas WP não fechou a linha de passe do volante do América, que achou Luciano livre atrás da dupla. De repente, o camisa 10 deles estava de frente pro gol com dois companheiros como possíveis alvos de passe. O Cruzeiro tinha 4 defensores: Diego Renan marcava Fábio Jr. e Marcos segurava Alessandro, com Léo na cobertura. Victorino, que estava “sobrando”, deu um passo à frente e retardou o ataque de Luciano, mas foi driblado, e Marcelo Oliveira, que teve de correr para trás para chegar no lance, acabou cometendo falta. A falta originou o gol num lance em que Victorino errou a linha de impedimento e deu condições a Alessandro.

Diferentemente do ano passado, quando o Cruzeiro tomava gols jogando melhor e se descontrolava emocionalmente, o time manteve a postura e continuou fazendo sua proposta. O time americano ganhou confiança com a vantagem no placar e tentou passar mais a bola, cozinhar mais o jogo, mas o time celeste continuou fechando os espaços e atacando com ainda mais veemência. Porém, pecava no último passe, oferecendo o contra-ataque. Os dois laterais azuis foram amarelados em lances desse tipo, e o segundo gol do América quase veio em outro. O erro de Luciano foi ter dado um drible a mais quando tinha condição de finalizar. Há que se destacar a recuperação da defesa justamente neste tempo “a mais” que o drible de Luciano proporcionou. Quando Fábio Júnior concluiu, já havia quatro defensores na área.

O dois a zero não teria refletido o que foi o primeiro tempo, injustiça que frequentemente acontece no futebol. Mas, pelo menos desta vez, o esporte foi justo: o empate chegou numa jogada de Wallyson, que recebeu a bola num duelo um contra um pelo lado esquerdo. Ele venceu Rodrigo Heffner na velocidade e cruzou para Anselmo Ramon marcar um gol típico de centro-avante, dominando de costas para a meta na pequena área e girando em cima do marcador.

O segundo tempo começou como terminou o primeiro: Cruzeiro em cima, com muita posse, e América sem criatividade, já que Luciano e Kaio continuavam bem marcados. O técnico Givanildo, vendo que nada mudaria, tirou Luciano e colocou o volante China, repaginando o América num 4-3-1-2 losango. A intenção era dupla: sufocar Montillo fazendo um 3 contra 1, e dar mais opções para a saída de bola americana quando a posse voltasse. Até que deu semi-certo: o ritmo cruzeirense diminuiu e partida ficou mais morna. O América conseguiu equilibrar as ações e teve algumas chances em bolas paradas.

Vágner Mancini tirou WP, amarelado infantilmente, e lançou Walter, mantendo o esquema. A situação do jogo não mudou, inclusive com o América tendo um gol anulado com justiça. O treinador celeste, então, lançou Élber no lugar de Anselmo Ramon, fazendo um 4-2-2-2, que virava um 4-2-3-1 com Wallyson recompondo. Agora eram dois (três) meias contra três volantes, e o jogo voltou ao que era antes: Cruzeiro com mais posse e América sem opções de criatividade, já que o jovem Kaio ficou encaixotado no meio do experientes volantes cruzeirenses. Na primeira bola do garoto Élber, uma enfiada digna de trequartista para Walter, que correu nas costas do zagueiro. Ele bateu de primeira, cruzado, e Neneca não conseguiu repelir. Gol do treinador do Cruzeiro.

A árvore de natal azul (4-3-2-1) após as alterações, Everton na proteção a Diego Renan contra Kaká e Montillo e Élber suprindo Walter

Givanildo, agora atrás no placar, tratou imediatamente de agir e mandou o atacante Adeilson no lugar do volante Moisés. Os esquemas agora estavam invertidos em relação ao início do jogo. Porém, o quarteto ofensivo cruzeirense, agora mais móvel do que nunca, continuava infernizando a zaga do América e criando chances. O técnico do América então lançou sua última cartada, sacando Alessandro, atacante mais central, e colocando o veloz Kaká (não aquele) para jogar nas costas de Wallyson pela direita do ataque, confrontando diretamente com Diego Renan. O jogador ofereceu bastante perigo por aquele lado, conseguindo inclusive uma jogada em que driblou o camisa 6 cruzeirense e centrou para Fábio Jr. mandar para fora. Mancini não tardou a responder com Everton no lugar de Wallyson, fechando o lado esquerdo na árvore de natal (4-3-2-1). Kaká deixou de ser uma ameaça e o Cruzeiro tocou a bola até o fim do jogo.

O técnico Vágner Mancini disse, após o fim do jogo, que foi o teste mais difícil do Cruzeiro na temporada. De fato: sair atrás no placar, manter o controle emocional e virar a partida com autoridade fazem deste jogo a melhor apresentação azul no ano (ainda melhor que as goleadas). No entanto, Mancini também disse que ninguém ainda está no ápice. Ou seja, na visão do treinador celeste, ainda há muito o que melhorar. E realmente há: é preciso ser menos afobado no último passe, tocar a bola com mais paciência – por mais que Montillo seja um jogador incisivo, que pega e parte. E defensivamente, melhorar o entrosamento da dupla de volantes e não pecar tanto em botes errados, pois podem ser fatais contra times mais técnicos.

Não chega a empolgar. Mas já dá uma esperança.