Cruzeiro 3 x 1 Villa Nova – O dilema da centroavância

O título deste artigo é uma pegadinha. Quem lê rapidamente pode pensar que é uma crítica aos jogadores desta posição, mas não se trata disso. Na noite de quarta, Marcelo Oliveira encontrou, sem querer — ou não — uma solução para a repentina escassez de centroavantes que o Cruzeiro passou a ter com a lesão de Borges no último sábado. Com a venda de Vinícius Araújo, de repente Marcelo Moreno passou a ser a única opção “nativa” para a posição.

Falo dos quatro meias que jogaram em um determinado período do jogo, como veremos mais adiante. Para este blogueiro, foi o melhor momento da equipe na partida, em que pese o relaxamento que os jogadores já estavam àquela altura com o 3 a 0 no placar.

Formação

Cruzeiro no 4-2-3-1 costumeiro e com a movimentação que lembrou o time do ano passado; Villa numa formação muito adaptada para defender, com cobertura de João Paulo e Léo tendo que escolher o lateral que marcava

Cruzeiro no 4-2-3-1 costumeiro e com a movimentação que lembrou o time do ano passado; Villa numa formação muito adaptada para defender, com cobertura de João Paulo e Léo tendo que escolher o lateral que marcava

O Cruzeiro iniciou o jogo no mesmo 4-2-3-1 de sempre. Quem lê o blog já está acostumado e sabe de cor: Fábio no gol; Ceará e Egídio nas laterais e Dedé e Bruno Rodrigo no miolo; Souza mais preso e Lucas Silva mais solto como volantes, atrás de Éverton Ribeiro partindo da direita para dentro, Ricardo Goulart se movimentando no meio e Dagoberto mais espetado e mais à esquerda. Na frente, Marcelo Moreno brigando com os zagueiros.

Foi difícil definir um esquema para o time do Villa Nova. Paulinho Kobayashi — aquele mesmo — montou uma linha defensiva com quatro homens, mas o lateral Chiquinho preferia subir para bater com Egídio e com isso o volante João Paulo descia para a cobertura em Dagoberto — os dois se encontraram o jogo inteiro. Ferrugem ficou mais preso como volante à frente da área e liberava Igor para subir um pouco mais, mas o camisa 11 do Villa também teve mais atribuições defensivas que ofensivas. Mancini ficou na ligação e tentava encontrar os atacantes Léo, pelos lados, e Paulo Henrique, centralizado como referência. Algo como um 4-3-1-2, mas com o meio sem ser em losango.

Flanqueando o adversário

Essa formação tinha o objetivo de tirar os espaços do Cruzeiro em seu setor mais produtivo, o meio-campo ofensivo. Com ferrugem fazendo as coberturas, João Paulo grudado em Dagoberto e Igor cercando Éverton Ribeiro, e ainda tendo a ajuda em alguns momentos de Léo e Mancini, Kobayashi tentou vencer o setor pela tática da horda — quanto mais gente, mais difícil. Mas aqui cabe a metáfora do cobertor curto: se se coloca gente demais em um lugar, falta em outro. E nesse caso foi nas laterais.

Léo ficou mais pela direita no início do jogo e encontrava Egídio algumas vezes, mas do outro lado não havia ninguém para impedir Ceará de jogar. O lateral avançava tranquilamente até a linha divisória e entregava bolas limpas para os meias criarem, e até mesmo fazia jogadas de ultrapassagem encontrando Fábio Fidélis na linha de fundo. Quando Léo inverteu de lado, aí foi a vez de Egídio aproveitar, pois agora o lado esquerdo estava no mano a mano. E num avanço de Souza pela esquerda, a marcação do Villa ficou com gente a menos e saiu a tabela que originou o gol contra que abriu o placar.

Depois do gol, Léo retornou para a direita para tentar parar Egídio, mas o estrago já tinha sido feito. Mesmo assim, o lado esquerdo continuou sendo o mapa da mina, pois Dagoberto estava vencendo o duelo contra João Paulo, fazendo o segundo em uma jogada típica de ponteiro de pé trocado: destro na esquerda. Puxou para dentro, ficou de frente e emendou uma bola rasteira que imobilizou o goleiro Bráz.

Moreno

Quando disse no primeiro texto do ano que fiquei com um pé atrás em relação à contratação de Marcelo Moreno, me referia ao estilo de jogo que o boliviano-brasileiro pede: jogo de referência, homem-alvo na área. Isso tem uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é que acrescenta uma opção de estilo, a bola aérea ofensiva com bola rolando. O Cruzeiro fez muitos gols pelo alto no ano passado, mas quase sempre através de seus zagueiros e volantes, e em bolas paradas. Os meias e atacantes preferem usar os pés, mesmo dentro da área. Mas essa característica também é uma desvantagem: sendo um centroavante mais de força, típico homem-alvo, Moreno participa menos da construção das jogadas — Borges não participava muito, mas Moreno participa menos ainda. Isso pode eventualmente sobrecarregar o trio de meias, mas não chega a ser um problema, apenas uma opção por um estilo de jogo ou outro.

Com ele em campo, portanto, o Cruzeiro precisará se adaptar a estas características de seu jogador mais avançado, e começou a fazer isso nesta partida. Os laterais e ponteiros sempre buscavam o cabeceio do camisa 18, que teve muitas dificuldades em desenvolver seu jogo. Mas no fim do primeiro tempo, numa bola milimétrica de Éverton Ribeiro — aparecendo pela esquerda na troca de posições típica deste Cruzeiro — Moreno acertou um “cabeçazo”, forte, sem chances para Bráz. Primeiro gol dele no retorno, e todas as memórias da torcida celeste da Libertadores de 2008 voltaram naquele momento.

