Ponte Preta 0 x 2 Cruzeiro – Saber é metade da batalha

Totalmente ciente do que era capaz e do nível do adversário, o Cruzeiro jogou o que era necessário para vencer a Ponte Preta sem passar nenhum susto — literalmente. Mesmo tendo um adversário que mudou de tática e estratégia várias vezes no jogo, o time celeste foi superior em toda a partida e chegou à liderança do Brasileirão, desta vez isoladamente.

Era claro que o objetivo era poupar forças para o jogo de volta pelas oitavas da Copa do Brasil, que tem caráter muito mais decisivo. Mesmo assim, não foi preciso fazer muita força para vencer o time de Campinas.

Formações iniciais

Ao leitor mais assíduo deste blog, as análises devem parecer muito repetitivas, e em alguns casos até parece que o objeto de estudo é muito mais o time adversário que o próprio Cruzeiro. Mas isto é um sinal da consistência da equipe celeste: joga sempre no mesmo esquema, variando apenas estratégias, às vezes na mesma partida, além do estilo usado e da intensidade aplicada nas fases do jogo.

Ante o 4-2-3-1 cruzeirense que ganhou o meio-campo com mais homens, a Ponte Preta fez linha defensiva com quatro no primeiro tempo

Mesmo assim, é necessário que se explique sempre como o time se posta em campo, principalmente para o leitor que aparecer neste espaço pela primeira vez. E Marcelo Oliveira mandou a campo o seu 4-2-3-1 costumeiro, com o gol do capitão Fábio sendo protegido por Dedé e Bruno Rodrigo, com Ceará e Everton fechando os lados da defesa — Mayke se recupera de lesão e Egídio estava no banco, poupado. Nilton e Souza novamente fizeram parceria à frente da área, dando suporte ao trio de meias que jogou muito bem contra o Flamengo no meio da semana: Everton Ribeiro pela direita, Ricardo Goulart por dentro e Willian de ponteiro esquerdo. À frente, Borges era o centroavante.

Já a Ponte Preta de Paulo César Carpegiani, ao contrário do que informou o repórter e do que o comentarista do Premiere FC insistentemente dizia, não se postou em campo com uma linha defensiva de três — pelo menos no primeiro tempo. Apesar de ter três zagueiros no papel, o onze de Campinas era um 4-4-2 britânico — ou seja, com o meio-campo em linha, as famosas “duas linhas de quatro”. Isso porque o “ala” direito Régis recuava até a linha de defesa, e Diego Sacoman fechava o lado esquerdo com César e Betão no miolo de zaga, protegendo a baliza de Roberto. Já o ala esquerdo Uendel fechava a segunda linha de quatro pela esquerda, junto com Fernando Bob e Magal, com Chiquinho pela direita. À frente, Rildo e Dennis.

Postura de líder

Logo no início o Cruzeiro já demonstrava ter bastante facilidade, tanto para chegar quanto para se defender, alternando momentos de subir a pressão na marcação e dar velocidade no ataque com momentos de cadenciar a partida e esperar o time em seu próprio campo. Ceará vencia todos os duelos com Uendel, e Chiquinho somente cercava Everton, que não apoiou muito, mesmo sempre sendo uma boa opção de passe pela esquerda.

O gráfico de posição média dos 11 titulares do Cruzeiro mostra um claro 4-2-3-1: Ceará um pouco mais solto que Éverton e os três meias bem próximos

O gráfico de posição média dos 11 titulares do Cruzeiro mostra um claro 4-2-3-1: Ceará um pouco mais solto que Éverton e os três meias bem próximos

No meio-campo, a superioridade numérica falou mais alto. Como mencionado na análise do último jogo, os três meias estão se movimentando de maneira muito inteligente, sempre próximos uns dos outros para que as linhas de passe se abram. Pode-ser dizer que eram praticamente cinco contra dois no meio-campo central, apesar de quatro ser o número mais frequente: os dois volantes, sem terem a quem marcar, subiam e davam a opção para o passe de segurança, e o meia do lado oposto à jogada fechava próximo de Goulart.

E assim, bem consciente de que era melhor, o Cruzeiro tomou conta da partida e abriu o marcador numa pedrada de cabeça de Dedé, em cobrança de escanteio de Willian. Ainda houve mais chances para aumentar — além do gol, outras seis finalizações foram à meta de Roberto, sendo três defendidas, duas bloqueadas e uma para fora. Abaixo da média “normal”, mas suficiente para ir ao intervalo com a vitória parcial.

