Antes de mais nada, sei que o jogo já passou e é hora de olhar pra frente. Por isso, este texto chega com algum atraso. Mas ele é também uma resposta aos que dizem que não há textos nas derrotas. Ora, também deixei de escrever em algumas vitórias, pois como já expliquei antes, a questão não é o resultado do jogo e sim o tempo que disponho para digitar minhas observações. Isto posto, sigamos.
O futebol é um jogo de imposição de estilos. Uma frase famosa no futebol, que o Google me diz ter sido dita por Sepp Herberger, técnico da Alemanha campeã em 1954. Mas o que Sepp não disse é que nem sempre o estilo que se impõe sai de campo vencedor. E o que se viu no Mineirão do último domingo foi exatamente isso: o domínio de uma equipe sobre a outra, se impondo e obrigando o rival a se defender como um time pequeno do interior, mas cometendo erros que foram bem aproveitados pelo adversário.
Pela postura, pela estratégia e pela imposição de um time sobre o outro — e até mesmo pelo padrão monocromático preferido pela roupagem do rival — nada mais justo e descritivo do que classificar o resultado como a mais clássica zebra. O título do texto é uma homenagem a isso.
Escalações
Marcelo Oliveira não fez nenhuma mudança em relação ao time esperado: um 4-2-3-1 com dois laterais ofensivos e dois volantes construtores. Do gol, Fábio teve sua linha formada por Mayke e Egídio nos flancos, com Dedé e Léo na área. Henrique e Lucas Silva comandaram a ligação para o trio de meias formado por Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Alisson, com Moreno na referência comandando a pressão alta.
Levir Culpi tentou surpreender, e no papel o Atlético só tinha um volante, mas na prática, fez um 4-4-2 britânico, ou seja, em duas linhas. O gol de Victor foi protegido pelos zagueiros Léo Silva e Jemerson, com Marcos Rocha na direita e Émerson Conceição na esquerda. A segunda linha tinha o já citado volante, Leandro Donizete, mas com Dátolo a seu lado, jogando por dentro, e com os flancos cobertos por Luan à direita e Carlos à esquerda. Na frente, Guilherme e Diego Tardelli.
Imposição de estilos
Continuando a velha mania da mídia em geral de dar a informação sem observar, os repórteres de campo bradavam que Levir “foi ousado” e que “iria pra cima” do Cruzeiro. Ledo engano. Como lhe é característico, o Cruzeiro tomou as rédeas da partida e já mandou uma bola no travessão logo aos dois minutos, com Alisson completando bela linha de passe. Um lance que resume bem como seriam os 90 minutos de jogo.
O Atlético até tentava ficar com a bola, mas a marcação do Cruzeiro no campo de ataque era excelente, forçando o erro rival, e logo a bola voltava aos pés celestes. Assim, praticamente durante todo o tempo, Guilherme e Diego Tardelli ficavam vendo os zagueiros celestes trocarem passes, sem subir a pressão, se limitando a fechar as linhas de passe para Lucas Silva e Henrique. Isso forçava o jogo do Cruzeiro pelos lados, o que acabou não sendo um problema, pois Mayke e Egídio conseguiam levar a melhor contra Luan e Carlos. E assim o Cruzeiro chegava com facilidade até as proximidades da área rival, mas faltava maior capricho no último passe e na hora de finalizar.
Sequência de erros
E justamente quando o gol celeste parecia madurinho, o Atlético conseguiu seu primeiro gol na sua primeira chance real. Com a jogada transcorrendo do lado esquerdo, Mayke corretamente se aproximou do centro para compactar o time lateralmente, deixando o espaço do lado direito descoberto. Émerson Conceição foi até lá e normalmente teria a companhia de Éverton Ribeiro, o ponteiro direito que acompanha o lateral. Só que Éverton também estava pelo centro e teve que correr uma grande distância para tentar bloquear o cruzamento: primeiro erro. Não foi suficiente, e o cruzamento saiu. Na disputa na área, Léo perde para Luan, muito mais baixo e franzino: segundo erro. E no rebote, Éverton Ribeiro se esqueceu de voltar e habilitou a posição de Carlos, que completou à queima-roupa: terceiro erro.
Talvez por saber que parte da culpa pelo gol foi dele, Éverton Ribeiro se enrolou na saída de bola, tentou um drible em uma posição perigosa do campo e perdeu a bola, gerando um contra-ataque bem executado, em passe de Dátolo para Tardelli já dentro da área. A transição ofensiva é o pior momento para uma equipe perder a posse, pois o pega o time saindo para o ataque, com os jogadores naturalmente saindo de suas posições defensivas. Quando acontece isso, gera um “contra-contra-ataque”, e os jogadores tem que interromper a corrida para a frente e mudar a direção, para voltar e recompor.
