Cruzeiro 5 x 1 U. de Chile – Variar é preciso

Mais do que uma goleada acachapante, a vitória do Cruzeiro sobre a Universidad do Chile, no reencontro do Cruzeiro com o Mineirão em uma Libertadores, fez com que o respeito que a equipe já possuía no Brasil, conquistado com um título inapelável e com futebol ofensivo e agradável — extrapolasse os limites nacionais e ecoasse por toda a América.

O jogo foi um bom resumo do que este Cruzeiro pode fazer nesta temporada, ainda que tenha quesitos a evoluir. Bola aérea forte e bem treinada, intensidade ofensiva e defensiva e — tão importante quanto as outras — variações táticas.

Alinhamentos

Universidad num 3-4-1-2 com compensações nos alas para garantir a sobra frente a quarteto ofensivo do 4-2-3-1 celeste; Goulart escapou de Martinez

Universidad num 3-4-1-2 com compensações nos alas para garantir a sobra frente a quarteto ofensivo do 4-2-3-1 celeste; Goulart escapou de Martinez

O Cruzeiro veio a campo no seu 4-2-3-1 tradicional. O gol do capitão Fábio era protegido pode Dedé e Bruno Rodrigo, com Ceará e Egídio fechando os lados. Mais à frente, Rodrigo Souza ganhou a posição e protegeu a área, liberando Lucas Silva para circular e se juntar ao trio de meias formado por Éverton Ribeiro partindo da direita, Ricardo Goulart como central e Dagoberto na esquerda. Na frente, Marcelo Moreno foi o escolhido.

O time chileno foi para o jogo com um sistema muito fluido, mas que tinha como base um 3-4-1-2. Protegendo a meta de Johnny Herrera, os zagueiros González, Caruzzo e José Rojas, faziam a linha de três, que por vezes tinha a companhia dos alas Cereceda à direita ou Castro pela esquerda. Mais plantado, o volante Martínez ficava mais centralizado e liberava Rodrigo Rojas para marcar um pouco mais à frente, alinhado a Lorenzetti, o meia de ligação. Na frente, Rubio e Gutiérrez.

Encaixe

A movimentação do volante Rodrigo Rojas pelo meio por vezes configurava a Universidade num 3-1-4-2, que seria um sistema espelhado do 4-2-3-1, pois o posicionamento de referência faz com que cada jogador tenho um oponente claro para marcar. Atacantes marcam zagueiros, alas pegam laterais, meias perseguem volantes, o volante único fica com o meia central e os zagueiros pegam o centroavante e os dois jogadores abertos.

Em teoria, isso deixaria a zaga sem sobra, uma coisa impensável diante de jogadores dribladores como Dagoberto e Éverton Ribeiro. Mas como futebol não é totó e o sistema é só uma referência inicial, os defensores da Universidad deixavam o quarteto de frente do Cruzeiro se movimentar, mas ajustavam a marcação de acordo, por vezes com os três zagueiros tendo a companhia de um dos alas para fazer a linha de quatro e garantir a cobertura dos ponteiros e de Moreno.

Mas se sobrou intensidade defensiva, com a bola o Cruzeiro não aplicou a mesma movimentação de sempre, facilitando o sistema defensivo da Universidad. Moreno ficou encaixotado entre os zagueiros e não participava muito da construção, sobrecarregando Goulart e Ribeiro. Pela esquerda, Dagoberto teve mais chances, principalmente porque ganhava o duelo com o zagueiro Gonzáles, mas não foi o suficiente para abrir o marcador.

Moreno e Goulart

Muitos atribuíram a lesão do zagueiro José Rojas, que acompanhava o lado direito, ao buraco deixado na defesa que Goulart penetrou e concluiu com passe de Dagoberto para abrir o marcador. Mas o fator preponderante é a inteligência tática de Ricardo Goulart. Se o camisa 28 não é um primor técnico, tem uma ótima visão dos espaços no campo e do posicionamento de seus companheiros e adversários. Bastou Moreno se movimentar mais para participar da criação, mais próximo dos meias, que Goulart achou os espaços rumo à grande área.

