Muito superior ao adversário, mas longe de fazer um jogo perfeito, o Cruzeiro se impôs em Varginha e venceu o Boa Esporte com autoridade.
Marcelo Oliveira escalou, pela primeira vez, o quarteto ofensivo que a torcida vem pedindo: Everton Ribeiro, Diego Souza e Dagoberto fizeram a linha de três armadores atrás de Borges. Leandro Guerreiro e Nilton foram, mais uma vez, a dupla responsável pela volância de um 4-2-3-1 diagonal, que ainda tinha na linha defensiva protegendo Fábio os laterais Ceará pela direita e Egídio pela esquerda, com Paulão e Nirley novamente no miolo de zaga.
O Boa do treinador Sidney Moraes entrou numa espécie de 4-3-1-2 armado em torno de Marcelinho Paraíba. O meio parecia um losango, mas o sistema tinha muitas compensações para tentar travar a saída de bola do Cruzeiro, como fizeram os adversários anteriores. A defesa do goleiro Douglas era composta por Robert à direita, Leandro Camilo e Rodrigo Arroz centralizados e Aírton pelo lado esquerdo. Dos três volantes, Jair era quem ficava mais plantado no meio, com Petros abrindo mais pela direita e Radamés mais perto de Jair. Marcelinho Paraíba era o camisa 10 clássico, responsável pela criação, e tinha o centro-avante Betinho e o atacante Fernando Karanga pelo lado esquerdo do ataque.
Foi uma boa movimentação do quarteto ofensivo — não fosse o chute pra fora de Dagoberto no segundo tempo, cada um teria feito um gol, simbolizando isto. De qualquer forma, foi uma atuação animadora ofensivamente, e uma vitória merecida e que mostra evolução.
Encaixe de marcação
Como todos os times do interior que enfrentam o Cruzeiro, a proposta do Boa era se defender da melhor forma possível e partir em velocidade nos contra-ataques. No esquema montado por Sidney Moraes, o atacante Fernando Karanga era responsável por acompanhar Ceará até o fundo do campo, se fosse preciso. Assim, com a subida do lateral quando o Cruzeiro tinha a posse, somente Betinho e Marcelinho Paraíba ficavam à frente do time. Mesmo assim, não incomodavam os zagueiros, se preocupando mais em fechar as linhas de passe aos volantes. Já as subidas de Egídio eram marcadas pelo volante Petros, que abria seu posicionamento exatamente para isso, liberando o lateral Robert para marcar quem chegava por aquele setor — o adversário mais comum era Dagoberto.
Do outro lado do meio campo, Radamés perseguia Everton Ribeiro, enquanto Jair era a sombra de Diego Souza: ia atrás do camisa 10 onde ele fosse no campo. E Borges brigava com os zagueiros.
Movimentação intensa
Mas Borges não permanecia enfiado. Por vezes, o camisa 9 recuava para receber um passe e tirar os zagueiros da área, abrindo espaços para seus companheiros, formando um quarteto ofensivo de excelente movimentação. Cada um dos meias apareceu em alguma das três posições em algum momento: Everton Ribeiro partia da direita e centralizava, ou abria pela esquerda; Diego Souza ora ficava no centro, ora caía pela direita, ora pela esquerda, além de subir para fazer companhia a Borges, sempre arrastando a marcação de Jair consigo; e Dagoberto aparecendo nas duas pontas.
As jogadas saíam com naturalidade, quase sempre passando pelos pés de dois ou mais destes quatro, confundindo a marcação do Boa. Em um destes lances, Dagoberto tinha a bola nos pés pela esquerda e passou a Everton Ribeiro, chegando do centro para dar apoio. O camisa 17 dominou e lançou a Borges já dentro da área, que girou e bateu num zagueiro, sobrando do lado direito para – sim – Everton Ribeiro, que já tinha atravessado a área justamente para receber um eventual passe.
Falta de volantes passadores
Mesmo assim, alguém pode pensar que, se o Cruzeiro tinha tanta movimentação, porque não teve mais chances de gol? Simples: nos faltam volantes passadores e ousados. Leandro Guerreiro e Nilton vêem o campo de frente, e quase sempre um dos dois tem bastante tempo pra pensar o que fazer com a bola. Mas chegam pouco ao ataque. Ter um volante mais rápido e enérgico, que participasse mais do jogo ofensivo (mas com boa marcação, como todo volante deve ter), seria fundamental. A falta destes jogadores fazia o Cruzeiro reter a bola, principalmente com os zagueiros e volantes, mas não havia uma conexão boa com o ataque. O maior sinal disso é que Diego Souza e Everton Ribeiro passaram a recuar para busca a bola nos pés dos zagueiros.
Ironicamente, o primeiro gol saiu num passe para Diego Souza de… Leandro Guerreiro. Mas era uma situação de contra-ataque, onde é mais fácil acertar um passe longo com mais espaço para mirar a bola sem acertar um adversário. Diego entrou pela direita e arrancou bem a seu estilo, cortando pra dentro antes de bater na trave. A bola caprichosamente bateu no calcanhar de Douglas e entrou chorando. Me lembrou aquela disputa de pênaltis contra a França em 1986.
