Cruzeiro 3 x 1 Tombense – Foi na técnica

Para abrir este post, recorro novamente a Jonathan Wilson, autor do livro “Inverting the Pyramid” sobre a história da tática no futebol, em uma frase que utilizou em seu blog no jornal inglês The Guardian: “Simetria não é essencial, mas o equilíbrio é”.

Este equilíbrio é o sonho de todo treinador de futebol: defender e atacar com a mesma eficiência, em todos os setores do campo. Mas o que se viu ontem do Cruzeiro, na vitória por 3 a 1 sobre o Tombense no Mineirão, foi uma equipe sem simetria mas também sem equilíbrio. Ataque e defesa tiveram momentos diferentes durante a partida, e a vitória só veio pela diferença técnica existente entre os dois elencos.

Formações

O 4-2-3-1 da primeira etapa tinha a tendência de cair para a esquerda, com E. Ribeiro mais por dentro e Everton apoiando mais que Ceará

O 4-2-3-1 da primeira etapa tinha a tendência de cair para a esquerda, com E. Ribeiro mais por dentro e Everton apoiando mais que Ceará

Marcelo Oliveira escalou o Cruzeiro no seu já habitual 4-2-3-1, com Fábio no gol e sua linha defensiva composta por Ceará à direita, Thiago Carvalho (substituindo Bruno Rodrigo, contundido) e Paulão no miolo de zaga e Éverton na lateral esquerda. Nilton e Leandro Guerreiro mais uma vez fizeram dupla na volância, suportando Everton Ribeiro à direita, Diego Souza centralizado e a novidade Luan de ponteiro esquerdo, todos procurando Anselmo Ramon na frente.

Já o Tombense veio, como esperado, em um sistema super-defensivo para segurar o ataque azul. O técnico Marcelo Cabo mandou a campo um 4-3-2-1. O gol de Glaycon foi defendido pelos zagueiros Andrezinho e Alexandre, flanqueados por Ari na direita e Guilherme Lazaroni na esquerda. O trio de volantes era formado por Mateus Silva pela direita, Serginho por dentro e João Guilherme na esquerda. À frente, Joílson na ligação tinha a companhia do atacante Éder Luiz. Só Adeílson ficava mais à frente.

A árvore de natal e a assimetria

Dois fatores chamaram a atenção no primeiro tempo. O primeiro era que a marcação do Tombense, que lembrava uma árvore de natal, foi desenhada para forçar a posse de bola do Cruzeiro para lados do campo. Os três jogadores da frente fechavam as linhas de passe no meio, forçando os zagueiros do Cruzeiro a procurarem as laterais. Os volantes Nilton e Leandro Guerreiro, que normalmente se revezam para tentar achar o primeiro passe, quase não viam a bola em seus pés.

O outro fator que o time do Cruzeiro “pendia” para o lado esquerdo, uma vez que Everton Ribeiro, um “ponteiro de pé invertido” (canhoto na direita), tinha a tendência de centralizar mais, ao invés de ficar aberto, perto da linha lateral. Do outro lado, Luan fazia exatamente o contrário: ficava o mais aberto possível, tentando achar uma corrida em diagonal ou buscar a linha de fundo para o cruzamento.

Com isso, o time perdia amplitude no ataque (ou seja, não “alargava” o campo, tentando abrir a defesa adversária) e facilitava a marcação do Tombense. Este problema seria facilmente resolvido se Diego Souza revezasse com Everton Ribeiro na ponta direita, arrastando a marcação consigo e abrindo espaço para ele e ao mesmo tempo dando mais uma opção de passe. Mas o camisa 10 se movimentou pouco e quase não participou do jogo ofensivo.

Ceará bem que tentou ser a opção pelo lado direito, mas o lateral apoiou pouco, não só por ser estar “sozinho” naquele lado como também pelas opções de passe dos companheiros, que sempre buscavam o lado canhoto do campo.

O resultado pode ser visto nos números: de acordo com os dados coletados pela Footstats e publicados no site da ESPN Brasil, o Cruzeiro passou 43,09% de sua posse no lado esquerdo do campo, contra apenas 30,75% do lado direito. Uma discrepância grande.

Curiosamente, o gol saiu num momento em que Luan e Everton Ribeiro estavam invertidos. E numa tabela entre os dois Evertons é que saiu a conclusão do lateral que provocou o rebote para o garoto Vinicius Araújo — que havia entrado no lugar do lesionado Anselmo Ramon sem alterar o sistema — abrir o marcador.

Segundo tempo

Marcelo Cabo tirou um de seus volantes, Mateus Silva, e lançou o atacante Tiago Azulão, que foi jogar de ponteiro esquerdo. Joílson foi para a direita e Eder Luiz ficou centralizado, configurando um 4-2-3-1 que variava para um 4-4-1-1 sem a posse de bola. Talvez o treinador do Tombense queria dobrar a marcação nos dois lados do campo e ao mesmo tempo ter uma saída de contra-ataque para buscar o empate.

