O Cruzeiro voltou a ser o Cruzeiro da sequência de doze rodadas invictas que encantou o Brasil — mas só durante trinta minutos. Depois disso, inventou de diminuir a velocidade do jogo, coisa que não sabe (ainda) fazer, expôs seus problemas defensivos e levou um baita susto ainda na primeira etapa. Mas se ainda não é um time maduro para mudar o estilo durante a partida, teve capacidade mental suficiente para conseguir “desvirar” o placar, se aproximando muito do tri.
Formações táticas
O Cruzeiro foi para o jogo no seu 4-2-3-1 usual, mas com mudanças no estilo dos jogadores que o compunham. Do gol, Fábio viu sua linha defensiva ser formada por Ceará à direita, Egídio à esquerda e Dedé e Léo compondo a zaga central. Com Nilton suspenso, Henrique fez o papel do primeiro volante na companhia a Lucas Silva, e Dagoberto foi o escolhido para a vaga de Ricardo Goulart no trio de meias, composto também por Willian, desta vez à direita, e Éverton Ribeiro, “oficializado” como central. Na frente, Borges enfiado entre os zagueiros.
Argel Fucks armou o Criciúma tendo o 4-3-1-2 losango como base, mas altamente adaptável para se defender do ataque celeste. A meta de Gallato foi defendida pelos zagueiros Matheus Ferraz e Fábio Ferreira, que por sua vez eram flanqueados por Sueliton na lateral direita e Marlon na esquerda. Henik foi o volante mais defensivo, com Ricardinho jogando mais à direita e João Vitor mais pela esquerda, mas ainda no meio-campo central, dando suporte a Ivo na ligação. Na frente, Lins se movimentava e Marcel ficava na referência.
Corredores livres
É claro que a volta da intensidade característica do quarteto ofensivo, tanto defendendo como atacando, foi um fator determinante para o início arrasador do Cruzeiro. Porém é preciso também destacar o corredor que os dois laterais tiveram para subir e se aproximar dos ponteiros, fazendo maior número pelos lados do campo. Ricardinho até abandonava o meio-campo para encurtar o espaço em Egídio, mas o camisa 6, sem ter um ponteiro verdadeiro para marcar, ultrapassou seu marcador com o mesmo ímpeto que chamou a atenção de todos no primeiro turno do certame.
Ceará, por outro lado, teve toda a liberdade para apoiar, pois quando recebia a bola, João Vitor só o marcava à distância. O veterano camisa 2 subiu frequentemente ao ataque, recebendo ora passes de trás e avançando até encontrar Marlon, ora inversões de jogada que Lucas Silva produzia tão bem, fazendo o lateral esquerdo do Criciúma sair da formação da defesa para ir à marcação. Foi deste lado que saiu o primeiro gol, num belo passe de Ribeiro para Ceará já avançado até a linha de fundo, que cruzou rasteiro mas encontrou a defesa. No rebote, o próprio Éverton bateu de esquerda — o pé bom — para abrir o placar.
Dagoberto
Outro fator interessante é a característica que Dagoberto dá ao time. Enquanto Goulart é mais aplicado taticamente e tem papel fundamental na movimentação e na construção da jogada, Dagoberto é mais agudo e finalizador, procurando espaços com o drible rápido — um pouco parecido com Willian. O segundo gol aconteceu por causa disso — Dagoberto já estava posicionado junto à linha defensiva do Criciúma, mas bem aberto à esquerda, quando Éverton Ribeiro encontrou Egídio sem marcação. O lateral entrou um pouco pelo centro mas passou a Dagoberto, que imediatamente deu a Éverton, que havia tomado a frente de dois marcadores dentro da área. O passe não foi bom, mas Éverton fez do limão uma limonada: deu um passe escorpião de volta a Dagoberto na entrada da área, que pegou de primeira, se marcação — atraída por Ribeiro — e aumentou.
Defensivamente, porém, Dagoberto não contribui tanto. Isso não era um problema naquele momento do jogo, pois só o Cruzeiro atacava e Sueliton se limitava a compor a linha defensiva, mas quando o Cruzeiro diminuiu o ritmo — talvez pela facilidade que encontrava no campo ofensivo — isso passou a ser um fator de preocupação.
Volância leve
Mas o maior problema defensivo, neste momento da partida, residia na entrada da área. O primeiro gol do Criciúma — numa cobrança muito bem feita de João Vitor, diga-se — já poderia ser um alerta, pois Henik avança sem ser incomodado no setor, obrigando o zagueiro a subir o bote, errar o tempo e cometer a falta. Lucas Silva tem um bom combate, mas jogava mais avançado, e Henrique simplesmente não estava no mesmo ritmo dos outros jogadores, limitando-se ao cerco sem dar botes mais fortes.