A “inovação”

No início do segundo tempo, Moreno deu lugar a Willian, e o Cruzeiro jogou sem centroavantes de ofício, com 4 meias que se movimentam muito: um inovador 4-2-4-0

No início do segundo tempo, Moreno deu lugar a Willian, e o Cruzeiro jogou sem centroavantes de ofício, com 4 meias que se movimentam muito: um inovador 4-2-4-0

No intervalo, Marcelo Oliveira optou por poupar Moreno pensando na Libertadores. Talvez fosse um medo de uma lesão que deixaria o Cruzeiro sem centroavantes. Com a entrada de Willian, era imaginado que Ricardo Goulart avançasse, deixando Éverton Ribeiro como meia central e Dagoberto e Willian pelos lados. Mas Ricardo Goulart, como meia de ofício, tende a deixar a área e se aproximar do meio-campo, se juntando ao trio de meias. E nesta partida ele fez isso muitas vezes. Além disso, Dagoberto e Willian também são ponteiros agudos, que invadem a área para concluir sempre que podem. Somente Éverton Ribeiro ficava mais por trás, pensando o jogo.

Assim, a formação celeste mudou para uma espécie de 4-2-1-3, mas que eu prefiro chamar de um inovador 4-2-4-0 — sim, pois todo o quarteto ofensivo participava da construção na frente da área adversária, sem nenhum homem fixo como referência na frente. rotação de posições provocava várias linhas de passe rápidas e inteligentes que levaram os defensores villanovenses à loucura. Pena que as conclusões não foram lá essas coisas.

Veja o posicionamento do quarteto ofensivo  meias quando o Cruzeiro jogou sem centroavante, e veja o desenrolar desse lance aqui

Veja o posicionamento do quarteto ofensivo meias quando o Cruzeiro jogou sem centroavante, e veja o desenrolar desse lance aqui

“De volta” ao 4-2-3-1

O ritmo arrefeceu um pouco após a entrada de Marlone na vaga de Dagoberto, mas continuava empolgado este blogueiro. Porém, ao ver Júlio Baptista se preparando para entrar no gramado, bateu a frustração, pois era sabido que sua entrada iria “travar” o time. Júlio tem bom passe e boa finalização, mas não se movimenta tanto, e sua entrada faria o time ficar engessado.

Ao invés de ir jogar na meia central, onde sempre entra, deixando Ricardo Goulart como centroavante, para minha surpresa foi o próprio Goulart quem saiu. Éverton Ribeiro ficou “sozinho” na meia central e Júlio foi ser centroavante. Era mais uma tentativa de Marcelo de solucionar a falta de centroavantes no elenco celeste.

A entrada de Júlio teve o efeito de tirar a intensidade de movimentação na frente, e sem o ímpeto o Cruzeiro começou a administrar e relaxou demais, chamou o Villa Nova para seu campo — que àquela altura já não tinha mais nada a perder — e num momento de relaxamento total, Fábio errou a saída de bola e a zaga não conseguiu tirar, gerando novo ataque do Villa que culminou no gol de Mancini, completamente sozinho na frente de Fábio, para fechar o placar.

Uma possível formação, sim senhor

Jogar sem centroavante não é nenhuma novidade — o Barcelona vem fazendo isso há muitos anos. Mas o time catalão é um pouco diferente, no sentido de que sua base em um 4-3-3, com um volante preso (Busquets) e dois passadores (Xavi e Fábregas) no meio, com um “falso 9” (Messi) que recua, faz número no setor e abre espaço para os ponteiros e meias invadirem a área. No caso do Cruzeiro, o sistema de partida foi um 4-2-3-1, com um volante a mais e um meia a menos. Um sistema que, na modestíssima opinião deste escriba, funcionou muito bem.

Mas é difícil imaginar que Marcelo Oliveira vá testar esta formação mais vezes. O mais provável é que Moreno seja mesmo o titular ou Júlio ou Goulart (desta vez mais avançado mesmo) faça as vezes de centroavante. Seria um sopro de novidade tática no Brasil, um país tão carente neste aspecto do futebol — infelizmente, para os brasileiros o aspecto tático é pouco importante, sendo a parte técnica o principal.

De qualquer forma, foi ótimo ver o Cruzeiro relembrando sua melhor forma do ano passado, que trouxe o título nacional inconteste. Uma forma que, como este blog previu no primeiro texto de 2013, resgata a escola de jogo do Cruzeiro, tão tradicional e histórica que tem até um ditado popular.

Que sigamos sendo rápidos e rasteiros — como o ataque do Cruzeiro.

Cruzeiro 2 x 2 Ponte Preta – À brinca

Dois descuidos da zaga, no início e no finzinho do jogo, tiraram os três pontos do Cruzeiro de ressaca pelo título conquistado oficialmente em Salvador. Méritos da Ponte Preta, que se defendeu bem e aproveitou as pouquíssimas oportunidades de gol que teve.

Mas ouso dizer que caso o Cruzeiro tivesse encarado o jogo “à vera” e não “à brinca”, o resultado com certeza seria outro.

Sistemas iniciais

Ataque contra defesa: teoricamente a Ponte veio num teórico losango, mas Rildo e Adrianinho afundavam tanto que parecia um 4-5-1 em linha

Ataque contra defesa: teoricamente a Ponte veio num teórico losango, mas Rildo e Adrianinho afundavam tanto que parecia um 4-5-1 em linha

O Cruzeiro, como todos sabem — menos o cara que faz a arte com a disposição tática antes dos jogos na TV — joga no seu costumeiro 4-2-3-1, mas desta vez com muitas novidades. Fábio, que será o primeiro jogador a colocar a mão na taça no dia 1º de dezembro, não foi poupado e defendeu a baliza celeste mais uma vez, protegido pelos zagueiros Paulão e Léo, com Ceará e Éverton fechando a defesa pelas laterais. Souza e Henrique formaram a dupla volância, dando suporte a Júlio Baptista como central e a Éverton Ribeiro e Willian de ponteiros, com Ricardo Goulart na frente.

Jorginho escalou a Ponte Preta num teórico 4-3-1-2 losangal. Na prática o desenho se deformou pela postura defensiva do time de Campinas na partida. O gol de Roberto foi defendido por Artur à direita, César e Ferron no miolo e Uendel à esquerda. Baraka era o “cão de guarda” da defesa, e era acompanhado nessa tarefa por Fernando Bob e Fellipe Bastos como os vértices laterais do losango. Adrianinho era o único meia criativo, com o atacante Rildo posicionado quase como um ponteiro esquerdo e Leonardo centralizado na referência.

