O xadrez é um dos jogos mais estudados do mundo. Talvez por ser um dos mais antigos e com regras solidificadas há tanto tempo. Por isso mesmo, existem nomes para o conjunto de movimentos na fase inicial da partida, chamadas de “aberturas“, nas quais um dos objetivos do enxadrista é tomar o controle da região central do tabuleiro, para ter vantagem territorial posteriormente.
No futebol, que é um esporte bem mais jovem mas tão estudado quanto, a analogia vale para o meio-campo: quem tem o controle deste setor normalmente tem o controle da partida – o que não significa que sairá vencedor. Há várias maneiras de se ter o controle do meio, seja com ou sem a posse de bola. E um misto de desvantagem física com estratégia agressiva do adversário no setor deram o domínio deste setor tão crucial ao Atlético Mineiro. No fim, acabou não sendo a causa direta do revés, mas explica a inoperância ofensiva celeste, este sim, um motivo– em que pese a boa atuação da dupla de zaga celeste e do goleiro Fábio.
Escalações
Os dois treinadores armaram suas equipes no 4-2-3-1 costumeiro a ambas. Marcelo Oliveira teve Fábio no gol, Ceará na lateral direita, Léo e Bruno Rodrigo na zaga central e Egídio como lateral esquerdo. Nilton e Lucas Silva faziam a dupla volância, com Éverton Ribeiro na ponta direita, Ricardo Goulart como central e Willian partindo da esquerda mas circulando. Na frente, Borges enfiando entre os zagueiros.
Já Cuca não abre mão do 4-2-3-1 que implantou com sucesso no segundo semestre do ano passado e no início deste ano. A linha defensiva do goleiro Giovanni teve Marcos Rocha e Júnior César nas laterais, com Leonardo Silva e Emerson no miolo. Pierre, mais marcador, e Josué, com mais liberdade, faziam a proteção à área e davam suporte ao quarteto ofensivo: Luan partindo da direita, Diego Tardelli centralizado e Fernandinho pela esquerda articulavam atrás de Alecsandro, o centroavante.
A segunda bola
Um fenômeno que este blogueiro ainda precisa entender é porque o Independência é um campo que favorece a bola longa e a disputa aérea, sendo que o campo possui as mesmas medidas de vários estádios do Brasil, inclusive o Mineirão. Talvez seja um um fator psicológico, pois de fato este estádio faz com que o jogo fique muito mais competido do que jogado, como dizia Celso Roth. Menos bola no chão, passes e toque de bola, e muito mais disputa e jogo de desarmes.
Mas é mais provável que seja o estilo de jogo que o Atlético Mineiro impõe no campo do Horto, pois é um estilo que lhe favorece. Intensidade na disputa pela bola, e assim que consegue, transição rápida, seja por que lado for. Eram três contra três próximos do círculo central, mas os jogadores atleticanos tinham muito mais sede — e aqui entra um fator físico, já que os titulares descansaram durante a semana especificamente com vistas ao clássico — e por isso ganhavam quase todas as sobras da disputas aéreas neste setor. Correndo o risco de ser redundante, é o famoso jogo de primeira e segunda bola, no qual um jogador faz um passe longo na direção do ataque e dois jogadores disputam o toque no ar — a primeira bola — tentando fazer a bola sobrar para um de seus companheiros — a segunda bola.
E assim seguiu todo o primeiro tempo: bola longa de ambos os times, disputa aérea, e a posse era quase sempre do time da casa, que tentava resolver rápido a jogada. O primeiro tempo foi um jogo praticamente de ataque e defesa especificamente por causa deste aspecto. O Cruzeiro não finalizou ao gol de Giovanni uma vez sequer. Não houve nem tentativas erradas.
Mas há que se destacar também a boa atuação defensiva da zaga cruzeirense. Com tanta intensidade, o Atlético Mineiro também só conseguiu uma finalização na primeira etapa, com Fernandinho que Fábio salvou brilhantemente. Alecsandro não contribuía e as chances criadas pelo time atleticano não eram convertidas em finalização, muito por causa da boa marcação de Léo e Bruno Rodrigo. Ceará teve dificuldades com Fernandinho, mas foi brilhante em um lance dentro da área, onde evitou o pênalti a todo custo e fez o jogador adversário se enrolar com a bola e cair sozinho.
Menos refinamento, mais disputa
Coincidência ou não, o estilo do rival não só lhe favorece como desfavorece o jogo celeste. Com a bola sempre sobrando nos pés dos atleticanos no meio, ela simplesmente não chegava aos pés do quarteto ofensivo, muito porque os atacantes do Atlético Mineiro forçavam o chutão — e por isso ganhava a segunda bola — e também porque o adversário lotava o meio-campo para esperar um passe errado celeste, e dali partir na transição ofensiva rápida.