Em que pese o Cruzeiro ter continuado atacando após sofrer o gol, o Criciúma passou a jogar também e encontrou este espaço na entrada da área para criar e conseguir uma virada surpreendente ainda na primeira etapa. Primeiro, Marlon avança pela esquerda mas não é acompanhado por Éverton Ribeiro, que naquele momento era o ponteiro e devia marcá-lo, e a cobertura de Henrique é falha — o camisa 8 deixa um passe de Marlon entrar nas suas costas pela direita. O cruzamento acha Lins, que está longe de Lucas Silva.
Depois, uma inversão de bola da esquerda para a direita acha Sueliton avançando com espaço. Dagoberto tenta voltar para acompanhar mas não consegue, e Egídio está pelo centro da área compactado lateralmente na defesa (que é o comportamento certo). O lateral direito do Criciúma cruza rasteiro de primeira para Ricardinho, na meia-lua, completar de primeira. É possível ver Henrique muito afundado na marcação, quando deveria estar ali para interceptar o passe.
Sueliton fora
O time voltou para o segundo tempo sem alterações, mas não deu tempo de avaliar se havia algo novo na postura do time, pois logo aos 4 Sueliton receberia o segundo amarelo e o Cruzeiro passou a ter vantagem numérica. Marcelo Oliveira esperou Argel reformatar sua equipe com Ezequiel, lateral direito, na vaga de Ivo, optando pelo 4-4-1 (na transmissão foi possível ver o técnico do Criciúma fazendo dois números quatro com as mãos, uma na frente da outra, indicando o sistema que queria) para poder fazer seus movimentos.
As entradas de Júlio Baptista e Mayke nas vagas de Henrique e Ceará deram ao time um viés ultra ofensivo. Mayke é reconhecidamente mais ofensivo que o veterano camisa 2, e Júlio, um meia-atacante de origem, entrou na vaga de um volante, e com isso o Cruzeiro passou pela primeira vez a jogar num 4-3-3 clássico, com Éverton um pouco mais recuado como meia direita, Júlio na meia-esquerda, Willian e Dagoberto nas pontas e Borges de centroavante. Isso além de Lucas Silva ser um volante com chegada e Egídio ser um lateral ofensivo também — apenas os zagueiros não participariam da construção ofensiva.
Muitos cruzamentos
Este embate de sistemas proporcionou duelos por todo o campo. Marcelo abdicou de pressionar os zagueiros e se limitava a cercar Lucas Silva, enquanto que os laterais celestes batiam com os meias abertos do time catarinense. Os meias batiam com os volantes e os ponteiros com os laterais, deixando apenas Borges segurando os dois zagueiros.
Seguros da cobertura de Lucas e dos zagueiros, os laterais avançaram sem medo. Resultado: foi o jogo com maior número de cruzamentos do Cruzeiro no campeonato. Não demorou para Borges empatar com um passe vindo de Mayke e desviado por Willian, pegando a defesa desprevenida. Gol típico de centroavante: batendo cruzado na primeira oportunidade. Argel só tinha a opção do contra-ataque, e lançou Douglas, mais leve, na vaga de Marcel. Já Marcelo Oliveira tirou Willian, cansado, por Élber, na ponta direita. E foi com ele que veio o gol da tranquilidade, do mesmo lado direito. O cruzamento achou a cabeça de Borges, sozinho, no meio da área.
Em desvantagem, o Criciúma tentou avançar suas linhas, com Lins saindo do meio para fazer um 4-3-2 ao lado de Douglas no ataque, numa última tentativa de achar o empate. Mas isso acabou piorando a situação no meio-campo, e o Cruzeiro desta vez conseguiu trocar passes sem sustos, e até eventualmente conseguir marcar mais um no pênalti incontestável em Dagoberto que ele mesmo cobrou.
Quase campeão, mas ainda verde
Não há como negar que a expulsão mudou a maneira de jogar das equipes na partida, mas dizer que foi o único fator responsável pelo resultado é demais. O Cruzeiro venceu por méritos próprios, tanto dos jogadores quanto de Marcelo Oliveira, que fez as trocas corretas para dar o melhor resultado tático possível.
Mas o susto no fim do primeiro tempo liga um alerta. Por causa dele, este blog se convenceu de que o Cruzeiro de fato ainda não sabe jogar de outra forma que não atacando com intensidade sempre. Este time ainda não é maduro para segurar a partida tendo a bola nos pés e diminuir o ritmo do jogo. Pode ter dado certo em alguns momentos nesta temporada, mas isto ainda é um fator a se evoluir. Não é surpreendente, no entanto, pois é uma equipe em sua primeira temporada e que não teve tempo para treinar variações, ainda que esteja liderando o campeonato com folga.
E, por isso mesmo, o provável título será ainda mais valorizado. Afinal, o Cruzeiro é uma equipe ainda longe de estar perfeita.