Cruzeiro 1 x 0 Figueirense – Carregando o piano

O drible seguido de passe de Souza — servindo para o belo gol de Wellington Paulista — fez com que o meia fosse o mais celebrado pela torcida na volta do Cruzeiro a Belo Horizonte depois de dois anos fora, contra o Figueirense no sábado. Entretanto, a atuação tática mais brilhante foi a de outro jogador: Leandro Guerreiro.

Formação inicial

O 4-2-3-1 com cara de 4-3-3 com dois volantes (4-2-1-3) do início do jogo; Wallyson voltava pouco e teve que trocar de lado com Fabinho, Montillo tentando sair da marcação dupla e Amaral perdendo o duelo com Almir

Eu já estava imaginando como Marcelo Oliveira e Everton iriam se revezar pelo lado esquerdo, já que na primeira rodada foi Everton quem ficou mais à frente, com Marcelo Oliveira na lateral esquerda; e neste jogo parecia que seria o contrário. Parecia, porque Celso Roth surpreendeu a todos e escalou Wallyson na vaga do lesionado Tinga, titular até então. Isso configurou o Cruzeiro num 4-2-3-1 bem ofensivo, com Walysson, Montillo e Fabinho atrás de WP e sendo suportados por Amaral e Charles.

Mas a ofensividade esperada não aconteceu. Isto porque o Figueirense se apresentou no mesmo esquema tático, um 4-2-3-1 muito bem armado por Argel. Em embates de 4-2-3-1, na maioria das vezes é a dupla de volantes é que faz a balança tática se desequilibrar – para o bem ou para o mal. E foi isso o que aconteceu no primeiro tempo no Independência. Os duelos pelo campo eram claros: Léo cuidava do centro-avante Aloísio, com Mateus na sobra; Diego Renan perseguia o extremo esquerdo Júlio César, e Everton tentava parar o extremo direito Caio; na frente, WP brigava com os zagueiros Canuto e Anderson Conceição; Fabinho recuava atrás do lateral esquerdo Guilherme Santos; e Wallyson tentava ficar no encalço do lateral direito Pablo, ex-Cruzeiro.

Amaral x Almir

O principal fator de desequilíbrio, portanto, morava no meio-campo. No embate dos trios Amaral, Charles e Montillo contra Ygor, Túlio e Almir, melhor para os últimos: os volantes do time catarinense revezavam na marcação direita ao argentino, e o outro ficava na sobra. Quando recuperavam a posse, o camisa 10 Almir, quando não levava a melhor nos duelos direitos com Amaral, fazia uma movimentação interessante para os lados, arrastando a marcação do camisa 5 celeste a abrindo espaços para a dupla de volantes, chegar com perigo.

Mas ainda havia outro fator. Como dito, Wallyson, aberto na esquerda, tentava perseguir Pablo, mas só voltava até o meio-campo atrás do lateral. Isso frequentemente deixava Everton sozinho contra ele e Caio. Este último, aliás, teve grande inspiração criativa na primeira etapa, sendo responsável por grandes lançamentos e passes para conclusão dos seus companheiros. O primeiro lance de perigo do time visitante ilustra bem esses aspectos: Caio recebeu a bola na direita e tentou invadir a área driblando, arrastando Everton para dentro da área. Ele foi desarmado e a bola sobrou de novo na direita, onde chegava Pablo, livre de marcação. Foi ele quem cruzou rasteiro para o volante Túlio, elemento surpresa, concluir e Fábio fazer a primeira defesa importante da noite.

Celso Roth tentou corrigir o lado direito invertendo Fabinho e Wallyson de lado. O atacante agora voltava junto com Pablo pela esquerda e suprimiu a vantagem numérica do Figueirense no setor. Guilherme Santos não apoiava tanto e o recuo de Wallyson deixou de ser um problema. Mas a situação no meio-campo continuou ruim: Montillo encaixotado nos volantes e Amaral perdendo o duelo para Almir. O Figueirense dominou as ações nos primeiros trinta minutos e só não abriu o placar por que tinha que vencer o melhor goleiro do Brasil atualmente.

Cruzeiro cercado

Na posse do Cruzeiro, o Figueirense recompunha suas linhas com muita qualidade, num bloco médio-baixo, sem pressionar no alto do campo. Isso gerou números que, normalmente, se relacionam na proporção direta: o Cruzeiro tinha mais posse, mas muito menos finalizações. Sinal de que o time tinha a bola mas não sabia o que fazer com ela, enquanto o time adversário tinha os espaços e era mais objetivo. Mas isso não significou que o Cruzeiro não tenha criado chances. Jogando principalmente na transição em velocidade, o Cruzeiro conseguiu criar alguma coisa, principalmente com Fabinho, num peixinho completando cruzamento de Diego Renan e num chute em assistência de WP por cima da zaga, ambos defendidos por Wilson.

O Figueirense foi o time que mais finalizou (20) na 5ª rodada, mesmo com menos posse de bola (44,54%), muito por causa do primeiro tempo

Guerreiro finca a bandeira

O bom público presente no Independência teve ótima leitura de jogo e protestou contra Amaral ainda no primeiro tempo, pedindo a entrada de Leandro Guerreiro. Celso Roth atendeu e mandou o veterano para a partida no intervalo. Depois de um susto logo no início, quando Aloísio apareceu cara a cara com Fábio — que, pasmem, levou a melhor — Guerreiro tomou conta da entrada da área celeste, fazendo a cobertura das marcações de Charles e Montillo no trio de meio do Figueirense. O efeito imediato foi que Almir deixou de ter tantos espaços e o time visitante já não tinha mais tanta objetividade. Mas Montillo continuava tendo dificuldades contra a boa dupla de volantes do Figueirense, mesmo tentando se movimentar por todo o campo.

