Coritiba 4 x 0 Cruzeiro – Passando mal

Em seu pior jogo do ano, o Cruzeiro conseguiu levar quatro gols do Coritiba, dois de bola parada e outros dois de contra-ataque. Mas todos têm uma origem comum: a má execução do fundamento mais primordial do futebol — o passe. Sem isso, não há formação tática que seja suficientemente boa.

O 4-3-1-2 losango inicial do Cruzeiro, com Fabinho acompanhando o lateral e Marcelo Oliveira fechando o lado, e que conseguiu 20 minutos de equilíbrio, mas parou por aí

Sem Léo, Everton e Charles por suspensão, Borges, Victorino e William Magrão por lesão, e Montillo e Leandro Guerreiro preservados para o clássico, Celso Roth levou todos os jogadores restantes do elenco para Curitiba, e mandou a campo um 4-3-1-2, com o losango do meio formado por Sandro Silva no vértice baixo, Lucas Silva e Marcelo Oliveira pelos lados e Souza no topo. À frente do gol de Fábio, Rafael Donato e Thiago Carvalho fizeram a dupla de zaga, flanqueados por Ceará e Diego Renan. No ataque, Fabinho caindo pela direita e Wellington Paulista centralizado.

Marcelo Oliveira — o técnico do Coritiba — escalou o time da casa em seu costumeiro 4-2-3-1, com Vanderlei no gol, Ayrton pela direita da defesa, Luccas Claro e Escudero no miolo de zaga e Lucas Mendes pela esquerda. Júnior Urso e Chico protegiam a área atrás do trio formado por Robinho, Everton Ribeiro e Rafinha — desta vez aparecendo pela esquerda. Roberto foi o centro-avante solitário.

A única nota tática interessante dessa partida foi durante os 20 minutos iniciais, quando o jogo ainda estava equilibrado. No Cruzeiro, Marcelo Oliveira fechava pelo lado esquerdo para acompanhar as investidas do lateral direito Ayrton, e do outro lado Fabinho recuava para acompanhar Lucas Mendes, fazendo um 4-2-3-1 sem a bola. E com nenhum jogador levando vantagem claramente sobre seu marcador, o jogo seguia sem muitas chances de parte a parte. Aos poucos, o Coritiba começou a dominar o meio-campo, com mais amplitude mais bem postado, afinal era um 4-2-3-1 oficial, diferente da variação que partia de um losango do time cruzeirense.

O Coritiba alternava pressão alta e bloco médio, forçando o Cruzeiro a começar a errar passes e, por consequência, cometer faltas. Primeiro, uma falta perto do círculo central, que foi seguida de uma outra mais perto da área. Na cobrança, falha geral da defesa do Cruzeiro e principalmente de Marcelo Oliveira — o volante do Cruzeiro — que estava na marcação de Lucas Mendes, o autor do gol.

Estranhamente, o gol não chegou a afetar muito os jogadores do Cruzeiro, que tentaram reequilibrar o jogo. Marcelo Oliveira — o volante — teve a chance de se redimir em passe de Fabinho, mas mandou pra fora. Depois, mais uma falta, e desta vez Ayrton mandou direto: Fábio voou para espalmar. Era o prenúncio do que iria acontecer. Mais uma falta, na mesma posição, e dessa vez Ayrton mandou reto, sem efeito, batendo chapado na bola para ganhar o ângulo contrário de onde Fábio estava, que nem foi na bola. Golaço do lateral do Coritiba.

Aí entrou em campo o décimo segundo jogador de todos os times que jogam contra o Cruzeiro: o Cruzeiro. Pode parecer uma frase semanticamente estranha, mas é isso mesmo. O Cruzeiro ficou nervoso, se perdeu e errou todos os passes que conseguia.

O intervalo pareceria benéfico, para acalmar os ânimos e entrar com outra postura para quem sabe buscar o empate. Celso Roth bem que tentou mexer, tirando Lucas Silva e Diego Renan e mandando Tinga e Wallyson a campo. Marcelo Oliveira — o volante — recuou para a lateral esquerda, Sandro Silva ficaria se volante único atrás de Souza e Tinga armando para o trio de atacantes: Fabinho à direita, Wallyson à esquerda e WP centralizado.

Mas nem deu tempo de ver o que aconteceria. Logo aos três minutos, após uma sequência de disputas de bola perdidas no meio-campo, Ceará chegou a ter domínio da bola e tentou clarear pra frente, mas Rafinha estava no caminho dela, que espirrou em direção à área cruzeirense. Everton Ribeiro, mais bem posicionado que os zagueiros, chegou primeiro na bola, e serviu a Roberto, que ganhou de Marcelo Oliveira — o lateral — na corrida. Fábio fechou o ângulo, e teria conseguido defender a conclusão de Roberto, não fosse a bola ter desviado no pé de Rafael Donato indo morrer do lado oposto do gol.

A partir daí, o nervosismo do primeiro tempo voltou dobrado, e o Cruzeiro não esboçou sequer uma reação, nem mesmo pelo gol de honra. Vendo a situação do adversário, Marcelo Oliveira — o técnico — mandou sua equipe marcar avançado, forçando os zagueiros a bolas longas, ou fazendo os jogadores adversários a errarem passes — e como erraram. Quando raramente acertavam uma sequência, até chegavam perto da área do Coritiba, mas longe de ameaçarem Vanderlei, que sequer tocou na bola no primeiro tempo. Roberto, por sua vez, perdeu um gol incrível dentro da pequena área, sinal claro de que o jogo tinha terminado já no início do segundo tempo.

Aos 12, Marcelo Oliveira — o técnico — mandou o volante Gil no lugar de Robinho, sem alterar o 4-2-3-1, mas com uma desnecessária preocupação defensiva no flanco direito, pois o jogo já estava resolvido e o Cruzeiro entregue. Já aos 19 minutos Celso Roth queimou a terceira alteração, trocando seis por meia dúzia: Anselmo Ramon na vaga de WP. A ideia era, como sempre, segurar a bola na frente para esperar a chegada dos companheiros, mas nem isso o Cruzeiro fazia. Perdia todas as segundas bola e não conseguia dar chutões. As poucas bolas que chegavam eram perdidas pelo centro-avante, e logo o Coritiba retomava a posse e partia novamente, sem pressa, para o campo adversário.