Estacionando o ônibus

Antes do gol, o jogo já dava sinais de que seria praticamente um exercício de ataque contra defesa. E na primeira investida, cochilo de Léo na marcação de Leonardo, que iniciou a jogada sob a marcação do zagueiro, mas entrou na área para concluir livre. Talvez porque Léo se acostumou a jogar na esquerda da zaga quando fez parceria com Dedé — quando joga ao lado de Paulão, ele fica no seu lado preferido, o direito, no qual já foi até lateral.

O gol só fez acentuar a característica do jogo. Desesperada para fugir do rebaixamento, a Ponte Preta só se defendia. Nem contra-ataques arriscava, deixando apenas Leonardo já na sua intermediária defensiva como o homem mais avançado. O losango de meio-campo se planificou, Rildo voltava acompanhando Ceará, e Adrianinho afundava entre os volantes, transformando o time praticamente um 4-5-1 — assim mesmo, com cinco jogadores quase alinhados no meio-campo.

Sem conseguir entrar na defesa campineira, o Cruzeiro abusou de cruzamentos e finalizou bastante, mas com pouco perigo. E a partir dos 30 minutos, a Ponte conseguiu sair um pouco de trás e aproveitava algumas falhas provenientes do desentrosamento dos defensores do Cruzeiro: dois jogadores na pressão da bola e nenhum na cobertura, por exemplo, abrindo espaços que normalmente o Cruzeiro não cede.

Flagrante do desentrosamento da defesa celeste: nesta bola, Paulão devia dar o combate e Ceará devia estar em Rildo, mas o atacante ficou sozinho para receber

Flagrante do desentrosamento da defesa celeste: nesta bola, Paulão devia dar o combate e Ceará devia estar em Rildo, mas o atacante ficou sozinho para receber

Segunda etapa

Após virar o intervalo na frente, Jorginho acreditou na proposta. Apenas trocou Fellipe Bastos por Magal, na direita do “losango” — entre aspas porque o jogo voltou ao padrão ataque-defesa do primeiro tempo, fazendo com que a Ponte afundasse o seu meio-campo para marcar o Cruzeiro. Só que desta vez, Éverton Ribeiro começou a jogar pra valer: chamou o jogo pra si e começou a distribuir como nunca, mas as finalizações dos companheiros não eram boas.

Depois de quinze minutos, Marcelo Oliveira resolveu que era hora de tentar vencer, para dar alegria ao torcedor uberlandense. Em duas trocas, mandou Élber e Vinícius Araújo nas vagas de Júlio Baptista e Henrique, inovando: montou um 4-2-3-1 com Élber, Goulart e Willian atrás de Vinícius, mas com Éverton Ribeiro como um “armador recuado”, posicionado como volante, mas que só tinha a função de pensar o jogo. Na prática, era um 4-1-4-1/4-3-3, pois a Ponte praticamente não atacava.

Virada

Após as trocas, Cruzeiro todo no ataque, mesmo quando já vencia, com Éverton Ribeiro distribuindo: o risco era ter marcação frouxa no meio-campo. Assim saiu o segundo gol do time de Campinas

Após as trocas, Cruzeiro todo no ataque, mesmo quando já vencia, com Éverton Ribeiro distribuindo: o risco era ter marcação frouxa no meio-campo. Assim saiu o segundo gol do time de Campinas

A terceira troca, Éverton por Luan, já estava preparada antes mesmo do empate, num cabeceio de Souza em cobrança de escanteio de — não poderia ser outro — Éverton Ribeiro. Luan entrou como lateral-esquerdo mesmo, indicando a vontade de Marcelo de atacar a todo custo. Àquela altura, Willian já fazia mais companhia a Vinícius Araújo dentro da área ofensiva do que a Éverton Ribeiro no meio. Goulart passou à esquerda e o time ficou numa espécia de 2-1-3-4 — sim, porque os laterais estavam tão avançados que já não eram mais defensores.

Jorginho lançou Elias na vaga de Adrianinho numa troca direta, de meia por meia, mas era um jogador descansado. E pouco depois, mandou Rafael Ratão na vaga de Rildo, que neste jogo não foi atacante e sim “marcador de lateral”. Mas o jogo não mudou, e mais uma vez Éverton decidiu: recebeu um passe de Vinícius Araújo e viu a movimentação do garoto, colocando uma bola precisa e preciosa para o camisa 30 chutar de primeira e fazer um dos gols mais bonitos da rodada.

O Cruzeiro até que tentou mais vezes, mas em mais um descuido — desta vez de todo o sistema defensivo — a Ponte conseguiu achar o empate, num contra-ataque nem tão rápido assim, mas que pegou a defesa celeste se recompondo. Quem erra a interceptação do passe para Leonardo é Souza, que está fazendo a cobertura de Paulão, voltando lentamente de um ataque. Como era o único volante, não havia marcadores para impedir o passe original de Elias.

Filosofia vitoriosa

No primeiro texto do ano, este blog destacou o provável estilo de jogo que o Cruzeiro teria este ano, baseado nas contratações feitas. Seria um resgate do futebol ofensivo, de toque de bola, que é a escola histórica do Cruzeiro. Deu muito certo, ainda mais considerando que é uma equipe ainda em processo de amadurecimento.

Sim, pois como disse Fábio na sua entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN Brasil: “depois da eliminação para o Flamengo na Copa do Brasil, chegamos à conclusão de que nós não sabíamos jogar nos defendendo”. E sabendo dessa limitação, a partir dali o Cruzeiro arrancou para o título jogando da forma que sabe: atacando sempre, com intensidade.

Mas a frase também indica que há espaço para melhorar. Um time maduro consegue se adaptar sem problemas às características de uma partida, e haverá sim momentos em que o adversário tentará atacar de todas as formas. A Libertadores é uma competição que tem esse lado.

É preciso, portanto, saber variar a estratégia, mas sem variar o estilo. Porque deixar de ser um time de toque de bola, jamais.

