Cruzeiro 0 x 0 Atlético/MG – Inteligência e maturidade

O Constelações volta depois de merecidas férias. A viagem internacional, porém, não impediu o blogueiro de acompanhar o Cruzeiro na rua brilhante recuperação na Libertadores e no restabelecimento da ordem natural em âmbito regional. No primeiro caso, um time maduro e seguro de sua capacidade, jogando com inteligência no Chile e com ímpeto e imposição no Mineirão. Sempre no 4-2-3-1, mas uma alteração frequente para o 4-1-2-3 com um meio campo só de volantes, quando o desejo era arrastar o jogo até o fim.

Já no Campeonato Mineiro, a primeira partida da final foi praticamente igual à da fase de classificação. O Atlético tendo mais a bola, mas o Cruzeiro se defendendo bem e não abdicando do ataque. Consequência das mudanças de um lado e da evolução em outro: nem Atlético nem Cruzeiro são as mesmas equipes de 2013, apesar de terem praticamente os mesmos jogadores. O Atlético sob Paulo Autuori já não aplica mais a intensidade que Cuca sempre pedia, preferindo cadenciar um pouco mais. E o Cruzeiro, que no ano passado só sabia jogar ofensivamente — e que foi suficiente para o título nacional — já comprovou que pode jogar com outras estratégias, consequência de evolução notável da defesa.

A finalíssima

Times no 4-2-3-1, mas com o lado esquerdo atleticano vulnerável, pois Ronaldinho deixava o trabalho de marcação para Jô

Times no 4-2-3-1, mas com o lado esquerdo atleticano vulnerável, pois Ronaldinho deixava o trabalho de marcação para Jô

Para o segundo jogo, Marcelo Oliveira mandou a campo o 4-2-3-1 usual, com Fábio no gol. Mas, flanqueando os zagueiros Dedé e Bruno Rodrigo, estavam Ceará e Samudio, dois laterais que tem mais tendência a compor a linha defensiva do que apoiar. Para compensar uma eventual escassez de força ofensiva, a dupla de volantes tinha em Lucas Silva e Henrique dois jogadores com qualidade de passe e de chegada à frente, se juntando ao trio “clássico” formado por Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Dagoberto, com Júlio Baptista no comando do ataque.

Já o Atlético também veio no 4-2-3-1, mas diferente em relação ao que Cuca implementava no setor ofensivo. Jô continuou sendo o centroavante, mas fazia a cobertura para Ronaldinho, que tinha liberdade total e preferiu perambular entre o centro e a esquerda. Tardelli ficou mais à direita e Guilherme foi o meia central, principal responsável por fluir o jogo da defesa para o ataque. Atrás dele, Pierre e Leandro Donizete praticamente só defendiam a grande área de Victor, tendo o suporte na linha defensiva formada por Michel na vaga do titular Marcos Rocha, Otamendi, Leonardo Silva e Alex Silva.

Primeira etapa

Os papéis se inverteram em relação à primeira partida. Mesmo com a vantagem de um segundo empate, era o Cruzeiro quem mais demonstrava que queria vencer. Primeiro porque marcava pressão na saída atleticana e forçava o chutão, que quase sempre terminava com a bola em pés celestes; depois porque aplicava uma marcação fortíssima também no meio-campo, o que foi um fator surpreendente considerando a característica dos volantes do Cruzeiro. Eles não guardavam marcação individual, mas estavam sempre muito perto dos jogadores atleticanos e não deixavam o meio rival respirar.

O Atlético se contentou em se defender e segurar a pressão. Não foi fazer marcação alta na saída do Cruzeiro, e tinha ainda um setor vulnerável em sua defesa: a esquerda. Isso porque Ronaldinho era o homem que caía mais por aquele lado, mas não tinha nenhuma responsabilidade de marcação. Quem fazia isso por ele era Jô, que tinha que abandonar o seu posto à frente do time para marcar a saída do lateral Ceará — nem sempre ele fazia isso, pois tinha de correr muito. O resultado foi a liberdade imensa que Ceará tinha, recebendo várias bolas invertidas por Lucas ou Henrique. Foi uma tônica do primeiro tempo: o Cruzeiro tentava achar Dagoberto pela esquerda, o Atlético rodava a marcação — inclusive dos dois volantes — e deixava Ceará do outro lado sozinho para bater com Alex Silva. Foi num cruzamento de Ceará que Júlio Baptista quase marca um golaço de bicicleta.

