Cruzeiro 1 x 1 Mamoré – A grande roda

Parece contraditório dizer isso quando cobramos aqui nesta coluna que De Arrascaeta saísse do centro para os lados, saindo da zona de maior pressão à frente da área adversária. Mas o Cruzeiro levou isso ao outro extremo na noite de quarta contra o Mamoré, a ponto de abandonar quase totalmente o centro da intermediária ofensiva.

Com os avanços de Mayke e Gilson pelos lados, a entrada de Joel na área e os volantes recuados, o Cruzeiro formou na prática uma grande roda em que ninguém podia entrar nela — ironicamente, num jogo em que o adversário dava espaços exatamente no centro. Um problema que só foi resolvido no segundo tempo com a entrada do jovem Marcos Vinícius.

Escalações

Volantes do 5-3-2 do Mamoré auxiliavam a marcação pelos lados abrindo um buraco no centro, que não era explorado pelo 4-2-3-1 do Cruzeiro: Joel entrava na área, volantes não subiam e ponteiros permaneciam abertos junto aos laterais, formando uma grande roda

Volantes do 5-3-2 do Mamoré auxiliavam a marcação pelos lados abrindo um buraco no centro, que não era explorado pelo 4-2-3-1 do Cruzeiro: Joel entrava na área, volantes não subiam e ponteiros permaneciam abertos junto aos laterais, formando uma grande roda

Sem os selecionáveis e o poupado Marquinhos, Marcelo Oliveira fez quatro mudanças no time considerado titular. Na lateral esquerda, Gilson foi o escolhido, compondo a linha com os titulares Mayke pela direita e Léo e Paulo André no miolo. Henrique e Willian Farias fizeram a parceria na volância, atrás de um trio de meias totalmente novo: Judivan pela direita, Joel no centro e Riascos mais pela esquerda. Na frente, Damião.

Já Pael, treinador do Mamoré, poupou alguns jogadores visando as últimas duas rodadas, um indício forte de que, para o time patense, o que viesse era lucro. Devido às compensações de marcação, a equipe se desenhou num 5-3-2, com o goleiro Gilberto tinha Bruno Limão à direita, Thales, Pablo e Juliano à sua frente e Ernani à esquerda. Na frente da área, Erick e Maxsuel davam suporte a Luizinho, o meia de ligação. Na frente, Charles caía pela esquerda e Jonatan Reis ficava mais à frente.

O centro, um lugar proibido

Em teoria, o Mamoré era um 4-3-1-2 com meio em losango, mas o volante Pablo afundava entre os zagueiros, empurrado pelo central celeste Joel, que preferia entrar na área a se movimentar. Maxsuel auxiliava Ernani na marcação a Judivan e Mayke, enquanto Erick preferia subir o combate a Gilson já a partir do meio-campo.

Flagrante da organização defensiva do Mamoré. Aqui com Jonatan Reis e Luizinho invertidos por causa de um duelo aéreo do camisa 9 patense com Léo. Note o zagueiro celeste orientando W.Farias a passar a Gilson do outro lado

Flagrante da organização defensiva do Mamoré. Aqui com Jonatan Reis e Luizinho invertidos por causa de um duelo aéreo do camisa 9 patense com Léo. Note o zagueiro celeste orientando W.Farias a passar a Gilson do outro lado

Com isso, abria-se um espaço enorme na intermediária central, que não era explorado por ninguém. Judivan e Riascos ficavam abertos e só faziam a diagonal para entrar na área quando a jogada era pelo lado oposto; Henrique e Willian Farias raramente chegavam perto da grande área para participar da construção ofensiva. Só me lembro de um momento em que Henrique subiu, e a bola passou pelos pés dele para o cruzamento de Judivan que encontrou a cabeça de Joel. Gilberto pegou.

Aqui, uma das raras jogadas em que um jogador ocupou o enorme espaço na frente da área patense: Henrique recebeu de Damião e deu seguimento ao ataque, passando a Judivan na direita que cruzou para Joel cabecear em cima do goleiro Gilberto

Aqui, uma das raras jogadas em que um jogador ocupou o enorme espaço na frente da área patense: Henrique recebeu de Damião e deu seguimento ao ataque, passando a Judivan na direita que cruzou para Joel cabecear em cima do goleiro Gilberto

Muitos cruzamentos, de novo

Assim, as jogadas celestes se resumiam aos lados, com inúmeros centros, principalmente pela direita, com Judivan levando vantagem sobre Ernani em vários lances. Alguns até foram certos, mas a finalização não foi boa: Riascos mandou na trave e Joel cabeceou errado duas vezes.

