Jogando com certa tranquilidade — por vezes até excessiva — o Cruzeiro venceu o Bahia na Fonte Nova num jogo em que poderia ter tomado menos sustos se não tivesse, por iniciativa própria, tentado se poupar ao máximo. A temporada é desgastante e certamente esta é uma decisão consciente da comissão técnica, mas esta postura perigosa pode dificultar demais alguns jogos aparentemente controlados. Por outro lado, indica a consciência que o time tem sobre si mesmo, o que é importante ao definir a proposta de jogo para cada partida em um campeonato tão longo.
O triunfo garantiu a liderança ao fim do turno com uma rodada de antecedência. Um título simbólico, é verdade, mas que indica a força do elenco celeste e o bom trabalho do treinador: mudam-se as peças, o estilo e até a estratégia, mas a consistência é mantida.
Alinhamentos iniciais
Marcelo Oliveira continuou com sua política de fazer rodízio com os jogadores, procurando poupar os que vem tendo sequências grandes. O escolhido da vez foi Ricardo Goulart, e com isso, Júlio Baptista e Borges foram escalados juntos, em suas posições normais do 4-2-3-1: Borges à frente e Júlio centralizado no meio. Fazendo a linha de três junto ao camisa 10 estiveram Éverton Ribeiro à direita e Willian à esquerda. Atrás deles, Henrique e Lucas Silva repetiram a parceria na volância, protegendo a linha defensiva formada por Ceará à direita, Dedé e Bruno Rodrigo no miolo e Egídio à esquerda. Fábio foi o goleiro e capitão.
Já o Bahia de Cristóvão Borges surpreendeu, abandonando o 4-3-3 das últimas partidas e vindo a campo numa espécie de 3-1-4-2. Defendendo a meta de Marcelo Lomba, Titi comandava a defesa, com Demerson à sua direita e Lucas Fonseca pela esquerda. Fahel era o cão de guarda do triângulo no círculo central, com Hélder mais avançado à esquerda e Marquinhos Gabriel um pouco mais centralizado à direita. Lado este que era fechado por Mádson, bem avançado e batendo com Egídio, e Raul na ala esquerda, um pouco mais atrás, mas ainda bem alto em relação a um lateral. Na frente, Wallyson caía mais pela esquerda e Fernandão ficava na referência.
Movimentos iniciais
Desde o apito inicial, o Bahia mostrou o que queria: se defender e jogar no erro do Cruzeiro. Fernandão marcava a partir da linha divisória; Wallyson acompanhava Ceará, deixando Raul mais preocupado com Éverton Ribeiro; do outro lado, Mádson batia com Egídio; os dois meias centrais duelavam com os volantes e Fahel perseguia Júlio Baptista; e na zaga, Willian era marcado por Demerson, Borges por Titi e Lucas Fonseca ficava na sobra da Raul. Praticamente uma marcação mano-a-mano, mas com sobras no meio e na direita, deixando os zagueiros do Cruzeiro completamente livres.
Por já ter a bola nos pés, o Cruzeiro agradeceu ao Bahia por não precisar dar intensidade na marcação, poupando-se do desgaste. Porém, este parecia também ser um dos objetivos com a bola: descansar. Com muita paciência e tocando a bola como em um jogo de handebol, alterando entre os lados até conseguir uma brecha, o time celeste dominou a posse de bola, mas sem a costumeira troca de posições e movimentação que caracterizam o time. O resultado foi o baixo número de finalizações do time se comparado com ele mesmo em outras partidas: foram apenas 5 no primeiro tempo.
Buscando outra rota
Com o meio completamente congestionado, e sem muita vontade de desorganizar o sistema defensivo do Bahia, o Cruzeiro procurou a rota aérea. Primeiro com Egídio achando Júlio Baptista no meio da área, com a bola beijando a trave, e no lance seguinte, Willian centrou a Borges que, entre os zagueiros, mandou de peixinho para abrir o placar.
Nem com o gol sofrido o Bahia mudou a postura — a posse de bola chegou a ficar em 64% a 36%. O que mudou foi que o Cruzeiro também passou a administrar e deixava os zagueiros do Bahia com a bola também. Porém, o time baiano não sabia bem o que fazer com ela, já que a defesa celeste estava bem sólida num 4-4-1-1, com os ponteiros voltando e se alinhando aos volantes. O sistema do Bahia não favorecia, porque causava a sobra dupla redundante na zaga (3 zagueiros contra Borges) e assim o Cruzeiro dobrava a marcação pelos lados.