Sem conseguir pelo chão, Paulo Autuori pediu para que Jô saísse do centro e pegasse um lateral no lançamento longo, pois assim poderia ganhar uma bola de cabeça e armar um ataque já perto da área celeste. Funcionou em certa medida, porque Ceará e Samudio não tem tanto poder aéreo, mas a segunda bola sempre era celeste — também porque os meias celestes se compactavam aos volantes e laterais, e sempre pegavam uma bola escapada das disputas aéreas ou nos duelos pelo chão, gerando grandes oportunidades de contra-ataque.

Numa delas, Éverton Ribeiro poderia ter marcado o primeiro gol dos clássicos de 2014. Se lembrando de uma conversa que teve com o goleiro Fábio — excelente indicativo de o quanto este grupo é unido — que revelou uma preferência de Victor em sair pelo chão em situação de um contra um, ele optou por dar uma cavadinha que de fato passou por cima do goleiro atleticano, mas a direção não foi boa e saiu.

Já o Atlético só assustou quando numa das raras vezes em que Ceará errou seu posicionamento, deixou Alex Silva tabelar com Ronaldinho, que enfiou uma bola na cara de Fábio. O jovem lateral preferiu cruzar, mas Samudio estava lá para tirar o perigo. E foi só.

A batalha tática dos treinadores

Autuori queimou todas as trocas: resolveu o lado esquerdo com Fernandinho marcando Ceará, mas ficou sem ninguém na lateral direita, espaço que Marcelo Oliveira aproveitou com Éverton Ribeiro invertendo de lado com a entrada de Souza

Autuori queimou todas as trocas: resolveu o lado esquerdo com Fernandinho marcando Ceará, mas ficou sem ninguém na lateral direita, espaço que Marcelo Oliveira aproveitou com Éverton Ribeiro invertendo de lado com a entrada de Souza

Vendo seu lateral exposto, Autuori resolveu voltar à fórmula Cuca do 4-2-3-1 no intervalo, tirando Guilherme, voltando com Ronaldinho para o centro e mandando Fernandinho para o jogo, caindo pela esquerda. Dessa vez, Jô não tinha mais que marcar por ali, pois a responsabilidade de marcação passou a ser de Fernandinho. Foi uma boa mexida, que em teoria daria mais ofensividade e velocidade, e ao mesmo tempo impediria a liberdade de Ceará pela direita.

Porém, só a segunda funcionou. Fernandinho mal tocou na bola, encaixotado na marcação de Ceará — que desta vez de fato ficou apenas marcando o lado esquerdo atleticano. Assim, a partida seguiu na mesma toada, mas com o Cruzeiro com menos espaços para jogar. Mesmo assim teve chances, com Éverton Ribeiro, em finalização de fora e com Ricardo Goulart, e lindo corta-luz de Éverton Ribeiro.

Nesse panorama, ou o jogo terminava em branco ou o Cruzeiro venceria. Aos 27, Autuori arriscou tudo, queimando as duas últimas trocas. Pierre por Claudinei era uma troca direta de volantes, também porque o primeiro já tinha amarelo. Mas Michel por Neto Berola mudava a cara do time: o Atlético ficou sem lateral direito, Berola foi para sua posição habitual de ponta direita, Tardelli e Ronaldinho ficaram pelo meio. Como Claudinei não foi ser lateral direito, o time ficou num sistema diferente, com linha de três e Leonardo Silva fazendo as vezes de lateral, dois volantes, dois meias e três atacantes. Algo como um 3-4-3 com meio-campo quadrado.

