Antes de mais nada, peço desculpas aos leitores pela demora nas atualizações. O apertado calendário de 2014 — que, tirando o período da Copa do Mundo, prevê uma semana inteira de folga para o Cruzeiro em apenas três oportunidades caso a equipe chegue a todas as finais — também aperta os períodos que este humilde escriba tem para desenvolver os textos e figuras.
Mas desta vez, não foi apenas este o motivo. A estratégia de mercado da principal detentora dos direitos televisivos da Copa Libertadores confinou a partida do Campeão Brasileiro ao seu novo canal, numa clara tentativa de forçar a entrada nas grades das principais operadoras do país. Dessa forma, tive de recorrer à internet, mas não obtive muito sucesso e a análise ficou muito prejudicada.
Considerando que o jogo contra o América foi com os reservas, mas no mesmo 4-2-3-1 de sempre, concentrarei esta postagem à análise do clássico, que teve aspectos táticos muito interessantes por parte de Marcelo Oliveira.
Alinhamentos iniciais
Ambos os times vieram no 4-2-3-1 que os consagraram na temporada passada. Fábio teve uma linha defensiva com Ceará pela direita e Egídio pela esquerda, com Dedé e Bruno Rodrigo na área. Lucas Silva sentiu dores e em seu lugar entrou Rodrigo Souza, e com isso Souza teve um pouco mais de liberdade para subir e ajudar o trio de meias. Dagoberto espetava pela direita, Éverton Ribeiro foi deslocado para o centro e Willian entrou pela esquerda, com Ricardo Goulart à frente.
O Atlético Mineiro de Paulo Autuori entrou com mudanças do lado esquerdo da zaga. O goleiro Victor foi protegido por Leonardo Silva e o estreante Otamendi, com Marcos Rocha à direita e Dátolo, meia de origem, na lateral esquerda. Dali pra frente foi o time de 2013: Pierre como volante marcador e Josué com um pouco mais de liberdade, atrás do ponteiro direito Tardelli, do central Ronaldinho e do ponteiro esquerdo Fernandinho. À frente, Jô duelava com os zagueiros.
O novo desenho do quarteto ofensivo
A saída de Moreno do time talvez tenha sido a maior surpresa. De uma maneira geral, creditou-se a mudança à falta de ritmo de Marcelo Moreno, fato que Marcelo Oliveira confirmou após a partida. Mas o que ficou subentendido é que o treinador aproveitou esse fato para armar seu time de forma a parar o Atlético Mineiro em sua casa.
A estratégia começava com a entrada de Willian no lado contrário. Quando Dagoberto joga, Willian normalmente fica pela direita para deixar o camisa 11 mais à vontade em seu lado preferido, o esquerdo. Porém, no jogo de domingo Willian apareceu pela esquerda mesmo, com Dagoberto do outro lado. Duas razões para isso: Willian tem mais capacidade defensiva do que Dagoberto, e portanto deveria estar mais atento ao lateral direito Marcos Rocha, que é uma das principais saídas de bola do rival. E Dagoberto foi colocado para jogar em cima de Dátolo, exatamente para explorar a pouca força defensiva do meia improvisado na lateral esquerda.
Essas mudanças significavam que Éverton Ribeiro teria que ir para o centro do campo, onde fica menos à vontade, embolado com os volantes adversários. Ricardo Goulart foi o centroavante, mas ficou mais preso do que normalmente fica entre os zagueiros. Ainda assim, recuava mais que um centroavante de ofício.
Mais posse, poucas finalizações
Mais atrás, Rodrigo Souza tinha a clara função de marcar Ronaldinho, e o fez muito bem. Souza era, portanto, o responsável por se juntar à criação, mas não possui um passe tão bom quando Lucas Silva e teve dificuldades nessa atribuição. Mesmo assim, sua mera presença no setor, aliada aos eventuais recuos de Goulart para a faixa intermediária, faziam o Cruzeiro ter mais homens no meio-campo e controlar a posse de bola. Tanto é que, mesmo com a pequena pressão atleticana no meio do segundo tempo, o Cruzeiro ainda terminaria a partida tendo a bola nos pés por 55,9% do tempo.
