Linhas de ônibus

(originalmente publicado no site Diário Celeste)

Quem mora em Belo Horizonte, e certamente quem estuda ou estudou na PUC/MG, com certeza já ouviu falar da linha Dom Cabral/Anchieta, o famoso 4111. Dentre tantas opções, escolhi essa linha para esta introdução justamente por ser uma das mais parecidas com um esquema tático, os famosos numerozinhos que colocamos separados por hífen para resumir a distribuição tática de uma equipe em campo. Muitas vezes, algumas pessoas os chamam de “linha de ônibus”, quase sempre pejorativamente: alguns porque acham que tática não é importante (coitados) e outros porque acham que o esquema em si não é importante, o importante é o resto.

Este colunista discorda dos dois pontos de vista. O esquema — que também pode ser chamado de sistema tático — tem lá sua importância, pois é uma boa síntese de como os jogadores estão distribuídos em campo. Em tempos de redes sociais, você consegue dar uma boa dose de informação com apenas 5 ou 7 caracteres, dependendo do número de linhas de marcação.

Que é exatamente o que esses números representam: a quantidade de jogadores em cada linha de marcação do time. Repetindo o que disse na coluna anterior: não tem absolutamente nada a ver com a “posição de origem” do jogador, e sim com o lugar do campo que ele ocupa, o posicionamento inicial. Dizer que um time está no 4-2-3-1 não significa necessariamente que só haja dois volantes no time, ou apenas um atacante. O que isso diz é que um jogador faz o primeiro combate, atrás dele há uma linha com três, e depois uma dupla protegendo a última linha defensiva. Muitos autores inclusive gostam de usar o formato 1-4-2-3-1, para destacar o papel cada vez mais importante que o goleiro exerce em todas as fases do jogo, tanto com quanto sem a bola.

Mas reconhecer o sistema tático gera debates. Primeiro porque sabemos que futebol não é totó: os jogadores não ficam sempre alinhados uns aos outros. Eles se mexem, invertem de posição, ultrapassam e fazem cobertura. Por essa razão é mais fácil reconhecer o sistema na fase defensiva, particularmente no tiro de meta do goleiro adversário, pois é quando os jogadores retornam para suas posições iniciais, ou seja, o local do campo de onde saem para executar suas funções, e o ciclo do jogo começa novamente.

Além disso, existem diferenças sutis entre alguns sistemas, como é o caso do 4-4-1-1 e do 4-2-3-1. Ambos possuem uma linha de quatro, com dois jogadores centrais à frente dessa linha, mais um “meia” centralizado atrás do “centroavante”. A diferença é o posicionamento dos dois jogadores abertos, a quem chamo de ponteiros (para diferenciar dos pontas de antigamente). No 4-4-1-1, eles recompõem alinhados à dupla de meio-campo, fazendo uma segunda linha de quatro. No 4-2-3-1, ficam ligeiramente mais à frente, na mesma linha do central.

Assim é o Cruzeiro de Deivid. Nomes e números foram tirados de propósito. O que você enxerga? 4-2-3-1 ou 4-4-1-1?

É o caso do Cruzeiro de Deivid no amistoso contra o Rio Branco. Henrique e Ariel faziam a dupla de centro, sem definir o papel de “primeiro” e “segundo volante” — coisa obsoleta no futebol atual. Arrascaeta e Willian ficavam mais à frente, naturalmente. Mas os ponteiros Marcos Vinícius e Alisson faziam uma transição defensiva agressiva: assim que o Cruzeiro perdia a bola, eles subiam a marcação no lateral adversário, ao invés de voltar para ocupar o espaço à frente do lateral do seu lado. Com isso, muitos leram o sistema tático como um 4-2-3-1, enquanto este colunista preferiu ler o sistema num 4-4-1-1, pois não os vi alinhados a Arrascaeta em nenhum momento do jogo, e portanto não poderia colocá-los na mesma linha de marcação do uruguaio. Até mesmo o próprio Deivid, em entrevista recente, afirmou que é um 4-2-3-1 com a bola, e um 4-4-1-1 sem.

Por outro lado, algumas situações não dão essa margem de interpretação. O Cruzeiro de Mano, como dito pelo próprio em uma declaração dada para o PVC, jogava em duas linhas de quatro, com Willians aberto pela direita, depois Arrascaeta e Willian à frente: um 4-4-1-1. O que é muito diferente do 4-3-3 que alguns analistas pregam, pois este sistema considera um triângulo no centro do meio-campo, com um jogador mais recuado e outros dois ligeiramente mais à frente. A era Mano até começou assim, com Henrique sendo esse jogador único centralizado à frente da defesa. Mas na reta final do Brasileirão 2015, ele ficava alinhado a Ariel e Willians, e também a Marcos Vinícius ou Allano, dependendo de quem fosse o ponteiro esquerdo.

Mais importante, porém, é a análise não se prender somente a isso. Pois, como dito, o sistema tático é um resumo útil da distribuição espacial dos jogadores, algo para facilitar o entendimento. Uma boa análise deve se expandir em cima dele e não se limitar a ele. Devemos responder as perguntas: o que o jogador faz quando o time dele está com a bola? De que forma? Para onde se mexe? E quando o time dele está defendendo, qual o comportamento? São os princípios de jogo que o treinador define previamente, e a cujo conjunto chama-se de modelo de jogo.

Ou seja, da mesma forma que defendo que o sistema tático tem sim sua importância, reconheço a sua limitação. Resumidamente, podemos dizer que a posição de origem é o “o que”, o posicionamento inicial (e portanto, o esquema) é o “onde” e o modelo de jogo seria o “como”, o “quando” e o “por que”.

Hoje, muitos analistas táticos, ao escreverem sobre uma partida, preferem até nem dar o sistema. Nesses casos, é realmente desnecessário, pois o resto da análise é mais importante. Mas se algum comentarista falar sobre um sistema e não comentar além disso, desconfie. E desconfie ainda mais se ele disser que o esquema X é “melhor” ou “mais ofensivo” do que esquema Y, sem dissertar mais sobre o modelo de jogo.

Resumindo: da próxima vez que você ouvir alguém falando que o time joga num sistema qualquer (inclusive este colunista), entenda mas questione: “ótimo, e o que mais?”

 

Até semana que vem.

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