Quase no minuto seguinte, Marcelo respondeu com Souza na vaga de Dagoberto. O objetivo era não perder o meio-campo, mas surpreendentemente, Souza foi jogar aberto pela direita, com Éverton Ribeiro invertendo de lado. A substituição que parecia defensiva era na verdade muito ofensiva: Marcelo queria que Éverton explorasse o lado fraco da defesa atleticana. Foi um movimento excelente do treinador, que com uma única troca equilibrou as duas do treinador adversário, e ainda tinha mais duas pra fazer.

Os mapas de calor da Footstats mostram o domínio territorial celeste na partida: toques quase sempre no campo de ataque, enquanto o Atlético teve mais a bola em seu próprio campo

Os mapas de calor da Footstats mostram o domínio territorial celeste na partida: toques quase sempre no campo de ataque, enquanto o Atlético teve mais a bola em seu próprio campo

Então, Marcelo resolveu preparou o terreno. Tirou Ricardo Goulart e lançou Willian, mandando Éverton Ribeiro temporariamente para o centro. A marcação não arrefeceu um segundo sequer e o Cruzeiro continuava com o domínio territorial e de posse. Não havia motivos para continuar a movimentação defensiva, mas quase no fim do jogo, Ribeiro deu seu lugar a Tinga, para arrastar o jogo até o fim. E assim foi feito, o placar permaneceu virgem e o Cruzeiro arrebatou mais uma taça.

Jogar bem e saber jogar

Muitos analistas repercutiram as vitórias na Libertadores e o título mineiro dizendo que o Cruzeiro de 2013 está começando a aparecer novamente. Eu discordo: este Cruzeiro de 2014 é outro, evoluído, melhorado em relação àquele. Se no ano passado o Cruzeiro jogava ofensivamente e sempre busca a vitória a todo custo, já vimos neste ano o Cruzeiro jogar precisando vencer mas sem atacar alucinadamente. Sempre com equilíbrio e sabendo ditar o melhor ritmo para determinadas situações.

E é assim se que se deve jogar um torneio como a Libertadores. Atacar sempre pode dar resultado como no ano passado, principalmente porque num Brasileirão uma derrota é muito mais diluída entre os 38 jogos. Mas na fase eliminatória da Libertadores, uma derrota tem muito mais peso. Portanto é preciso saber que nem sempre atacar será a melhor solução.

Outro fator que chama a atenção é o poder de marcação celeste, que aumentou muito nesse temporada. Samudio surpreende positivamente, pois marca mais que Egídio mas não deixou a desejar no apoio. Será fundamental na caminhada. Henrique subiu muito de produção e hoje é inquestionável.

Por outro lado, o Cruzeiro tem pecado muito nas finalizações. As estatísticas não mentem: de acordo com a Fooststats, o Cruzeiro finalizou 291 vezes a gol durante todo o estadual, sendo 115 na direção certa (quase 40%). O Atlético, segundo no quesito, finalizou 191 vezes no total, 100 a menos que o time celeste, mas mandou 83 no alvo, com um aproveitamento de pouco mais de 43%.

A Libertadores continua, e vem aí o Brasileiro. Se colocar o pé na forma, dá pra levar os dois. É difícil, mas o Cruzeiro é, neste momento, o único time que pode fazer isso.

Que assim seja!

Atlético/MG 0 x 0 Cruzeiro – Sempre aprendendo

Antes de mais nada, peço desculpas aos leitores pela demora nas atualizações. O apertado calendário de 2014 — que, tirando o período da Copa do Mundo, prevê uma semana inteira de folga para o Cruzeiro em apenas três oportunidades caso a equipe chegue a todas as finais — também aperta os períodos que este humilde escriba tem para desenvolver os textos e figuras.

Mas desta vez, não foi apenas este o motivo. A estratégia de mercado da principal detentora dos direitos televisivos da Copa Libertadores confinou a partida do Campeão Brasileiro ao seu novo canal, numa clara tentativa de forçar a entrada nas grades das principais operadoras do país. Dessa forma, tive de recorrer à internet, mas não obtive muito sucesso e a análise ficou muito prejudicada.

