Dois descuidos da zaga, no início e no finzinho do jogo, tiraram os três pontos do Cruzeiro de ressaca pelo título conquistado oficialmente em Salvador. Méritos da Ponte Preta, que se defendeu bem e aproveitou as pouquíssimas oportunidades de gol que teve.
Mas ouso dizer que caso o Cruzeiro tivesse encarado o jogo “à vera” e não “à brinca”, o resultado com certeza seria outro.
Sistemas iniciais
O Cruzeiro, como todos sabem — menos o cara que faz a arte com a disposição tática antes dos jogos na TV — joga no seu costumeiro 4-2-3-1, mas desta vez com muitas novidades. Fábio, que será o primeiro jogador a colocar a mão na taça no dia 1º de dezembro, não foi poupado e defendeu a baliza celeste mais uma vez, protegido pelos zagueiros Paulão e Léo, com Ceará e Éverton fechando a defesa pelas laterais. Souza e Henrique formaram a dupla volância, dando suporte a Júlio Baptista como central e a Éverton Ribeiro e Willian de ponteiros, com Ricardo Goulart na frente.
Jorginho escalou a Ponte Preta num teórico 4-3-1-2 losangal. Na prática o desenho se deformou pela postura defensiva do time de Campinas na partida. O gol de Roberto foi defendido por Artur à direita, César e Ferron no miolo e Uendel à esquerda. Baraka era o “cão de guarda” da defesa, e era acompanhado nessa tarefa por Fernando Bob e Fellipe Bastos como os vértices laterais do losango. Adrianinho era o único meia criativo, com o atacante Rildo posicionado quase como um ponteiro esquerdo e Leonardo centralizado na referência.
Estacionando o ônibus
Antes do gol, o jogo já dava sinais de que seria praticamente um exercício de ataque contra defesa. E na primeira investida, cochilo de Léo na marcação de Leonardo, que iniciou a jogada sob a marcação do zagueiro, mas entrou na área para concluir livre. Talvez porque Léo se acostumou a jogar na esquerda da zaga quando fez parceria com Dedé — quando joga ao lado de Paulão, ele fica no seu lado preferido, o direito, no qual já foi até lateral.
O gol só fez acentuar a característica do jogo. Desesperada para fugir do rebaixamento, a Ponte Preta só se defendia. Nem contra-ataques arriscava, deixando apenas Leonardo já na sua intermediária defensiva como o homem mais avançado. O losango de meio-campo se planificou, Rildo voltava acompanhando Ceará, e Adrianinho afundava entre os volantes, transformando o time praticamente um 4-5-1 — assim mesmo, com cinco jogadores quase alinhados no meio-campo.
Sem conseguir entrar na defesa campineira, o Cruzeiro abusou de cruzamentos e finalizou bastante, mas com pouco perigo. E a partir dos 30 minutos, a Ponte conseguiu sair um pouco de trás e aproveitava algumas falhas provenientes do desentrosamento dos defensores do Cruzeiro: dois jogadores na pressão da bola e nenhum na cobertura, por exemplo, abrindo espaços que normalmente o Cruzeiro não cede.
Segunda etapa
Após virar o intervalo na frente, Jorginho acreditou na proposta. Apenas trocou Fellipe Bastos por Magal, na direita do “losango” — entre aspas porque o jogo voltou ao padrão ataque-defesa do primeiro tempo, fazendo com que a Ponte afundasse o seu meio-campo para marcar o Cruzeiro. Só que desta vez, Éverton Ribeiro começou a jogar pra valer: chamou o jogo pra si e começou a distribuir como nunca, mas as finalizações dos companheiros não eram boas.
Depois de quinze minutos, Marcelo Oliveira resolveu que era hora de tentar vencer, para dar alegria ao torcedor uberlandense. Em duas trocas, mandou Élber e Vinícius Araújo nas vagas de Júlio Baptista e Henrique, inovando: montou um 4-2-3-1 com Élber, Goulart e Willian atrás de Vinícius, mas com Éverton Ribeiro como um “armador recuado”, posicionado como volante, mas que só tinha a função de pensar o jogo. Na prática, era um 4-1-4-1/4-3-3, pois a Ponte praticamente não atacava.
Virada
A terceira troca, Éverton por Luan, já estava preparada antes mesmo do empate, num cabeceio de Souza em cobrança de escanteio de — não poderia ser outro — Éverton Ribeiro. Luan entrou como lateral-esquerdo mesmo, indicando a vontade de Marcelo de atacar a todo custo. Àquela altura, Willian já fazia mais companhia a Vinícius Araújo dentro da área ofensiva do que a Éverton Ribeiro no meio. Goulart passou à esquerda e o time ficou numa espécia de 2-1-3-4 — sim, porque os laterais estavam tão avançados que já não eram mais defensores.
Jorginho lançou Elias na vaga de Adrianinho numa troca direta, de meia por meia, mas era um jogador descansado. E pouco depois, mandou Rafael Ratão na vaga de Rildo, que neste jogo não foi atacante e sim “marcador de lateral”. Mas o jogo não mudou, e mais uma vez Éverton decidiu: recebeu um passe de Vinícius Araújo e viu a movimentação do garoto, colocando uma bola precisa e preciosa para o camisa 30 chutar de primeira e fazer um dos gols mais bonitos da rodada.
O Cruzeiro até que tentou mais vezes, mas em mais um descuido — desta vez de todo o sistema defensivo — a Ponte conseguiu achar o empate, num contra-ataque nem tão rápido assim, mas que pegou a defesa celeste se recompondo. Quem erra a interceptação do passe para Leonardo é Souza, que está fazendo a cobertura de Paulão, voltando lentamente de um ataque. Como era o único volante, não havia marcadores para impedir o passe original de Elias.
Filosofia vitoriosa
No primeiro texto do ano, este blog destacou o provável estilo de jogo que o Cruzeiro teria este ano, baseado nas contratações feitas. Seria um resgate do futebol ofensivo, de toque de bola, que é a escola histórica do Cruzeiro. Deu muito certo, ainda mais considerando que é uma equipe ainda em processo de amadurecimento.
Sim, pois como disse Fábio na sua entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN Brasil: “depois da eliminação para o Flamengo na Copa do Brasil, chegamos à conclusão de que nós não sabíamos jogar nos defendendo”. E sabendo dessa limitação, a partir dali o Cruzeiro arrancou para o título jogando da forma que sabe: atacando sempre, com intensidade.
Mas a frase também indica que há espaço para melhorar. Um time maduro consegue se adaptar sem problemas às características de uma partida, e haverá sim momentos em que o adversário tentará atacar de todas as formas. A Libertadores é uma competição que tem esse lado.
É preciso, portanto, saber variar a estratégia, mas sem variar o estilo. Porque deixar de ser um time de toque de bola, jamais.