Cruzeiro 1 x 1 Mamoré – A grande roda

Parece contraditório dizer isso quando cobramos aqui nesta coluna que De Arrascaeta saísse do centro para os lados, saindo da zona de maior pressão à frente da área adversária. Mas o Cruzeiro levou isso ao outro extremo na noite de quarta contra o Mamoré, a ponto de abandonar quase totalmente o centro da intermediária ofensiva.

Com os avanços de Mayke e Gilson pelos lados, a entrada de Joel na área e os volantes recuados, o Cruzeiro formou na prática uma grande roda em que ninguém podia entrar nela — ironicamente, num jogo em que o adversário dava espaços exatamente no centro. Um problema que só foi resolvido no segundo tempo com a entrada do jovem Marcos Vinícius.

Escalações

Volantes do 5-3-2 do Mamoré auxiliavam a marcação pelos lados abrindo um buraco no centro, que não era explorado pelo 4-2-3-1 do Cruzeiro: Joel entrava na área, volantes não subiam e ponteiros permaneciam abertos junto aos laterais, formando uma grande roda

Volantes do 5-3-2 do Mamoré auxiliavam a marcação pelos lados abrindo um buraco no centro, que não era explorado pelo 4-2-3-1 do Cruzeiro: Joel entrava na área, volantes não subiam e ponteiros permaneciam abertos junto aos laterais, formando uma grande roda

Sem os selecionáveis e o poupado Marquinhos, Marcelo Oliveira fez quatro mudanças no time considerado titular. Na lateral esquerda, Gilson foi o escolhido, compondo a linha com os titulares Mayke pela direita e Léo e Paulo André no miolo. Henrique e Willian Farias fizeram a parceria na volância, atrás de um trio de meias totalmente novo: Judivan pela direita, Joel no centro e Riascos mais pela esquerda. Na frente, Damião.

Já Pael, treinador do Mamoré, poupou alguns jogadores visando as últimas duas rodadas, um indício forte de que, para o time patense, o que viesse era lucro. Devido às compensações de marcação, a equipe se desenhou num 5-3-2, com o goleiro Gilberto tinha Bruno Limão à direita, Thales, Pablo e Juliano à sua frente e Ernani à esquerda. Na frente da área, Erick e Maxsuel davam suporte a Luizinho, o meia de ligação. Na frente, Charles caía pela esquerda e Jonatan Reis ficava mais à frente.

O centro, um lugar proibido

Em teoria, o Mamoré era um 4-3-1-2 com meio em losango, mas o volante Pablo afundava entre os zagueiros, empurrado pelo central celeste Joel, que preferia entrar na área a se movimentar. Maxsuel auxiliava Ernani na marcação a Judivan e Mayke, enquanto Erick preferia subir o combate a Gilson já a partir do meio-campo.

Flagrante da organização defensiva do Mamoré. Aqui com Jonatan Reis e Luizinho invertidos por causa de um duelo aéreo do camisa 9 patense com Léo. Note o zagueiro celeste orientando W.Farias a passar a Gilson do outro lado

Flagrante da organização defensiva do Mamoré. Aqui com Jonatan Reis e Luizinho invertidos por causa de um duelo aéreo do camisa 9 patense com Léo. Note o zagueiro celeste orientando W.Farias a passar a Gilson do outro lado

Com isso, abria-se um espaço enorme na intermediária central, que não era explorado por ninguém. Judivan e Riascos ficavam abertos e só faziam a diagonal para entrar na área quando a jogada era pelo lado oposto; Henrique e Willian Farias raramente chegavam perto da grande área para participar da construção ofensiva. Só me lembro de um momento em que Henrique subiu, e a bola passou pelos pés dele para o cruzamento de Judivan que encontrou a cabeça de Joel. Gilberto pegou.

Aqui, uma das raras jogadas em que um jogador ocupou o enorme espaço na frente da área patense: Henrique recebeu de Damião e deu seguimento ao ataque, passando a Judivan na direita que cruzou para Joel cabecear em cima do goleiro Gilberto

Aqui, uma das raras jogadas em que um jogador ocupou o enorme espaço na frente da área patense: Henrique recebeu de Damião e deu seguimento ao ataque, passando a Judivan na direita que cruzou para Joel cabecear em cima do goleiro Gilberto

Muitos cruzamentos, de novo

Assim, as jogadas celestes se resumiam aos lados, com inúmeros centros, principalmente pela direita, com Judivan levando vantagem sobre Ernani em vários lances. Alguns até foram certos, mas a finalização não foi boa: Riascos mandou na trave e Joel cabeceou errado duas vezes.

No meio do 1º tempo, Pael pediu ao atacante Charles para acompanhar Mayke e fechar o lado esquerdo, direito do ataque celeste. E a partir daí, o Cruzeiro só chegou uma vez mais, numa bola roubada por Damião no campo de ataque e passada para Riascos, que chutou estranho em cima do goleiro.