Considerando que o jogo contra o América foi com os reservas, mas no mesmo 4-2-3-1 de sempre, concentrarei esta postagem à análise do clássico, que teve aspectos táticos muito interessantes por parte de Marcelo Oliveira.

Alinhamentos iniciais

Com as aquipes no 4-2-3-1, os ponteiros celestes estavam invertidos para explorar a deficiência defensiva na esquerda e mitigar a saída forte pela direta

Com as aquipes no 4-2-3-1, os ponteiros celestes estavam invertidos para explorar a deficiência defensiva na esquerda e mitigar a saída forte pela direta

Ambos os times vieram no 4-2-3-1 que os consagraram na temporada passada. Fábio teve uma linha defensiva com Ceará pela direita e Egídio pela esquerda, com Dedé e Bruno Rodrigo na área. Lucas Silva sentiu dores e em seu lugar entrou Rodrigo Souza, e com isso Souza teve um pouco mais de liberdade para subir e ajudar o trio de meias. Dagoberto espetava pela direita, Éverton Ribeiro foi deslocado para o centro e Willian entrou pela esquerda, com Ricardo Goulart à frente.

O Atlético Mineiro de Paulo Autuori entrou com mudanças do lado esquerdo da zaga. O goleiro Victor foi protegido por Leonardo Silva e o estreante Otamendi, com Marcos Rocha à direita e Dátolo, meia de origem, na lateral esquerda. Dali pra frente foi o time de 2013: Pierre como volante marcador e Josué com um pouco mais de liberdade, atrás do ponteiro direito Tardelli, do central Ronaldinho e do ponteiro esquerdo Fernandinho. À frente, Jô duelava com os zagueiros.

O novo desenho do quarteto ofensivo

A saída de Moreno do time talvez tenha sido a maior surpresa. De uma maneira geral, creditou-se a mudança à falta de ritmo de Marcelo Moreno, fato que Marcelo Oliveira confirmou após a partida. Mas o que ficou subentendido é que o treinador aproveitou esse fato para armar seu time de forma a parar o Atlético Mineiro em sua casa.

A estratégia começava com a entrada de Willian no lado contrário. Quando Dagoberto joga, Willian normalmente fica pela direita para deixar o camisa 11 mais à vontade em seu lado preferido, o esquerdo. Porém, no jogo de domingo Willian apareceu pela esquerda mesmo, com Dagoberto do outro lado. Duas razões para isso: Willian tem mais capacidade defensiva do que Dagoberto, e portanto deveria estar mais atento ao lateral direito Marcos Rocha, que é uma das principais saídas de bola do rival. E Dagoberto foi colocado para jogar em cima de Dátolo, exatamente para explorar a pouca força defensiva do meia improvisado na lateral esquerda.

Essas mudanças significavam que Éverton Ribeiro teria que ir para o centro do campo, onde fica menos à vontade, embolado com os volantes adversários. Ricardo Goulart foi o centroavante, mas ficou mais preso do que normalmente fica entre os zagueiros. Ainda assim, recuava mais que um centroavante de ofício.

Mais posse, poucas finalizações

Mais atrás, Rodrigo Souza tinha a clara função de marcar Ronaldinho, e o fez muito bem. Souza era, portanto, o responsável por se juntar à criação, mas não possui um passe tão bom quando Lucas Silva e teve dificuldades nessa atribuição. Mesmo assim, sua mera presença no setor, aliada aos eventuais recuos de Goulart para a faixa intermediária, faziam o Cruzeiro ter mais homens no meio-campo e controlar a posse de bola. Tanto é que, mesmo com a pequena pressão atleticana no meio do segundo tempo, o Cruzeiro ainda terminaria a partida tendo a bola nos pés por 55,9% do tempo.