Anderson Aquino, centro-avante, entrou para a saída de Roberto aos 26, e dois minutos depois Lucas Mendes saía para dar lugar ao zagueiro Dirceu. Escudero foi para a lateral esquerda, e o Coritiba manteve seu 4-2-3-1 intacto até o fim da partida. O único momento diferente foi quando Wallyson conseguiu uma finalização colocada no ângulo, mas pra fora. Aos 33, em um escanteio mal cobrado, a zaga do Coritiba tirou e Everton Ribeiro ficou com a sobra, aplicando um chapéu num atordoado Fabinho e mandando um balão para frente, na direção de Rafinha e Anderson Aquino. Ambos partiram do campo de defesa, portanto habilitados, enquanto a zaga do Cruzeiro ficava parada. Tinga foi quem foi atrás da dupla de atacantes do Coritiba, que até demorou para definir, permitindo que Tinga se postasse em cima da linha. Fábio saiu em cima da Rafinha, que passou a Aquino que completou.

Os últimos 13 minutos foram torturantes, e àquela altura eu já queria que o jogo acabasse logo. O Coritiba faria mais gols se quisesse, mas desacelerou e mesmo assim teve chances. O apito final do árbitro foi, quem diria, um alívio. O time do fim do jogo nem merece um diagrama tático.

Na coletiva, Celso Roth disse que já tinha visto o time perder o controle, mas ainda não tinha visto o time entregue, sem reação. E ficou preocupado — palavras dele. De fato: perder por um lance de sorte, acontece. Perder porque o outro time é melhor tecnicamente, acontece também. Ou muitos desfalques, uma mexida errada, um posicionamento tático equivocado — todos motivos normais de uma derrota, sem alarde. Até quando o time perde por errar demais pode ser considerado normal. Em todos os casos o importante é tentar. E nem isso o Cruzeiro fez: desistiu do jogo no terceiro gol.

E contra isso, não há formação tática ou habilidade técnica que resolva.

Cruzeiro 1 x 1 Fluminense – Fail

Jogando de igual para igual contra um elenco superior, o Cruzeiro mostrou evolução tática mas não conseguiu segurar a vitória contra o Fluminense no Independência na noite de quarta. Uma falha de cada defesa — mais algumas da arbitragem — sacramentaram o primeiro empate com gols do Cruzeiro na competição.

O onze inicial do Cruzeiro num 4-3-1-2 losango que variava para um 4-2-3-1 com o avanço de Everton e a cobertura de Leandro Guerreiro na esquerda na caça à Thiago Neves

Oficialmente, o Cruzeiro entrou em campo num 4-3-1-2 losango, a mesma formação da vitória contra o Bahia, mas com uma modificação no meio. Debaixo das traves, Fábio teve Ceará pela destra, Léo, Thiago Carvalho centralizados e Everton — escalado ao invés de Diego Renan no lugar de Marcelo Oliveira — na canhota de sua defesa. A entrada da área era protegida por Leandro Guerreiro, que tinha Charles pela direita e Lucas Silva pela esquerda — uma inversão em relação ao jogo em Pituaçu, provavelmente para dar mais segurança ao lado esquerdo da defesa. No topo do losango, Montillo pensava para Fabinho, mais aberto pela direita, e Wellington Paulista na referência.

Vendo o diagrama, é possível pensar que o lado esquerdo do ataque ficaria abandonado, fazendo as ações ofensivas ficarem previsíveis e facilitando a marcação adversária. A entrada de Everton ao invés de Diego Renan, porém, explica: Leandro Guerreiro perseguia Thiago Neves, que caía constantemente pela direita do ataque. Com isso, Guerreiro fechava a defesa pela esquerda, “empurrando” Everton à frente para fazer a linha de 3 com Montillo por dentro e Fabinho à direita, atrás de WP, e Lucas Silva e Charles faziam uma dupla de volantes com bom passe. Estava configurado um 4-2-3-1.

Abel Braga, para surpresa deste blogueiro, armou o Fluminense num estreito 4-2-2-2. O goleiro Diego Cavalieri viu Gum e Leandro Euzébio à sua frente, flanqueados por Wallace à direita e Carlinhos do lado oposto. Edinho e Jean protegiam a defesa e suportavam a dupla criativa Thiago Neves e Wagner (aquele mesmo). Na frente, Fred era a referência e tinha Samuel caindo pelos lados. Quando tinha a bola, Thiago Neves abria pela direita, deixando Wagner pensar mais o jogo pelo outro lado, fazendo um híbrido de 4-2-1-3 e 4-3-3 com triângulo alto no meio-campo, com o avanço de um dos volantes.

O Cruzeiro começou numa intensidade incrível já desde os primeiros minutos. Logo aos três, Montillo carregou a bola em um contra-ataque velocíssimo, atraindo a marcação, e depois passando a Fabinho, que concluiu assim que entrou na área. A bola passou por Cavalieri, beijou sua trave esquerda e a zaga do Fluminense afastou para a lateral. Na cobrança, Ceará mandou direto para a área, e a zaga do Fluminense ficou olhando WP dominar meio com a cabeça meio com a mão, e completar pro gol. Os jogadores do Fluminense foram reclamar com o assistente de fundo, mas o árbitro confirmou o gol, e mesmo se WP de fato tiver dominado com a mão, isso não justifica a falha da zaga carioca no lance, que deixou um lateral ser cobrado diretamente para um atacante dentro da pequena área — ainda que o gol não acontecesse.

A intensidade continuou após o gol. O Cruzeiro atacava por ambos os lados e dificultava muito a marcação adversária, e algumas chances foram criadas, com Montillo saindo de dois adversários e concluindo mal, e Fabinho chutando para fora ao ficar de frente para Cavalieri dentro da pequena área, tendo Everton e WP como alvos para passar a bola.

