Botafogo 1 x 1 Cruzeiro – O futebol é mais importante que o resultado

O Cruzeiro foi ao Maracanã sabendo do tamanho da crise do Botafogo. Mesmo assim, tinha um discurso de respeito ao adversário. Quando a bola rolou, parecia que era o time celeste que jogava em casa: controle da posse de bola e de território, jogando bom futebol e buscando a vitória a todo instante. Foi superior técnica e taticamente, anulando a maioria das poucas ameaças que sofreu e procurando criar espaços diante da retranca carioca.

Não foi suficiente desta vez, muito por conta de um único erro coletivo e também do goleiro adversário, mas valeu. Pois não foi uma busca pelo resultado a qualquer custo, de qualquer jeito: existe uma filosofia por trás. E o Cruzeiro deste sábado foi o verdadeiro Cruzeiro, e isso é o mais importante.

Sistemas e nomes

O 4-4-1-1 do Botafogo bloqueou os laterais celestes e forçou o 4-2-3-1 celeste a jogar pelo centro; Edilson era o puxador de contras

O 4-4-1-1 do Botafogo bloqueou os laterais celestes e forçou o 4-2-3-1 celeste a jogar pelo centro; Edilson era o puxador de contras

Para este jogo, Marcelo Oliveira lançou Mayke na vaga de Ceará, lesionado, pelo lado direito da linha defensiva do goleiro Fábio. Dedé e Léo repetiram o miolo e Egídio fechava o lado canhoto. Lucas Silva e Henrique mais uma vez fizeram a parceria na proteção e apoio ao ataque, se juntando ao trio de criativos: Everton Ribeiro à direita, Ricardo Goulart como central e Marquinhos à esquerda. Moreno completava o escrete na referência.

Vágner Mancini mudou em relação às últimas partidas. Ao invés do 4-3-1-2 losango esperado, para dar suporte a Carlos Alberto como criador no meio, o Botafogo entrou num 4-4-1-1, que variava para 4-2-3-1 com a bola. Jefferson teve Lúcio à direita e Júnior César à esquerda, com Bolivar e Dória protegendo o centro. Na segunda linha, Edilson fechava o lado direito, Bolatti e Gabriel protegiam a entrada da área e Rogério, estreante, foi escalado para fechar o lado esquerdo. Carlos Alberto, sem responsabilidade defensiva, ficava logo atrás de Emerson, que se movimentavam para os lados.

Flancos fechados

O Botafogo foi humilde e reconheceu a superioridade técnica do Cruzeiro, desde o início deixando claro qual era sua proposta de jogo: bloquear o Cruzeiro e partir em contra-ataques. Assim, deixava a bola com o Cruzeiro e não pressionava no alto do campo. Carlos Alberto apenas cercava Henrique e Lucas Silva, e Emerson fazia o mesmo com os zagueiros celestes.

Se a bola chegava a um dos laterais, no entanto, o Botafogo imediatamente subia a marcação. A ideia era forçar o jogo celeste pelo centro, e foi o que aconteceu: as duplas pelos lados fecharam os espaços de Mayke e Egídio. Sem a saída pelos lados, o Cruzeiro tinha duas opções pra compensar: invertendo o lado da jogada — pois os defensores do lado oposto compactavam o time horizontalmente para tirar o espaço dos toques rápidos dos meias celestes — ou os meio-campistas se movimentavam mais, dando mais opções de passe.

Mas as duas opções envolviam velocidade, e o Cruzeiro não aplicou velocidade suficiente para sair do ferrolho botafoguense. Tentou usar a solução conhecida: trocar passes rápidos pelo centro. Não havia espaço. Parecia que era o Cruzeiro que jogava em casa, tal era a proposta defensiva do adversário.

Erros e infelicidades

O Botafogo pouco chegou ao ataque. A rigor, Fábio só fez uma defesa difícil, em cobrança de falta de Edilson — bola parada. A estratégia com a bola era dar velocidade, principalmente com Edilson pela direita nas costas de Egídio. Incrível como todos os treinadores adversários tentam explorar essa brecha no sistema defensivo celeste.

Só não fez outra porque escorregou na hora do gol local. Mas o erro neste lance foi generalizado: Marquinhos e Egídio deixaram Lúcio escapar pela direita, fazendo Léo ter que sair na cobertura. O lateral cruzou e Dedé não conseguiu ganhar de Edilson, que nem cabeceou forte. A bola veio fácil, mas o escorregão tirou a possibilidade de Fábio espalmar.

A vantagem no placar fez o Botafogo se fechar ainda mais e praticamente abdicou do ataque. Tanto é que só foi finalizar de novo já na metade do segundo tempo, quando o jogo já estava empatado. De sua parte, o Cruzeiro jogou o seu futebol, sem afobação. Tocou a bola, tentou achar espaços, se movimentou, mas não foi suficiente para empatar ainda no primeiro tempo.

Em destaque, o momento do jogo em que Fábio foi mero espectador: depois de conseguir o gol, o Botafogo não chutou nenhuma vez até levar o empate

Em destaque, o momento do jogo em que Fábio foi mero espectador: depois de conseguir o gol, o Botafogo não chutou nenhuma vez até levar o empate

Alugando o campo ofensivo

O time do empate era uma espécie de 4-3-3 com Ribeiro armando de trás, Willian e Dagoberto nas pontas e Lucas Silva sozinho na volância

O time do empate era uma espécie de 4-3-3 com Ribeiro armando de trás, Willian e Dagoberto nas pontas e Lucas Silva sozinho na volância

O segundo tempo começou sem mudanças, tanto em peças quanto nos sistemas e nas propostas. Aos dez, a entrada criminosa de Emerson em Henrique lesionou o volante e foi a deixa para Marcelo abrir o time: tirou Henrique e lançou Willian como ponteiro direito, recuando Éverton para ser um armador recuado. No mesmo movimento, Dagoberto substituiu Marquinhos: menos poder de marcação, mas mais verticalidade e drible. Com a proposta do Botafogo, não era tão arriscado.

As trocas surtiram efeito e Cruzeiro alugou o campo ofensivo. Willian mandou no travessão antes da blitz que resultou no gol celeste. Éverton Ribeiro teve que cruzar duas vezes, com os zagueiros na área todo o tempo, para achar Dedé que fez a deixadinha para Léo. O zagueiro fez um gol típico de centroavante: girou e bateu sem olhar. A bola bateu no travessão e quicou dentro da meta.

Com o empate, o Botafogo voltou à estratégia do zero a zero: sair em contra-ataques. E desta vez havia espaço, pois com um volante só a cobertura dos laterais é mais difícil. Mancini — que àquela altura já havia trocado Bolatti por Rodrigo Souto sem modificar nada — sacou Rogério e lançou Júlio César, tentando replicar a função de Edilson do outro lado: um “assistente de lateral” que puxa contra-ataques. Marcelo respondeu com Nilton na vaga de Moreno, avançando Goulart para a referência.