Em destaque, a única finalização do adversário no primeiro tempo: o bom desempenho defensivo é consequência direta das mudanças táticas de Marcelo Oliveira

Em destaque, a única finalização do adversário no primeiro tempo: o bom desempenho defensivo é consequência direta das mudanças táticas de Marcelo Oliveira

Mas esse controle da bola não gerou muitas finalizações. É verdade que foram mais do que o adversário: 7 contra apenas 1, mas destas, somente o cabeceio de Dedé no início da partida foi no alvo. Mas, por outro lado, permitir apenas uma finalização ao Atlético em sua própria casa, com 100% da torcida contra mostrou o excelente desempenho defensivo do Cruzeiro na primeira etapa. A estratégia do rival facilitava, já que era a mesma do ano passado: diagonais longas procurando os ponteiros. Mas estes estavam bem marcados, como Ronaldinho, e pouco produziram.

Além disso, as boas atuações de Dedé e Bruno Rodrigo negaram a Jô uma das armas do Atlético — a segunda bola. Os zagueiros venciam todos os duelos aéreos contra o provável reserva de Fred na Copa. Portanto, considerando tudo isto, foi um excelente primeiro tempo, ainda que o desempenho ofensivo tenha deixado a desejar. O fato de Fábio nem ter sujado o uniforme é a prova cabal da superioridade celeste.

Mudar para vencer

Provavelmente por ordem de Autuori, o Atlético voltou no segundo tempo ainda mais retraído, tentando chamar o Cruzeiro para seu campo e abrir espaços na frente. O Atlético só marcava o primeiro passe, mas deixava a bola com a defesa celeste. Os zagueiros Dedé e Bruno Rodrigo já não eram pressionados, e os laterais conseguiam receber a bola sem ser acossados. O Cruzeiro, por isso mesmo, não arriscava muito, e a sensação era de que o jogo iria continuar na mesma, com o Cruzeiro finalizando mal e o Atlético tendo poucos momentos com a bola nos pés.

A entrada de Moreno e a "desinversão" dos ponteiros expôs Egídio, que deu seu lugar a Ceará -- Marcelo Oliveira abandonou a cautela para vencer o rival, e por pouco não conseguiu

A entrada de Moreno e a “desinversão” dos ponteiros expôs Egídio, que deu seu lugar a Ceará — Marcelo Oliveira abandonou a cautela para vencer o rival, e por pouco não conseguiu

Aos 18, Marcelo Oliveira tentou mudar a cara da partida. Lançou Moreno na vaga de Éverton Ribeiro, apagadíssimo como central — o craque do Brasileirão 2013 rende mais partindo da direita, como ponteiro passador (sim, uma terminologia “emprestada” do voleibol), ou precisa ter alguém a seu lado no centro, para poder dividir a atenção da marcação. Com isso, Goulart recuou para sua posição “original”. Mas não só isso: Dagoberto e Willian trocaram de lado, para seus lados de preferência. A alteração era ofensiva, já que colocava Willian para atacar ao invés de defender e arriscando com Dagoberto pelo lado de Marcos Rocha.

Para compensar isso e ainda adicionar mais um elemento ofensivo, cinco minutos depois Marcelo Oliveira tirou o já amarelado Egídio e que agora estava exposto, sem a ajuda de Willian ou de Dagoberto, para lançar Mayke, invertendo Ceará para a esquerda. O veterano camisa 2 ficou por conta de marcar somente, e Mayke foi liberado para o apoio. Isso abriu o time um pouco e o Atlético começou a levar mais perigo em suas estocadas, fazendo o Cruzeiro conceder muitas faltas perto de sua grande área. Felizmente, Ronaldinho não estava em tarde inspirada nas cobranças e Fábio não foi exigido.

Foi o momento mais perigoso da partida. A torcida do Atlético já gritava contra seu treinador, que só fez uma troca, mandando Neto Berola na vaga de Tardelli, sem alterar muito o esquema. No mesmo momento, Marlone foi para a vaga de Dagoberto, também sem alterar o sistema, mas dando muito mais preocupações defensivas a Marcos Rocha do que Neto Berola a Ceará. No fim, uma cobrança de falta de Souza fez Victor rebotear nos pés de Rodrigo Souza, que se fizesse o gol teria coroado sua excelente atuação.