Mas esse controle da bola não gerou muitas finalizações. É verdade que foram mais do que o adversário: 7 contra apenas 1, mas destas, somente o cabeceio de Dedé no início da partida foi no alvo. Mas, por outro lado, permitir apenas uma finalização ao Atlético em sua própria casa, com 100% da torcida contra mostrou o excelente desempenho defensivo do Cruzeiro na primeira etapa. A estratégia do rival facilitava, já que era a mesma do ano passado: diagonais longas procurando os ponteiros. Mas estes estavam bem marcados, como Ronaldinho, e pouco produziram.
Além disso, as boas atuações de Dedé e Bruno Rodrigo negaram a Jô uma das armas do Atlético — a segunda bola. Os zagueiros venciam todos os duelos aéreos contra o provável reserva de Fred na Copa. Portanto, considerando tudo isto, foi um excelente primeiro tempo, ainda que o desempenho ofensivo tenha deixado a desejar. O fato de Fábio nem ter sujado o uniforme é a prova cabal da superioridade celeste.
Mudar para vencer
Provavelmente por ordem de Autuori, o Atlético voltou no segundo tempo ainda mais retraído, tentando chamar o Cruzeiro para seu campo e abrir espaços na frente. O Atlético só marcava o primeiro passe, mas deixava a bola com a defesa celeste. Os zagueiros Dedé e Bruno Rodrigo já não eram pressionados, e os laterais conseguiam receber a bola sem ser acossados. O Cruzeiro, por isso mesmo, não arriscava muito, e a sensação era de que o jogo iria continuar na mesma, com o Cruzeiro finalizando mal e o Atlético tendo poucos momentos com a bola nos pés.
Aos 18, Marcelo Oliveira tentou mudar a cara da partida. Lançou Moreno na vaga de Éverton Ribeiro, apagadíssimo como central — o craque do Brasileirão 2013 rende mais partindo da direita, como ponteiro passador (sim, uma terminologia “emprestada” do voleibol), ou precisa ter alguém a seu lado no centro, para poder dividir a atenção da marcação. Com isso, Goulart recuou para sua posição “original”. Mas não só isso: Dagoberto e Willian trocaram de lado, para seus lados de preferência. A alteração era ofensiva, já que colocava Willian para atacar ao invés de defender e arriscando com Dagoberto pelo lado de Marcos Rocha.
Para compensar isso e ainda adicionar mais um elemento ofensivo, cinco minutos depois Marcelo Oliveira tirou o já amarelado Egídio e que agora estava exposto, sem a ajuda de Willian ou de Dagoberto, para lançar Mayke, invertendo Ceará para a esquerda. O veterano camisa 2 ficou por conta de marcar somente, e Mayke foi liberado para o apoio. Isso abriu o time um pouco e o Atlético começou a levar mais perigo em suas estocadas, fazendo o Cruzeiro conceder muitas faltas perto de sua grande área. Felizmente, Ronaldinho não estava em tarde inspirada nas cobranças e Fábio não foi exigido.
Foi o momento mais perigoso da partida. A torcida do Atlético já gritava contra seu treinador, que só fez uma troca, mandando Neto Berola na vaga de Tardelli, sem alterar muito o esquema. No mesmo momento, Marlone foi para a vaga de Dagoberto, também sem alterar o sistema, mas dando muito mais preocupações defensivas a Marcos Rocha do que Neto Berola a Ceará. No fim, uma cobrança de falta de Souza fez Victor rebotear nos pés de Rodrigo Souza, que se fizesse o gol teria coroado sua excelente atuação.