O mapa de passes mostra como o Cruzeiro jogou o tempo todo no campo adversário; foi a partida em que o Cruzeiro mais trocou passes em todo o campeonato

O mapa de passes mostra como o Cruzeiro jogou o tempo todo no campo adversário; foi a partida em que o Cruzeiro mais trocou passes em todo o campeonato

O fator Jefferson

Risco controlado, o Cruzeiro seguiu atacando, e a bola não saía do campo de ataque. Quando o Botafogo conseguia interceptar, só respondia com chutões para frente, onde não havia ninguém de cinza. Vágner Mancini ainda tentou dar um novo fôlego para a estratégia de contra-ataques com Zeballos na vaga do inoperante Carlos Alberto, mas não funcionou.

Já o time celeste buscava a vitória, mas não a qualquer custo. Com calma, mas com velocidade, tocando a bola pelo chão, sem muitos chuveirinhos na área. Só tentava o jogo aéreo quando era bola parada. Nilton cabeceou duas vezes: na primeira Jefferson milagrou, e na segunda beijou caprichosamente a trave direita. Depois, o Cruzeiro fez uma espécia de contra-contra-ataque: o time local errou sua tentativa de pegar a defesa celeste aberta e o Cruzeiro aproveitou o espaço para realizar um contra-ataque lindíssimo, partindo do meio-campo e levando a bola até dentro da área, onde Éverton perdeu a bola.

O Cruzeiro tentou 18 vezes contra a meta de Jefferson: um gol (preto), duas na trave (azul) e seis defendidas por Jefferson (vermelho escuro)

O Cruzeiro tentou 18 vezes contra a meta de Jefferson: um gol (preto), duas na trave (azul) e seis defendidas por Jefferson (vermelho escuro)

O Cruzeiro seguiu tentando, inclusive com Dagoberto no finalzinho, quando Jefferson fez novamente uma defesa espetacular e garantiu o empate.

Jogar bem sempre: somos Cruzeiro

Se no futebol os resultados fossem decididos como na ginástica artística ou nos saltos ornamentais, onde há uma junta de juízes que dão suas notas para quem foi melhor, certamente o Cruzeiro teria saído vencedor. Foi a equipe que buscou o gol a todo instante, não se alterou com o resultado adverso e o mais importante: não foi só na base da raça. Teve técnica e tática, bem aplicadas, e que só não geraram o resultado por que o goleiro adversário foi o melhor em campo.

Mesmo assim, o resultado positivo teria acontecido se o Cruzeiro não tivesse cometido seu único deslize grave na partida. O erro de marcação do lado esquerdo, a falha de Dedé e o escorregão de Fábio foi uma sequência de eventos desafortunados que nos tiraram dois pontos. Deve-se sim tentar corrigir os erros, mas é impossível anulá-los por completo. Nenhum time no mundo consegue fazer uma partida perfeita.

No fim, o que fica é que o Cruzeiro jogou bem, não se conformou com o empate e buscou o resultado, mesmo fora de casa. Postura de time que quer ser campeão novamente. E com bom futebol, que é o mais importante. Quando César Menotti assumiu a Seleção Argentina em 1974, definiu como um de seus mandamentos que “não me interessa ganhar de 1 x 0 com gol de falta; quero vencer por superar futebolisticamente o nosso rival”. Em outras palavras, o que o treinador campeão mundial em 1978 quis dizer é que jogar bem é mais importante que jogar apenas pelo resultado de apenas um jogo. No longo prazo, a filosofia e o bom futebol trarão mais vitórias.

Mas não as garantem. Pos isso, sendo Cruzeiro, prefiro empatar jogando bem do que vencer jogando um futebolzinho chulé.

Cruzeiro 5 x 0 Figueirense – Chuva… de gols

Depois de um primeiro tempo difícil, quando teve que jogar contra o Figueirense e contra a chuva a mesmo tempo, o Cruzeiro reviveu seu velho estilo arrasador por cinco minutos para definir o jogo. Depois, apenas desfilou no gramado molhado do Mineirão, deixando bem claro que é o melhor time do país atualmente.

Sistemas iniciais

O 4-2-3-1 do Cruzeiro teve dificuldades com a chuva e com o 4-3-1-2 losango do Figueirense que lotava o meio-campo e abria os volantes quando a saída era pelos lados

O 4-2-3-1 do Cruzeiro teve dificuldades com a chuva e com o 4-3-1-2 losango do Figueirense que lotava o meio-campo e abria os volantes quando a saída era pelos lados

Marcelo Oliveira escalou o Cruzeiro no 4-2-3-1 costumeiro, com Marquinhos fazendo companhia a Ricardo Goulart e Éverton Ribeiro, na linha de três atrás de Marcelo Moreno. Henrique e Lucas Silva eram os volantes passadores, protegendo a defensa formada por Dedé, de volta ao time, e Léo. Os laterais Ceará e Egídio completaram a linha defensiva do goleiro Fábio.

O Figueirense estreava seu técnico, Argel Fucks, que preferiu mandar a campo uma equipe mais sólida no meio, com um 4-3-1-2 que era losango com a bola e uma linha de três volantes sem a bola. A meta de Tiago Volpi foi defendida por Luan à direita, Nirley e Marquinhos Barbosa no miolo de zaga e Cereceda na esquerda. Guardando a entrada da área, Paulo Roberto dava suporte aos volantes Marco Antônio e Rivaldo, liberando Kléber da marcação mais intensa no centro. Na frente, Ricardo Bueno e Pablo.

 

 

 

Chuva: pior pra quem ataca

Certamente você já ouviu a máxima de que o gramado molhado é ruim, mas é ruim para os dois times e portanto não deve servir como desculpa. Sim, de fato é ruim para os dois. Mas atrapalha mais o time que tem a bola nos pés e busca tenta trocar passes para abrir a defesa do adversário, do o time que tem uma proposta defensiva e reativa, de bolas longas pelo alto. No caso, o gramado atrapalhou mais o Cruzeiro — ou, melhor colocando, facilitou o trabalho de marcação do Figueirense.

Com seu estilo sendo literalmente emperrado pelas poças d’água, o Cruzeiro demorou a se adaptar. Aproveitava as linhas recuadas do Figueirense para testar o gramado, trocando passes na defesa e observar o comportamento da marcação.

O mapa de passes das equipes até os 15 minutos mostra Cruzeiro com a bola, mas recuado em seu campo, e Figueirense abusando de bolas longas

O mapa de passes das equipes até os 15 minutos mostra Cruzeiro (à direita, atacando para baixo) com a bola, mas recuado em seu campo, e Figueirense (à esquerda, atacando para cima) abusando de bolas longas

Os volantes deles

Os volantes do time catarinense guardavam a sua posição no centro, lotando o meio-campo, enquanto a bola estava nos pés de Dedé ou Léo, evitando um passe direto para Lucas ou Henrique. Se isso acontecesse, era logo rechaçado e os volantes devolviam a bola aos zagueiros. Porém, se o Cruzeiro optasse por sair com um dos laterais, o trio fazia o balanço defensivo pra fechar o lateral: o volante mais próximo sobe a pressão e os outros dois fechavam as linha de passe para Lucas e Henrique, deixando o lateral oposto livre.

Mais à frente, a marcação era “padrão”: lateral batia com ponteiro, volante fixo com meia central e atacante contra os zagueiros.

