Democrata 1 x 2 Cruzeiro – Cedo demais

Enfim 2015 começou. Mas não da forma como gostaríamos, apesar dos três pontos em Governador Valadares contra o Democrata. Isso porque o Cruzeiro foi obrigado a estrear oficialmente na temporada sem ter todos seus jogadores à disposição. Alguns sem condições burocráticas, outros sem condições físicas.

Considerando estas ausências e o gramado ruim, o Cruzeiro até que se portou bem. Foi dominado no início até sofrer o gol, muito pela superioridade física do adversário, que começou a pré-temporada antes. Depois, sofreu com a falta de criatividade no meio-campo para furar a boa marcação. Porém, com o cansaço do Democrata e as trocas de Marcelo Oliveira, conseguiu superar essa deficiência na articulação e conseguir a virada.

Escretes iniciais

No início, o "novo velho" 4-2-3-1 do Cruzeiro diante de um 3-4-1-2 intenso do Democrata; meias tentavam buscar jogo sem sucesso e alas valadarenses pressionando a saída celeste

No início, o “novo velho” 4-2-3-1 do Cruzeiro diante de um 3-4-1-2 intenso do Democrata; meias tentavam buscar jogo sem sucesso e alas valadarenses pressionando a saída celeste

Marcelo Oliveira mandou a campo a formação já esperada pelos treinos, o mesmo 4-2-3-1 do ano passado, embora com características diferentes. A linha defensiva do goleiro Fábio teve Mayke e Gilson nas laterais, com Léo e Bruno Rodrigo no miolo. Mais à frente, Eurico teve a chance de mostrar serviço, liberando um pouco mais Henrique para se aproximar da linha de três, composta por Marquinhos à direita, Judivan por dentro e Willian à esquerda, com Damião na referência.

Já o Democrata foi armado por Gilmar Estevam num 3-4-1-2 que variava para um 3-5-2 sem a bola. O gol de Fábio Noronha foi protegido por um trio de defensores: Ricardo Duarte à direita, Rodrigo Lima centralizado e Jadson pela esquerda. Com isso, os ala direito Osvaldir e o esquerdo Denilson ficavam mais altos, na segunda linha, que tinha ainda os volantes Júlio César e Marcel. Mais à frente, um trio de atacantes, mas com Paulinho fazendo a ligação para João Paulo e Rodrigão.

Intensidade, a palavra da moda

Antes do jogo, Gilmar Estevam declarou que a diferença de condicionamento físico entre os dois times talvez fosse um fator. E logo que o jogo começou, isso ficou claro: os jogadores valadarenses se movimentavam muito para fugir da marcação da defesa celeste, e quando perdiam a bola, pressionavam para tentar forçar o chutão.

O resultado foi que o Democrata ficava muito mais com a bola no campo de ataque, rodando perigosamente a área celeste. E numa dessas, numa bola que parecia inocente pelo lado esquerdo da defesa, Osvaldir aproveitou que os marcadores do Cruzeiro estavam mais distantes e arriscou um cruzamento dali mesmo, da intermediária. Achou Rodrigão na área, que pegou de primeira com rara felicidade.

Posse estéril

Depois do gol, o Democrata arrefeceu um pouco a marcação no campo de ataque, dando o primeiro combate somente a partir da linha do meio-campo. Paulinho afundava entre os volantes, fazendo ter um jogador para cada um dos três meias do Cruzeiro, e assim os alas tinham liberdade para pressionar os laterais Mayke e Gilson. Os dois atacantes marcavam os volantes e deixavam os zagueiros do Cruzeiro livres.

Mas eles não tinham pra quem passar a bola. Eurico e Henrique conseguiam aparecer pra receber, mas logo devolviam porque também não tinham alvos. Judivan e Marquinhos começaram a recuar para tentar armar de trás, mas não tem essa característica. Em suma, faltou ao Cruzeiro no primeiro tempo fazer a ligação entre a defesa e o ataque com qualidade, seja com um meia articulador (como Éverton Ribeiro era) ou com mais movimentação.

Segundo tempo

Marcelo Oliveira resolveu dar mais tempo ao onze inicial e não fez alterações no intervalo. O segundo tempo começou como terminou o primeiro: Cruzeiro com a bola nos pés mas sem contundência, e o Democrata parecia satisfeito em apenas conter as investidas celestes. Quinze minutos se passaram até que Marcelo mudou o sistema: trocou Eurico por Joel, que foi jogar por dentro; colocou Marquinhos ao seu lado e abriu Judivan à direita. Henrique agora ficava entre duas linhas de quatro: 4-1-4-1.

Flagrante do 4-1-4-1 do Cruzeiro, com Henrique entre as duas linhas de quatro

A troca funcionou até certo ponto, até mesmo porque o Democrata já não aplicava a mesma intensidade na marcação que no primeiro tempo. Mas a nova formação também obrigava os alas valadarenses a marcarem os ponteiros celestes, já que o Cruzeiro agora não tinha mais inferioridade numérica no meio. Os espaços apareceram, também porque Joel deu certa intensidade na posse de bola, mas ainda faltava aquele toque de qualidade para deixar o companheiro na cara do gol.