Vitória 1 x 3 Cruzeiro – Jogando por diversão

O Cruzeiro não foi perfeito na partida contra o Vitória. Tampouco jogou com a mesma intensidade e qualidade de outras jornadas. Porém, sem o peso da pressão pelos três pontos, o Cruzeiro acabou jogando despreocupadamente, mas sem perder a seriedade, e acabou por fazer três gols quase sem fazer força contra uma boa equipe, que vinha em ascensão no campeonato, e fora de casa.

Nem era necessário vencer para confirmar o título, mas a forma como veio o triunfo foi, de certa forma, um símbolo da superioridade celeste ao longo de todo o campeonato.

Escretes iniciais

O 4-3-1-2 losango do Vitória causou problemas para Mayke e Egídio, por causa da movimentação de Escudero e do pouco auxílio dos ponteiros do 4-2-3-1 celeste

O 4-3-1-2 losango do Vitória causou problemas para Mayke e Egídio, por causa da movimentação de Escudero e do pouco auxílio dos ponteiros do 4-2-3-1 celeste

Desta feita, Marcelo Oliveira tinha vários desfalques para a montagem do time. Ao lesionado Bruno Rodrigo se juntou Nilton, e Ceará e Éverton Ribeiro estavam suspensos. Para seus lugares, o treinador escolheu, além de Léo, Leandro Guerreiro, Mayke e Willian, formando seu 4-2-3-1 costumeiro com Fábio no gol, Mayke pela direita da defesa, Dedé e Léo no miolo e Egídio pelo lado esquerdo. Na volância, Leandro Guerreiro se plantou à frente da zaga e soltou Lucas Silva para se juntar ao trio de meias-atacantes, com Willian à direita, Dagoberto à esquerda e Ricardo Goulart como central, atrás do artilheiro baiano Borges.

Ney Franco montou o vitória num 4-3-1-2 muito móvel, que variava para o 4-2-3-1 com a movimentação de Escudero pela esquerda e o recuo de Marquinhos pela direita. No modo losango, o goleiro Wilson tinha Victor Ramos e Kadu como zagueiros centrais, ladeados por Ayrton à direita e Juan pela esquerda. Marcelo ficava centralizado à frente da área, tendo Luís Cáceres à direita ligeiramente mais avançado, e Escudero à sua esquerda, mas quase na linha do ponta-de-lança Renato Cajá. Marquinhos era o atacante móvel, principalmente pela direita, e Dinei fazia a referência, mais por dentro.

Flancos expostos

O jogo começou com o Cruzeiro tendo alguns problemas defensivos pelos flancos. Com Willian e Dagoberto em campo, o time fica muito agudo e com menos poder de recomposição, ainda que Willian recuasse com Juan por alguns momentos. Com Leandro Guerreiro tendo dificuldade em fazer a cobertura com a mesma qualidade que Nilton, os laterais ficaram expostos demais, principalmente Mayke pela direita, que tinha que vigiar Escudero e Juan ao mesmo tempo. Do outro lado, Ayrton não ajudava tanto a Marquinhos, mas Egídio também teve dificuldades.

Porém, o Vitória foi acometido por um mal que o Cruzeiro já sofrera neste certame: a má pontaria. Marquinhos teve uma chance de ouro em erro de Leandro Guerreiro na saída, recebendo um passe de Renato Cajá e mandando nas mãos de Fábio, e depois Escudero ficou livre para a finalização na entrada da área após jogada pela direita, mas mandou por cima. A principal chance, porém, foi uma jogada na qual Juan avançou pelo centro, com Escudero mais aberto, e que confundiu a marcação de Mayke. O lateral do time baiano recebeu passe de Cáceres e ajeitou para Dinei, sozinho e de frente para Fábio, mandar à direita.

O Vitória foi o time que mais tentou o gol na rodada, mas, ao contrário do Cruzeiro, não era eficiente; e quando acertava a o gol, tinha Fábio pela frente

O Vitória foi o time que mais tentou o gol na rodada, mas, ao contrário do Cruzeiro, não era eficiente; e quando acertava a o gol, tinha Fábio pela frente

Precisão cirúrgica

Se atrás o Cruzeiro escapava por pouco de sofrer o gol, na frente não deixava de atacar, ainda que sem o mesmo toque de bola. O comentarista já dizia, não se pode errar contra este time. Borges já tinha conseguido um lance típico de centroavante, girando na marcação e tocando no cantinho, com a bola passando muito perto da trave. Mas foi num chutão da defesa que o Cruzeiro “ensinou” ao Vitória como jogar em velocidade: Dagoberto ganhou a disputa aérea e imediatamente lançou Willian, livre, que avançou e venceu Wilson.

Era apenas a quarta finalização do Cruzeiro no jogo, a segunda na direção do gol, contra 9 do Vitória àquela altura. O Cruzeiro ainda é o time que mais finaliza no campeonato, mas também tem a melhor eficiência, com praticamente 46% das conclusões indo na direção do gol — um belo indício do estilo de jogo ofensivo e que prevaleceu sobre todos os outros no torneio.

Primeiras trocas

O gol fez o Vitória perder um pouco o norte, e o primeiro tempo acabaria mesmo com o Cruzeiro na frente. No intervalo, Ney Franco desfez o losango, tirando Renato Cajá para a entrada de William Henrique, que foi jogar na ponta esquerda em cima de Mayke. Com isso, Escudero foi “oficializado” na meia-esquerda, e assim o time passou para um 4-3-3. Já Marcelo Oliveira promoveu a entrada de Éverton na vaga de Egídio, com dois objetivos. Um era reforçar um pouco mais a marcação naquele setor, e o outro era rodar o elenco, àquela altura já matematicamente campeão. Era um experimento, por assim dizer.