Trocas

Lucas Silva já havia entrado na vaga de Souza no fim do primeiro tempo, por lesão. Na Ponte, Carpegiani iniciou a etapa final com o meia Luis Ramírez na vaga do volante Magal e com o atacante Rafinha, mais veloz, no lugar de Dennis. Agora sim o time da casa tinha uma linha de três zagueiros (César, Betão e Sacoman), com Régis na ala direita e Chiquinho trocando de lado para ser o ala esquerdo. Entre eles, apenas Fernando Bob fazia a proteção, já que o antes ponteiro esquerdo Uendel foi fazer a meia-esquerda, ao lado de Ramírez. Rildo ficou mais centralizado e Rafinha procurou se movimentar pelas pontas — uma espécie de 3-3-2-2, ou 3-5-2 com o triângulo de meio de base alta.

Porém, como acontece na maioria das vezes quando uma linha defensiva de três encontra um ataque com apenas um jogador centralizado e dois abertos chegando, existe indefinição na marcação, que para ser solucionada, exige o recuo dos alas até a linha defensiva, causando uma redundância na sobra (três zagueiros para apenas um atacante), que por sua vez acarreta em inferioridade numérica em outro setor do campo. Assim, o que já estava tranquilo ficou ainda mais: Fábio não apareceria na imagem nem pra cobrar tiro de meta até a terceira mexida de Carpegiani. Diego Sacoman deu seu lugar a mais um atacante, Giovanni, e com isso a linha de 3 estava desfeita: Uendel voltou à lateral esquerda, Chiquinho avançou à meia direita com Ramirez invertendo de lado, e se configurou um 4-3-3 (ou 4-1-2-3).

No Cruzeiro, mais uma lesão, desta vez de Éverton, forçou Marcelo Oliveira a usar o até então poupado Egídio. A marcação estava mais encaixada, mas mesmo assim o Cruzeiro se movimentou o suficiente para chegar ao segundo gol e matar a partida, quando Borges fez um gol típico de centroavante: recebeu o passe de Ribeiro de costas para o gol, girou em cima da marcação e venceu Roberto, para se redimir do inacreditável gol perdido um minuto antes dentro da pequena área.

Com o jogo resolvido, todos esperariam uma nova entrada de Júlio Baptista, para dar ritmo ao jogador, mas Marcelo promoveu a reestreia do volante Henrique na vaga de Goulart. Mais do que uma substituição tática, é parte de um planejamento para rodar o elenco, já que a condição física será fator determinante até o fim da temporada. Com Everton Ribeiro totalmente livre com o suporte do trio de volantes, às vezes era um 4-3-1-2 losango quando o camisa 17 ficava centralizado, às vezes era um 4-3-3 quando ele caía pela direita.

Fábio só fez uma defesa — um chute de Rafinha de fora da área, fácil para o capitão — um lance símbolo do domínio completo e total que o Cruzeiro teve na partida.

Na única defesa que fez, Fábio nem sujou o uniforme (WhoScored.com)

Na única defesa que fez, Fábio nem sujou o uniforme (WhoScored.com)

Vencer descansando

Sun Tzu, autor do famoso livro “A Arte da Guerra”, dizia: “se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas.” O futebol é uma analogia da guerra — e é dela que vêm tantos termos hoje futebolísticos, como “artilheiro” e “tática” — e portanto cabe o paralelo: saber o nível do adversário é tão importante quanto saber o seu próprio.

E foi com essa mentalidade que os jogadores entraram em campo, provavelmente assim instruídos por Marcelo Oliveira. Ciente de sua superioridade, mas sem subir no famoso salto alto e entrar em clima de “já ganhou”, jogando sério e simples, ou seja, o suficiente para vencer o jogo e ao mesmo tempo preservar energias para enfrentar o Maracanã lotado na quarta. Uma missão bem mais difícil, mesmo considerando a vantagem e o fato de o Flamengo estar em um momento ruim e talvez sem seu principal jogador de criação.

A inédita liderança isolada no Brasileirão é merecida e dá tranquilidade para a Copa do Brasil. A concorrência de datas entre as duas competições, novidade neste ano, fará com que algumas equipes priorizem uma em detrimento da outra, mas o elenco do Cruzeiro vem provando que pode ser possível chegar bem nas duas.

Dez anos depois, a coroa poderia ter duas pontas apenas, mas não seria menos brilhante.