Empate, recomposição e fluidez

Marcelo ainda lançou Neilton como ponteiro direito na vaga de Judivan, invertendo Willian de lado. O jovem deu ainda mais intensidade, mas continuava faltando criatividade. Gilmar Estevam respondeu com o veloz Leandro na vaga de Paulinho, numa tentativa de explorar os contra-ataques. Mas o jogo não mudou de figura.

O treinador do Cruzeiro já preparava a última substituição, que seria a entrada de Marcos Vinicius, jovem meia recém-promovido da base, mas que nunca tinha treinado sequer no time reserva. Mas mudou os planos após o gol de empate de Henrique, após Damião dar uma casquinha no escanteio cobrado por Willian. Bruno Edgar foi o escolhido, entrando na vaga de Marquinhos e recompondo o 4-2-3-1, mas desta vez com Henrique como primeiro homem de meio, como em 2014. Joel passou a jogar centralizado, Neilton na direita e Willian na esquerda.

Após o empate, o Cruzeiro se reestruturou no 4-2-3-1, e depois da virada, Joel passou para o lado pois tinha mais fôlego que Willian pra acompanhar o ala Douglas

Após o empate, o Cruzeiro se reestruturou no 4-2-3-1, e depois da virada, Joel passou para o lado pois tinha mais fôlego que Willian pra acompanhar o ala Douglas

Bruno conseguiu dar uma fluidez melhor ao meio-campo, e apenas quatro minutos depois do empate, Neilton partiu com a bola dominada, achou espaço e tentou lançar Damião, mas a bola foi desviada e acabou nos pés de Joel. O camaronês viu a movimentação de Willian às suas costas e tabelou com ele, recebendo de volta já dentro da área. A conclusão de pé esquerdo foi indefensável, e a virada tinha chegado.

Com a virada, o Democrata se lançou desesperadamente ao ataque, mas de maneira desorganizada. Perto do fim, Willian se cansou e foi para o centro, deixando Joel na esquerda para marcar o ala Douglas, que havia entrado no lugar de Osvaldir. Diante do 4-2-3-1 bem postado do Cruzeiro, o time da casa não conseguiu mais ameaçar a meta de Fábio.

Devagar com o andor

Infelizmente, ainda não se pode tirar muitas conclusões a respeito desse novo Cruzeiro. Além do gramado ruim, o forte calor e o condicionamento físico ainda não ideal, o Cruzeiro jogou em Valadares com um time misto. Sim, porque vários contratados ainda não estavam regularizados e não poderiam estrear, outros jogadores foram poupados e outros lesionados. Podemos dizer, portanto, que era uma equipe desfalcada.

Isso tudo dificulta fazer uma projeção de como o time pode jogar em 2015. Talvez as únicas conclusões que podem ser tiradas, e ainda assim sem muita convicção, são que Marcelo Oliveira pretende manter o 4-2-3-1 como sistema base, e que Henrique passará a ser o volante que sai mais para o jogo, tentando emular o papel de Lucas Silva no ano passado.

Há outras coisas que podemos inferir pelos treinamentos e amistosos, como as tentativas com Joel e Judivan como meias centrais. Mas o próprio Marcelo Oliveira já parece ter abandonado a ideia de colocar Judivan na posição, pois em entrevista recente disse achar que Judivan rende mais pelo lado. Sinal de que o treinador ainda está experimentando.

Por isso, é preciso ter paciência, sem pressão por resultados. O importante é formar o time, encaixar as características. Felizmente, porém, em Valadares o resultado veio. E isso dá confiança, que também é muito importante.

2015: Feliz Cruzeiro Novo

Enfim, 2015 começa no aqui no Blog Constelações. E como nos dois últimos anos, na transição entre janeiro e fevereiro: quando o grupo já está normalmente definido, às vésperas do primeiro jogo oficial no ano.

Mas, diferente de 2013 e 2014, o elenco do Cruzeiro aparentemente ainda não está fechado. Isso porque a espinha dorsal do time foi desfeita em janeiro, com as saídas de Lucas Silva, Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Marcelo Moreno, dando pouco tempo à diretoria para ir ao mercado contratar reposições — um processo que ainda está em curso.

Ainda assim, a reposição nas mesmas características é difícil. Lucas Silva é um meio-campista completo, marca e joga. Não foi à toda que o Real Madrid insistiu tanto. Goulart é um meia atacante de força física, que jogava como central mas encostava no centroavante, entrando na área. E Ribeiro um ponteiro passador, tomando uma terminologia do voleibol emprestada: saía da direita para a articular no centro.