Era preciso mais intensidade, portanto. Era preciso disputar com o Atlético Mineiro a bola no meio. Também por isso, no intervalo Marcelo colocou Henrique na vaga de Lucas Silva, que já estava na caderneta de advertências e não poderia entrar em disputas mais duras. E portanto, o Cruzeiro saiu um pouco de sua característica de leveza e toque de bola para competir pela posse. O jogo já não ficou tão desequilibrado, e logo no início Ricardo Goulart teve a chance de ouro de mudar a partida, mas Giovanni defendeu.
Quatro contra três
O Atlético Mineiro chegava menos, mas ironicamente começou a finalizar mais, mas sem muito perigo. Chutes bloqueados e defendidos com facilidade por Fábio nos quinze primeiros minutos. Marcelo Oliveira então lançou Alisson na vaga de Borges, numa excelente troca: Goulart foi ser centroavante para brigar no alto com os zagueiros do Atlético Mineiro, quesito no qual se saiu melhor do que Borges, e Alisson entrou de central, circulando por todo o campo e chamando Everton Ribeiro para dentro.
A marcação atleticana, individual, não encaixou no novo esquema e Júnior César ficou sem ter a quem marcar, já que Ribeiro já não ficava por ali. Resultado: o Cruzeiro tinha um homem a mais no setor em que anteriormente estava perdendo a batalha pela posse, e passou a ganhar algumas segundas bolas. Teve mais a bola no pé e equilibrou a partida de vez.
Mas a peleja seguia mais disputada do que jogada, e o ataque celeste não apareceu. Se nada mais acontecesse, dali o jogo seguiria certamente para um empate sem gols. Cuca então lançou Neto Berola na vaga de Alecsandro, invertendo Fernandinho de lado, e logo depois tirou Josué e pôs Leandro Donizete, tentando desequilibrar novamente a batalha no meio-campo. Marcelo respondeu com Dagoberto na vaga de Willian, apagado. Os dois treinadores queriam a vitória.
De todas as trocas, foi a primeira de Cuca que mais funcionou: Fernandinho, agora pela direita, incomodava bem mais, já que o poder de marcação de Egídio é menor que o de Ceará. O Atlético Mineiro voltou a ter chances, mas com exceção do lance de Luan defendido espetacularmente por Fábio, as outras finalizações não foram tão perigosas.
A ironia do futebol
Ironicamente, o gol que definiu a partida aconteceu em um erro de Alisson, o que tinha equilibrado o jogo: ele tentou cavar uma falta e perdeu a bola, armando o contra-ataque do Atlético com o Cruzeiro saindo para o ataque. Egídio estava muito à frente e obrigou Bruno Rodrigo a sair na cobertura, dando o bote no tempo errado — talvez seu único erro durante toda a partida. Fernandinho chutou uma bela bola e Fábio ainda raspou nela mas não conseguiu desviar o suficiente.
Depois disso, o Atlético Mineiro se encastelou e partiu nos contra-ataques, dificultando muito as ações ofensivas celestes. Com pouco tempo e sem trocas restantes, Marcelo nada pôde fazer a não ser esperar o fim do jogo.
Lições para o futuro
O clássico tem essas coisas, ainda mais agora que existe o mando de campo. O time que não tem mais nada o que fazer no campeonato descansa seus jogadores especificamente para pegar o rival — não duvido que isso tenha sido uma “ordem de cima”. Ao contrário do Cruzeiro, que está disputando o título e mandou seus melhores jogadores para a desgastante partida do meio de semana.
Portanto, o fator físico foi sim muito importante para o desenrolar deste jogo. Mas não há como negar que o modelo de jogo do rival tem seus méritos, principalmente no seu campo. Méritos de Cuca, que achou este modelo há mais de um ano atrás e ainda colhe seus frutos. Ao Cruzeiro fica a lição de que poderia sim ter vencido se tivesse sido minimamente mais aplicado no meio-campo central, minando a principal característica do jogo atleticano. A partir dali, seria mais fácil se movimentar na frente para desorganizar a marcação individual que Cuca pede a seus comandados.
O título ainda está longe de estar em perigo, muito também por causa da incompetência dos perseguidores mais próximos. Entretanto, as duas derrotas ligam o alerta: é preciso voltar a vencer para não dar nenhuma esperança aos milhares de “anti” que espreitam por aí.