Porém, assim como na primeira etapa, o Cruzeiro continuava dominando a posse de bola, mas desta vez com ainda mais dificuldade para penetrar na bem postada defesa adversária. O Cruzeiro só chegava quando tocava rápido a bola, virando o jogo pelo chão mas com velocidade, o que acontecia só esporadicamente.

Somente aos 12 minutos Marcelo Oliveira mexeu: sacou Luan e lançou Dagoberto, que foi jogar espetado pelo lado esquerdo, quase como um segundo atacante. Era um 4-2-3-1 com uma variação interessantíssima para o 4-2-2-2 (com Everton Ribeiro centralizando e Dagoberto avançando). Mas a mudança mais importante com a alteração foi no estilo: Dagoberto prefere a velocidade, enquanto Luan tentava mais na força física. O time ficou mais leve e mais vertical.

Domínio visitante

Porém, com o ataque melhorando, a defesa começou a piorar. Com menos jogadores marcando nos flancos ofensivos, já que Dagoberto não acompanhava o lateral e Everton Ribeiro frequentemente estava na parte central do campo, o Tombense começou a achar uma saída de bola sem pressão. A marcação celeste, que no início do jogo era no campo adversário, agora era em bloco médio, fazendo pressão somente quando a bola já havia ultrapassado a linha divisória. O time de Tombos começou a “gostar” do jogo e saiu um pouco mais. A defesa do Cruzeiro respondia passivamente, deixando os jogadores adversários pensarem.

No fim, o Cruzeiro se postou num 4-2-2-2 com muito mais movimentação ofensiva, mas desorganização na defesa

No fim, o Cruzeiro se postou num 4-2-2-2 com muito mais movimentação ofensiva, mas desorganização na defesa

Quando o Tombense já era melhor no jogo, o Cruzeiro ampliou, justamente num contra-ataque. Bola rebatida, passe para Vinicius Araújo, que estava bem aberto pela esquerda, sem marcação. Ele avançou e cruzou rasteiro para o outro lado da área. Everton Ribeiro, que já tinha passado da linha da bola, recuou e concluiu com muita tranquilidade, sem chances para Glaycon.

Logo após o gol, Éder Luiz cedeu seu lugar a Alex, em mais uma tentativa de Marcelo Cabo em pressionar o Cruzeiro. O jogador foi jogar de meia central, mantendo o 4-2-3-1. Marcelo Oliveira queria garantir a vitória e sacou Diego Souza, apagado no jogo, lançando o garoto Élber. Dagoberto virou atacante de vez e o 4-2-2-2 estava oficializado, com quatro jogadores leves se movimentando à frente.

Mas o domínio do time de Tombos continuou. O Cruzeiro sofreu um gol em lance de bola parada, com Adeílson, e quase sofreu o empate minutos depois. Fábio, que já havia feito um milagre antes, impediu um lance e Tiago Azulão mandou pra fora em outro. A tranquilidade só veio quando, em um lance — ironicamente — de contra-ataque, Élber encontrou Dagoberto aberto pela direita do ataque. O camisa 11, dominou e esperou a chegada de Élber para devolver a bola num passe milimétrico que furou o sistema defensivo. O jovem meia bateu no canto alto esquerdo e deu números finais à partida.

Vencer sem convencer?

A vitória veio, a liderança foi mantida, mas não sem um certo sufoco. O Tombense esteve muito bem armado em campo pelo técnico Marcelo Cabo, e o resultado veio muito mais na habilidade técnica dos jogadores cruzeirenses do que na disposição tática. Nesse aspecto, arrisco dizer até que o Tombense foi superior — cumpriu muito bem o papel de travar o ataque cruzeirense.

É claro alguns fatores, como ficar duas semanas sem jogar, a atuação discreta de Diego Souza — muito marcado e sem inspiração para se movimentar e sair dela — e a pouca participação dos volantes nas ações ofensivas fizeram o Cruzeiro ficar mais previsível, facilitando o trabalho defensivo adversário. O time melhorou no segundo tempo ofensivamente com as substituições promovidas, mas caiu muito defensivamente. Fosse o Tombense um time mais técnico, certamente sairia com um resultado melhor do Mineirão.

Um time ofensivo e envolvente, como quer Marcelo Oliveira, pode ser equilibrado. Mas isso requer entrosamento (foi apenas o quarto jogo oficial do Cruzeiro na temporada) e que os jogadores executem funções para além das que estão designados: atacantes têm que marcar e defensores têm que jogar. Coisas que faltaram ao Cruzeiro ontem e que só o tempo poderá trazer.

De fato, ainda há muito trabalho a fazer.