Ironicamente, as duas trocas funcionaram a favor do Cruzeiro. Sem um armador central, o Vitória forçou ainda mais pelos flancos, mas Éverton de fato segurou o ímpeto ofensivo de Marquinhos de maneira mais eficiente que Egídio pela esquerda. Na direita, Mayke tinha um alvo de marcação bem definido, que era William Henrique. Teve trabalho, mas foi bem melhor que no primeiro tempo, exceção feita ao lance do gol, mas que é totalmente perdoável — depois de um chutão de Léo que rebateu em um jogador do Vitória, Mayke errou o tempo da bola e não conseguiu interceptá-la, e ela sobrou para William Henrique. Dedé abandonou Dinei e foi na cobertura, e por isso o centroavante recebeu o passe por cima, concluindo em cima de Fábio — a bola rebateu nele mesmo e foi para o gol.

Clima de festa

No segundo gol, a movimentação de Goulart e Júlio confunde Ayrton, que é atraído para dentro e acaba abandonando Dagoberto

No segundo gol, a movimentação de Goulart e Júlio confunde Ayrton, que é atraído para dentro e acaba abandonando Dagoberto

Depois disso, quase nada aconteceu por 20 minutos, até a segundas trocas dos times. O Cruzeiro não forçava muito pois já era campeão, e jogava leve. Já o Vitória tinha dificuldade para penetrar na defesa celeste, agora melhor postada. Ney Franco soltou o time de vez tirando seu único volante de marcação, Marcelo, para promover a entrada de Euller na lateral esquerda, mudando Juan para a meia-direita e fazendo Cáceres ser o meio-campista mais recuado. Marcelo fez uma a troca já corriqueira, Borges por Júlio Baptista, avançando Goulart.

O Vitória melhorou, mas nem bem tentava imprimir seu ritmo o Cruzeiro aumentou com muita tranquilidade. Willian carregou pelo meio e viu a movimentação de Goulart e Júlio Baptista, que também atraiu a atenção do lateral Ayrton. Dagoberto ficou livre, e a bola chegou diretamente ao camisa 11. Dali, foi só rolar pra dentro para Júlio Baptista colocar o campeão novamente na frente.

Fim de jogo?

O time da casa “sentiu” o gol, na gíria do futebol. Mas neste caso foi um pouco diferente, era o peso do time campeão, do melhor ataque do campeonato, de um elenco com muita qualidade. Só chegou quando o Cruzeiro tinha 10 em campo, com Léo fora do gramado para receber atendimento: Kadu acertou a trave após ficar sozinho na área, no lugar onde provavelmente Léo estaria.

Antes do lance, Marcelo Oliveira havia mandado Tinga a campo na vaga de Dagoberto, numa rara troca mais defensiva — o cabeludo ficou pela direita mesmo, ajudando Mayke na marcação. O Vitória perdeu força de ataque e o jogo parecia estar no fim, mas não antes do Cruzeiro marcar o terceiro gol, com muita tranquilidade de Willian, o assistente, e de Ricardo Goulart, o autor do gol. Nenhum deles sofria combate próximo.

Ney Franco ainda desfez a linha de quatro com o atacante Pedro Oldoni na vaga do lateral Ayrton. Não havia sistema de jogo, era só atacar para tentar diminuir, mas o máximo que o time baiano fez foi consagrar Fábio em um chute de William Henrique.

Qualidade pura

Além de confirmar o título, mesmo que a vitória não fosse necessária, a partida de quarta-feira serviu para mostrar a qualidade verdadeira deste elenco celeste e de seu treinador. A pressão pelo triunfo é um fator psicológico que pode ajudar ou atrapalhar um time, dependendo das circunstâncias. Neste jogo, porém, vimos uma equipe desobrigada de vencer, sem pressão, e por isso jogando um futebol em estado puro, apenas na base da técnica e da tática. E por isso prevaleceu: pois tem jogadores melhores e um treinador que soube explorar as características de seus comandados, armando um sistema que hoje é muito bem assimilado por todo o elenco.

Título garantido, já se pode projetar a temporada seguinte. Certamente chegarão reforços e Marcelo provavelmente poderá pensar em variações, que devem ser treinadas no início do ano, já que 2014 terá um calendário ainda mais apertado que 2013, sem tempo para treinamentos táticos. Variações que não só são necessárias no que se refere ao sistema de jogo, mas também ao estilo: em alguns momentos, é preciso se defender mais do que atacar, como na partida contra o Flamengo pela Copa do Brasil. A Libertadores tem este caráter decisivo em sua fase eliminatória, e isso é um ponto a melhorar nesta equipe.

Mas, se essa equipe foi campeã em seu primeiro ano junta, podemos esperar voos ainda mais altos daqui pra frente.

Três volantes e um armador? Não, é um meia e três atacantes.

Três volantes e um armador? Não, é um meia e três atacantes.

Cruzeiro 3 x 0 Grêmio – Bola no pé e taça na mão

As compensações de marcação feita por Renato Gaúcho até que compensaram os problemas clássicos do sistema com três zagueiros, que já havíamos visto no jogo do turno. Mas acabaram por ceder demais a posse de bola ao Cruzeiro, e este time, com a bola nos pés, é muito difícil de ser parado.

A vitória, apoteótica, foi digna de levantar o caneco. Os livros de história do futuro deveriam registrar esta partida como sendo a que selou a taça, ainda que a matemática brigue contra o óbvio.

Escalações

Werley encostava em Dagoberto para liberar Pará, mas do outro lado Bressan fazia a sobra com Rhodolfo na marcação em Borges: uma das compensações do 3-1-4-2 gaúcho contra o 4-2-3-1 celeste

Werley encostava em Dagoberto para liberar Pará, mas do outro lado Bressan fazia a sobra com Rhodolfo na marcação em Borges: uma das compensações do 3-1-4-2 gaúcho contra o 4-2-3-1 celeste

Marcelo Oliveira e seu imutável 4-2-3-1: Fábio, o melhor goleiro do Brasil, teve sua linha defensiva com Ceará e Egídio nas laterais e Léo acompanhando Dedé na zaga central. Nilton protegia a área e tinha Lucas Silva a seu lado, mais solto para receber o passe de retorno e inverter o lado da jogada quando os meias Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Dagoberto não conseguiam um lance mais incisivo para eles mesmos ou Borges, no comando do ataque, concluírem.