O intervalo parecia longe já que o jogo estava bem insosso, mas Everton Ribeiro tratou de aumentar a emoção, ao receber cruzamento da direita, driblar dois zagueiros e concluir forte no ângulo direito de Lomba.
Fim da linha de três
Marcelo Oliveira não fez trocas, mas Cristóvão Borges percebeu que a defesa com três zagueiros não funcionou e mandou William Barbio a campo na vaga de Mádson. O atacante foi ser ponteiro direito, puxando Demerson para a lateral direita, deixando os outros dois zagueiros no meio e recuando Raul para a linha defensiva. Fahel continuou mais plantado e Wallyson abriu de vez pela esquerda, configurando o 4-3-3 clássico.
Em teoria, a troca daria mais velocidade de contra-ataque ao time da casa, já que agora os pontas não tinham mais tantas atribuições defensivas. Porém, para existir o contra-ataque, era preciso existir o ataque primeiro — mas o Cruzeiro estava obviamente satisfeito com o resultado, tentando se poupar o máximo possível, já que o Bahia não conseguia chegar perto de Fábio quando tinha a bola nos pés.
Talisca
A entrada de Anderson Talisca na vaga do lesionado Marquinhos Gabriel, porém, mudou este panorama. O jovem deu mais criatividade e certa fluência nos passes do time da casa, que chegou algumas vezes em velocidade pelos lados. Wallyson e William Barbio tiveram chances, mas desperdiçaram. Marcelo Oliveira respondeu “aproveitando” a lesão de Borges para lançar Ricardo Goulart, mas desta vez como meia central, mandando Júlio Baptista à frente. A intenção era voltar a acelerar o jogo quando o Cruzeiro tinha a bola, pois o jogo começava a ficar arriscado demais.
E ficou de vez depois do gol de Fahel, em cabeceio sozinho dentro da pequena área, após cruzamento da esquerda. Imediatamente, Cristóvão Borges queimou a regra três mandando Feijão na vaga de Hélder, um volante com mais saída e melhor passe. O Bahia se animou e tentou atacar, dando trabalho principalmente a Egídio pela esquerda. Foi então que Marcelo Oliveira promoveu o inusitado: tirou Egídio de campo e mandou Mayke. Ceará foi ser, talvez pela primeira vez na vida, lateral esquerdo — era clara a intenção de acabar com as investidas de William Barbio por ali.
Lado esquerdo
Apesar do cartão amarelo logo em seu primeiro lance, Ceará aparentemente deu conta do recado e o Bahia parou de ter tantas chances. Só chegou em um chute de Fernandão por cima em passe de Talisca. A última troca teria Éverton Ribeiro dando seu lugar a Martinuccio, jogando Willian para a direita. Em seu primeiro lance, o argentino já tentou o gol — sinal de que, agora sim, o Cruzeiro tinha alguém para acelerar o jogo e definir o confronto de uma vez por todas.
A origem do terceiro gol é o exemplo: Martinuccio recebe o passe e acelera, sofrendo falta. Depois da cobrança, a bola chega em Goulart, que também dá intensidade e sofre nova falta. Na cobrança, Willian achou Dedé na segunda trave, que cabeceou para defesa parcial de Lomba. Júlio Baptista, sumido desde que virou centro-avante, pegou o rebote e — finalmente — matou a partida.
Com “emoção”
O final da partida na Fonte Nova provou que o Cruzeiro poderia sim ter matado a partida em um momento anterior, se optasse por acelerar ao invés de tirar a velocidade do jogo. Mas não se pode culpar totalmente os jogadores, que enxergaram no jogo uma chance de se pouparem do grande desgaste físico que a temporada impõe sem perder pontos. Sem dúvida, é uma postura arriscada, mas que deu certo desta vez.
Outro aspecto tático a ser notado é que, com a entrada de Júlio Baptista, a equipe perde em mobilidade e leveza no meio, mas o camisa 10 compensa isto com experiência e poder de conclusão — já são dois gols em dois jogos e meio. Mais uma opção de formação para o 4-2-3-1, com uma característica diferente.
E essa é a principal virtude desta equipe: ser mutante e adaptável, tendo à sua disposição estratégias, estilos e rotas de ataque diferentes — mas sem alterar a plataforma tática. Essa manutenção é muito importante para os jogadores, pois quem entra já sabe como a equipe joga e de que posição deve partir para exercer sua função em campo, obviamente, adaptada para sua característica.
Isso faz com que o elenco rode e a regularidade se mantenha — aspecto primordial de muitos campeões de pontos corridos…