A coisa estava tão feia para o Fluminense, que em um lance de atendimento médico, consegui ver da arquibancada atrás do gol alguns jogadores se reunindo próxmo ao círculo central, discutindo e apontando com a mão para algumas regiões do campo. Estavam certamente tentando entender o que havia de diferente e o que precisava ser corrigido. Deve ter funcionado, pois a partir da metade do primeiro tempo, a intensidade cruzeirense foi diminuindo — nenhum time no mundo conseguiria manter ritmo tão forte durante os noventa minutos — e o jogo ficou mais equilibrado. O Cruzeiro escolheu uma estratégia de partir em contra-ataques velozes ou usar bolas longas, como no lance de pênalti não marcado de Wallace sobre Everton, o que poderia ter ampliado a vantagem e dar outra cara ao jogo. O Fluminense passou a ter mais volume e foi se aproximando da área de Fábio aos poucos, e começava a criar chances. Fred, por duas vezes, foi parado por Fábio, mas em uma jogada ensaiada não conseguiu pará-lo pela terceira vez no finzinho da primeira etapa: bola parada, cobrança de falta para a direita da área onde Thiago Carvalho marcava Gum. O zagueiro carioca cabeceou para dentro da pequena área, onde estava Fred, que completou para o gol praticamente em cima da linha. Quem marcava o jogador era Ceará, e Fábio não saiu do gol. Falha geral da defesa celeste.

Os times voltaram os mesmos do intervalo, mas pareciam totalmente diferentes. Parecia que nenhuma das duas equipes queria se arriscar demais para não dar campo para o adversário. O Cruzeiro levantava muitas bolas na área, mas na maioria das vezes elas eram seguras por Cavalieri ou iam para fora. Já o Fluminense pouco ameaçava, e Abel Braga resolveu mexer duplamente: trocou Carlinhos por Tiago Carleto, sem alteração na formação, e um atacante por outro, o lento Samuel por um Matheus Carvalho um pouco mais móvel. Mas somente cinco minutos se passaram até que Matheus Carvalho se desentendesse com Charles dentro da área cruzeirense e o juiz mandasse os dois pra fora.

Uma possível formação do Cruzeiro após a dupla expulsão: sem atacante de referência e Wallyson e Fabinho fechando os flancos, para chamar o Fluminense e usar os contra-ataques. Mas Celso preferiu manter WP em campo

Sem Charles, Guerreiro voltou ao meio-campo, e Everton recuou para a lateral esquerda. No Fluminense, nenhuma alteração. O que significava ambos os times no 4-2-2-1. Celso Roth demorou a mexer no time, aos 35, e ainda assim trocando um velocista por outro, Fabinho por Wallyson. Wallyson era sim a opção correta, mas o jogador a sair era WP, com dois jogadores velozes combinando com Montillo para tentar a velocidade em um campo com muito espaço. Talvez o comandante celeste tenha ficado receoso de perder a referência na área, mas era exatamente isso que faria nos ganhar o meio-campo com um homem a mais numa espécie de 4-2-3-0, causando sobra redundante na defesa adversária.

Rafael Sóbis entraria no lugar de Wagner para configurar de vez o 4-2-3 suicida do Fluminense. A ideia era reter a posse de bola, mas os volantes do Cruzeiro conseguiam fazer isso com mais qualidade e o Cruzeiro acabou avançando mais e mais, mas sem sucesso no último passe. Ceará saiu para Diego Renan, por cansaço, sem configurar alterações táticas, e só bem no fim Souza entrou no lugar de Montillo, também cansado. Nem deu muito tempo do meia tocar na bola e o juiz já havia apitado o fim do jogo.

O primeiro empate com gols poderia vir de duas formas: com o Cruzeiro saindo atrás no placar e empatando ou vice-versa. Infelizmente foi do segundo modo, quebrando a escrita de sempre vencer quando fazia o primeiro gol. Poderíamos considerar isso um mau sinal, em uma primeira análise, mas a verdade é que o Fluminense tem um dos elencos mais qualificados do campeonato, o time joga junto há bem mais tempo e por isso mesmo está bem mais maduro. O Cruzeiro jogou de igual para igual e até melhor do que os cariocas em determinados momentos do jogo, portanto há mais coisas positivas a se destacar do que negativas nesta partida.

Mais uma vez, Everton demonstrou que pode ser um bom ponteiro esquerdo, desde que esteja devidamente protegido em sua defesa. Talvez um bom teste seria escalá-lo do lado direito, com Montillo de ponteiro esquerdo e tendo Souza ou Tinga por dentro no 4-2-3-1. A dupla Charles e Lucas Silva também foi muito bem, e pode ser útil quando o time precisar sair para o abafa tendo dois volantes passadores no meio. Lucas Silva, em particular, fez sempre jogos consistentes nas três oportunidades que teve, contra Portuguesa, Bahia e Fluminense.

A nota negativa desta partida fica por conta da demora de Roth em mudar o time após as expulsões. É claro que ele não tem o elenco que gostaria, com uma miríade de opções no banco, mas os jogadores que lá estavam poderiam sim dar uma outra cara ao jogo naquele momento. Além disso, quando fez as substituições, fez trocas conservadoras. Alguns torcedores chamaram o treinador de “burro” atrás de mim na arquibancada naquele momento.

Contra o Coritiba, que é o time que mais joga pela direita do campeonato, o time terá de ter um lado esquerdo forte defensivamente. Charles, Léo e Everton estão suspensos, com Lucas Silva e Rafael Donato entrando nos lugares dos dois primeiros, mas com a dúvida na lateral esquerda: Marcelo Oliveira ou Diego Renan? O primeiro tem mais poder de marcação que o segundo, mas sai bem menos para o jogo, e o segundo é lateral de ofício, apesar de não estar em boa fase. Para mim, Marcelo é a melhor opção em termos táticos.

Seria excelente voltarmos com a vitória de Curitiba para termos moral no clássico. E num clássico, confiança é fundamental.

Bahia 0 x 1 Cruzeiro – Sofrer sem sofrer

Mesmo sem jogar bem ofensivamente e correndo riscos desnecessários, sair à frente no placar deu a tranquilidade que o Cruzeiro precisava para fazer o frágil ataque do Bahia passar em branco, no último sábado em Pituaçu.