No meio do 1º tempo, Pael pediu ao atacante Charles para acompanhar Mayke e fechar o lado esquerdo, direito do ataque celeste. E a partir daí, o Cruzeiro só chegou uma vez mais, numa bola roubada por Damião no campo de ataque e passada para Riascos, que chutou estranho em cima do goleiro.

Aquele ditado

O Cruzeiro voltou com Manoel na vaga de Paulo André por questão física, e com Neílton no lugar de Riascos. Marcelo Oliveira tinha a esperança de abrir a defesa do Mamoré com os dribles do garoto, mas infelizmente o problema não era isso — o Mamoré nem estava fazendo uma marcação tão boa, só tinham os lados bem bloqueados e um latifúndio à frente da área.

Como esperado, a alteração não surtiu efeito, e o jogo continuou na mesma balada. Aí entrou em campo o famoso ditado: “quem não faz leva” (que não seria um ditado do futebol se não acontecesse muitas vezes). Num escanteio bobo, Damião errou a marcação individual que é feita pelo Cruzeiro em bolas paradas e o zagueiro Juliano testou para as redes azuis.

Finalmente, alguém no centro

Este gol foi aos 9 minutos. Aos 18, Marcelo finalmente teve coragem e tirou Willian Farias e colocou Marcos Vinícius. Ainda era um 4-2-3-1 sem bola, com o jovem meia se alinhando a Henrique, mas isso não aconteceu mais (o gol foi a última finalização do Mamoré no jogo).

Marcos Vinícius entrou como volante, mas como só o Cruzeiro atacava, quase não fez a função, e derivava para o espaço central sem nenhuma marcação

Marcos Vinícius entrou como volante, mas como só o Cruzeiro atacava, quase não fez a função, e derivava para o espaço central sem nenhuma marcação

Marcos Vinícius fez o que era esperado de um jogador naquele ponto do campo: perambulou nas quatro direções, aparecendo para receber o primeiro passe atrás, dos lados para ser o apoio e se aproximando da área para tabelar ou finalizar. Mas parecia que seus companheiros não tinham confiança nele, e preferiam o passe longo. Houve um momento em que Marcos Vinícius chegou a ficar a um metro de Léo para receber o passe e iniciar o ataque, mas o zagueiro preferiu inverter pro lado direito para Mayke.

Não por coincidência, as melhores jogadas do Cruzeiro saíram quando o passe finalmente ia para os pés do jovem meia. Na primeira, ele avança até o setor onde não há ninguém para ajudar Judivan e Mayke pelo lado direito contra três marcadores (veja abaixo). Quando recebe a bola, desorganiza a defesa que sobe para pressionar, consegue entrar na área e cruzar rasteiro. Neílton marcou mas estava impedido.

E no lance do empate, foi também ele quem iniciou a jogada. Judivan, que àquela altura estava pela esquerda invertido com Neílton, passou para Marcos Vinícius que novamente estava sozinho no buraco que era a intermediária ofensiva do Mamoré. Passou por dois marcadores, e na hora de finalizar, os defensores que marcavam Damião saíram para tentar impedi-lo. Com isso, Damião ficou livre para pegar a sobra e empatar.

No fim o Cruzeiro ainda ensaiou uma pressão, mas não conseguiu virar.

Flagrantes do oceano de espaço que Marcos Vinícius tinha à disposição: em cima, o início da jogada do gol anulado de Neílton, e embaixo, a do gol de empate de Damião

Flagrantes do oceano de espaço que Marcos Vinícius tinha à disposição: em cima, o início da jogada do gol anulado de Neílton, e embaixo, a do gol de empate de Damião

É hora de rever conceitos

É inegável que a entrada de Marcos Vinícius no time (ainda que não tenha sido muito procurado pelos companheiros) melhorou a organização ofensiva, que foi praticamente a única coisa que aconteceu o jogo inteiro — houve poucos momentos de transição e organização defensiva do Cruzeiro. Isso porque a equipe fez uma execução ruim do 4-2-3-1 costumeiro.