O caminho, portanto, era uma inversão pelo alto, mas esse tipo de bola é difícil e lenta, dando tempo ao time adversário de encaixar a marcação do lado oposto novamente. Assim, se a bola chegava em Ceará, Rivaldo, o volante pela esquerda, subia a marcação, e Marco Antônio fechava pelo centro. Se fosse em Egídio, Marco Antônio o pressionava, e Rivaldo era quem se aproximava do círculo central.

Arriscando

Depois de quinze minutos de adaptação ao gramado, o Cruzeiro subiu ligeiramente seu posicionamento ofensivo e passou a arriscar mais. Porém, o gramado ainda não tinha boas condições e o Cruzeiro errou mais do que a média. Isso gerou contra-ataques perigosos do Figueirense, que tentava jogar na velocidade de seus atacantes.

O jogo se arrastou assim até o final do primeiro tempo, mesmo após o pênalti inexistente sofrido por Ricardo Goulart e convertido por Lucas Silva. Porém, àquela altura o gramado já estava melhorando, pois a chuva havia diminuído e a drenagem fez o serviço. Sinal da mudança que viria após o intervalo.

Dos 15 até o fim da primeira etapa, Cruzeiro se lançou mais à frente, mas errou passes e o Figueirense usou o espaço para os contra-ataques sem usar tantas bolas longas

Dos 15 até o fim da primeira etapa, Cruzeiro se lançou mais à frente, mas errou passes e o Figueirense usou o espaço para os contra-ataques sem usar tantas bolas longas

Cinco minutos brilhantes

No segundo tempo, a saída foi do Figueirense. Mas tão logo Ricardo Bueno tocou na bola, quatro cruzeirenses já invadiram o campo adversário, correndo atrás de quem estivesse com a bola como loucos. É a tal intensidade, palavrinha da moda, que tanto usamos por aqui. Acossados, os jogadores catarinenses erraram o passe e alguns segundos depois, Egídio já cobrava lateral.

Foi essa intensidade que acabou gerando o segundo gol logo no segundo minuto da etapa final. Por pura pressão da marcação, o jogador do Figueirense, em sua própria intermediária, rebateu a bola para trás, que chegou em Moreno. Este deu um passe curto a meia altura para Marquinhos, que pegou de primeira e fez o gol mais bonito da rodada.

 

Depois, outra característica do Cruzeiro de 2013 apareceu: a bola parada. Em falta sofrida por Ceará e cobrada por Éverton Ribeiro, Dedé subiu mais que todos e tirou do alcance de Tiago Volpi. Três a zero, fatura liquidada. Mas o importante é que, diferentemente do que analisam os “comentaristas de melhores momentos” espalhados pelo jornalismo esportivo, não foi o gol de pênalti no primeiro tempo que fez com que o Figueirense saísse e abrisse espaço para o jogo. Não, o Cruzeiro sufocou o adversário e fez dois gols, sendo que o jogo praticamente não passou do meio campo.

Mudanças e efeitos

Só depois dos gols é que deu pra perceber um pouco melhor como o Figueirense havia voltado para o jogo: Kléber agora passava a fechar o lado esquerdo, onde jogou toda sua vida, mas como ponteiro de um 4-4-2. Rivaldo estava mais próximo do centro, junto a Paulo Roberto, e Marco Antônio ficou aberto definitivamente pela direita. Era uma preparação para as mudanças de Argel: Pablo deu seu lugar a Everaldo e Cereceda saiu para a entrada de Felipe. Kléber passou à lateral direita, com Felipe tomando o lugar como ponteiro e Everaldo foi jogar na frente.

Com menos gente no meio e tentando — agora sim — sair mais para o jogo, Marcelo enxergou uma oportunidade de encantar o público. Primeiro trocou Marquinhos por Dagoberto, e depois tirou Moreno e lançou Marlone. Naquele momento, o Cruzeiro tinha Henrique e Lucas como volantes, leves e bons passadores, e Marlone, Ribeiro, Dagoberto e Goulart na frente. Uma formação moderna e que agrada aos olhos: sem volantes destruidores e sem centroavante. Basicamente, 6 jogadores técnicos do meio para frente. Em questão de minutos, os frutos iriam aparecer.

O belíssimo quarto gol

Cruzeiro 5 x 0 Figueirense - Quarto gol

O belíssimo quarto gol cruzeirense em quatro atos (clique para ampliar)

Eduardo Cecconi, um dos gurus em cuja fonte bebo, tem o mantra de que “futebol é a ocupação inteligente dos espaços relevantes”. O quarto gol é, acredito, um belo exemplo disso. Reparem que, quando Marlone percebe que Dagoberto vai roubar a bola, deixa seu posicionamento defensivo (A) e vai até o espaço que percebe haver no meio-campo. Éverton Ribeiro percebe o movimento do companheiro e permanece sem sua posição, sabendo que aquele movimento confundiria a marcação do adversário.

Quando a bola chega em Lucas Silva, Marlone já está posicionado para receber o passe com liberdade. Rivaldo vai atrás dele (B), mas com isso larga Éverton Ribeiro. Mas ele chega atrasado e Marlone devolve imediatamente para Dagoberto, que dá de primeira para Éverton, livre.

Com a bola dominada e com espaço, Éverton conduz até perto da grande área. Rivaldo sei em seu encalço mas não chega (C). Com isso, Marquinhos Barbosa vem fazer a cobertura e Nirley sai da marcação de Goulart para acompanhar Marlone (D), que acompanhava o lance. Éverton percebe o movimento e passa a Goulart por cima, totalmente livre, cabecear fora do alcance de Volpi e marcar um lindo gol coletivo.

Depois, Ceará daria seu lugar a Mayke, por lesão, configurando o Cruzeiro mais ofensivo que se pode haver: dois laterais apoiadores, dois volantes passadores e quatro meias rápidos e técnicos. Não há centroavante clássico. Futebol moderno na veia: todos marcam, todos jogam.

Um time desses merecia um gol, e fez. Quando Mayke puxa o contra-ataque, nada menos do que os quatro meias estão na área para concluir, e dois chegam na bola. Marlone deixa passar, mas Dagoberto não, e ainda conclui no lado oposto do gol.

Sonhando, mas com pés no chão

No fim, um Cruzeiro com quatro meias móveis e técnicos, dois volantes passadores e ainda dois laterais que apoiam bastante: um sonho para quem gosta de futebol ofensivo

No fim, um Cruzeiro com quatro meias móveis e técnicos, dois volantes passadores e ainda dois laterais que apoiam bastante: um sonho para quem gosta de futebol ofensivo

É inegável que a chuva foi o décimo segundo jogador de defesa do Figueirense no primeiro tempo. Normal: para se praticar um futebol de toques rápidos e envolvente, como este Cruzeiro de Marcelo Oliveira, é preciso que as condições do gramado estejam minimamente aceitáveis. No jogo contra o Atlético/PR pelo turno do Brasileiro de 2013 também foi a mesma coisa, não pela chuva, mas porque o gramado estava mal cuidado.