O mapa de calor de Goulart mostra o jogador caindo pelas pontas e entrando na área: movimentação ofensiva de um meia central moderno (Footstats)

O mapa de calor de Goulart mostra o jogador caindo pelas pontas e entrando na área: movimentação ofensiva de um meia central moderno (Footstats)

Há uma boa explicação da falha defensiva da Universidad no primeiro gol celeste no blog do André Rocha – aqui. O time chileno contraria a escola sul-americana e marca por zona, mas um lugar-comum em tática no futebol é que não existe um sistema de marcação perfeito. E o primeiro gol celeste é um bom exemplo de um potencial problema do sistema zonal — coberturas que falham em efeito dominó, deixando um jogador livre na cara do goleiro.

No segundo gol, a retribuição: Goulart invade a área novamente, livre de Martinez, que só marcava o meia até a entrada da área. Recebendo passe de Ribeiro, que puxava um ala, Goulart entrou às costas do zagueiro Caruzzo, Lichnovsky — que havia entrado na vaga de Rojas — foi na cobertura e puxou Gonzáles para a cobertura em Moreno. Resultado: Dagoberto totalmente livre, recebeu o cruzamento de Goulart e ampliou.

Ainda haveria tempo para mais um gol, desta vez de bola parada. Mas há que se destacar também a inteligência da movimentação de Goulart na cobrança: ele se livra do zagueiro e vai até a segunda trave para concluir, ANTES do desvio de Bruno Rodrigo. O zagueiro, por sinal, subiu mais alto que todos na grande área para resvalar na bola. Bola parada bem treinada também é mérito do técnico.

Segundo tempo

Com três a zero à frente, o Cruzeiro diminuiu um pouco o ritmo na volta do intervalo. O jogo ficou mais morno e equilibrado, sem domínio de posse de nenhum lado. Provavelmente tentando aproveitar isto, o treinador Cristian Romero fez sua segunda troca, mas a primeira por opção: tirou o avante Rubio e mandou o meia Fernandez a campo, que foi jogar centralizado por onde perambulava Lorenzetti, que por sua vez abriu à esquerda para jogar em cima de Ceará. O time chileno ganhou em volume e começou a rondar a grande área de Fábio.

Marcelo Oliveira respondeu mandando Willian a campo na vaga de Moreno. O bigode foi ser ponteiro direito, empurrando Ribeiro para o centro e avançando Goulart para o comando. Eram duas tentativas em uma: dar energia ofensiva com mais movimentação e mais proteção defensiva pelo lado direito, justamente no setor onde Lorenzetti jogava, já que Willian faz isso melhor do que Ribeiro. No primeiro lance, porém, Willian e Ceará erraram a troca de cobertura e Lorenzetti entrou às costas da defesa pela direita para ficar frente a frente com Fábio e diminuir.

Com Lorenzetti na esquerda, a Universidad começou a ganhar o meio-campo; MO respondeu com um triângulo de volantes que retomou o controle do setor

Com Lorenzetti na esquerda, a Universidad começou a ganhar o meio-campo; MO respondeu com um triângulo de volantes que retomou o controle do setor

O gol animou os visitantes, que continuaram tentando ter o domínio da posse no meio campo. Romero tentou dar mais velocidade com Mora na vaga do atacante Gutiérrez, mas a alteração não surtiu o efeito esperado e o jogo continuou com uma leve tensão para o lado celeste. Marcelo Oliveira mais uma vez tentou corrigir isto mandando mais intensidade a campo, com Marlone na vaga de Dagoberto. Pouco depois, uma substituição pouco comum: a saída de Éverton Ribeiro para a entrada de Souza. O Cruzeiro passou a ter um triângulo de volantes no meio, formado por Rodrigo Souza mais atrás e Lucas Silva e Souza quase como meias do novo 4-3-3/4-1-4-1. A mexida pode ter despovoado o ataque mas deu consistência ao meio campo e o jogo voltou a ficar controlado, ainda que sem a mesma intensidade ofensiva de antes.

Gol da tranquilidade

Em nova cobrança de escanteio e novo desvio de um zagueiro — desta vez Dedé — mais um gol de Ricardo Goulart na segunda trave. É praticamente um replay do terceiro gol, mais uma prova do senso de posicionamento que Goulart possui e que é pouco visto pela crítica e torcedores.

Com a vitória praticamente garantida, o Cruzeiro voltou ao modo cadenciado e esperava o jogo terminar. A Universidad tentava achar mais um gol, mas sem querer buscar a virada. Mas num descuido deixou a zaga no mano a mano e isso foi aproveitado pelo trio ofensivo celeste: balão da defesa, a bola cai em Goulart que mata e dá o passe para Egídio com o mesmo movimento. O lateral avança e passa a Willian na entrada da área, que limpa e bate sem chances para Herrera. Goleada e liderança garantidas.