Celso Roth parecia ter esperado para ver se somente com Leandro Guerreiro a parte ofensiva também seria solucionada, já que sua entrada liberava ainda mais Charles, que eventualmente poderia ajudar um pouco mais Montillo na criação. Não aconteceu, e o treinador lançou, logo aos 9, Souza na vaga de Wallyson. O Cruzeiro mudou para um 4-2-3-1 diagonal, com Fabinho pela direita mais aberto e mais avançado que Souza do outro lado. Um desenho tático que podeia muito bem ser lido como um 4-3-1-2 losango. Leandro Guerreiro plantou de vez, Charles foi para o lado direito e Souza recuava com Pablo, mas tinha liberdade para criar e avançar. Agora a dupla volância do Figueirense tinha dois alvos — às vezes três — para marcar e não tinha mais a sobra. Resultado: espaços apareceram, e o Cruzeiro tratou de aproveitá-los.

Foram dez minutos de ofensividade intensa, nos quais o Figueirense mal chegou perto de Fábio. Montillo escapou algumas vezes pelos lados, conseguindo cruzar para cabeceio de WP defendido por Wilson, e até sofreu um suposto pênalti em jogada rápida pelo lado direito. WP chegou a ficar cara a cara com o goleiro, driblou, mas perdeu o ângulo do tiro e cruzou para ganhar um escanteio, até receber passe primoroso de Souza, que aproveitou um corte errado do zagueiro de cabeça, driblou seu marcador e achou WP dentro da área. O camisa 9 deu um lençol no goleiro e marcou o primeiro gol cruzeirense em terras belorizontinas após mais de dois anos.

Cinco linhas de marcação

O gol abriu o jogo. O Figueirense avançou suas linhas na busca de um empate, mas esbarrou na agora bem encaixada marcação do Cruzeiro. Com praticamente três homens à frente da área, o Figueirense tentava pelos lados, mas com pouco espaço os cruzamentos não saíam com qualidade. O Cruzeiro ainda promoveria a sua última alteração antes da primeira do time adversário, lançando William Magrão no lugar de Fabinho. Difícil precisar o esquema de jogo, já que o volante foi atuar como um meia aberto pela direita à frente de Diego Renan. Montillo foi ser segundo atacante, e portanto seria algo parecido com um 4-4-1-1, mas com Leandro Guerreiro bem mais recuado que Charles. No entanto, às vezes Montillo recompunha com Charles pelo meio, efetivamente configurando um 4-1-4-1. O mais próximo, portanto, seria dizer que, após as alterações, o Cruzeiro jogou numa espécie de 4-1-3-1-1, armado para o contra-ataque.

À esquerda, o time que marcou o gol da vitória: um 4-2-3-1 diagonal com LG na volância liberando Charles e Souza; à direita, o sistema híbrido 4-1-3-1-1 armado para contra-atacar, com William Magrão jogando quase como meia aberto pela direita

O Figueirense começou a tentar mexer no jogo com Botti no lugar de Almir, que ficou no bolso de Guerreiro. Sangue novo na posição de articulador central, sem desfazer o 4-2-3-1. Mas Leandro Guerreiro continuava a sobressair à frente da área, e com as linhas avançadas, o Cruzeiro assustava muito na transição. As melhores chances continuavam a ser azuis, embora menos frequentes. Argel tentou mais uma vez, desta vez mudando o lado esquerdo, com Luiz Fernando na vaga de Júlio César. Diego Renan deu conta do recado e era ajudado por William Magrão, e o jogo seguiu na mesma, com o Cruzeiro esperando a bola certa para contra-atacar.

A última tentativa do time catarinense foi lançar Jackson na vaga de Pablo, que foi jogar bem avançado no meio-campo pela direita, tentando atacar as costas de Souza. Aloísio caiu mais para a esquerda e Caio ficou mais por dentro, liberando o corredor para o volante que acabara de entrar. E foi dali que nasceu a única jogada de perigo: cruzamento completado para defesa até certo ponto tranquila do capitão camisa 1.

No fim, a bola que o Cruzeiro queria. Após rebatida da área, a bola sobroui para Souza, que acionou Montillo. O argentino conduziu a bola em velocidade, bem a seu estilo, driblou seu marcador e deu com açúcar para Leandro Guerreiro, sozinho, desperdiçar. Seria a coroação do ótimo jogo do volante, que parece ter recuperado seu lugar no time com a atuação sólida, principalmente na parte tática.

Agora é com eles

Felizamente, o gol perdido não fez tanta diferença em termos de pontuação. Cinco jogos, três vitórias e dois empates, e vice-liderança com a melhor defesa do campeonato. Mas é bom atentar que, excetuando a partida contra o Botafogo, foram jogos de um nível menor, em que o Cruzeiro é que tinha a responsabilidade da vitória. O duelo contra o líder Vasco, na próxima rodada, é a prova de fogo para a solidez defensiva de Celso Roth. Mas também será um jogo mais aberto para o ataque azul, pois é dos mandantes a responsabilidade da iniciativa de jogo. Prevejo um time reativo em São Januário,  principalmente com mais espaços para Montillo.

E todos sabemos o que acontece quando o craque tem espaço.