Mudança de porte

O elenco do Cruzeiro de 2015 até aqui: jogadores que podem fazer mais de uma função, um zagueiro ainda por chegar e um perfil diferente

O elenco do Cruzeiro de 2015 até aqui: jogadores que podem fazer mais de uma função, um zagueiro ainda por chegar e um perfil diferente

Por isso tudo, um novo Cruzeiro surgirá adiante. Chegaram Fabiano, Joel, Gilson, Seymour e Damião em dezembro (leia aqui sobre estes reforços) e em janeiro vieram Riascos, Arrascaeta, Mena, Pará e, provavelmente, Willians. Jogadores que indicam uma mudança no perfil de jogo do Cruzeiro.

Se em 2013 e 2014 o Cruzeiro privilegiou o jogo propositivo, posse de bola e pressão alta, com muita intensidade no ataque e na recomposição, em 2015 é muito provável que o Cruzeiro seja um time mais consistente e com mais estrutura, que ceda menos espaços atrás e seja difícil de bater. Mas isso ao custo de ficar um pouco mais recuado, sem pressionar tanto no alto do campo para forçar o chutão do adversário e a recuperação na bola longa.

“Libertadores é raça”: uma lenda

Muitos dirão que esse é um perfil melhor para disputar a Libertadores, que exige times “raçudos” e físicos. Particularmente, acredito que isso seja uma grande lenda: o Flamengo venceu em 1981 com um time bem técnico; o Corinthians em 2012 com uma postura tática muito disciplinada, sofrendo apenas 3 gols em todo o torneio; o próprio San Lorenzo no ano passado não era um time que tinha jogadores especialmente físicos.

Porém, em recentes entrevistas, Marcelo Oliveira dá a entender de que acredita nessa teoria. Tanto é que usou jogadores mais pesados em alguns jogos já no ano passado, como a dupla de volantes Nilton e Rodrigo Souza no jogo contra o Defensor no Uruguai. Não deu muito certo. Depois, em algumas partidas, Ricardo Goulart foi preterido para que Júlio Baptista entrasse no time.

Assim, é provável que, pelo menos na competição continental, vejamos um Cruzeiro mais consistente, estruturado e que sofra menos gols, porém mais reativo, ficando menos com a bola. Não chega a ser um risco porque ainda há opções no banco para mudar o perfil na mesma partida.

Profundidade de elenco

Um outro aspecto interessante de se notar é que Marcelo aprendeu com os problemas que teve no ano passado. Em um dado momento, o Cruzeiro ficou sem um jogador típico para jogar como central no 4-2-3-1, chegando ao ponto de mudar para um 4-1-4-1 com Nilton entre as linhas no jogo contra o Flamengo no Maracanã. Em outro momento, teve Samudio e Egídio lesionados ao mesmo tempo, o que levou o treinador a improvisar Willian Farias e Alex na lateral esquerda, e depois revezar os naturais da função mesmo sem estarem 100% fisicamente.

Para resolver isso, Marcelo vai usar três laterais para cada lado, um a mais que no ano passado. Fabiano se junta a Mayke e Ceará pela direita, e com a chegada de Mena e Pará, Breno e Gilson passam a ter mais concorrência. Porém, a tendência é que um dos dois seja emprestado ou Gilson seja usado apenas mais à frente, como ponteiro esquerdo.

Já para a posição de central, o técnico do Cruzeiro está testando várias opções. Nos dois amistosos de janeiro, passaram pela função Júlio Baptista, Joel, Neilton e Judivan. Além disso, Arrascaeta poderá jogar na posição, que ainda contaria com Tinga e até mesmo Riascos. É claro, são jogadores diferentes: presença física, velocidade, técnica, marcação, mobilidade. Exerceriam FUNÇÕES diferentes, mas sempre jogando por dentro do trio de meias no 4-2-3-1.

Nem pior nem melhor: diferente

Com tantas mudanças, é muito difícil imaginar até onde esse Cruzeiro 2015 pode chegar. A temporada é longa e muita coisa pode mudar: os garotos da base podem atropelar e ganhar a titularidade (aposto particularmente em Judivan e Bruno Edgar), outros jogadores podem chegar na janela de inverno (como Dedé em 2013 e Marquinhos e Manoel em 2014) e vários outros aspectos.

Mas mesmo com este elenco inicial e ainda indefinido, ainda não digo que é um time pior do que nas duas últimas temporadas. Muita gente afirmaria isso sem hesitar, e é compreensível: o Cruzeiro 2013/14 já entrou para a história, não só pelas conquistas como também pelo estilo de jogo. Talvez este de 2015 também o faça, seja conquistando a América mais uma vez, e quem sabe o Mundo, ou o Brasil pela terceira vez seguida. Ou tudo isso junto. Por que não?

Enfim, é um novo Cruzeiro, com novas caras. Uma transição que aconteceu em várias outras temporadas. E mesmo assim o Cruzeiro nunca deixou de ser grande e temido. Apenas diferente.