Quando o gramado melhorou sensivelmente, o futebol celeste apareceu e fez a torcida gritar que o time é melhor que a Seleção. Claro, a empolgação de torcedor é totalmente compreensível. Mas é preciso por os pés no chão: esse jogou valeu apenas pela décima segunda rodada. Ainda faltam outros 26 jogos de um campeonato duríssimo.

A formação que terminou o jogo é o sonho de todo torcedor que gosta de ver a busca incessante pelo gol. Com a lesão de Ceará, Mayke deve jogar a próxima partida diante do Botafogo. Vejamos o que Marcelo fará, se vai escalar seus dois laterais apoiadores ante o provável 4-3-1-2 losango de Mancini, ou se reequilibrará o time defensivamente com Samudio no lugar de Egídio, ou ainda com Nilton na vaga de um dos volantes.

Por mim? Seria Mayke e Egídio, com Lucas e Henrique no meio. Um time que me faz sonhar.

Palmeiras 1 x 2 Cruzeiro – Se vira nos 30

Você já deve ter ouvido em entrevistas pós-jogo alguns treinadores analisarem o jogo como “de dois tempos distintos”: quando um time domina as ações em uma etapa e o adversário faz o mesmo na outra. De certa forma, foi o que houve na tarde de domingo no Pacaembu, onde podemos dizer que o Palmeiras dominou 45 minutos de jogo e o Cruzeiro controlou os outros 45, mas não coincidiu com o primeiro e segundo tempos.

Arrasador na primeira meia hora, o Cruzeiro se viu forçado ao seu campo com o recuo de Mendieta para a volância palmeirense, e absorveu a pressão durante os quinze finais do primeiro tempo e também nos primeiros trinta do segundo. Depois, o time paulista cansou de tanta intensidade e o Cruzeiro equilibrou novamente as ações, mas apenas para controlar o relógio até o final.

Os dois onze

Até a saída de Eguren, o Cruzeiro empurrou o Palmeiras para sua intermediária com bons passes pelo chão, driblando a intensidade do 4-2-3-1 paulista

Até a saída de Eguren, o Cruzeiro empurrou o Palmeiras para sua intermediária com bons passes pelo chão, driblando a intensidade do 4-2-3-1 paulista

Marcelo Oliveira repetiu o time do triunfo contra o Vitória e armou o mesmo 4-2-3-1 costumeiro: Fábio no gol, Ceará e Egídio nas laterais e Manoel e Léo na zaga central; Henrique e Lucas Silva protegendo a área e dando apoio a Éverton Ribeiro, mais pela direita, Ricardo Goulart, peça chave do sistema, como central, e Marquinhos, teoricamente na esquerda mas se movimentando como nunca. Na referência, Marcelo Moreno.

Novidade no cenário de treinadores brasileiro, Ricardo Gareca, o cabeludo argentino, armou o Palmeiras também num teórico 4-2-3-1, em seu segundo jogo à frente do time paulista. O goleiro Fábio (impostor) foi protegido pelos zagueiros Lúcio e Tobio, estreante. Na direita, Wendel fechava a linha defensiva, e William Matheus fazia o mesmo do lado oposto. A proteção ficou inicialmente por conta de Renato e Eguren, com Mendieta sendo o elemento central do meio-campo. Diferente do Cruzeiro que tem um meia e um atacante como ponteiros, o Palmeiras tinha dois atacantes de ofício nas beiradas: Leandro e Diogo se movimentavam e invertiam a todo momento. Por fim, Henrique ficou mais centralizado à frente.

Intensidade

O jogo começou a mil por hora — para as duas equipes. O Palmeiras já demonstrava que iria correr muito já nos primeiros segundos, quando o Cruzeiro deu a saída e vários jogadores de verde partiram pra cima dos de azul para roubar a bola o mais rápido possível. Um pouco do que o Cruzeiro fazia no ano passado muito bem, e nesse ano tem feito mais esporadicamente e de maneira mais irregular.

Porém, diferente dos adversários celestes no ano passado, isso não deu muito resultado. Pois dessa vez quem recebia a pressão era um time treinado, que sabia tocar a bola por baixo e só apelava para a bola longa como último recurso. Além disso, é provável que a pressão alta seja uma novidade de Gareca para os jogadores palmeirenses, e ela tem que ser bem executada e ter sincronia para funcionar. Se não, um time técnico consegue dar a volta e achar o buraco na marcação.

Na outra ponta do campo, o Cruzeiro respondeu com intensidade ofensiva. Goulart e Ribeiro apareciam sempre, mas Marquinhos se destacou, aparecendo em todos os lugares do campo. Como na ponta direita, onde ganhou do zagueiro em jogo de corpo, deu um tapa com muita técnica para que a bola ficasse inalcançável para o adversário que fazia a cobertura, chegando com tranquilidade e visão de toda a área na linha de fundo, para fazer a assistência, que ainda teve um corta-luz de Moreno, para Goulart se consolidar como artilheiro do certame. E mal deu tempo de comemorar, pois Goulart já sofria falta do lado esquerdo do campo. Falta cobrada magistralmente por Marquinhos, que achou Manoel livre na área para ampliar.

Mendieta recua

Com a lesão de Eguren, Gareca lançou Felipe Menezes e recuou Mendieta, ganhando qualidade no primeiro passe e virando a batalha da posse no meio-campo

Com a lesão de Eguren, Gareca lançou Felipe Menezes e recuou Mendieta, ganhando qualidade no primeiro passe e virando a batalha da posse no meio-campo

A sequência de gols e o domínio das ações aconteceu também porque o Palmeiras não conseguia responder à altura. No meio-campo, Renato e Eguren tentavam marcar Goulart e os volantes celestes que subiram o posicionamento audaciosamente, alugando a intermediária palmeirense. Até dificultavam, mas quando o time da casa recuperava a bola, não conseguiam dar qualidade no primeiro passe. A bola voltava para o Cruzeiro e o ciclo se repetia.

Só quando Eguren se lesionou e Gareca foi obrigado a fazer uma troca que o Palmeiras reacendeu no jogo. Isso porque, ao invés de trocar um volante por outro, o treinador do Palmeiras ousou e lançou Felipe Menezes, meia, que foi jogar como central do 4-2-3-1. Com isso, Mendieta foi recuado para jogar ao lado de Renato, resolvendo o problema da saída de bola.

Com esse movimento, o Palmeiras ganhou o meio-campo de volta. Henrique e Lucas Silva, antes participantes ativos da construção ofensiva, agora não passavam de marcadores puros, com Lucas inclusive sendo amarelado. O jogo passou a ser jogado na outra intermediária e o Cruzeiro só se defendeu, apesar de Fábio não ser ameaçado até o fim do primeiro tempo.

A animação mostra a diferença nos locais de ação das duas equipes: antes da troca de Eguren por Felipe Menezes, concentração na intermediária palmeirense; depois, a ação passa a ser mais no campo celeste

A animação mostra a diferença nos locais de ação das duas equipes: antes da troca de Eguren por Felipe Menezes, concentração na intermediária palmeirense; depois, a ação passa a ser mais no campo celeste

Amarelos e trocas

Marcelo optou por Willian Farias na vaga de Lucas Silva, com medo de uma eventual expulsão. São jogadores muito diferentes: Lucas sai para o jogo e é responsável pelas inversões de bola para o lateral oposto, participando bem da construção. Willian Farias é somente um destruidor de jogadas, com menos qualidade de passe. Henrique, em teoria, seria o volante mais avançado, mas se ocupava com a marcação de Felipe Menezes e não conseguia sair. O resultado é que com a troca o Cruzeiro convidou ainda mais o Palmeiras à frente, que por sua vez aplicou ainda mais intensidade.