Renato Portaluppi, o Gaúcho, escalou o Grêmio na fórmula que levou seu time ao grupo dos 4 primeiros: três zagueiros e três volantes, com um mais plantado e liberando os alas — mas com uma particularidade nesta partida, como veremos mais adiante, fazendo um 3-1-4-2. A meta de Dida, velho conhecido, foi protegido por Werley à direita, Rhodolfo centralizado e Bressan à esquerda. Souza foi um volante puramente de marcação, enquanto Ramiro à direita e Riveros à esquerda eram os volantes-meias, em funções similares às dos vértices laterais de um meio-campo em losango. Pará e Alex Telles eram os alas, e Kléber e Barcos formaram o ataque.

A velha questão: problema deles

Em outras análises já foi falado o que normalmente acontece quando sistemas com três zagueiros enfrentam uma equipe que possui dois jogadores abertos. Ou você recua os alas para marcar os ponteiros (deixando espaço para os laterais adversários e ainda ficando com três contra um no centroavante, e portanto, com menos gente em outro setor do campo), ou você deixa no mano a mano, com um zagueiro pra cada ponteiro e mais um no centroavante.

E a segunda opção foi a que Renato escolheu no lado direito de sua defesa. Por ali, Dagoberto jogou bem aberto, e quem marcou o jogador na maioria das vezes era Werley. Tudo para deixar Pará livre e bater com Egídio na linha divisória. Do outro lado, entretanto, a situação era diferente, pois Éverton Ribeiro, prefere partir da direita para o centro. Com isso Alex Telles não tinha que marcá-lo diretamente, ficando livre para se preocupar apenas com Ceará. Assim, Rhodolfo e Bressan faziam o combate direto em Borges e garantiam a sobra.

Meio-campo central

Mas essa movimentação de Ribeiro em direção ao centro causava superioridade numérica celeste no meio-campo central, pois ele acabava sendo um elemento “intruso” no embate entre os triângulos de meio: Nilton, Lucas Silva e Ricardo Goulart, contra Souza, Ramiro e Riveros. Para resolver isto, um dos atacantes, ou até mesmo os dois, recuavam para marcar os volantes, deixando Dedé e Bruno Rodrigo com muito tempo na bola. Por causa disso, o Cruzeiro acabaria o jogo com sua maior porcentagem de posse de bola de todo o campeonato, enquanto o Grêmio teve seu terceiro pior índice.

Além disso, o fato de Alex Telles não ter a cobertura de um zagueiro como Pará tinha a de Werley fazia com que ele não avançasse tanto sua marcação. Com isso, Ceará teve mais campo que Egídio e foi a principal saída do time, com 38% dos ataques celestes pelo lado direito (WhoScored.com). Não por acaso, foi dele o cruzamento que originou o gol de abertura, a “bicicanela” de Borges que todo mundo viu, menos o seu autor que bateu a cabeça na grama ao cair.

O Cruzeiro (em azul) atacou mais pelo lado direito, já que Alex Telles não podia se posicionar muito alto, dando liberdade para Ceará. Também por isso, foi com Pará pela direita que o Grêmio (em laranja) saiu mais

O Cruzeiro (em azul) atacou mais pelo lado direito, já que Alex Telles não podia se posicionar muito alto, dando liberdade para Ceará. Também por isso, foi com Pará pela direita que o Grêmio (em laranja) saiu mais

Defesa

Por outro lado, no pouco tempo em que recuperava a bola, o Grêmio buscava jogar na transição ofensiva rápida — mais conhecida como contra-ataque, principalmente com Pará pela direita. Ramiro e Riveros, os volantes-meias do meio-campo, só se preocupavam com a marcação e por isso a saída era direto com Kleber, mais recuado e móvel que Barcos. O atacante segurava a bola para chamar faltas ou então distribuía rápido para o lado do campo, como no lance em que Fábio chegou primeiro que Pará na bola lançada por ele.

A outra possibilidade era a bola parada, e o Grêmio quase chegou nesse quesito, mas após os dois rebotes do escanteio cobrando pela direita, Fábio no mínimo deve ter colocado um ponto de interrogação na cabeça de Felipão. Menos que isso é difícil de acreditar.

Segundo tempo

Nenhum treinador mexeu no intervalo e o jogo seguiu da mesma forma, mas o Cruzeiro cedia mais a posse de bola que no primeiro tempo. Com isso o Grêmio pode respirar um pouco em relação à marcação, e começou a chegar mais perto do que devia da área celeste. A intensidade na frente já não era a mesma, equilibrando de certa forma a partida. Como 1×0 é um placar perigoso, Marcelo resolveu agir após um chute de Kleber que Fábio mais uma vez salvou brilhantemente.

Primeiro lançou Júlio Baptista na vaga de Borges, na já costumeira troca que avança Ricardo Goulart para o comando do ataque com Júlio de central. Com a troca, o Cruzeiro reteve mais a bola, mas perdia poder de marcação no meio. A retaguarda ficou um pouco mais exposta e Léo estava perdendo os duelos diretos com Barcos, que parou na trave e em mais uma defesa de cinema de Fábio.

Willian, ponteiro atacante

No fim, Renato ainda tentou dar criatividade com Maxi, mudando para um 3-4-1-2, mas a mobilidade e profundidade de Willian pela direita já haviam resolvido o jogo

No fim, Renato ainda tentou dar criatividade com Maxi, mudando para um 3-4-1-2, mas a mobilidade e profundidade de Willian pela direita já haviam resolvido o jogo

Ao invés de se proteger, Marcelo escolheu atacar, e aí sim colocou outros jogadores para renovar a movimentação ofensiva: Luan e Willian nas vagas de Dagoberto e Éverton Ribeiro. Luan foi para a esquerda e Willian ficou mais pela direita, mas também tem característica de entrar pelo meio. E a entrada do bigodudo provaria ser essencial.

