Caldense 0 x 5 Cruzeiro – O laboratório ideal

Com a tarefa facilitada pela boba expulsão do atacante Max ainda no primeiro tempo, o Cruzeiro não precisou fazer força para golear a Caldense hoje em Poços de Caldas. Uma clara demonstração de que o time pode se adaptar a diferentes formações dependendo das situações de jogo encontradas.

No primeiro tempo, Cruzeiro no 4-3-3 com Anselmo Ramon na referência e atacantes abertos recompondo para formar um meio-campo com 5 homens

O Cruzeiro veio a campo com o mesmo 4-3-3 que começou as últimas duas partidas, porém com Anselmo Ramon na referência e Marcelo Oliveira na parceria com Leandro Guerreiro. A Caldense veio num tradicional 4-3-1-2, tendo Fábio Neves na articulação atrás dos atacantes Max e Luisinho.

A Caldense começou com tudo, pressionando o Cruzeiro no alto do campo, que teve que ceder a posse em alguns momentos. Porém, o Cruzeiro devolveu na mesma moeda, e em pouco tempo a bola passou a ficar mais tempo em pés azuis do que verdes. A defesa jogava avançada, para tentar empurrar o adversário em seu próprio campo, e com isso a Caldense chegou a ter algumas oportunidades de contra-ataque com o rápido Luisinho, mas sem sucesso.

Ofensivamente, o Cruzeiro tinha mais posse, mas não conseguia passar pela bem montada defesa da Caldense. O primeiro volante Mário era o responsável por marcar Montillo, mas quando o argentino saía da zona central, ele não ia atrás, a marcação mudava de jogador e a estrutura defensiva com 9 homens atrás da bola se mantinha. Assim, o time azul optou por jogadas mais agudas, de menos probabilidade de sucesso, mesmo tendo maior posse de bola. Quando perdia a posse, deixava de pressionar, numa tentativa de atrair um pouco mais a defesa da Caldense para si e jogar em velocidade.

Não foi bem assim que saiu o primeiro gol, mas a falta cobrada rapidamente por Montillo, deixando WP cara a cara com Glaysson e originando o pênalti – convertido pelo próprio atacante – ilustram a proposta de jogo dos visitantes. Atrás no placar, a Caldense tentou sair um pouco mais, avançando seus volantes e laterais, mas isso deixou espaços cruciais atrás destes últimos. E os atacantes abertos trataram de explorar este espaço: logo no minuto seguinte ao gol, Wallyson recebeu, livre, uma inversão em diagonal, numa jogada muito parecida com o segundo gol de Montillo contra o Villa Nova, e cruzou rasteiro, mas nenhum atacante aproveitou. Cinco minutos depois, foi a vez de WP emendar um cruzamento de primeira, mas para fora, também naquele setor.

A expulsão do atacante Max ainda no primeiro tempo só facilitou um jogo que já estava totalmente controlado. A Caldense não mudou o esquema, mantendo somente Luisinho à frente. Se o camisa 11 voltasse para recompor o meio, os volantes azuis tinham todo o tempo do mundo para conectar-se às variadas opções not ataque. Mas se Luisinho ficava à frente, o Cruzeiro tinha um homem a mais no meio, e assim o jogo passou a ser ataque contra defesa. Os visitantes ganhavam todas as segundas bolas, e os zagueiros Victorino e Thiago Carvalho quase não tinham trabalho.

O segundo gol veio após um escanteio cabeceado por Anselmo Ramon e defendido à queima-roupa por Glaysson. A sobra, como esperado, ficou com o lateral Marcos, que achou Montillo no meio e correu para a área, no “contra-fluxo” da defesa adversária. Marcos recebeu a devolução do argentino na medida para dar um tapa de primeira e achar três cruzeirenses livres. A defesa da Caldense acusava impedimento enquanto Victorino comemorava seu primeiro gol com a (nova e lindíssima) camisa cruzeirense.

O primeiro tempo terminou na mesma toada, com WP recebendo passe dentro da área de uma posição aberta, mas desta vez nenhum companheiro estava dentro da área.

O técnico Ademir Fonseca ainda tentou arriscar no intervalo, tirando seu principal articulador, Fábio Neves, e lançando um novo parceiro de ataque para Luisinho, Félix, mudando para um ousado 4-3-2. Mas os planos do treinador da Caldense foram por água abaixo quando Leandrão errou um passe em seu próprio campo e WP aproveitou, avançando com seus dois companheiros de ataque contra dois zagueiros apenas. A conclusão plástica de Anselmo Ramon para o cruzamento de WP resolveu o jogo, e o Cruzeiro passou a administrar. Fonseca fez mais duas alterações, mas trocando seis por meia dúzia em termos táticos, ao invés de fechar seu time e tentar evitar mais gols.