Tobio diminuiu em uma jogada de bola parada, e o gol animou os mandantes. A bola só ficava em pés verdes, com o Cruzeiro marcando e jogando pouco. Henrique, Egídio e Willian Farias receberam amarelos e aumentaram muito o perigo do jogo. O Palmeiras rondou a área, finalizava muito, mas sem qualidade. A rigor, Fábio só fez duas defesas, ainda que fossem pequenos milagres, cara a cara com os avançados de verde.

A linha do tempo mostra bem os períodos de domínio: até os 30, Palmeiras só chutou uma vez; e depois dos 30, apenas uma finalização celeste

A linha do tempo mostra bem os períodos de domínio: até os 30, Palmeiras só chutou uma vez; e depois dos 30, apenas uma finalização celeste

O preço da correria

Porém, não existe nenhum time no mundo que consiga manter o ritmo de marcação e a correria por 90 minutos. O Palmeiras conseguiu surpreendentes 75. Nos quinze minutos finais, a marcação já não era tão apertada, e o Cruzeiro pode enfim respirar um pouco mais. O domínio palmeirense não havia se transformado no empate, nem mesmo com Mouche e Érik nas vagas de Mendieta e Leandro, centralizando Diogo. Marcelo se limitou a fazer trocas defensivas, com Samudio na vaga do amarelado Egídio e mais tarde Tinga no lugar de Ribeiro, sem modificar a estrutura.

Sem tanta intensidade do lado paulista, o Cruzeiro equilibrou as ações levou o jogo até o final, controlando a pressão adversária. Tinga ainda teria chance de matar o jogo ao receber passe magistral de Goulart, mas faltou técnica para o cabeludo à frente do goleiro palmeirense. Felizmente, o gol perdido não fez falta.

Conclusões, conclusões

Os números do jogo acabam por explicar bem a partida. Este foi o segundo pior índice de posse de bola do Cruzeiro no campeonato, com 44,17%, maior apenas do que no clássico no Independência na quarta rodada (43,67%). No entanto, mesmo tendo mais a bola em seus pés, o Palmeiras trocou menos passes e com menos qualidade que o Cruzeiro: 347 (82,71% de acerto) contra 360 (87,50%). Isso demonstra a verticalidade do jogo, consequência direta da intensidade: o time paulista não quis ficar trocando bola entre seus zagueiros e cadenciar, nem deixava o Cruzeiro fazer isso.

Mas o que acabou fazendo a diferença no jogo foram as finalizações. Essa foi a partida em que o Cruzeiro menos finalizou contra a meta adversária: apenas 7 vezes. O Palmeiras atentou contra a meta de Fábio mais que o dobro: 15. Porém, a qualidade das conclusões foi inversa: dos 7 chutes celestes, 2 foram pra fora, 3 foram defendidos e 2 entraram. Já o Palmeiras só conseguiu converter um em gol, com Fábio defendendo outros três: nada menos do que 11 finalizações foram para fora. Um aproveitamento de apenas 26,67%, contra 71,43% celestes — o maior índice da rodada e de todo o campeonato até aqui.

Méritos e amadurecimento

De tempos em tempos falo aqui que não acredito em resultados injustos no futebol. Depois do jogo vi um famoso comentarista (que é palmeirense), cuja opinião respeito muito, dizer que o Palmeiras merecia o empate. Eu discordo. O Cruzeiro teve méritos de fazer dois gols durante seu período de domínio, e ainda teve chances para fazer mais. Já o Palmeiras só conseguiu um, também porque o Cruzeiro teve méritos em se defender.

Mas há que se ressaltar que o Palmeiras empurrou o Cruzeiro para seu campo com seus próprios méritos. Controlou os nervos depois de ficar dois gols atrás do time que é líder, ganhou a batalha da posse no meio-campo e pressionou. Errou muitos passes e finalizações, é verdade, mas isso também é parte do jogo. O Cruzeiro foi mais feliz nesses fundamentos, e talvez por isso tenha vencido, com justiça.

Portanto, não se trata de analisar a partida somente pelo lado celeste, dizendo que o Cruzeiro recuou demais. Há jogos em que isso não será opção do Cruzeiro, como estratégia para distanciar as linhas adversárias e ter espaço para o jogo rápido e rasteiro que lhe é característico. Por vezes, o adversário impõe esta intensidade — e isso acaba por testar o equilíbrio do time, que mostrou saber se defender bem diante de tal postura do Palmeiras. Também teve méritos em conseguir sair tocando pelo chão, com qualidade, diante da pressão alta dos paulistas, o que é animador.

Sintomas de um time mais maduro — e isso pode fazer a diferença em um certame tão difícil.

Cruzeiro 3 x 1 Vitória – O Mineirão voltou a ver bom futebol

Acabou a Copa e os trabalhos voltam no Constelações. Copa essa que, mesmo com o fiasco brasileiro, foi uma das melhores em termos técnicos e táticos que este blogueiro já viu. Só o Brasil mesmo ficou atrás nesses quesitos.

Mas como este blog fala só do Cruzeiro, vamos ao que interessa. Primeiro uma rápida análise dos reforços, e depois as notas sobre a volta do Cruzeiro ao nacional.

Reforços

O Cruzeiro não ficou parado durante o Mundial. Além dos amistosos nos EUA, o clube contratou o zagueiro Manoel, que estava no Atlético/PR, e os atacantes Marquinhos, do Vitória, e Neilton, do Santos.

Manoel é uma excelente contratação. Zagueiro técnico e com bom tempo de bola. Perfil ideal para zagueiros no time celeste. Se o Cruzeiro já tinha a melhor zaga titular do país, com Dedé e Bruno Rodrigo, agora passa a ter a melhor zaga reserva também. Apenas uma nota tática: dos quatro zagueiros, somente Bruno Rodrigo está acostumado a jogar pelo lado esquerdo. Todos os outros tem preferência em ficar mais próximos de Ceará ou Mayke, e de acordo com o observado nos amistosos nos EUA, a prioridade é de Dedé, depois de Manoel e depois Léo. Ou seja, Dedé sempre jogará pelo lado direito. Manoel só jogará pela esquerda se fizer dupla com Dedé, enquanto Léo só jogará pela direita se fizer dupla com Bruno Rodrigo.

Marquinhos e Neilton são jogadores com características parecidas. São atacantes ponteiros, velozes e leves, e em tese jogarão na linha de três meias do 4-2-3-1 preferido pelo time celeste, muito provavelmente pelo lado esquerdo, já que Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart são incontestáveis quando estiverem disponíveis. Mas em caso de suspensão, também podem jogar pela direita. Marquinhos tem mais experiência, enquanto Neilton, acredito eu, veio para ser lapidado e se integrar lentamente. É mais uma contratação de longo prazo, acredito.