É o clássico
É lugar comum, mas não seria se não fosse verdade: o clássico é um jogo diferente. Ele faz os treinadores mudarem as características de seus times para explorar cada fraqueza do rival — Mourinho fez isso recentemente com seu Chelsea na partida contra o Manchester City pela Premier League. Sem os “titulares” Lucas Silva e Moreno, as entradas mais esperadas eram as de Júlio Baptista (empurrando Goulart à frente) e Henrique na posição de segundo volante. Mas Marcelo lançou Rodrigo Souza e Willian, visando explorar a deficiência defensiva pela esquerda e mitigar a saída forte pela direita. Tudo isso ainda povoando o meio-campo e vencendo a batalha pela posse. Pontos para o treinador.
Mas como em futebol não existe tática perfeita, algo teve de ser sacrificado. E foi a movimentação ofensiva característica deste Cruzeiro, com intensidade e troca de posições constante. Willian ficou preso na sua atribuição defensiva e pouco centralizou. Dagoberto já não tem tanto esta característica, preferindo naturalmente ficar mais aberto, e Éverton Ribeiro, centralizado, ficou encaixotado na marcação dos volantes atleticanos. Por isso não vimos o Cruzeiro vibrante do ano passado.
De qualquer forma, foi uma evolução. Após a confirmação do título nacional, Fábio foi a um programa de entrevistas e disse que a eliminação para o Flamengo na Copa do Brasil fez o grupo perceber que não sabia jogar se defendendo. Portanto, o time de 2013 só sabia jogar de um jeito: atacar o tempo todo. No clássico, o Cruzeiro teve uma postura mais cautelosa, mas com a bola nos pés, conseguindo criar mais chances e ficar mais perto da vitória do que o rival — ainda que isso seja contra a escola de futebol preferencial dos cruzeirenses, é importante saber jogar assim de vez em quando.
E e parece que este grupo aprendeu.
Concordo com sua leitura. O Goulart, com sua movimentação, abre um buraco no meio para que o Ribeiro faça suas jogas de infiltração em diagonal, da direita para o centro, procurando uma enfiada de bola, um chute a gol, uma tabela, etc. Todas as vezes que foi forçada a barra para o Ribeiro jogar na posição central, o rendimento dele cai (foi assim na época do Diego Souza, foi assim no clássico). Além disso, as qualidades físicas do Goulart permitem que ele ajude na marcação, o que desafoga o meio.
Assim, uma vez que o time ainda não encontrou um centroavante que passe confiança, se eu fosse o Marcelo, escalaria o Júlio como centroavante (falso nove ou não) e manteria o restante da equipe como vinha jogando. Você já falou várias vezes sobre as qualidades do Júlio, como chute, cabeceio e presença física, qualidades ideais de um centroavante. Além disso, ele possui mais técnica que os centroavantes de ofício do plantel.
Achei que, no clássico, o grande erro (em partes) do Oliveira foi justamente ter alterado o posicionamento do Ribeiro, deixando-o mais centralizado, o que sepultou a alimentação do ataque. De uma vez ele tirou a referencia do ataque, que ficou sem um avante, e, tendo em campo dois jogadores que procuram as infiltrações em diagonal, como são Willian e Dagoberto, dificultou o jogo do Ribeiro, que seria justamente quem municiaria esses dois jogadores com enfiadas de bola. Digo que o erro foi em partes, porque na outra mão teve a anulação ofensiva do adversário como você bem comentou.
No final das contas, o clássico foi como um jogo de xadrez, ninguém quis se expor muito, os dois treinadores se respeitaram demais.
Indo além do clássico, essa postura mais defensiva será muito importante em alguns jogos da Libertadores e Copa do Brasil. É o tipo de tática que ganha campeonatos de mata-mata. Espero que a equipe tenha aprendido um pouco com este tipo de jogo. Novamente, para um caso onde a postura defensiva tiver que ser mais privilegiada, eu escalaria o time em um 4-2-2-2, com o Goulart e o Ribeiro nas suas posições tradicionais e o Dagoberto e o Willian nas pontas, fechando em diagonal, semelhante ao que o Cuca fez na era Cruzeiro, quando contava com o Tiago Ribeiro e o Walisson no ataque. O time ganharia defensivamente e seria muito perigoso e rápido nos contra ataques.