Praticamente em seu primeiro lance, Willian aumentou a contagem após cobrança de lateral de Ceará — uma arma que o Cruzeiro já usou antes neste campeonato. Mineirão em festa total, mas a fatura ainda não estava liquidada. Renato tentou diminuir dando criatividade ao seu meio com Maxi Rodriguez na vaga de Riveros e mais presença de área com Kléber por Mamute. O Grêmio avançou o quanto podia, o que não era tanto, e com isso o Cruzeiro acabou ganhando espaço para tocar a bola no campo de ataque.

E a característica de Willian de dar profundidade pelo lado acabou fazendo Alex Telles recuar ainda mais para a defesa, o que no fim acabou originando a falta do terceiro gol. O próprio Willian cobrou a falta que sofreu e viu Goulart completar de primeira totalmente sem marcação e selar a vitória.

Entreguem a taça

A frase acima foi a que Dagoberto disse após o jogo. Em um país do politicamente correto, esta frase proferida por um jogador que ainda não é matematicamente campeão certamente causaria revolta nos adversários e nos não-cruzeirenses. Todavia, não foi isso o que se viu, e muita gente até aplaudiu a volta olímpica dos jogadores.

Nada mais simbólico para o campeonato que esta festa tenha acontecido no jogo contra o Grêmio, notadamente uma equipe que busca um futebol de forte marcação. No confronto de estilos, o futebol que procura o ataque a todo instante saiu vencedor. Não por acaso, após muitos anos o time de melhor ataque é o campeão. Méritos de Marcelo Oliveira.

A falta de oposição à frase, portanto, é mais que isso. É um sinal claro do respeito e esse estilo de futebol, praticado pelo Campeão Brasileiro de 2013, o Cruzeiro Esporte Clube.

Santos 0 x 1 Cruzeiro – O último passe

Com uma atuação bem segura na defesa e jogando o suficiente no ataque, o Cruzeiro conseguiu uma vitória fora de casa que, até certo ponto, não era parte dos planos. Tanto melhor, já que nos traz a possibilidade de campeonar já na próxima rodada — que é ao que se refere o título acima.

Em que pese o gol ter saído numa jogada de pura habilidade de Éverton Ribeiro — e portanto, sem nenhum aspecto tático — Marcelo Oliveira fez uma boa leitura no segundo tempo e reduziu ainda mais chances do Santos de achar o empate, que àquela altura já eram bem pequenas.

As formações

No primeiro tempo, Cícero procurava o centro e deixava o corredor livre para Ceará, e Montillo caía pelos lados com Nilton na cola; na frente, a movimentação dos meias celestes desorganizou a retaguarda santista

No primeiro tempo, Cícero procurava o centro e deixava o corredor livre para Ceará, e Montillo caía pelos lados com Nilton na cola; na frente, a movimentação dos meias celestes desorganizou a retaguarda santista

Marcelo Oliveira não teve problemas para o jogo, as preferiu manter Dagoberto como ponteiro esquerdo do 4-2-3-1, na vaga de um desgastado Willian. Dessa forma, o time do goleiro-capitão Fábio teve Ceará e Egídio nas laterais da linha defensiva e Dedé e Léo atuando por dentro. Na proteção, Nilton se segurava mais para dar liberdade a Lucas Silva, que se aproximava do ponteiro direito Éverton Ribeiro e do central Goulart, além de Dagoberto. Na frente, Borges fazia a referência.

Claudinei Oliveira armou o Santos no mesmo 4-2-3-1, com Aranha no gol, Edu Dracena e Gustavo Henrique como zagueiros, flanqueados por Cicinho à direita e pelo chileno Mena à esquerda. Alison ficou mais plantado para que Arouca, seu companheiro de volância, pudesse tentar se juntar ao ataque. Cícero fechava o lado esquerdo sem a bola mas entrava para armar o jogo junto ao central Montillo, com Éverton Costa à direita e William José de centroavante.

Saída pelos laterais

De maneira até surpreendente, o Santos deixou a bola com os zagueiros celestes e não fez pressão para forçar o chutão. Dedé e Léo se sentiram seguros para trocar alguns passes e tentar achar a primeira bola com mais facilidade. E o caminho era pelos lados.

Normalmente, Ceará é o lateral que fica mais, para dar liberdade a Egídio pelo outro lado e, junto aos zagueiros, garantir uma eventual sobra de três contra dois atacantes do time adversário. Porém, Cícero não dava profundidade pelo lado esquerdo, fechando no centro para tentar pensar o jogo quando o Santos tinha a bola. Ceará só dava combate direto quando Mena fazia suas raras incursões no campo de ataque. Dessa forma, o camisa 2 teve liberdade para receber a bola e avançar até onde Mena se posicionava para marcá-lo, e dali conectar a um dos meias ou fazer a ultrapassagem.

Do outro lado, Egídio tinha a presença de Éverton Costa, bem aberto, para lhe causar incômodo em seus avanços. Jogando em casa, era de se esperar que o Santos tivesse um ímpeto maior de atacar, mas Costa parece ter se preocupado mais em segurar as investidas de Egídio do que em propriamente atacá-lo — e isso acabou sendo bom, pois Dagoberto é um jogador que não faz tanto o auxílio na recomposição como Willian, e Egídio em teoria ficaria mais exposto. De qualquer forma, algumas vezes o time preferiu sair por ali ao invés de ser com Ceará, já que Costa também não fazia uma pressão tão grande, apenas ficava posicionado no setor.

Cruzeiro ataca

Mais à frente, Alison e Arouca pareciam perdidos na marcação de Goulart e Ribeiro, muito por causa das inversões entre os dois e também com Dagoberto. Isso é ilustrado nas duas boas chances de gol da primeira etapa: na primeira, Dagoberto está no centro, passa a Ribeiro e corre para a direita para receber de volta. Com isso, Ribeiro ocupa o espaço deixado pelo companheiro e recebe em boas condições de finalizar — a bola resvalou na cabeça de Gustavo Henrique e foi para fora. Depois, Ribeiro é quem está do lado esquerdo, puxando a marcação para Ricardo Goulart receber, tabela com Borges e sair na cara de Aranha, mas errar a finalização. Jogadas típicas deste Cruzeiro de 2013, pelo chão, toques rápidos e envolventes, com movimentação.