Retorno do Brasileirão

Quatro dias após a Alemanha levantar seu quarto caneco, era a vez do Cruzeiro continuar a busca pelo seu tetra. E não poderia haver um time melhor para a tarefa de exorcizar o Mineirão, palco do maior vexame da história da seleção nacional, do que o Cruzeiro, campeão brasileiro com futebol ofensivo e com sobras.

E, apesar do outro time vestir rubro-negro, como naquele fatídico dia, o Cruzeiro não fugiu à responsabilidade. Diante de um Vitória muito bem armado por Jorginho, conseguiu uma vitória difícil, mas que acabou por premiar o time que buscou o gol em detrimento da equipe que entrou apenas para se defender.

Escalações iniciais

Cruzeiro no tradicional 4-2-3-1 que encaixou na marcação do 4-1-4-1 do time baiano, com perseguições individuais a cada jogada

Cruzeiro no tradicional 4-2-3-1 que encaixou na marcação do 4-1-4-1 do time baiano, com perseguições individuais a cada jogada

Marcelo Oliveira lançou a campo o 4-2-3-1 tradicional, com o gol do capitão Fábio sendo protegido por Manoel e Léo Completando a linha defensiva, Ceará mais marcador pelo lado direito e Egídio mais apoiador pela esquerda, em acordo com as suas características. Henrique e Lucas Silva faziam o doblete no meio-campo defensivo, dando suporte ao trio criativo formado por Éverton Ribeiro, partindo da direita e circulando, Ricardo Goulart, o central mais móvel do Brasil, e Marquinhos, mais agudo pela esquerda mas invertendo com seus companheiros meias. Na frente, Marcelo Moreno segurava os zagueiros.

Já o Vitória de Jorginho veio para se defender com duas linha bem próximas e um volante entre elas — o famoso 4-1-4-1. A linha defensiva que defendia a meta de Wilson tinha Ayrton pelo lado direito e Danilo Tarracha pelo lado esquerdo, e Alemão e Kadu no miolo de zaga. Entre as linhas, Adriano fazia a “sobra do meio-campo”, formado por Caio à direita, José Welison e Josa mais centralizados e Richarlyson — ele mesmo — fechando o lado esquerdo. Na frente, solitário, Dinei era o único sem responsabilidades defensivas.

Encaixe

Como é possível ver no esquema acima, essas duas formações se encaixam perfeitamente no meio-campo, e nas duas pontas sempre a dupla de zaga fica contra o centroavante solitário, garantindo a sobra. Porém, a postura sem a bola dos dois times era diferente: enquanto o Cruzeiro subia a marcação e pressionava a saída baiana mais intensamente, o Vitória preferia deixar a dupla de zaga celeste trocar passes com liberdade.

Porém, assim que a bola chegava em outro jogador que não fosse Manoel ou Léo, um dos jogadores do time visitante subia para pressionar o homem da bola. Se o Cruzeiro saía pelos lados, Caio perseguia Egídio e Richarlyson rastreava Ceará; se fosse pelo meio, Josa pegava Henrique e José Welison marcava Lucas Silva. Mais à frente, o ponteiro direito — qualquer que fosse ele naquele momento — tinha a companhia constante do lateral Tarracha, o mesmo acontecendo com o outro lado. E na maioria das vezes, Goulart, que é mais frequentemente o central, tinha próximo dele o volante entrelinhas Adriano.

Esse encaixe todo fez com que o Cruzeiro demorasse a achar saídas boas com a bola no chão. Bolas longas não eram necessárias porque os zagueiros não eram pressionados, mas as bolas curtas tinha sempre marcação fortíssima. Percebendo isso, os meias começaram a voltar para buscar a bola no pé dos zagueiros e tentar começar a construção, mas mesmo assim os marcadores baianos abandonavam o seu posicionamento para persegui-los. Era um tipo de marcação em que cada um pega o seu e vai com ele até o final da jogada. Em outros termos, marcação por função, mas a partir do encaixe, se tornava individual.

Chances

Com pouco espaço entre as linhas, o Cruzeiro teve certa dificuldade para jogar. Quando acertou o primeiro passe, pecou na construção. Quando acertou na construção, falou o último passe, e quando conseguiu fazer tudo isso, pecou nas finalizações. Também porque Wilson jogou um bom primeiro tempo.

Mesmo sob forte marcação, Cruzeiro chutou 13 bolas contra Wilson no primeiro tempo; o Vitória só uma -- e de bem longe (fonte: Squawka)

Mesmo sob forte marcação, Cruzeiro chutou 13 bolas contra Wilson no primeiro tempo; o Vitória só uma — e de bem longe (fonte: Squawka)

Normalmente, quando fica difícil jogar, apela-se para a bola parada ou para o cruzamento. E de fato o Cruzeiro teve chances usando esses dois expedientes. Mas também conseguiu usando passes rápidos e envolvendo a defesa adversária. Mas as finalizações não foram boas, e o primeiro tempo acabou mesmo em branco, com o Cruzeiro tendo mais de 60% de posse de bola.

Segundo tempo e trocas

Jorginho gostou de performance defensiva de seu time, e talvez tenha até visto uma oportunidade de vencer em uma bola, e por isso liberou um pouco mais seus jogadores para avançar. Calhou de o Cruzeiro também ter mudado a estratégia, recuando as linhas para espaçar o time baiano e tentar jogar com mais espaço. Por isso, no início da segunda etapa, vimos um Vitória com mais volume e um Cruzeiro mais defensivo.

Mas somente a estratégia baiana parecia ter funcionado. Se o Vitória não incomodava Fábio, rondava perigosamente com a bola perto de sua área, e uma falha defensiva poderia ser fatal. Mas ao recuperar a bola o Cruzeiro errou muitos passes e não conseguia dar prosseguimento.

Marcelo tentou colocar Dagoberto na vaga de Marquinhos para ver se a nova estratégia surtia efeito, mas o jogo voltou ao padrão do primeiro tempo: o Vitória recuou novamente as linhas e esperava o erro celeste. Jorginho quis arriscar um pouco mais, jogar por uma bola, e colocou um jogador mais veloz e ofensivo do lado esquerdo, Vander, na vaga do marcador Richarlyson, mas o sistema não se alterou.

Um gol muda o jogo

Justo quando o técnico celeste se preparava para mudar o sistema, abrindo mão de Lucas Silva para lançar Marlone e aproximar Éverton e Goulart no centro, efetivamente transformando o time num 4-3-3, Alemão marcou contra. A substituição foi cancelada, porque era necessário ver como o jogo ser apresentaria a partir deste gol.

E, como era esperado, o Vitória se lançou um pouco mais à frente para buscar o empate, e isso acabou por facilitar a vida dos meias celestes. Com espaço, conseguiram jogadas que mataram o jogo: Éverton Ribeiro achou Egídio, que cruzou e a bola encontrou a cabeça de Ricardo Goulart, o elemento surpresa que a zaga baiana não esperava estar ali. Depois, Goulart recebeu passe de frente para o gol já na intermediária ofensiva e com espaço, coisa que não havia acontecido até ali, e com um toque por cima, encontrou Ribeiro avançando. O meia matou no peito e bateu da entrada da área, vencendo finalmente o goleiro Wilson e sacramentando a vitória.