O 4-3-1-2 losango cruzeirense do primeiro tempo, com Ceará bem mais solto que Marcelo Oliveira e sendo coberto por Lucas Silva, que sobrou no meio-campo e também chegava ao ataque com qualidade

Celso Roth fez mudanças em cinco posições e escalou o Cruzeiro num 4-3-1-2 losango “a la” Vagner Mancini. O gol de Fábio foi defendido por Ceará na direita, Marcelo Oliveira na esquerda e Léo e Thiago Carvalho no miolo. À frente destes, Leandro Guerreiro foi o vértice mais baixo do losango, que ainda tinha Lucas Silva pela direita e Charles pela esquerda. No topo, Montilo ligava para Borges, mais centralizado, e Wellington Paulista, mais pelos lados.

O Bahia foi escalado por Caio Júnior em seu esquema preferido, o 4-2-3-1, mas que tinha uma característica diagonal. O goleiro Marcelo Lomba teve os volantes Diones e Hélder nas laterais direita e esquerda respectivamente, com Danny Morais e Titi de zagueiros centrais. Fabinho e Fahel suportavam na volância Mancini, articulador central, que tinha Zé Roberto, um pouco mais recuado e aberto pela direita, Gabriel mais à frente do lado oposto e Rafael no comando do ataque.

Os dois flancos cruzeirenses tinha comportamentos diferentes. Do lado esquerdo, Marcelo Oliveira ficava naturalmente mais preso. Com isso, Charles não precisava cobrir as investidas do camisa 6 e continuou exercendo sua função de marcador no meio campo, pegando principalmente o volante adversário Fabinho, que era quem se arriscava mais — Fahel ficava mais plantado, por vezes recebendo a marcação de Montillo.

Mas o lado mais forte do Cruzeiro era o direito. Tudo porque, como Guerreiro perseguia Mancini, Lucas Silva sobrava no meio-campo. Assim, ora o garoto cobria os avanços de Ceará pela direita, marcando o meia-atacante Gabriel, ora tinha liberdade para sair, fazer o primeiro passe e até se juntar ao ataque. Tanto que em um determinado lance, mandou um petardo de fora da área que passou rente à trave direita de Lomba. Exerceu a função de meio-campista pela direita com qualidade, fazendo uma excelente partida.

E foi pela direita que nasceu o gol, em avanço de Ceará. Marcado de longe por Hélder, Ceará encaixou um cruzamento para os dois alvos dentro da área. Os zagueiros até conseguiram rebater, mas a bola sobrou para Montillo, dentro da área e com espaço. Ajeitou e finalizou primorosamente, fora do alcance dos pés dos zagueiros e da mão do goleiro adversário.

Sair na frente, como tem sempre acontecido nas partidas do Cruzeiro, acalmou os ânimos. Com um homem a mais no meio-campo, o Cruzeiro se dava ao luxo de rodar a bola com paciência, e conseguia chegar até com certa facilidade perto da área baiana. Porém, como aconteceu na partida contra a Ponte Preta, o time só atacava por um lado e ficava previsível na marcação, facilitando o trabalho dos defensores da casa. A rigor, a única boa chance do Cruzeiro além do gol foi uma bola roubada por Montillo, fazendo pressão alta no zagueiro do Bahia. Roubada a bola, o argentino esperou o posicionamento de Borges, dando um passe primoroso, fora do alcance de Lomba. Borges mandou pra fora o que seria o gol da tranquilidade absoluta.

Já o Bahia não ameaçou a meta cruzeirense nenhuma vez com real perigo no primeiro tempo, muito por conta da boa marcação que o Cruzeiro exercia nos articuladores Zé Roberto, Mancini e Gabriel. Rafael praticamente não tocaria na bola se não recuasse algumas vezes para participar do jogo no meio-campo. Com a linha de três bem marcada, quem tinha de sair para o jogo era Fabinho, o que abria ainda mais o meio-campo com quatro jogadores do Cruzeiro.

Além disso, estranhamente o Bahia não saía pelo lado direito com Diones, preferindo sair pela esquerda com Hélder. Ambos estavam livres, mas quando Hélder era acionado, Ceará e Lucas Silva alternavam na marcação, e pelo lado oposto Diones tinha campo livre, já que Charles estava mais para dentro do campo e Marcelo Oliveira estava mais preso na defesa. Isso também facilitou a marcação, e o primeiro tempo terminou com o Cruzeiro controlando a posse e o Bahia ameaçando pouco.

Os dois times voltaram modificados do vestiário. Roth tirou Borges e lançou Anselmo Ramon. A intenção era chutar a bola em direção ao pivô, para que ele segurasse a bola e esperasse a chegada dos companheiros. Já Caio Júnior colocou Lulinha na vaga de Fabinho. Ele foi jogar do lado esquerdo, Gabriel inverteu para a direita, recuando Zé Roberto para pensar o jogo ao lado de Mancini. O time se transformou num 4-3-3 brasileiro, ou 4-1-2-3.

A segunda etapa começou, entretanto, com o Cruzeiro postado num 3-4-1-2, com Guerreiro afundado entre os zagueiros. Talvez Celso Roth tivesse pensado que Lulinha seria mais um atacante ao lado de Rafael, e portanto fez a sobra sem prender os laterais, que continuariam marcando os jogadores abertos. Assim, os dois times passaram e ter trios no centro do campo, desfazendo a vantagem numérica cruzeirense no setor que havia no primeiro tempo. A consequência foi um pequeno sufoco que o Bahia aplicou nos minutos iniciais, ma sem finalizações perigosas e com muitas bolas na área, todas rebatidas pela zaga.

Aparentemente o próprio Leandro Guerreiro deve ter percebido que estava fazendo uma sobra redundante tendo apenas um jogador dentro da área, e avançou novamente para o meio-campo, recompondo o 4-3-1-2 losango inicial. A pressão baiana arrefeceu e o Cruzeiro começou a controlar novamente a posse no meio-campo, sempre tendo linhas de passe para sair tocando com tranquilidade.