Sem a bola
Logo depois do gol, o Boa empatou, aproveitando a defesa alta do Cruzeiro. Defesa alta significa que os zagueiros estão longe de sua área, mais próximos de seus companheiros de time — a famosa compactação à qual os treinadores tanto se referem. Porém, a liberdade de Betinho para fazer um passe em profundidade para Fernando Karanga evidencia uma característica que pode não ser boa futuramente: o Cruzeiro é um time que joga e deixa jogar. Não vi os jogadores, em nenhum momento, tentarem fazer pressão alta, marcando as jogadas no campo ofensivo, tentando tomar a bola o mais rápido possível (o Barcelona manda lembranças).
Claro que Fernando Karanga se aproveitou da lesão de Ceará, que tinha sofrido entrada dura minutos antes e já não conseguia mais correr tudo o que conseguia. Mas se Betinho não tivesse a liberdade que teve para pensar o passe, certamente o empate não teria saído.
Felizmente, Éverton Ribeiro mostrou mais uma vez porque é uma das principais contratações cruzeirenses da temporada. Ele mesmo interceptou o passe à frente da área defensiva, com todo o campo pra correr. E fez exatamente isso, passando com velocidade por dois adversários e achando Borges, que se movimentava para sair da marcação. O zagueiro do Boa foi atrás do camisa 9, deixando a área totalmente desprotegida, e Éverton Ribeiro aproveitou, já que ninguém o acompanhou. Recebeu de volta de Borges, que não foi fominha, bateu e correu pro abraço.
Segundo tempo
Ceará não conseguiu voltar após o intervalo, e Marcelo Oliveira promoveu a estreia do garoto Mayke, recém-chegado das categorias de base. Já Sidney Moraes lançou Neílson como ponteiro direito na vaga de Radamés. Marcelinho Paraíba permaneceu centralizado, e Fernando Karanga se alinhou aos dois: um 4-2-3-1 típico. A ideia era, provavelmente, bloquear a saída de Egídio pelo lado esquerdo. Não funcionou e o lateral continuou subindo ao ataque da mesma forma, sendo que do outro lado o garoto Mayke não decepcionou: apoiou bem mais do que Ceará no primeiro tempo, dando muito trabalho a Fernando Karanga. Com um a menos no centro do campo do Boa, abriram-se mais espaços para o jogo ofensivo cruzeirense. Ou seja, no fim das contas, as duas substituições foram benéficas ao Cruzeiro.
O terceiro não tardou a chegar. Cruzamento de Egídio que a zaga afastou mal. Borges aproveitou e deixou o dele. Faltava o de Dagoberto, e cinco minutos depois, a chance: Borges deixou seu companheiro na cara do gol, mas o camisa 11 mandou pra fora. Seria a coroação da boa atuação do quarteto ofensivo.
Tinga de meia
Pouco antes da chance de Dagoberto, Sidney Moraes havia trocado Petros por Phillip, reforçando a marcação pelo lado direito, por onde chegava Egídio. Ele e Robert revezavam entre a volância e a lateral direita, mas o 4-2-3-1 se manteve. Alguns minutos depois, Marcelo Oliveira fez uma substituição em dois tempos: primeiro lançou Tinga na vaga de Everton Ribeiro, e depois Élber entrou no lugar de Dagoberto. O sistema se tornou um híbrido de 4-2-2-2 com 4-2-3-1, dependendo da movimentação de Diego Souza. Élber fez sua função natural, ponteiro direito, enquanto Tinga foi ser meia central. Diego variava entre ponteiro esquerdo e segundo atacante.
Com Tinga, o centro do meio-campo cruzeirense tinha a combinação clássica: marcador-passador-corredor. Guerreiro ficava mais preso, Nilton teve mais liberdade pra pensar e Tinga corria para se juntar ao ataque. O gol que fechou o placar ilustrou bem isto: Leandro Guerreiro passou a Nilton, que fez um lançamento longo para Diego Souza dentro da área. Com bastante tempo, o camisa 10 esperou o recuo de Tinga, fugindo da marcação, para mandar ao cabeludo bater de primeira no canto esquerdo de Douglas.
Ainda deu tempo de perder mais um gol, com Élber, mas ali o jogo já havia terminado e o Boa estava totalmente entregue.
Maturidade
Todos os quatro jogadores ofensivos tiveram uma boa atuação e foram bastante participativos. Pra usar um termo que nosso treinador gosta, a movimentação promovida “envolveu” a defesa adversária. É claro que, contra equipes do interior, que quase sempre jogarão bem recuadas e tentando somente se defender, o Cruzeiro terá menos espaço para tocar a bola. O primeiro gol, num contra-ataque rápido ao invés de numa jogada trabalhada, ajudou a abrir um pouco o time oponente, que teve de sair para tentar o empate, e isso acabou beneficiando o Cruzeiro.
Entretanto, ainda sinto falta de um volante passador neste time. Nilton e Leandro Guerreiro vem fazendo partidas boas defensivamente, mas com a bola tem deixado a desejar. O desejo deste blogueiro — e de toda a torcida, acredito — é que Marcelo faça mais testes com outras duplas de volantes. Afinal, todos os setores do time estão tendo rotatividade, exceto na volância. Henrique e Lucas Silva são boas opções para este papel de volante passador.
O amadurecimento é claro, e a atuação foi animadora, mas volto a dizer: o time ainda está em formação. Portanto, ainda temos que ter paciência. Se o time já não é mais um recém-nascido, nem uma criança, também ainda não chegou à adolescência. Mas hoje se comportou como um jovem recém-formado: promissor, já com alguma bagagem, mas ainda com muito o que aprender.