Sem necessidade de correr atrás, o Cruzeiro deixava a Caldense com a bola, sabendo que tinha todos os espaços controlados, esperando o erro do adversário. E num desses erros, o quarteto ofensivo funcionou mais uma vez. WP, aberto pela esquerda, avançou com a bola, vendo Montillo disparar para receber pelo flanco da área. Lançado, o camisa 10 passou com a facilidade que lhe é característica pelo seu marcador e cruzou na cabeça de Wallyson, livre na pequena área.

O 4-2-4 ultra-ofensivo no fim do jogo, com intenso revezamento dos homens de frente e zagueiros adiantados

O quarto gol fez Mancini abrir seu laboratório. Primeiro, tirou Leandro Guerreiro, de característica mais defensiva, para lançar Amaral, um volante que sai mais para o jogo. Marcelo Oliveira passou a ficar mais tempo recuado, e o 4-3-3 se manteve, mas mais ofensivo, algo como um 4-1-2-3. Depois, Diego Renan deu lugar ao garoto Élber, que entrou na articulação central. Marcelo Oliveira foi para a lateral esquerda e Montillo virou atacante, transformando o Cruzeiro numa espécie de 4-2-4 ultra ofensivo. O sexteto ofensivo promoveu uma intensa movimentação, se revezando nas quatro posições frontais constantemente. Além disso, Everton ainda entrou no lugar de Marcelo Oliveira na esquerda, para dar ainda mais ofensividade ao time azul.

Nesse momento, talvez a melhor descrição para a formação seja provavelmente um 2-4-4, pois o domínio era tal que não havia necessidade de os laterais recomporem a última linha de defesa. Nos últimos lances da partida, era comum ver Victorino e Thiago Carvalho além da linha do meio-campo, sem a companhia de Marcos e Everton, que avançavam para combinar aos atacantes abertos. Anselmo Ramon nem teve que saltar para cabecear o quinto gol em centro de Amaral, tal era a fragilidade do sistema defensivo do time de Poços.

Ao fim do jogo, Vágner Mancini disse na entrevista coletiva que o Cruzeiro ainda não jogou contra um adversário à altura. De fato, o resultado não pode empolgar. Contra times mais experientes, nas fases finais da Copa do Brasil e no Brasileiro, o Cruzeiro não terá tanta facilidade. Mas também disse que “o trabalho é feito para finais de campeonato”. Portanto, os jogos contra times menores – leia-se, primeira fase do Campeonato Mineiro e fases iniciais da Copa do Brasil – são o campo de experiências ideal para se chegar às grandes competições com o time formado. E um time formado é aquele que consegue jogar em diferentes esquemas táticos e diferentes situações de jogo.

Vágner Mancini vai, aos poucos, controlando as variáveis e obtendo resultados. Experimentando variações com calma, sem pressa, como um cientista. Quem sabe, no futuro, tenhamos uma máquina engenhosa. De fazer gols.

Democrata/MG 0 x 2 Cruzeiro – Cuidado com os buracos

Com dois de Montillo (que poderiam muito bem ser creditados a Anselmo Ramon), o Cruzeiro venceu a terceira seguida, mas por sorte não caiu num enorme buraco criado pelo seu próprio treinador.

Formação inicial: 4-3-1-2 losango com muito espaço entre o trio de volantes e o trio ofensivo

Com Rudnei no lugar de Roger, poupado, o Cruzeiro continuou no seu costumeiro 4-3-1-2 losango, mas sem a criatividade de Roger na saída de bola e com mais poder de marcação proporcionado por Rudnei. José Maria Pena escalou o time da casa num 4-2-2-2, mas com o meio-campo todo formado por volantes, e com Adriano um pouco mais recuado que Léo Andrade na frente.

Com três volantes “de raiz”, o Cruzeiro novamente teve problemas de criatividade no primeiro tempo. Leandro Guerreiro, Marcelo Oliveira e Rudnei não são jogadores criativos, e Montillo joga sempre muito avançado, mais próximo do gol. Além disso, o Democrata se alinhava em duas linhas de quatro quando perdia a posse, com os dois “meias” ofensivos recompondo pelos flancos. Com isso, os laterais do Cruzeiro não avançavam muito, sob o risco de deixar um buraco nos flancos defensivos e tomar bolas nas costas em contra-ataque. O Cruzeiro só conseguia sair com a bola pelos lados, quando Montillo ou Wellington Paulista caíam pelo setor e se apresentavam para o primeiro passe, mas a essa altura já estavam muito longe do gol.

Defensivamente, o Cruzeiro se portou bem, pressionando a bola assim que perdia a posse, diminuindo ainda mais a qualidade do passe dos meio-campistas do Democrata, que eram volantes por natureza. A rigor, a única chance criada pelos valadarenses foi num erro de arbitragem, quando a defesa do Cruzeiro fez a linha de impedimento e o auxiliar nada marcou, fazendo com que Fábio tivesse que mostrar porque é um dos ídolos da torcida. De resto, alguns lampejos de Léo Andrade, que tentou se movimentar mais, na tentativa de puxar a marcação de um defensor para fora de sua zona, gerando um efeito cascata. Note como, aos 01:14 deste vídeo, como o zagueiro Leo está fora da área, à caça do atacante democratense, abrindo um buraco na defesa celeste. Diego Renan teve que sair pra fazer a cobertura, deixando dois jogadores sozinhos do lado direito do ataque. A sorte foi que Flávio Lopes, vendo-se sozinho, tentou chutar ao invés de passar para seus companheiros.