Voltando pro jogo
Em clássicos, normalmente um dois a zero contra é quase decisivo. Da forma como foi, mais ainda, pois foram dois gols em sequência quando o Cruzeiro era absolutamente melhor. Geralmente o time fica abalado, mas o Cruzeiro pareceu ignorar isso e continuou jogando como se o placar estivesse em branco. Seguiu com mais posse, rondando a área e chutando mal, exceto na jogada de Éverton Ribeiro, se redimindo em parte pelos erros. Ele achou Goulart sozinho em cima da linha do gol, para diminuir ainda no primeiro tempo, e fazer o Cruzeiro voltar ao jogo com muita naturalidade.
Não houve nenhuma mudança no intervalo, nem de peças, nem de estratégia e nem de estilo. O Cruzeiro continuou se impondo, mas foi muito mais perigoso e incisivo, empatando a partida logo no início com Alisson se descolando de Marcos Rocha, e depois criando uma profusão de chances. Alisson mandou na trave, Moreno mandou por cima um cruzamento da Mayke, que também teve sua chance em cabeceio livre, mas que mandou nas mãos de Victor. Um pouquinho só a mais de capricho nas conclusões teria decidido o jogo já no meio do segundo tempo a favor do Cruzeiro.
Mudanças
Após o empate, Levir viu seu time acuado e tentou fazer algo. Aproveitando uma lesão de Luan, mudou para um 4-2-3-1 com Josué ao lado de Donizete e atrás de Carlos à direita, Dátolo centralizado e Guilherme na esquerda, com Tardelli sendo o único centroavante. Depois, sabendo da deficiência defensiva de Guilherme, reforçou a marcação do lado esquerdo com Douglas Santos na lateral esquerda na vaga de Émerson Conceição. Já no Cruzeiro, Marcelo Oliveira mandou Dagoberto a campo na vaga de Alisson, lesionado, sem alterar o sistema mas colocando ainda mais verticalidade. Levir então respondeu com Eduardo na esquerda, mandando Carlos de volta para o lado direito e tirando Guilherme de campo.
Mesmo com tudo isso, o panorama não se alterava. O terceiro gol celeste parecia certo, uma questão de tempo. Marcelo lançou Borges, o melhor pivô do mundo, na vaga de Moreno, e a troca teria sido celebradíssima se Dagoberto convertesse em gol a jogada que construiu com seu antigo parceiro, numa jogada típica de Borges: costas para o adversário, toque de lado para achar o jogador na corrida e deixá-lo em ótima posição para chutar ou cruzar. Dagoberto perdeu um gol que não costuma perder.
Pareceu ser a última cartada do jogo. Talvez por cansaço, o Cruzeiro continuava com a bola mas já não ameaçava tanto a meta de Victor. O time rival conseguiu respirar um pouco e voltou a ameaçar em contra-ataques. Primeiro com Tardelli pela direita — em mais um drible errado de Éverton Ribeiro e que foi o estopim da substituição por Willian. A bola foi rebatida pela zaga e rebote atleticano foi desviado para escanteio. Mas no segundo, Leandro Donizete, com liberdade, achou um cruzamento para Carlos que, também sem marcação, cabeceou no canto oposto de Fábio e decretou o resultado final. Coisas do futebol.
Merecimento e justiça
Quem acompanha o blog sabe que sempre digo que não acredito em resultados injustos. Se o Cruzeiro se impôs, chutou mil bolas ao gol e não venceu, é porque foi incompetente na hora de concluir. E pior: cometeu erros que o rival aproveitou muito bem, com conclusões mais precisas do que as celestes. Por isso, a justiça do futebol é a da bola na rede.
Merecimento, entretanto, é algo diferente. Não que o Atlético não tenha merecido ganhar, pois fez um de seus melhores jogos num período recente, e também teve sorte com as duas bolas na trave. Mas o Cruzeiro, pelo que jogou na partida, pela forma como se impôs num clássico (que sabemos ser um jogo diferente), acuando o time rival em sua própria área, algo incomum para uma partida como essa — por causa disso tudo, o Cruzeiro não merecia perder. Infelizmente, aquele terceiro gol, que parecia certo, não saiu. Se Cruzeiro e Atlético jogassem assim cem vezes, o Cruzeiro sairia vencedor em oitenta.
E é nessa última parte que fica a boa impressão. Perder um clássico é sempre ruim, mas nesse caso, pareceu um pouco menos pior. Porque o futebol que o Cruzeiro mostrou, ainda que com os erros nas finalizações e na marcação do adversário, é suficiente para vencer a maioria das partidas e caminhar rumo ao título.
Ou seja: como defendo sempre, no longo prazo, a qualidade do futebol é mais importante que o resultado. E por essa ótica, o Cruzeiro ganhou de goleada.