Cruzeiro e Vasco fizeram um jogo de muitos eventos, dentre eles os vários gols. E parte deles podem ser explicados pela escalação diferente, principalmente no triângulo do meio-campo — o “coração” do time, formado pelos dois volantes e pelo meia central — que modificou o estilo de jogo celeste. Para o bem e para o mal.
Formações
Marcelo Oliveira armou o Cruzeiro no 4-2-3-1 usual, mas com o trio central do meio-campo totalmente diferente. A dupla de volantes titular estava lesionada, e para seus lugares Henrique e Lucas Silva foram os escolhidos. À frente deles, Júlio Baptista herdou a vaga de Borges, com Ricardo Goulart indo para o comando do ataque. O restante do time não foi alterado: Fábio no gol, linha defensiva com Ceará e Egídio pelos lados e Dedé e Bruno Rodrigo no miolo; Lucas Silva e Henrique dando suporte a Everton Ribeiro na direita, Willian na esquerda e Júlio Baptista por dentro, com Ricardo Goulart na frente.
O Vasco de Dorival Júnior veio num 4-3-3/4-1-2-3 que encaixou a marcação no círculo central. Protogendo o gol de Diogo Silva estavam os zagueiros Cris e Rafael Vaz, flanqueados por Fagner na direita e Yotún na esquerda. Abuda era o volante único, com Juninho Pernambucano armando pela direita e Wendel (aquele de 2003) pela esquerda. A linha de ataque era comandada por André, e ainda tinha Willie aberto pela direita e Marlone pela esquerda.
Diferenças de estilo
O jogo começou já com 1 a 0 no placar, pois o gol de Willian em cobrança de lateral de Ceará aconteceu antes de qualquer tipo de análise. Depois, quando o jogo assentou, foi mais fácil entender o que se passava.
Júlio é um jogador diferente de Ricardo Goulart: mais físico e forte, e ao mesmo tempo menos móvel. Isso teve consequências diretas no estilo de jogo celeste, que com Willian, Ribeiro e Goulart no meio, é de movimentação e troca de posições. Com Júlio, o time ficou um pouco mais engessado, com menos inversões. Além disso, Goulart também não é um centro-avante típico, e por isso o jogo de primeira e segunda bola não poderia ser empregado, e nem a estratégia da bola longa pelo chão para a retenção, de costas para o gol, enquanto o time chega de trás.
Porém, o uso de dois volantes mais técnicos, como Lucas e Henrique, ao invés dos dois mais marcadores Nilton e Souza, deu uma certa compensada, já que Júlio se infiltrava mais na área adversária do que se movimentava lateralmente, abrindo espaços para quem chega de trás — Lucas teve mais liberdade para isso do que Henrique, que guardou mais sua posição. Porém, isso também teve seu preço: a marcação menos intensa no meio-campo e nas coberturas aos laterais.
Todos esses fatores podem ser vistos nos gols que se seguiram. No empate do Vasco, Willian sai na marcação de Fagner, que encontra Willie livre por dentro, por onde devia estar Lucas Silva; no replay, é possível ver o jogador atrasado na jogada para tentar barrar o bom chute do jovem vascaíno. Porém, o mesmo Lucas Silva receberia uma bola na frente da área, com muito espaço e sem nenhum tipo de marcação, atraída para outros setores pelos meias, e mandar um balaço no canto para colocar o Cruzeiro novamente na frente.
Estratégias de marcação
Sem a bola, o Cruzeiro não pressionou os zagueiros com a mesma fome de partidas anteriores. Em parte isso pode ser explicado pelo desgaste físico, provocado pelo apertadíssimo calendário do futebol brasileiro. Mas um outro fator é que essa pressão alta tem que ser coordenada para funcionar, e se somente Goulart fosse pressionar os zagueiros, sem a ajuda de Júlio atrás dele, somente abriria as linhas de passe para que os volantes recebessem a bola. Ou seja, um desgaste desnecessário. Mesmo assim, o Vasco não tentou sair jogando pelo chão, e tentava mais a bola longa.
Já o time carioca tentou se inspirar no seu maior rival e corajosamente avançou seus jogadores para fazer a pressão no campo adversário. Willie, Marlone e André tentavam induzir os zagueiros e laterais a dar o chutão, e frequentemente conseguiam. Isso também pode ser explicado pela diferença de estilo entre os volantes que estavam jogando e os titulares Nilton e Souza. Henrique e Lucas tem mais característica de tentar uma primeira criação, já tentando um passe mais incisivo, enquanto que Nilton e Souza mais recolhem a bola e passam para algum meia.
O resultado foi uma profusão de bolas longas de parte a parte, e nesse quesito Júlio Baptista se destacou: vencia praticamente todos os duelos aéreos, matando a bola e girando para sair jogando. O que me faz pensar que talvez a melhor posição para o jogador, nesse momento em que ele se encontra, sem muito ritmo de jogo, fosse a de centroavante, com Goulart de volta à sua posição “normal”. Talvez ainda vejamos esta experiência.