Sim, o problema foi a execução e não o esquema em si. Ano passado, o modelo funcionava com Goulart e Ribeiro fazendo movimentos complementares: o primeiro entrava na área ou caía pelo lado, e o segundo ocupava o espaço no centro. Havia intensidade, troca de passes curtos, com os jogadores bem próximos uns dos outros. Neste ano, os atletas ficam presos ao seu setor, sem mobilidade ou troca de posições para criar os espaços. E mesmo quando o adversário já cede estes espaços naturalmente, eles não são aproveitados (ou não são notados).

A solução não é, necessariamente, “mais um meia”. Obviamente, um meia passador típico preencheria melhor este espaço, mas ele precisa ter mobilidade e intensidade. No futebol atual, não existe essa coisa de pensar o jogo, parando a bola e encaixando passes. É um falso dilema entre “pensar ou correr”: é preciso pensar correndo. Então até mesmo um jogador que não fosse um meia, mas se movimentasse bem e preenchesse os espaços, melhoraria.

O time é líder nas duas competições que disputa, mas muito mais pelo baixo nível técnico dos oponentes do que por méritos próprios. Para as fases eliminatórias, precisará melhorar bem sua organização ofensiva, pois quando tiver que fazer um bom placar para jogar o segundo jogo fora, ou tiver que buscar o resultado adverso num segundo jogo em casa, fatalmente terá problemas se continuar insistindo neste modelo.

América/MG 0 x 2 Cruzeiro – Eficiente e suficiente

A partida contra o América foi bem melhor do que a de quinta na Venezuela, mas era bem difícil ser pior ou até mesmo igual. O Cruzeiro ainda teve alguns problemas, inclusive cansaço físico da longa viagem — como revelado por Marcelo Oliveira na coletiva — mas foi mais compacto, protegeu bem sua área e conseguiu explorar um pouco melhor os espaços no contra-ataque.

Não foi nada brilhante, mas o Cruzeiro errou muito pouco, tanto na marcação quanto nas poucas chances que teve, e por isso saiu com a vitória.

Formações iniciais

Cruzeiro e América entraram no 4-2-3-1. Cruzeiro numa postura reativa, com De Arrascaeta se mexendo um pouco mais para acionar os ponteiros em contra-ataque; América tinha mais a bola, com Renatinho caindo pelos lados para criar superioridade numérica

Cruzeiro e América entraram no 4-2-3-1. Cruzeiro numa postura reativa, com De Arrascaeta se mexendo um pouco mais para acionar os ponteiros em contra-ataque; América tinha mais a bola, com Renatinho caindo pelos lados para criar superioridade numérica

As duas equipes vieram no 4-2-3-1. Marcelo Oliveira mandou a campo o mesmo onze do jogo com o Mineros, com Fábio no gol, Mayke na lateral direita e Mena na esquerda, com Léo e Paulo André no miolo de zaga. Willian Farias e Henrique ficaram na proteção, e mais à frente Alisson e Marquinhos flanqueavam De Arrascaeta, atrás de Damião.

O América de Givanildo tinha João Ricardo no gol, Wesley Matos e Anderson Conceição na zaga, com Robertinho à direita e Bryan fechando o lado esquerdo. Na volância, Thiago Santos e Diego Lorenzi davam suporte ao central Renatinho, que tinha ainda Felipe Amorim pela direita e Sávio pela esquerda, com Rubens na referência.

Duelos por todo o campo

A marcação encaixou e gerou duelos interessantes nos quatro cantos do campo: Mayke x Sávio, Mena x Felipe Amorim, Alisson x Robertinho e Marquinhos x Bryan. No meio-campo, Henrique e Willian Farias se encarregavam de marcar Renatinho e o volante que subisse, que normalmente era Diego Lorenzi, enquanto Thiago Santos ficava a cargo de cuidar de De Arrascaeta. E os centroavantes duelavam com as duplas de zagueiros nas áreas.