Aquele Cruzeiro voltou — e melhor

A partida de terça foi a primeira mostra de que aquele futebol praticado no ano passado, e que valeu o título nacional, pode não só ser recuperado como melhorado. Pois mais importante foi ver que Marcelo Oliveira tem alternativas para retomar o controle do jogo não somente trocando peças e/ou características, mas também trocando o sistema. Se no Brasileirão ’13 o Cruzeiro foi uma equipe de um sistema só — e isso bastou, pois o campeonato de pontos corridos permite isso — esse ano mostra que as variações estão sendo treinadas, pois são muito importante numa competição com esse caráter como é a Libertadores, principalmente em sua fase eliminatória.

Sim, pois se é público e notório que o clube e a torcida tem uma identificação com o futebol ofensivo e de toque de bola, não se pode jogar assim em todos os momentos. Fatalmente chegará o momento em que o Cruzeiro precisará proteger um resultado para avançar, e para isso é preciso aprender a fazer isso. E ter variações de sistema é um importante passo para alcançar tal meta.

E também serve pra dar um pouco de graça para este blog, que só fala de 4-2-3-1 há mais de um ano…

Caldense 0 x 5 Cruzeiro – O laboratório ideal

Com a tarefa facilitada pela boba expulsão do atacante Max ainda no primeiro tempo, o Cruzeiro não precisou fazer força para golear a Caldense hoje em Poços de Caldas. Uma clara demonstração de que o time pode se adaptar a diferentes formações dependendo das situações de jogo encontradas.

No primeiro tempo, Cruzeiro no 4-3-3 com Anselmo Ramon na referência e atacantes abertos recompondo para formar um meio-campo com 5 homens

O Cruzeiro veio a campo com o mesmo 4-3-3 que começou as últimas duas partidas, porém com Anselmo Ramon na referência e Marcelo Oliveira na parceria com Leandro Guerreiro. A Caldense veio num tradicional 4-3-1-2, tendo Fábio Neves na articulação atrás dos atacantes Max e Luisinho.

A Caldense começou com tudo, pressionando o Cruzeiro no alto do campo, que teve que ceder a posse em alguns momentos. Porém, o Cruzeiro devolveu na mesma moeda, e em pouco tempo a bola passou a ficar mais tempo em pés azuis do que verdes. A defesa jogava avançada, para tentar empurrar o adversário em seu próprio campo, e com isso a Caldense chegou a ter algumas oportunidades de contra-ataque com o rápido Luisinho, mas sem sucesso.

Ofensivamente, o Cruzeiro tinha mais posse, mas não conseguia passar pela bem montada defesa da Caldense. O primeiro volante Mário era o responsável por marcar Montillo, mas quando o argentino saía da zona central, ele não ia atrás, a marcação mudava de jogador e a estrutura defensiva com 9 homens atrás da bola se mantinha. Assim, o time azul optou por jogadas mais agudas, de menos probabilidade de sucesso, mesmo tendo maior posse de bola. Quando perdia a posse, deixava de pressionar, numa tentativa de atrair um pouco mais a defesa da Caldense para si e jogar em velocidade.

Não foi bem assim que saiu o primeiro gol, mas a falta cobrada rapidamente por Montillo, deixando WP cara a cara com Glaysson e originando o pênalti – convertido pelo próprio atacante – ilustram a proposta de jogo dos visitantes. Atrás no placar, a Caldense tentou sair um pouco mais, avançando seus volantes e laterais, mas isso deixou espaços cruciais atrás destes últimos. E os atacantes abertos trataram de explorar este espaço: logo no minuto seguinte ao gol, Wallyson recebeu, livre, uma inversão em diagonal, numa jogada muito parecida com o segundo gol de Montillo contra o Villa Nova, e cruzou rasteiro, mas nenhum atacante aproveitou. Cinco minutos depois, foi a vez de WP emendar um cruzamento de primeira, mas para fora, também naquele setor.

A expulsão do atacante Max ainda no primeiro tempo só facilitou um jogo que já estava totalmente controlado. A Caldense não mudou o esquema, mantendo somente Luisinho à frente. Se o camisa 11 voltasse para recompor o meio, os volantes azuis tinham todo o tempo do mundo para conectar-se às variadas opções not ataque. Mas se Luisinho ficava à frente, o Cruzeiro tinha um homem a mais no meio, e assim o jogo passou a ser ataque contra defesa. Os visitantes ganhavam todas as segundas bolas, e os zagueiros Victorino e Thiago Carvalho quase não tinham trabalho.