Egídio
Pelos lados, duelos interessantes. Na direita, Ceará não tinha dificuldades para vigiar Marlone, mas também não apoiava muito; já Éverton Ribeiro dava bastante trabalho para Yotún com a sua movimentação típica da direita para o centro, como pode ser visto na jogada que originou a falta do terceiro gol. Nela, Júlio está pela esquerda e Willian pela direita, com Ribeiro conduzindo em velocidade pela faixa central do campo até sofrer o calço. Cartão de visitas perfeito para Júlio, que mandou por cima da barreira como manda o figurino e aumentou a conta.
Mas pelo lado esquerdo a coisa não ia tão bem. Se Willian foi muito importante e participou tanto das jogdas ofensivas quanto da marcação em Fagner, Egídio teve bastante dificuldade para marcar o garoto Willie. Nem tanto no segundo gol do Vasco, já que o lateral teve que abandonar a composição da linha defensiva para tentar bloquear o cruzamento de Fagner que entrava livre. Mas não conseguiu e André completou para as redes antes de Bruno Rodrigo.
O terceiro, no entanto, poderia ter sido evitado se Egídio não tivesse parado na jogada. Fagner lançou bola longa e Bruno Rodrigo espanou de cabeça, para cima. Willie e Egídio vinham acompanhando, mas o lateral parou confiando que o zagueiro iria tirar. A bola caiu com Willie que driblou com o peito e bateu cruzado para empatar no fim do primeiro tempo.
Uma troca em duas
Os treinadores obviamente estavam satisfeitos com o rendimento de suas equipes, e não promoveram alterações. Mas Marcelo fez um pequenos ajustes: segurou Egídio mais na defesa para vigiar o garoto Willie mais de perto. De fato o garoto pouco fez no segundo tempo.
Assim como o Cruzeiro até as substituições. O resultado de empate era ótimo para o time visitante, especialmente jogando contra o líder do campeonato no Mineirão. E, claro, nada bom para quem almeja o título, caso do Cruzeiro. Então a obrigação de atacar passava cada vez mais a ser do Cruzeiro, e junto com ela crescia a impaciência da torcida, que insistentemente pedia a volta de Dagoberto. Marcelo queria era voltar ao modo “mobilidade” do 4-2-3-1 cruzeirense, e por isso Dagoberto não era o cara certo para entrar, e sim Vinicius Araújo. Inteligentemente, para evitar as vaias, primeiro atendeu ao pedido da torcida, sacando Éverton Ribeiro, e poucos minutos depois fez o que realmente queria, lançando Vinicius Araújo na vaga de Júlio Baptista. Ricardo Goulart voltou ao centro da linha de três. Dagoberto continuava pela direita e Willian pela esquerda — estranhamente, o inverso de seus lados “preferenciais”.
Não demorou muito para que o gol saísse, em uma roubada de bola de Willian, e que se transformou em 40 segundos de posse até sair o gol mais bonito da rodada: Lucas Silva, novamente de fora da área, driblando ninguém menos que Juninho para mandar o sapato e achar o ângulo esquerdo de Diogo Silva.
Um quase déjà vu
Pouco depois do gol, Dorival promoveu quase que três substituições de uma vez só. Primeiro, Montoya entrou na vaga de Wendel e Edmílson na de Fagner. O colombiano foi para a mesma posição do ex-cruzeirense, mas tem uma característica mais ofensiva. Já Edmilson foi ocupar a ponta esquerda batendo com Ceará, mandando Marlone para a lateral direita numa tentativa de fazer dois contra um junto com Willie pelo lado de Egídio.
Com isso, o Cruzeiro recuou novamente para proteger o resultado. Mais uma vez, de maneira perigosa. Willian marcava com afinco pela esquerda as investidas de Marlone, frustrando os planos de Dorival, que mandou Tenório a campo na vaga do jovem Willie na sua última cartada: a famosa bola aérea para o cabeceio desesperado.
Felizmente, Dagoberto, Goulart e Vinicius Araújo encaixaram o contra-ataque que aumentou a diferença. Em outros jogos, este gol mataria a partida, mas ainda haveria tempo para Alisson entrar no lugar de Willian e Dagoberto ser expulso em jogada infantil.
A adversidades e os três pontos
A formação com Júlio Baptista e os dois volantes mais técnicos claramente mudou o estilo de jogo do Cruzeiro. Foram “apenas” 15 finalizações, abaixo da média de 17,44 finalizações por jogo até então — mas ainda assim acima da média de 17 das outras 19 equipes. Também teve menos pegada: foi o segundo jogo do Cruzeiro com menos desarmes (19, com 14 certos), perdendo apenas para a partida contra o Fluminense fora de casa (18, sendo 12 certos). Todos os números de acordo com a Footstats.
Não seria exagero dizer que o Cruzeiro praticamente testou uma formação nova, ainda que o 4-2-3-1 estivesse lá, imutável. E mesmo sofrendo com os problemas defensivos na cobertura dos volantes aos laterais, o ataque produziu o suficiente para a vitória. Só há vantagens: rodar o elenco, aumentar a imprevisibilidade do time e o leque de opções, além de manter a confiança.
Vencer o Bahia na Fonte Nova garantirá o título simbólico de campeão do primeiro turno com uma rodada de antecedência. Nos dez nacionais de pontos corridos até aqui, somente por três vezes a equipe com mais pontos no primeiro turno não se sagrou campeã.
Assim, a vitória não nos garantirá o título, mas será “70%” do caminho andado.