Jorginho tinha tentado diminuir o prejuízo após o segundo gol, com Willie na vaga de Caio, mantendo o 4-1-4-1 mas com ponteiros rápidos, mas o terceiro gol celeste matou suas esperanças. Tinga ainda entraria na vaga de Éverton Ribeiro, apenas para preencher o meio-campo e fazer o jogo se arrastar até o fim, apesar do belo gol de falta de Ayrton.

O padrão esperado dos visitantes

A postura do Vitória na noite de quinta é o que a maioria dos adversários celestes deverão fazer quando jogarem no Mineirão. O Cruzeiro é o atual campeão brasileiro e líder da competição atual, jogando futebol de respeito. Isso naturalmente encolhe o time visitante. Portanto é mais que natural que os outros times utilizem essa estratégia quando forem jogar em Belo Horizonte. Nem todos terão a mesma qualidade que o Vitória no primeiro tempo, assim como nem todos deixarão aproveitar dos erros defensivos celestes.

Todas as 13 interceptações do Vitória foram no campo defensivo, sendo 10 só no primeiro tempo (fonte: Squawka); ilustra bem qual deve ser a estratégia dos adversários do Cruzeiro no Mineirão

Todas as 13 interceptações do Vitória foram no campo defensivo, sendo 10 só no primeiro tempo (fonte: Squawka); ilustra bem qual deve ser a estratégia dos adversários do Cruzeiro no Mineirão

Assim, é preciso ter paciência. Qualquer análise tem que levar em conta os dois times, e não somente um lado, como muitos ditos jornalistas por aí fizeram. Uns dizem que o Cruzeiro só venceu porque o Vitória fez o gol contra, outros dizem que o Cruzeiro não jogou bem. Eu discordo dos dois pontos de vista. Não se pode afirmar que, mesmo sem o gol contra, o Cruzeiro não venceria, até porque não sabemos que impacto a alteração que Marcelo preparava naquele momento (Marlone x Lucas Silva) teria. O Cruzeiro jogou bom futebol e venceu com autoridade, buscando o gol e sem medo de errar. O adversário é que impõe dificuldades, e por isso mesmo, nem sempre o bom futebol vence.

Mas entre jogar bom futebol e vencer, o Cruzeiro faz os dois.

Diagnósticos e perspectivas

O inverno acabou (inVerno, com V). Ele foi longo e tenebroso. Mas acabou, e aqui estamos.

Este espaço não é atualizado desde a final do Campeonato Mineiro, e muita coisa aconteceu desde então. O Brasileirão começou, técnicos já caíram, jogadores foram convocados para a Copa (ou não), e a Libertadores entrou em sua fase eliminatória, nas oitavas e quartas de final.

Brasileirão: dois estilos

Taticamente, alguns pontos chamam a atenção. No Brasileiro, o 4-2-3-1 se manteve como sistema base, mas com o time alternativo, as características dos jogadores são diferentes, e portanto, o time tem um estilo distinto do considerado titular.

Primeiro, a diferença nas laterais. Ceará e Samudio são mais marcadores do que apoiadores — ainda que o paraguaio tenha surpreendido com a qualidade na frente — e contrastam com os estilos ofensivos de Mayke e Egídio. Assim, os volantes tem que ficar um pouco mais presos para fazer a cobertura, e por isso Nilton e Souza são os escolhidos.

Mais à frente, temos Tinga como central, um jogador que ocupa bem os espaços e sempre está perto da bola para ajudar um companheiro, mas que não possui a mesma visão de jogo e qualidade de passe de Ricardo Goulart. Como ponteiros, Marlone e Willian são mais incisivos e verticais, no que se assemelham a Dagoberto, mas Luan é mais trombador e também é muito ofensivo, diferente de Éverton Ribeiro.

Todas essas diferenças acabam por favorecer Marcelo Moreno, que é um centroavante diferente de Borges ou Júlio Baptista. Com jogadores ofensivos e verticais pelos lados, o jogo celeste acaba sendo muito pelos flancos e pouco pelo meio. O resultado é um número maior de cruzamentos na área, o que favorece o boliviano pelo seu bom posicionamento na área: nos dois primeiros jogos, contra Bahia e Atlético/PR, o gol da vitória veio num cabeceio de Moreno. Não é por acaso.

O time titular jogou na segunda rodada contra o São Paulo: o número de cruzamentos em relação ao time alternativo da primeira e terceira rodadas é bem menor

O time titular jogou na segunda rodada contra o São Paulo: o número de cruzamentos em relação ao time alternativo da primeira e terceira rodadas é bem menor

Já na última partida, contra o Coritiba, o Cruzeiro jogou mais no estilo 2013, já que estavam em campo Éverton Ribeiro, Goulart, Dagoberto e Borges — o quarteto “clássico”. Um estilo que pode ser resumido no lance do segundo gol: Goulart recebe de Fábio, avança, passa a Borges e imediatamente começa a corrida para entrar na área, lendo a jogada que se desenhava. Borges, o único jogador do elenco que faz o pivô com qualidade, segura o zagueiro e toca de primeira para Éverton Ribeiro na direita. Livre, o camisa 17 acha Goulart dentro da área, que entrou livre de marcação para concluir e recolocar o Cruzeiro na frente.

 

Este gol é simbólico porque ilustra bem o papel de Goulart e o de Borges, não só taticamente como em termos de estilo de jogo. Não consigo enxergar Júlio Baptista fazendo nenhum dos dois papéis, por exemplo. Nem mesmo Marcelo Moreno fazendo esta jogada pivô, pois a sua característica seria dominar e tentar girar no zagueiro para poder concluir. Em suma, Borges é o melhor centroavante para o estilo de jogo de 2013, mas Moreno é o mais adequado para o estilo do time reserva.

O aspecto mental

Já na Libertadores, porém, o time não foi tão bem, em termos de resultados. Isso, na modesta opinião deste escriba, se deve muito mais ao fator psicológico e mental do que propriamente ao técnico ou tático, dentro de campo. É um característica, não da Libertadores, mas sim de torneios neste formato eliminatório, com uma partida de ida e volta.

Explico: em um torneio de pontos corridos, com 38 rodadas, ao sofrer um gol por um erro de tempo de bola, um desarme mal sucedido, enfim, um lance bobo, o impacto psicológico não é tão grande. Isso porque cada partida se encerra em si mesma, no sentido de que não importa quantos gols foram sofridos, o que importa é vencer aquela partida em questão e somar três pontos. O impacto de um gol sofrido, seja em casa ou fora, é diluído ao longo das rodadas.

Porém, num torneio de mata-mata, o impacto de um gol é altíssimo. Pois um erro pode decidir o confronto e a permanência ou não na competição. Isso acontece em todos os torneios que usam este formato: Copa do Mundo, Liga dos Campeões e, é claro, a Libertadores da América. Isso ainda é agravado pela regra do gol fora de casa, o famoso gol qualificado como critério de desempate — uma regra da qual este blogueiro discorda frontalmente.