O segundo gol veio após um escanteio cabeceado por Anselmo Ramon e defendido à queima-roupa por Glaysson. A sobra, como esperado, ficou com o lateral Marcos, que achou Montillo no meio e correu para a área, no “contra-fluxo” da defesa adversária. Marcos recebeu a devolução do argentino na medida para dar um tapa de primeira e achar três cruzeirenses livres. A defesa da Caldense acusava impedimento enquanto Victorino comemorava seu primeiro gol com a (nova e lindíssima) camisa cruzeirense.

O primeiro tempo terminou na mesma toada, com WP recebendo passe dentro da área de uma posição aberta, mas desta vez nenhum companheiro estava dentro da área.

O técnico Ademir Fonseca ainda tentou arriscar no intervalo, tirando seu principal articulador, Fábio Neves, e lançando um novo parceiro de ataque para Luisinho, Félix, mudando para um ousado 4-3-2. Mas os planos do treinador da Caldense foram por água abaixo quando Leandrão errou um passe em seu próprio campo e WP aproveitou, avançando com seus dois companheiros de ataque contra dois zagueiros apenas. A conclusão plástica de Anselmo Ramon para o cruzamento de WP resolveu o jogo, e o Cruzeiro passou a administrar. Fonseca fez mais duas alterações, mas trocando seis por meia dúzia em termos táticos, ao invés de fechar seu time e tentar evitar mais gols.

Sem necessidade de correr atrás, o Cruzeiro deixava a Caldense com a bola, sabendo que tinha todos os espaços controlados, esperando o erro do adversário. E num desses erros, o quarteto ofensivo funcionou mais uma vez. WP, aberto pela esquerda, avançou com a bola, vendo Montillo disparar para receber pelo flanco da área. Lançado, o camisa 10 passou com a facilidade que lhe é característica pelo seu marcador e cruzou na cabeça de Wallyson, livre na pequena área.

O 4-2-4 ultra-ofensivo no fim do jogo, com intenso revezamento dos homens de frente e zagueiros adiantados

O quarto gol fez Mancini abrir seu laboratório. Primeiro, tirou Leandro Guerreiro, de característica mais defensiva, para lançar Amaral, um volante que sai mais para o jogo. Marcelo Oliveira passou a ficar mais tempo recuado, e o 4-3-3 se manteve, mas mais ofensivo, algo como um 4-1-2-3. Depois, Diego Renan deu lugar ao garoto Élber, que entrou na articulação central. Marcelo Oliveira foi para a lateral esquerda e Montillo virou atacante, transformando o Cruzeiro numa espécie de 4-2-4 ultra ofensivo. O sexteto ofensivo promoveu uma intensa movimentação, se revezando nas quatro posições frontais constantemente. Além disso, Everton ainda entrou no lugar de Marcelo Oliveira na esquerda, para dar ainda mais ofensividade ao time azul.

Nesse momento, talvez a melhor descrição para a formação seja provavelmente um 2-4-4, pois o domínio era tal que não havia necessidade de os laterais recomporem a última linha de defesa. Nos últimos lances da partida, era comum ver Victorino e Thiago Carvalho além da linha do meio-campo, sem a companhia de Marcos e Everton, que avançavam para combinar aos atacantes abertos. Anselmo Ramon nem teve que saltar para cabecear o quinto gol em centro de Amaral, tal era a fragilidade do sistema defensivo do time de Poços.

Ao fim do jogo, Vágner Mancini disse na entrevista coletiva que o Cruzeiro ainda não jogou contra um adversário à altura. De fato, o resultado não pode empolgar. Contra times mais experientes, nas fases finais da Copa do Brasil e no Brasileiro, o Cruzeiro não terá tanta facilidade. Mas também disse que “o trabalho é feito para finais de campeonato”. Portanto, os jogos contra times menores – leia-se, primeira fase do Campeonato Mineiro e fases iniciais da Copa do Brasil – são o campo de experiências ideal para se chegar às grandes competições com o time formado. E um time formado é aquele que consegue jogar em diferentes esquemas táticos e diferentes situações de jogo.

Vágner Mancini vai, aos poucos, controlando as variáveis e obtendo resultados. Experimentando variações com calma, sem pressa, como um cientista. Quem sabe, no futuro, tenhamos uma máquina engenhosa. De fazer gols.