Aos 20, trocas de laterais direitos nas duas equipes, mantendo a formação de ambas. Ceará deu lugar a Diego Renan, por contusão. No Bahia, Diones, volante improvisado, saiu para a entrada de Gil Bahia, revelação da base do Cruzeiro. O garoto, muito mais ofensivo que Diones, entrou para equilibrar os dois lados, e acabou fazendo dois contra um em cima de Marcelo Oliveira, junto com Gabriel. WP teve que começar a recuar pelo lado direito para ajudar Marcelo, e com os três volante do Cruzeiro postados na frente da área, o Cruzeiro ficou postado num estranho 4-4-1-1, meio torto, com um buraco do lado esquerdo, eventualmente preenchido por Montillo fazendo um 4-5-1 em linha pouco usual.

O Bahia avançava suas linhas cada vez mais, empurrando o Cruzeiro para dentro de sua própria área. Com a frente da área bem protegida, o Cruzeiro forçava o jogo do Bahia pelos lados, e o atacante adversário do lado oposto entrava na área para ser alvo dos inúmeros cruzamentos tentados. De tanto insistir, alguns foram certos, mas para sorte do Cruzeiro, nenhuma finalização foi muito perigosa, e Fábio teve pouco trabalho.

O estranho híbrido de 4-4-1-1 e 5-3-1-1 super defensivo do final da partida, tendo WP quase como volante e Anselmo Ramon como alvo das rebatidas para segurar a bola e esperar os companheiros

A última cartada de Caio Júnior foi sacar seu atacante Rafael e lançar o estreante Caio em seu lugar. O meia jogou um pouco mais recuado, os atacantes abertos entraram um pouco mais no campo e o Bahia ficou com cara de 4-1-3-2, sem centro-avante. O treinador baiano queria tentar o gol pelo chão, mas a alteração não deu muito certo e o Bahia continuava levantando bolas na área. A zaga do Cruzeiro começou a ganhar as bolas, e a entrada de Souza no lugar de um cansado Montillo, quase como um lateral esquerdo, mandando Marcelo Oliveira mais para dentro do campo e dando uma cara de 5-3-1-1 ao time, fez com que o ímpeto baiano fosse diminuindo e matando o jogo aos poucos. A bola foi ficando pelo meio-campo e a vitória veio.

Uma vitória, aliás, que veio muito mais pela qualidade técnica de Montillo na finalização do que no posicionamento tático. É verdade que com um homem a mais no meio-campo o Cruzeiro teve mais controle do setor, mas não soube aproveitar muito isto. Além disso, continuou a previsibilidade do ataque, insistindo praticamente somente pela direita ao invés de tentar virar o lado da jogada e surpreender o adversário. Isso precisa ser corrigido rapidamente.

Particularmente, não gosto dessa formação em losango. É uma boa formação quando se tem laterais ofensivos, que apóiam com qualidade, mas nossos laterais, com uma reticente ressalva feita a Ceará, não tem essa qualidade e acabam ficando muitos expostos. Se medidas forem tomadas para ajudá-los, como por exemplo, mandar os lados do losango na cobertura, abrimos o meio-campo e provavelmente perderemos a batalha pela posse de bola. Eu ainda prefiro o 4-2-3-1 com Montillo de ponteiro esquerdo.

Mas nem tudo são espinhos. Mais uma vez o garoto Lucas Silva provou que pode sim ser titular neste time, é uma grata surpresa para Celso Roth. Provavelmente será mantido. Outra virtude a se ressaltar foi que o passe errado na transição — um dos maiores defeitos da equipe atual — não apareceu na partida, o que foi consequência direta da calma do time. Esta, por sua vez, foi causada pelo fato de o time já estar à frente no placar. É um efeito cascata, que evidencia o quanto o fator psicológico vem influenciando na atuação da equipe no campeonato.

O próximo jogo será em casa contra o vice-líder Fluminense. Será o primeiro depois do episódio da torcida versus Charles na partida contra a Ponte Preta. É preciso que a torcida jogue junto, para não desestabilizar ainda mais o emocional do time.

Outra coisa importante será a formação: o Fluminense joga num conhecidíssimo 4-2-3-1, com Fred sendo suportado por três entre Deco, Thiago Neves, Wagner (aquele mesmo), Rafael Sobis e Wellington Nem. Um meio-campo ofensivo de dar inveja. Deco e Nem devem estar fora, portanto o quarteto ofensivo deve ser Sobis, Thiago Neves, Wagner e Fred. Não sou da opinião de que o losango deva ser mantido, mas a julgar pela sequência de trabalho de Celso Roth, isso deverá acontecer, e portanto podemos esperar um Cruzeiro mais recuado esperando o Fluminense em seu campo para partir em velocidade nos contra-ataques, mesmo em casa.

Sair para o jogo com essas formações em campo será arriscar demais, e o que importa atualmente são os três pontos, mesmo que seja com um futebol desagradável aos olhares brasileiros.

Ponte Preta e Santos – A torcida contra o time

Muitos compromissos na última semana, o calendário quarta-e-domingo do Brasileirão e o fato deste blog não ser minha atividade principal (ainda, espero) foram determinantes para que três jogos se passassem sem análises táticas. Portanto, vou emendar duas numa só postagem, e deixo a partida contra o Bahia para mais tarde.

Cruzeiro 1 x 2 Ponte Preta

Dois fatores chamaram a atenção neste jogo. O primeiro é que, mesmo tendo todo o time à disposição e tendo todas as razões do mundo para manter o excelente 4-2-3-1 na vitória contra o Palmeiras, o técnico Celso Roth mexeu na formação. E não falo da alteração de Thiago Carvalho por Leo, na zaga, mas sim da inversão dos ponteiros: Montillo jogou pela direita e Wallyson pela esquerda.

A consequência foi que, com a escalação do ofensivo lateral Cicinho como ponteiro direito, Gilson Kleina prendeu Diego Renan na marcação e Wallyson ficou isolado à frente. Do outro lado, Ceará apoiava mais e Montillo recebia todos os passes, e o time ficou previsível, atacando apenas pela direita. Posicionar Montillo do lado esquerdo equilibraria o time, com opções de ataque por ambos os lados, ainda mais com a tendência que Wallyson tem de centralizar, arrastando o seu marcador e abrindo o corredor para Ceará.