Tudo isso, aliado à péssima qualidade do gramado e ao forte calor que fazia em Valadares, contribuíram para um primeiro tempo, ironicamente, morno, de baixa qualidade técnica. O Cruzeiro teve mais posse de bola, mesmo tendo menos homens no meio-campo do que o time mandante (3 contra 4, já que Montillo era praticamente um atacante). Rudnei, mas enérgico que Roger, não conseguiu suprir a ausência deste criativamente, e mais uma vez a ligação entre o trio ofensivo e o trio de volantes foi fraca, com um buraco entre as linhas.

A saída de Rudnei abriu um buraco na meia direita celeste, recomposto mais tarde por Roger

No intervalo, Mancini substituiu Rudnei pelo atacante Walter. Com mais homens à frente, o treinador tentou fazer o time da casa se preocupar mais em defender e dar mais espaço no meio-campo para os volantes jogarem. Efetivamente, o que aconteceu foi que WP recuou ainda mais para se tornar um meia-armador de fato, Montillo continuou na sua posição normal e um buraco se abriu no meio-campo defensivo, onde antes estava Rudnei, já que os volantes não se reposicionaram no novo 4-2-2-2 “torto”. A assistência primorosa de calcanhar de Anselmo Ramon para Montillo marcar seu primeiro gol na temporada e se tornar o maior artilheiro estrangeiro do Cruzeiro (com o perdão das rimas) escondeu um pouco o alto risco da substituição escolhida pelo treinador cruzeirense.

Em desvantagem no placar, o Democrata tratou de tentar atacar o Cruzeiro, e aproveitaram o tal buraco. Se os visitantes tinham um homem a menos no meio-campo no primeiro tempo, com dois a menos ficou impossível ganhar a batalha pela posse. Com a tentativa de pressão, os dois volantes cruzeirenses recuaram ainda demais, e os mandantes ganhavam praticamente todas as bolas rebatidas pela zaga azul. No entanto, o Democrata não conseguiu criar muitas chances, seja pela baixa qualidade criativa de seus volantes, seja pelo ótimo desempenho dos defensores cruzeirenses, particularmante Victorino e Diego Renan. A pressão só foi terminar quando Mancini corrigiu seu próprio “erro” e colocou Roger no lugar de Wellington Paulista, voltando o time ao 4-3-1-2 losango. Roger, novamente, entrou na função de box-to-box, indo de uma área à outra, para fazer o time ter saída de bola e se apresentar a todo momento para receber o passe. Quando recebia, cadenciava o jogo e fazia a bola rodar, invertendo o jogo quando necessário.

Com a pressão “aliviada”, o Cruzeiro conseguiu sair um pouco mais, e gradativamente foi empurrando o time da casa para trás. Para tentar evitar a derrota em sua estréia pelo time, José Maria Pena arriscou e tentou colocar Anderson, um meia de fato, no lugar do volante Elton, para melhorar a ligação ao lado de Bob. O risco era estreitar o meio-campo, agora um quadrado de fato, e “chamar” os laterais cruzeirenses para o apoio. E o castigo veio no minuto seguinte: Diego Renan conseguiu avançar e combinou com Anselmo Ramon, que, novamente fazendo bem uma das funções do homem de referência, que é o pivô, devolveu de calcanhar para o lateral chutar forte em cima do goleiro reserva Jonathan. Montillo, desmarcado, aproveitou o rebote e cavalgou mais uma vez pelo Mamudão, definindo o jogo.

Com a expulsão de Bob, o Democrata se reorganizou num ousado 4-3-2 (ou 4-2-1-2), mas com Adriano voltando para ajudar na marcação, efetivamente um 4-4-1. O time ainda tentou se arriscar, mas o Cruzeiro tinha uma defesa recomposta com a entrada de Roger e parecia satisfeito com o resultado, se postando atrás e dificultando muito a vida dos mandantes. Wallyson ainda entrou no lugar de Anselmo Ramon, fazendo o ataque WWW (Walter Montillo, Walter e Wallyson, que é a aposta de muita gente para o decorrer do ano), mas o time manteve o desenho tático.

Fim de jogo, terceira vitória seguida e mais tranquilidade para Mancini continuar tentando dar uma cara para o Cruzeiro este ano. Destaques para as atuações de Anselmo Ramon (que vem demonstrando ser muito mais um camisa 9 do que WP) e Diego Renan, que, apesar de não ter sido brilhante ofensivamente, teve participação fundamental quando o Cruzeiro não tinha a posse de bola. No entanto, é bom não ficar muito animado, pois foram vitórias contra times mais fracos. Os verdadeiros testes serão contra América e Atlético, mais para o fim da primeira fase.

Será uma caminhada longa, e a estrada já é esburacada o suficiente.