É o clássico

É lugar comum, mas não seria se não fosse verdade: o clássico é um jogo diferente. Ele faz os treinadores mudarem as características de seus times para explorar cada fraqueza do rival — Mourinho fez isso recentemente com seu Chelsea na partida contra o Manchester City pela Premier League. Sem os “titulares” Lucas Silva e Moreno, as entradas mais esperadas eram as de Júlio Baptista (empurrando Goulart à frente) e Henrique na posição de segundo volante. Mas Marcelo lançou Rodrigo Souza e Willian, visando explorar a deficiência defensiva pela esquerda e mitigar a saída forte pela direita. Tudo isso ainda povoando o meio-campo e vencendo a batalha pela posse. Pontos para o treinador.

Mas como em futebol não existe tática perfeita, algo teve de ser sacrificado. E foi a movimentação ofensiva característica deste Cruzeiro, com intensidade e troca de posições constante. Willian ficou preso na sua atribuição defensiva e pouco centralizou. Dagoberto já não tem tanto esta característica, preferindo naturalmente ficar mais aberto, e Éverton Ribeiro, centralizado, ficou encaixotado na marcação dos volantes atleticanos. Por isso não vimos o Cruzeiro vibrante do ano passado.

De qualquer forma, foi uma evolução. Após a confirmação do título nacional, Fábio foi a um programa de entrevistas e disse que a eliminação para o Flamengo na Copa do Brasil fez o grupo perceber que não sabia jogar se defendendo. Portanto, o time de 2013 só sabia jogar de um jeito: atacar o tempo todo. No clássico, o Cruzeiro teve uma postura mais cautelosa, mas com a bola nos pés, conseguindo criar mais chances e ficar mais perto da vitória do que o rival — ainda que isso seja contra a escola de futebol preferencial dos cruzeirenses, é importante saber jogar assim de vez em quando.

E e parece que este grupo aprendeu.

São Paulo 0 x 3 Cruzeiro – Truque de cartola

Como todos sabem, o futebol foi inventado na Inglaterra no fim do século XIX, durante o reinado da Rainha Vitória. Este período ficou conhecido como a Era Vitoriana, um tempo de prosperidade para o Reino Unido. E também nesta época foi cunhado o termo “hat-trick” (truque de cartola, numa tradução livre), referindo-se a um truque no qual um mágico tirava três coelhos de uma cartola posta sobre uma mesa. No ludopédio, a expressão passou a ser usada quando um jogador marca três vezes na mesma partida.

E foi o que Luan fez sábado à noite no Morumbi. Porém, ao contrário do que sugere a etimologia, o hat-trick de Luan não foi mágico e nem truque, e sim fruto de competência celeste e incompetência do time paulista.

Onze inicial

No primeiro tempo, um 4-2-3-1 propositalmente sem intensidade mas com espaços pela esquerda nas costas de Everton Ribeiro

No primeiro tempo, um 4-2-3-1 propositalmente sem intensidade mas com espaços pela esquerda nas costas de Everton Ribeiro

Marcelo Oliveira voltou com seus titulares poupados, com Luan pela esquerda, Everton Ribeiro na direita e Ricardo Goulart por dentro, atrás de Vinicius Araújo. Na volância, Nilton cada vez mais acostumado a ser primeiro volante, e Souza, saindo mais para o jogo. E mais atrás, Mayke e Egídio fechavam os lados da zaga com Dedé e Bruno Rodrigo, todos capitaneados por Fábio no gol — o 4-2-3-1 de sempre.

Paulo Autuori, em início de trabalho, preferiu repetir o time que perdeu a Recopa Sulamericana para o Corinthians. O São Paulo se postou num 4-2-3-1 muito parecido com o cruzeirense, com Jádson caindo pela direita mas centralizando na posse, procurando Ganso, e Osvaldo partia da esquerda e se aproximava de Luís Fabiano na frente, fazendo o time ficar com uma cara de 4-2-2-2. O goleiro Rogério Ceni teve uma linha defensiva composta por Lúcio e Rafael Tolói, com Douglas na lateral direita e Clemente Rodriguez do outro lado, e Denilson e Rodrigo Caio como volantes, este último caindo muito mais à esquerda.