Ironicamente, foi do lado esquerdo o gol da Ponte. Cicinho, invertido pelo lado esquerdo do ataque, recebeu uma bola rápida e profunda, originada de um passe errado – o maior defeito da equipe até aqui nesse campeonato. Fábio nada pôde fazer, mas o Cruzeiro empataria ainda no primeiro tempo, quando Montillo fez uma jogada pelo lado esquerdo de lado – eu já dizia – cruzando para Borges completar. Era o retrato da inversão tática.

O argentino nem teve tempo de desfrutar de vez do lado esquerdo na volta do intervalo. Numa falta sem nenhuma pretensão, Marcinho cobrou para a área, mas a bola enganou Fábio e entrou direto. Atrás no placar, o Cruzeiro ficou ansioso e errou ainda mais passes. A derrota ilustrou o momento psicológico instável da equipe.

Mas a pior atuação neste jogo foi… da torcida. Vaiou Charles ainda no primeiro tempo, com poucos minutos de jogo, devido a um ou dois passes errados que o volante deu. Jogou contra, afetou o jogador, e por extensão todo o resto do time. E isso teria consequências para além daquele jogo…

Santos 4 x 2 Cruzeiro

Celso Roth manteve o 4-2-3-1, mas trocou Charles por Sandro Silva. Ele havia dito no início da partida que era por questões táticas, para liberar o apoio dos dois laterais ao mesmo tempo. Porém, questionado por jornalistas no fim do jogo, Roth acabou dizendo que as vaias contra Charles foram também uma razão para não escalá-lo logo de cara.

Pois o que aconteceu no jogo foi que Muricy Ramalho bloqueou os flancos num 4-4-2 que passava por 4-2-3-1 e chegava a um 4-2-4 com uma movimentação interessantíssima do quarteto ofensivo de garotos, comandados de trás por Arouca. Este, aliás, foi senhor do meio-campo no jogo, já que com a saída pelos laterais bloqueada, o Cruzeiro era forçado a ir por dentro, mas tinha escalado dois volantes marcadores: Guerreiro e Sandro Silva. Ficou a cargo último deste tentar fazer o primeiro passe, mas ele não era o jogador certo para a função, mas Arouca é. O volante adversário explorou muito bem os espaços proporcionados pelo divórcio do time: 5 defensores e 5 atacantes, ou 6 defensores e 4 atacantes quando Sandro Silva ficava plantado.

Com o meio-campo vazio e uma distância enorme entre os setores, todas os rebotes eram do time santista, ofensivos e defensivos. Com isso, o time da casa chegava com muita facilidade perto da área celeste. A tranquilidade e o espaço que Felipe Anderson teve para armar o chute de fora da área no primeiro gol ilustram isto. O Cruzeiro empataria em lance de oportunismo de Borges.

Percebendo o erro, Celso mandou Charles a campo no segundo tempo e o Cruzeiro até melhorou, dominando a posse de bola. Era óbvio, pois agora o Cruzeiro tinha gente para quem passar a bola por ali. Foi Charles quem sofreu a falta cobrada por Ceará para novo empate. Mas os erros táticos eram muitos, e a igualdade não duraria muito: ninguém espanou a bola em cobrança de falta na área do Cruzeiro, e ela ficou rondando a meta de Fábio até que Durval, um zagueiro, completou. Novamente atrás no placar, novamente a ansiedade bateu, e, no fim, desesperado por um improvável terceiro empate, um drible errado no meio-campo deu um contra-ataque fácil para os rápidos atacantes adversários, e o jogo terminou no quarto gol.

Conclusões

Confesso que ainda tenho muito para viver, mas nunca havia visto a torcida ter uma influência tão negativa em um time como nessas partidas. As vaias para Charles tiveram consequências diretas na atitude e até na escalação da equipe. Arrisco dizer que, caso Charles fosse escalado desde o início contra o Santos, teríamos melhor sorte.

Listo aqui os três maiores defeitos do Cruzeiro até aqui, pela ordem de importância. Primeiro, a ansiedade e o descontrole emocional. O Cruzeiro joga bem quando sai na frente do marcador, mas quando tem de correr atrás, ainda precisa controlar seus nervos. A estatística prova: exceção feita ao jogo contra o Botafogo no início do campeonato, o Cruzeiro perdeu todos os jogos em que levou o primeiro gol e venceu todos nos quais fez o primeiro gol. Viradas em jogos do Cruzeiro são improváveis.

Segundo, o número absurdo de passes errados, principalmente em momentos chave, como na transição defesa-ataque. Ao recuperar a bola, todo o time já se posiciona para abrir as linhas de passes, desconfigurando momentaneamente a estrutura defensiva, que seria recomposta com a perda da posse ou a conclusão da jogada no gol adversário. Perder a bola rapidamente, ainda em seu campo, significa dar ao adversário a chance de explorar esses espaços criados, e os adversários tem feito isso sistematicamente.

E terceiro, Celso Roth tem experimentado demais. Após o jogo contra o Palmeiras, o treinador disse que tinha encontrado uma maneira de jogar para a equipe, com o 4-2-3-1 e Montillo como ponteiro, Tinga por dentro e Wallyson do outro lado, atrás de Borges. Não durou nem dois jogos, visto que contra o Bahia — cuja reprise ainda não assisti — aparentemente o losango no meio voltou, com dois centro-avantes. O rodízio intenso é prejudicial. Entendo a política de tirar do time jogadores que não tiveram boas atuações técnicas em seus jogos, mas é preciso equilibrar isso com insistência tática. Era preciso insistir com Leo e Victorino na zaga, por exemplo. Ou com Charles no meio-campo, ou ainda colocar Wallyson mais uma vez ao lado de Tinga e Montillo na linha de três. Talvez dar uma chance a Souza, um passador nato e apropriado para jogar centralizado, no lugar de Tinga. Até mesmo recuar este último, sacando Guerreiro para termos uma volância marcadora, como deve ser, mas ao mesmo tempo com técnica, com Charles e Tinga.

Entretanto, apesar dos pesares e aos trancos e barrancos, estamos neste momento em sexto lugar. Nada mal para quem está oscilando tanto. Sinal de que os resultados, se não vêm em abundância ou em sequência, estão sendo suficientes para não fazermos uma campanha tão sofrível quanto no ano passado. Mas é preciso insistir em uma formação, pois, a longo prazo, aí sim teremos sequências interessantes, pois elas só vem assim.