Santos com a bola

Já o Santos praticamente só se defendia. Quando tinha a bola, não conseguia criar: Montillo saía do centro para os dois lados para abrir espaço para Cícero que saía da esquerda, mas era implacavelmente marcado por Nilton e pouco viu a bola. Apenas aos 33 minutos o time da casa apareceu no campo de ataque, na única vez em que Montillo teve um pouco mais de liberdade. O argentino tocou para Arouca, aparecendo na ponta direita, que cruzou rasteiro na direção de William José, mas a zaga bem posicionada afastou e ficou com a bola.

Pela direita, com Éverton Costa apagado, coube a Cicinho tentar fazer as ultrapassagens, se aproveitando do pouco poder de marcação de Dagoberto. Mas o lateral não foi feliz e nada conseguiu na primeira etapa, bem como seu companheiro do outro lado, Mena.

De certa forma, acabou sendo um primeiro tempo tranquilo em termos defensivos, mais porque o meio-campo celeste marcou bem do que pela falta de criatividade dos meias santistas. Mesmo assim o zero a zero insistiu no placar.

Montillo, “falso” centroavante

Claudinei mudou no intervalo, lançando Victor Andrade pela esquerda, empurrando Cícero de fez para o centro e avançando Montillo para ser centroavante — obviamente, não no sentido de ser o homem-alvo da bola longa ou do cruzamento, mas pelo fato de ser o jogador mais avançado do time. Talvez a intenção fosse dar velocidade e desarrumar a defesa celeste, pois o argentino insiste em trabalhar pelos lados do campo e, com isso, arrastaria um zagueiro com ele, abrindo espaço para quem chegasse de trás.

O mapa de calor da Footstats mostra como Montillo praticamente abandona o centro para jogar pelos lados

O mapa de calor da Footstats mostra como Montillo praticamente abandona o centro para jogar pelos lados

Mas o jogo seguiu na mesma toada do primeiro tempo. Se Montillo já não via a bola quando estava no meio-campo, que dirá quando ficasse na frente. Nilton passou a marcar Cícero, Éverton Costa continuou apagado e o recém-lançado Victor Andrade tinha ninguém menos que o melhor defensor celeste pela frente: Ceará. Resultado: a bola continuava a não chegar ao ataque do Santos e continuava nos pés dos jogadores celestes.

Golaço, avanço e espaço

No fim, Claudinei soltou o time mas deixou espaços às costas dos volantes, muito bem explorados pelos substitutos que Marcelo mandou ao jogo

No fim, Claudinei soltou o time mas deixou espaços às costas dos volantes, muito bem explorados pelos substitutos que Marcelo mandou ao jogo

O gol que deu a vitória, porém, não tem nenhuma nota tática. Puro talento de Éverton Ribeiro, que deixou três ou quatro adversários para trás e concluiu sem chances para Aranha. Uma jogada típica de um ponteiro de pé invertido (canhoto na direita), o que, diga-se, não é a característica de Ribeiro (Robben é um exemplo melhor).

Atrás no placar, Claudinei finalmente tirou Éverton Costa do campo e mandou o jovem Geuvânio em seu lugar, na mesma função. Deu certo em certa medida, pois ele deu bem mais trabalho para Egídio do que seu antecessor, obrigando o lateral a ficar mais em seu campo. O Santos avançou suas linhas e tentou ocupar mais o campo de ataque, mas a bola continuava sem chegar com qualidade à frente.

Já Marcelo Oliveira esperou quase quinze minutos após o gol para fazer sua primeira mexida. Tirou Borges do jogo e mandou Júlio Baptista sem seu lugar, avançando Goulart para o comando do ataque, tentando explorar este espaço nas costas dos volantes santistas que se abriu com avanço do time da casa. E praticamente no seu primeiro lance, Júlio criou uma excelente chance, recebendo passe de Dagoberto no fundo e cruzando para trás, achando Éverton Ribeiro livre. Dessa vez, a bola raspou a trave e saiu. Depois tirou Dagoberto por Élber, na mesma função, novamente para jogar a bola longa e pegar o time adversário desprevenido e no um contra um.

Ação e reação

Fábio só apareceu mesmo em chute de Geuvânio, escapando da marcação frouxa dos volantes no meio central. Claudinei se animou e soltou o time de vez com a entrada de Alan Santos, volante mais leve, na vaga de Alison. Essa alteração, porém, foi anulada por Marcelo Oliveira com Éverton Ribeiro por Tinga, que saía da direita para auxiliar a marcação por dentro.

Depois de todas as mexidas, ficou claro que o treinador celeste levou vantagem no jogo tático, pois foi o Cruzeiro quem perdeu a melhor chance, em bola longa para Goulart nas costas da defesa avançada do Santos. Ele cruzou para Élber que fechava da esquerda em velocidade, mas o jovem conseguiu perder um gol praticamente debaixo das traves, que felizmente não fez falta.

Foi o suficiente: falta bem pouco

Defensivamente, a partida foi bem segura. Nilton e Lucas Silva minimizaram o trabalho de Léo e Dedé, além de tirarem a sobrecarga de Egídio e Ceará. A postura do adversário, mesmo em casa, também ajudou. Ofensivamente, porém, um pouco mais de intensidade poderia ter resolvido o jogo por um placar maior. Ao perder a bola, não houve aquela pressão no campo ofensivo para recuperá-la — mesmo porque era o Cruzeiro quem tinha a bola a maior parte do tempo. Podemos dizer que o Cruzeiro jogou “para o gasto” — não por acaso, o gol saiu numa jogada puramente técnica.

Mas o que importa é que a vitória veio, e com ela a possibilidade de levantar o caneco já na próxima rodada. A essa altura, a parte tática já está bem assimilada e o aspecto mais difícil de controlar é o psicológico: a ansiedade de jogar logo e resolver o certame, levantar a taça e comemorar. Imagine o que se passa na cabeça do capitão celeste, Fábio.

O último passe foi bem dado e agora estamos na cara do gol — é só fazer e correr para o abraço.