Estratégias defensivas

No início, faltou um componente fundamental para que um futebol moderno e envolvente aparecesse: a intensidade. Pois o Cruzeiro tirou de propósito o ritmo da partida, marcando com muita segurança. A ideia de Marcelo Oliveira, como ele mesmo explicou depois do jogo, tinha dois propósitos: enervar a torcida adversária, tentando aproveitar o mau momento do São Paulo, e usar da melhor condição física no segundo tempo, já que no meio de semana os titulares não jogaram e o São Paulo passou por uma decisão.

Assim, nem o Cruzeiro marcava por pressão na frente, como lhe é característico, e nem o São Paulo, que por viver um mau momento, preferiu se retrair para não sofrer gols e causar ainda mais impaciência em seu torcedor. Após duas chances criadas no início, o Cruzeiro segurou o São Paulo com tranquilidade, e só fez Fábio trabalhar aos 27 minutos, em erro num bote de Egídio que deixou os zagueiros no mano-a-mano.

O lado direito

O único setor onde o São Paulo poderia ter ameaçado mais era o lado direito, nas costas de Everton Ribeiro. Quando a jogada era pelo lado esquerdo, o meia ficava muito próximo para encurtar o espaço. Virada de jogo, e Clemente Rodriguez achava muit espaço para avançar. Não era raro ver Everton Ribeiro correndo em diagonal de volta a seu campo para não sobrecarregar Mayke à frente contra Osvaldo e Clemente Rodriguez.

Felizmente, o nosso jovem lateral direito fez mais uma partida estupenda na marcação. Parece que ele vem aprendendo com Ceará e tem segurando o seu ímpeto ofensivo natural para recompor com muita propriedade a linha defensiva. Osvaldo, que é uma das principais válvulas de escape da equipe paulista, foi muito bem marcado enquanto esteve jogando aberto pela esquerda. Em um determinado momento, Osvaldo passou a compor uma dupla de centroavantes ao lado de Luís Fabiano, por ordem de Paulo Autuori, e Mayke virou quase um zagueiro de área, novamente exercendo bem a função defensiva.

Portanto, com Mayke mais preso, era natural que o Cruzeiro tentasse atacar mais pelo outro lado, mas Rodrigo Caio caía por ali e cobria Jádson, que também voltava com Egídio, congestionando o setor. Ricardo Goulart aparecia para o jogo, mas cadenciava ao invés de dar velocidade — provavelmente a pedido de Marcelo Oliveira. O primeiro tempo acabou com a sensação de que, tivesse o Cruzeiro acelerado um pouco mais, teria conseguido vencer sem dificuldade a defesa tricolor.

Etapa final

Não houve trocas no intervalo, mas houve mudança na postura do São Paulo, talvez encorajada pela estratégia cruzeirense de se poupar no primeiro tempo. O time da casa acelerava o jogo quando o Cruzeiro errava, tentando pegar a defesa celeste saindo para o ataque. Conseguiu assustar duas vezes, a primeira em passe de Ganso para Jadson chutar em cima de Fábio, e a outra quando Egídio avança e erra o passe, abrindo espaço às suas costas que Jádson aproveitou, recebendo novo passe de Ganso e cruzando perigosamente para dentro da área. Bruno Rodrigo resvalou e Fábio salvou novamente.

Logo depois, Luan abriu a contagem em cruzamento despretensioso de Mayke. Mérito do atacante, que acertou um lindo chute de primeira no ângulo de Rogério, prevendo o erro de Douglas, que pulou no tempo errado. O gol esfriou o ímpeto são-paulino, e o Cruzeiro passou a controlar a partida, perigosamente. Aloísio entrou na vaga de um inoperante Luís Fabiano, dando mais velocidade ao ataque. Duas chances aconteceram para o time da casa: Dedé errou o tempo da bola, que sobrou para Jádson cruzar e Fábio salvar nos pés de Aloísio; depois, Bruno Rodrigo arriscou uma linha de impedimento que deu errado, deixando Aloísio entrar na cara de Fábio. Assustado com a grandeza de nosso arqueiro, o atacante chutou pra fora.