Cruzeiro 2 x 1 Palmeiras – O ponteiro esquerdo

Apresentando uma novidade na formação, o Cruzeiro venceu com propriedade o Palmeiras ontem na Arena Independência, apesar dos erros da arbitragem.

Montillo de ponteiro esquerdo, voltando com o lateral, Tinga centralizado se movendo por todo o campo e Wallyson se juntando a Borges pela direita no novo 4-2-3-1 cruzeirense

Ao contrário do que disse um certo comentarista de uma certa rádio de Belo Horizonte — inclusive contrariando o que disseram Tinga e o próprio treinador nas coletivas ao fim do jogo — Celso Roth surpreendeu e escalou o Cruzeiro em um 4-2-3-1 claríssimo (e não um 4-4-2 como disse o comentarista). Fábio teve Ceará na direita, Thiago Carvalho e Victorino à sua frente e Diego Renan à esquerda. Protegendo a área, Leandro Guerreiro dava mais liberdade a seu parceiro de volância Charles. A novidade tática, entretanto, estava na linha de meias: Tinga, aparecendo centralizado, tinha Wallyson pela direita e Montillo estreando como ponteiro esquerdo. Borges era a referência.

Felipão não saiu do esquema que vinha usando nos últimos jogos e mandou sua equipe no mesmo esquema do adversário — o que, estranhamente, foi notado pelo comentarista citado. O 4-2-3-1 palmeirense tinha o goleiro Bruno sendo defendido por Leandro Amaro e Henrique (que vinha jogando de volante e foi recuado neste jogo) flanqueados por Artur na direita e Fernandinho do lado oposto; Márcio Araújo, mais plantando, e João Vítor suportavam Patrik pela direita, Daniel Carvalho por dentro e Mazinho pela esquerda, com Hernán Barcos enfiado.

Como é de costume quando estes dois esquemas se enfrentam, os embates típicos são a dupla de zaga contra o centro-avante, o volante plantado contra o meia central, os dois volantes da sobra batalhando entre si e laterais contra ponteiros. Façamos um exercício didático, portanto: Borges enfrentava Leandro Amaro e Henrique, e na outra ponta do campo Barcos encostava em Thiago Carvalho com Victorino na sobra; no meio, Guerreiro ficava a cargo de Daniel Carvalho, Charles vigiava (e tentava se livrar de) João Vitor e Tinga era perseguido por Márcio Araújo. Pelos lados, os duelos eram Ceará x Mazinho, Diego Renan x Patrik, Wallyson x Artur e o duelo desigual entre Montillo e Fernandinho.

Qual é a diferença, a grande novidade tática? É simples: Tinga já tinha tendências centralizadoras quando era escalado como ponteiro, enquanto que Montillo tendia a cair pelos lados, fazendo uma função que Michael Cox, do excelente Zonal Marking, batizou como “ponteiro central“, quando seu posicionamento era o centro do meio-campo. Celso Roth apenas oficializou as coisas. O resultado direto, como o próprio Tinga disse ao fim da partida quando explicava a diferença de posicionamento em relação aos jogos anteriores, foi que Montillo teve mais espaço para poder utilizar a sua melhor arma: a vitória pessoal, como diria o treinador celeste. Ou como disse o Predador Azul, o “um contra um”.

Sim, os treinadores adversários perceberam que, ao escalar um volante sempre encostando no argentino, às vezes em marcação individual destacada — e até mesmo chegando ao exagero de encurtar até quando o própria equipe tinha a posse de bola — Montillo produzia pouco, e mesmo quando conseguia vencer o seu marcador, havia muitas sobras para tirar a bola do camisa 10. Ao deslocá-lo para a esquerda, resolvem-se três problemas em um: primeiro, troca-se o marcador principal do argentino, facilitando a “vitória pessoal”, já que os volantes plantados têm muito mais poder de marcação que um lateral; segundo, a marcação é única e não dupla; e terceiro, ao ser deslocado para a esquerda, Montillo foi o que se chama de “ponteiro de pé invertido”, ou seja, um destro na esquerda (análogo a um canhoto na direita — Martinuccio pode ser uma bela novidade quando se recuperar). A vantagem de inverter os pés dos ponteiros é que, com isso, eles podem cortar para dentro e arriscar um chute, ou então servir uma jogada de profundidade para o centro-avante, ou ainda cruzar para a área de uma posição mais recuada. Assim jogam Robben e Ribery no Bayern de Munique vice-campeão europeu.

Todos os lances do argentino no primeiro tempo, de alguma forma, derivaram deste seu novo posicionamento. Ele vencia facilmente o duelo com o pobre Fernandinho, que certamente não esperava ter que marcá-lo na partida de ontem, e criava muito pelo setor. Fez um cruzamento, arriscou um chute quando cortou pra dentro e recebeu a assistência de Tinga para a falta fora da área que recebeu, mas que o juiz deu pênalti. Borges converteu o maior volume de jogo cruzeirense em vantagem no placar.

Mas não foi só o argentino que apareceu. Praticamente todo o time foi bem ontem. A nova dupla de zaga, Victorino e Thiago Carvalho, segurou bem as investidas do ataque palmeirense, principalmente nas bolas aéreas para Barcos, que, à exceção do pênalti cobrado, nada produziu durante todo o tempo em que esteve em campo. Ceará tomou conta da lateral direita, marcando com firmeza e apoiando o ataque aproveitando o corredor aberto por Wallyson; do outro lado, Diego Renan também foi aplicado na marcação e não deixava Patrik com liberdade. Guerreiro perseguia Daniel Carvalho com precisão, mesmo quando o meia palmeirense abria pela esquerda invertendo com Patrik, e ao mesmo tempo fazia o primeiro passe sem sustos, procurando os laterais, Charles ou Tinga. Estes dois, por sua vez, foram excelentes no meio-campo: Charles, com mais liberdade devido ao posicionamento mais afundado de João Vítor, tinha tempo na bola e podia pensar o jogo com calma, e Tinga, o Predador Azul, corria por todo o campo, dando sempre a opção para um passe de segurança. Montillo, indomável como ponteiro esquerdo, surpreendeu defensivamente ao voltar junto com o lateral Fernandinho, quando este tinha a audácia de apoiar; Borges, o autor dos gols, com boa presença de área — principalmente no segundo gol, e a volta do bom futebol do garoto Wallyson, que dava opção de passe profundo pela direita e por vezes centralizava buscando a diagonal para auxiliar Borges. A única nota negativa, se é que se pode dizer assim, foi a não tão grande aplicação defensiva do garoto, que por vezes “esquecia” a recomposição pelo lado e dava campo para o lateral Artur subir sem ser incomodado. Foi por ali que o Palmeiras conseguiu seus lances mais perigosos, mesmo que longe de assustar Fábio.