Cerro Porteño

Foi o que aconteceu com o Cruzeiro nos dois confrontos. Contra o Cerro, uma partida boa até o momento do gol dos paraguaios, praticamente na única vez em que foram ao ataque, numa jogada de escanteio inexistente. Ao sofrer o gol em casa, o time se enervou e começou a falhar também tecnicamente. No fim, nada de tática: blitz na área adversária até o gol no apagar das luzes de Samudio, que minimizou o prejuízo.

No jogo da volta, o Cruzeiro escapou de sofrer gols no primeiro tempo. Os paraguaios estavam em ritmo mais acelerado, e o Cruzeiro tentando tirar a velocidade do jogo, mesmo com o zero a zero desfavorável. Estratégia ou imposição do adversário? Não saberemos. Mas na etapa final o Cruzeiro entrou correndo mais, disputando mais bolas. Não é o “espírito de Libertadores” que todos pregam, não; isso vale para qualquer campeonato. É a tal intensidade, tanto ofensiva quanto defensiva, que o Cruzeiro tanto usou em 2013 para sobrar no Brasileiro, que faltou no jogo.

A expulsão de Bruno Rodrigo por acúmulo de advertências parecia selar a eliminação, mas o gol de Dedé numa bola improvável reacendeu este espírito. Com a vantagem, o Cruzeiro se imbuiu em defender, mesmo com dez em campo um 4-4-1 que, com as câimbras de Samudio, teve Éverton Ribeiro na lateral esquerda, com o paraguaio indo ser o centroavante. Era praticamente 11 contra 9, mas o Cruzeiro se defendeu bem e ainda marcou mais um em erro da defesa do Cerro.

San Lorenzo

A classificação para as quartas veio, e ainda com a pressão adicional de ser o único brasileiro ainda vivo na competição. Porém, a forma como ela veio indicava que não estava tudo bem. Algo precisava ser feito, principalmente na parte mental. Desta vez, o primeiro jogo foi fora de casa, e foi, sem dúvida, a pior partida da equipe no certame continental. O Cruzeiro quis garantir um resultado médio para poder resolver em casa, mas pagou o preço de ficar atrás, jogando contra sua própria natureza de jogo.

As estatísticas da Conmebol provam: apenas 4 finalizações, todas de média e longa distância e erradas; apenas 174 passes, muito abaixo da média da equipe; e 8 desarmes contra 23 do time do Papa.

É claro que o resultado era plenamente reversível. Mas mais uma vez o impacto psicológico do gol sofrido fez a diferença. Nesta partida, Marcelo resolveu lançar Nilton e Marcelo Moreno na equipe titular, sacando Lucas Silva e Ricardo Goulart. A princípio, achei que fosse para liberar os laterais para o ataque e sufocar o San Lorenzo, mas depois da partida Marcelo Oliveira revelou que queria aproveitar a bola aérea do volante — a mesma explicação podia ser dada para a entrada de Moreno e a permanência de Júlio.

Até os 10 minutos, o Cruzeiro amassava o San Lorenzo, mesmo sem finalizar muito. Nilton e Moreno entraram na equipe para disputarem pelo alto, mas a bola não chegava por ali. Com Ribeiro e Júlio Baptista, a bola não rodava tanto pelos lados e os cruzamentos não saíam, e tampouco o Cruzeiro chegava pelo centro, pois Éverton Ribeiro não tem o mesmo entendimento com Júlio do que com Goulart, já que o primeiro segura mais a bola e cadencia.

O gol do San Lorenzo, porém, destruiu o espírito da equipe. Samudio saiu por lesão, piorando ainda mais a situação. Bruno Rodrigo, Marcelo Moreno e Éverton Ribeiro tentaram: o primeiro sendo absoluto na defesa, o segundo com muita luta e várias finalizações que pararam no goleiro adversário, e o terceiro sem medo de chamar a responsabilidade e tentar conduzir a equipe à frente. Mas o nervosismo atrapalhou, e quando o Cruzeiro chegava, o goleiro adversário estava em noite inspirada. O empate saiu, só aos 30 do segundo tempo, mas ainda era preciso mais dois gols. Não deu tempo.

Nas coletivas pós-jogo, tanto na ida quanto na volta, Dedé e Marcelo Oliveira se referiram à postura do Cruzeiro na Argentina. O zagueiro dizia que era estratégia, já era esperado que eles atacassem e a ordem era segurar. Já o treinador disse que nem sempre isso acontece porque o time quer, mas sim porque o adversário impõe a condição. Então fiquei na dúvida: quem está certo? Foi o San Lorenzo que impôs ao Cruzeiro a condição de apenas se defender, ou o Cruzeiro que escolheu assim para poder decidir a vaga no Mineirão?

Não há como responder, mas meu palpite era de que a ordem era sim se defender, pois era sabido que o ponto forte do time argentino é não sofrer gols, o que indica que o ataque não é tão poderoso assim. É claro que não é tão simples, mas partindo disso, o mais ousado seria atacar o San Lorenzo em sua própria casa, mesmo correndo o risco dos contra-ataques.

Pode parecer fácil falar depois dos jogos, mas a verdade é que o Cruzeiro, enquanto equipe, ainda carece de experiência para não se enervar com resultados adversos em torneios eliminatórios. A Copa do Brasil, no segundo semestre, será mais uma boa oportunidade para medir este aspecto.

Perspectivas

Uma formação possível, bem ousada, que privilegia o ataque: um 4-1-4-1 que aproxima Goulart e Ribeiro, com laterais ofensivos e ponteiros verticais

Uma formação possível, bem ousada, que privilegia o ataque: um 4-1-4-1 que aproxima Goulart e Ribeiro, com laterais ofensivos e ponteiros verticais

Olhando para frente, nas partidas em que precisava construir um resultado (a volta contra o San Lorenzo e contra o Coritiba, após sofrer novo empate), o Cruzeiro apresentou uma formação interessante, que eu gostaria muito de ver iniciando um jogo. Um dos volantes saía para a entrada de mais um ponteiro: com isso, Éverton Ribeiro recuava e fazia o segundo volante, para tentar construir o jogo de trás. Na prática, era um 4-3-3/4-1-4-1, com Ribeiro e Goulart próximos no centro do campo, Willian e Dagoberto pelas pontas e um centroavante.

Uma formação bem ofensiva, especialmente na partida contra o Coritiba, quando Mayke e Egídio estavam em campo. Atacar com 7 jogadores (2 laterais, 4 meias e o centroavante) é uma postura muito ousada e que pode dar certo para resolver as partidas o quanto antes. Seria um sistema ideal para usar nos pontos corridos, sem correr o risco de um gol sofrido dar um choque psicológico grande na equipe. É improvável, porém, que Marcelo Oliveira abandone o bom e velho 4-2-3-1, pelo menos para iniciar as partidas.

Assim, mesmo fora da Libertadores, a perspectiva ainda é boa. Mas fica a lição: em mata-mata, o fator psicológico conta muito mais do que em pontos corridos. E é preciso aprimorar esta aspecto enquanto equipe, mesmo que individualmente o Cruzeiro possua jogadores experientes. É errando que se aprende. Já foram duas (Copa do Brasil 2013 e Libertadores 2014). Na próxima, com certeza, será melhor.