Aquele ditado

O Cruzeiro voltou com Manoel na vaga de Paulo André por questão física, e com Neílton no lugar de Riascos. Marcelo Oliveira tinha a esperança de abrir a defesa do Mamoré com os dribles do garoto, mas infelizmente o problema não era isso — o Mamoré nem estava fazendo uma marcação tão boa, só tinham os lados bem bloqueados e um latifúndio à frente da área.

Como esperado, a alteração não surtiu efeito, e o jogo continuou na mesma balada. Aí entrou em campo o famoso ditado: “quem não faz leva” (que não seria um ditado do futebol se não acontecesse muitas vezes). Num escanteio bobo, Damião errou a marcação individual que é feita pelo Cruzeiro em bolas paradas e o zagueiro Juliano testou para as redes azuis.

Finalmente, alguém no centro

Este gol foi aos 9 minutos. Aos 18, Marcelo finalmente teve coragem e tirou Willian Farias e colocou Marcos Vinícius. Ainda era um 4-2-3-1 sem bola, com o jovem meia se alinhando a Henrique, mas isso não aconteceu mais (o gol foi a última finalização do Mamoré no jogo).

Marcos Vinícius entrou como volante, mas como só o Cruzeiro atacava, quase não fez a função, e derivava para o espaço central sem nenhuma marcação

Marcos Vinícius entrou como volante, mas como só o Cruzeiro atacava, quase não fez a função, e derivava para o espaço central sem nenhuma marcação

Marcos Vinícius fez o que era esperado de um jogador naquele ponto do campo: perambulou nas quatro direções, aparecendo para receber o primeiro passe atrás, dos lados para ser o apoio e se aproximando da área para tabelar ou finalizar. Mas parecia que seus companheiros não tinham confiança nele, e preferiam o passe longo. Houve um momento em que Marcos Vinícius chegou a ficar a um metro de Léo para receber o passe e iniciar o ataque, mas o zagueiro preferiu inverter pro lado direito para Mayke.

Não por coincidência, as melhores jogadas do Cruzeiro saíram quando o passe finalmente ia para os pés do jovem meia. Na primeira, ele avança até o setor onde não há ninguém para ajudar Judivan e Mayke pelo lado direito contra três marcadores (veja abaixo). Quando recebe a bola, desorganiza a defesa que sobe para pressionar, consegue entrar na área e cruzar rasteiro. Neílton marcou mas estava impedido.

E no lance do empate, foi também ele quem iniciou a jogada. Judivan, que àquela altura estava pela esquerda invertido com Neílton, passou para Marcos Vinícius que novamente estava sozinho no buraco que era a intermediária ofensiva do Mamoré. Passou por dois marcadores, e na hora de finalizar, os defensores que marcavam Damião saíram para tentar impedi-lo. Com isso, Damião ficou livre para pegar a sobra e empatar.

No fim o Cruzeiro ainda ensaiou uma pressão, mas não conseguiu virar.

Flagrantes do oceano de espaço que Marcos Vinícius tinha à disposição: em cima, o início da jogada do gol anulado de Neílton, e embaixo, a do gol de empate de Damião

Flagrantes do oceano de espaço que Marcos Vinícius tinha à disposição: em cima, o início da jogada do gol anulado de Neílton, e embaixo, a do gol de empate de Damião

É hora de rever conceitos

É inegável que a entrada de Marcos Vinícius no time (ainda que não tenha sido muito procurado pelos companheiros) melhorou a organização ofensiva, que foi praticamente a única coisa que aconteceu o jogo inteiro — houve poucos momentos de transição e organização defensiva do Cruzeiro. Isso porque a equipe fez uma execução ruim do 4-2-3-1 costumeiro.

Sim, o problema foi a execução e não o esquema em si. Ano passado, o modelo funcionava com Goulart e Ribeiro fazendo movimentos complementares: o primeiro entrava na área ou caía pelo lado, e o segundo ocupava o espaço no centro. Havia intensidade, troca de passes curtos, com os jogadores bem próximos uns dos outros. Neste ano, os atletas ficam presos ao seu setor, sem mobilidade ou troca de posições para criar os espaços. E mesmo quando o adversário já cede estes espaços naturalmente, eles não são aproveitados (ou não são notados).

A solução não é, necessariamente, “mais um meia”. Obviamente, um meia passador típico preencheria melhor este espaço, mas ele precisa ter mobilidade e intensidade. No futebol atual, não existe essa coisa de pensar o jogo, parando a bola e encaixando passes. É um falso dilema entre “pensar ou correr”: é preciso pensar correndo. Então até mesmo um jogador que não fosse um meia, mas se movimentasse bem e preenchesse os espaços, melhoraria.

O time é líder nas duas competições que disputa, mas muito mais pelo baixo nível técnico dos oponentes do que por méritos próprios. Para as fases eliminatórias, precisará melhorar bem sua organização ofensiva, pois quando tiver que fazer um bom placar para jogar o segundo jogo fora, ou tiver que buscar o resultado adverso num segundo jogo em casa, fatalmente terá problemas se continuar insistindo neste modelo.