No intervalo, Felipão desfez o 4-2-3-1 e lançou Obina na vaga de Patrik. A intenção era acabar com a marcação encaixada, aumentando o número de atacantes e fazendo número no meio-campo ao mesmo tempo, num 4-2-2-2 que virava duas linhas de quatro bem inglesas sem a bola: Mazinho trocou de lado, Daniel Carvalho fechava pela esquerda e os dois volantes compunham a primeira parede. Com a bola, os meias abertos entravam pelo meio-campo para pensar o jogo. Roth respondeu afundando Guerreiro entre os zagueiros para fazer a sobra, mas a consequência direta era ficar com ainda menos jogadores no meio-campo: Charles era ajudado por Tinga, mas o Palmeiras tinha quatro no meio. Assim, o time paulista dominou a posse de bola, inclusive tendo longos períodos com ela, mas sem ser incisivo.

A desvantagem do 4-2-2-2 era fazer o time ficar estreito, que, com o apoio dos laterais, abria os flancos para os contra-ataques celestes. E eles vieram, ainda mais perigosos com Montillo jogando oficialmente pela esquerda. Foi com ele que nasceu o lance do segundo gol, conduzindo e invertendo para Wallyson, que de primeira mandou a Tinga na marca do pênalti. Marcado, o Predador girou e finalizou, a bola resvalou no zagueiro e sobrou novamente para Wallyson, que centrou para Borges completar com excelente senso de posicionamento.

Depois do gol, o Palmeiras se lançou ainda mais à frente tentando diminuir o placar, e o Cruzeiro teve várias chances de matar o jogo no terceiro gol. Wallyson teve a chance de se consagrar fazendo o terceiro num passe longo de Montillo para ele em velocidade, mas Bruno conseguiu defender. Felipão aproveitou a superioridade numérica no meio-campo e oficializou o “abafa”, tirando mais um meia, desta vez Daniel Carvalho, e mandando Maikon Leite para o jogo. Ele foi atuar pela direita, forçando em Diego Renan, e Mazinho voltou a atuar aberto pela esquerda em cima de Ceará, fazendo um ultra-ofensivo 4-2-4. No primeiro lance, Maikon Leite receberia lançamento em velocidade e Victorino cometeu o pênalti, num dos poucos lances de desatenção da zaga azul. Barcos deslocou Fábio para diminuir, e o placar havia ficado perigoso.

O Palmeiras se animou com o gol, como é natural. Mas a zaga cruzeirense, incluindo Leandro Guerreiro na sobra, estava em noite inspirada, e não deixou o Palmeiras concluir a gol com perigo. Além disso, Wallyson e Montillo ainda estavam presentes em campo, e o perigo de um contra-ataque fatal era constante. A combinação destes dois fatores fez Felipão fazer a última mudança e tirar Barcos do campo, mandando Betinho. O Palmeiras voltava a ter três no meio em seu 4-2-1-3, mas desta vez Celso Roth respondeu lançando William Magrão no lugar de um cansado Wallyson. Tinga foi jogar de meia-direita, ajudando Ceará, e Magrão foi fazer companhia a Charles à frente da área. Guerreiro continuava na sobra, mas com liberdade para se adiantar, já que só havia apenas um atacante adversário na área. Assim, o meio-campo voltou a ser um setor equilibrado em número de jogadores.

No fim, Cruzeiro numa espécie de 5-4-1 variando para 4-1-4-1, com Guerreiro circulando entre as linhas (ou afundando entre os zagueiros), Magrão e Charles protegendo a área e Anselmo Ramon na frente para reter a bola como pivô

A partir daí, portanto, o Palmeiras não teve mais tanto volume e o jogo voltou a se equilibrar. O Cruzeiro novamente teve chances de matar o jogo, inclusive com Tinga em arremate que Bruno defendeu. Borges e Montillo sairiam ainda para as entradas de Anselmo Ramon — para reter a bola e esperar a chegada dos companheiros — e Souza — que entrou mais para marcar pelo lado esquerdo do que para passar. O jogo seguiu até o fim com o Palmeiras tentando mais na base da raça, mas o Cruzeiro estava bem postado e só era ameaçado nas bolas paradas, devido ao excessivo número de faltas — foram 30 durante o jogo. Foi numa bola parada que o Palmeiras concluiria impedido para o gol. Tivemos sorte de Marcos Assunção não estar em campo.

Os erros da arbitragem não escondem a boa atuação cruzeirense. Destaque, novamente, para o novo posicionamento de Montillo, ponteiro esquerdo do 4-2-3-1, inclusive fazendo funções defensivas nunca antes vistas. Wallyson também se destacou do outro lado, fazendo algumas inversões e ajudando Borges na área, mas precisa ser mais aplicado na recomposição para não dar espaço ao lateral adversário. Charles fez uma boa partida, porém pode se apresentar ainda mais ao ataque como elemento surpresa, sendo o homem que sobra no meio-campo.

Não há razão para mudar o time para o jogo contra a Ponte Preta. Se Celso Roth conseguir fazer com que Montillo e Wallyson mantenham a aplicação tática na recomposição pelos flancos, este 4-2-3-1 tem tudo para ser o esquema base e titular do Cruzeiro. Claro que sempre há espaço para melhorar, como por exemplo, fazer menos faltas: o Cruzeiro é, disparado, o time mais faltoso do campeonato. Mas chegou a hora de dar uma cara ao time, definir qual é o jeito de jogar, qual o esquema base, e treiná-lo exaustivamente.

Só assim poderemos sonhar com algo mais do que uma vaga na Sulamericana neste campeonato.