Aula de contra-ataques

Com Martinuccio, Luan foi para o centro e o time se postou num 4-2-3-1/4-4-1-1 armado para contra-atacar

Àquela altura, Lucca já havia entrado na vaga de Ricardo Goulart, indo para a direita e mandando Everton Ribeiro para o centro. Mas foi a segunda substituição que mudou a partida: Everton Ribeiro deu seu lugar a Martinuccio, empurrando Luan para o centro, quase num 4-4-1-1. A ideia era clara: usar a velocidade dos dois ponteiros para puxar contra-ataques e matar o jogo, e no primeiro lance isso já aconteceu. Martinuccio lançou Vinicius Araújo, que com muita visão de jogo passou para Luan ganhar na corrida e na força de Clemente Rodriguez e vencer Rogério Ceni.

Logo após o gol, Paulo Autori tentou suas últimas cartadas, tirando Osvaldo e Denilson e lançando Silvinho e Roni. Parecia um 4-1-2-3, com Roni mais avançado ao lado de Ganso, deixando Rodrigo Caio sozinho na proteção, e Jádson e Silvinho de ponteiros. Mas não deu tempo de dar certo, pois quase num repeteco, Martinuccio avançou com velocidade e Vinicius Araújo puxa a marcação brilhantemente para o lado, abrindo um clarão imenso para Luan. Martinuccio deu um passe curto demais, mas Luan ganhou a dividida com Rodrigo Caio, e ficou novamente de frente para Rogério Ceni. Com muita frieza, escolheu o canto e tirou o terceiro coelho da cartola.

A brilhante movimentação de Vinicius Araújo no terceiro gol, arrastando Lúcio e abrindo espaço para Luan

A brilhante movimentação de Vinicius Araújo no terceiro gol, arrastando Lúcio e abrindo espaço para Luan

Com o jogo resolvido, Marcelo Oliveira estreou o ex-CSA Leandrinho na vaga de Mayke, para dar rotatividade ao elenco, mas o jogador teve pouco tempo para mostrar seu futebol.

Riscos, evolução e rivalidade

A estratégia deu certo, mas foi arriscada. O São Paulo teve chances de abrir o marcador antes do Cruzeiro, e certamente se encastelaria para segurar a vitória que há muito não vem. O ideal seria dar velocidade e já abrir o placar no primeiro tempo, provocando a ira da torcida e enervando ainda mais o time adversário. O aspecto físico faria diferença de qualquer forma no segundo tempo.

Além disso, ainda há alguns problemas na defesa cruzeirense. Egídio erra muitos passes, alguns com o time avançando o posicionamento para começar a ofensiva, e Dedé e Bruno Rodrigo tem errado alguns fundamentos, proporcionando chances em demasiado para os atacantes adversários, principalmente Dedé, que tem se mostrado um tanto estabanado para dar o bote. Felizmente, a fase ruim do São Paulo ajudou a tirar a concentração dos atacantes na hora de concluir.

No entanto, a equipe vem mostrando que assimilou o jeito de jogar e parece estar bem confortável com o sistema — o que é surpreendente para um trabalho de apenas sete meses. Mayke vem agradando muito no quesito defensivo –o lateral foi o segundo melhor em campo de acordo com o WhoScored.com, atrás de Luan, por razões óbvias. E o ataque vem mudando com frequência sem perder a eficácia, mas ainda gostaria de ver Everton Ribeiro como nosso meia central. Com a provável chegada de Júlio Baptista, isso pode ser mais difícil de acontecer.

Agora é o Superclássico. Independentemente do resultado do meio de semana, será mais um bom teste para a equipe, o primeiro bom teste no Mineirão neste campeonato. Até agora, o Cruzeiro vem sendo aprovado em quase todos os grandes jogos. E, se continuar assim e melhorar pequenos pontos aqui e ali, com certeza será aprovado em mais um.