Mas quem marcava mais eram os celestes. Isso porque o América tomou a iniciativa e ficou com a bola, tentando chegar pelos lados, devido à movimentação de Renatinho, que saía do centro para criar superioridade numérica nesses setores. Por duas vezes, a marcação celeste ficou indefinida e os jogadores americanos conseguiram chegar ao fundo. Talvez De Arrascaeta pudesse se espelhar nisso, apesar de ter sido muito mais móvel neste jogo do que na Venezuela.

Felipe Amorim deu muito trabalho para Mena pela esquerda. Até conseguiu passar em alguns lances, mas no cômputo geral, Mena fez um bom trabalho: o camisa 7 americano só conseguiu criar duas chances, uma em cada tempo. Do outro lado, Sávio se dava melhor contra Mayke, porque destro que é, partia para o centro e batia com a perna direita. Acertou a trave num desses chutes.

Zagueiros e contra-ataque

Com o time do Cruzeiro mais compacto, porém, o América não conseguia entrar na área adversária. No 1º tempo, o time da casa finalizou 6 vezes, mas todas de fora da área. Muito por causa de um bom trabalho da linha defensiva, mais uma vez. Léo e Paulo André venciam todas pelo alto e pelo chão, em contraste com o desempenho irregular da dupla de volantes.

Em azul, as finalizações do América, e em vermelho, as do Cruzeiro; os dois únicos chutes do América de dentro da área foram no 2º tempo (Footstats)

Em azul, as finalizações do América, e em vermelho, as do Cruzeiro; os dois únicos chutes do América de dentro da área foram no 2º tempo (Footstats)

Com as linhas avançadas, o América deixava espaços atrás, cedendo o contra-ataque ao Cruzeiro, que ensaiou uma, duas até acertar na terceira. Após cobrança de falta do América, a bola sobrou na esquerda, e a defesa rechaçou novo cruzamento. A bola sobrou para Marquinhos, que viu a movimentação de De Arrascaeta e deu na frente. O uruguaio girou e acionou Alisson imediatamente pela esquerda, onde estava apenas Diego Lorenzi, com o outro volante Thiago Santos, na cobertura — os zagueiros estavam na área adversária por causa da bola parada. Alisson avançou, cortou pra dentro e bateu maravilhosamente no canto, fora do alcance de João Ricardo.

Com o gol, Givanildo percebeu o perigo e recuou as linhas. O América passou a marcar a partir do meio-campo, dando um pouco mais a bola para o Cruzeiro e partindo em velocidade. Mas o primeiro tempo acabou mesmo com o Cruzeiro em vantagem.

Segundo tempo

As equipes voltaram do intervalo sem alterações, assim como o panorama do jogo após o gol. A posse de bola era equilibrada, e nenhuma das duas equipes via necessidade avançar as linhas: o Cruzeiro porque tinha o placar a seu favor, e o América porque não queria sofrer mais estocadas no perigoso contra-ataque celeste. A partida ficava sendo disputada entre as duas intermediárias, e a bola só se aproximava dos goleiros em bolas paradas.

Givanildo com quem fez o primeiro movimento, trocando de centroavante: Rodrigo Silva na vaga de Rubens. A partida não mudou, mas o Cruzeiro conseguiu achar alguns bons passes pela esquerda. Marquinhos achou Mena, que cruzou para Damião sozinho perder; e depois Alisson foi acionado, driblou duas vezes mas no último toque a bola escapou ligeiramente e ele bateu prensado.

Troca nas pontas

Marcelo então mexeu nos flancos. Trocou de ponteiros: Alisson deu lugar a Gilson — que sim, foi jogar na meia esquerda — e Marquinhos cedeu vaga a Judivan. O 4-2-3-1 estava mantido, mas com mais fôlego pelos lados e mais proteção a Mena pela esquerda, já que Gilson também é lateral e sabe recompor. Após o jogo, Marcelo justificou as trocas dizendo que era por cansaço, já que os titulares não estavam mais recompondo.

Fim de jogo: ambos os times mantiveram o 4-2-3-1 durante todos os 90 minutos; Cruzeiro teve Gilson como ponteiro esquerdo para recompor melhor e ajudar Mena

Fim de jogo: ambos os times mantiveram o 4-2-3-1 durante todos os 90 minutos; Cruzeiro teve Gilson como ponteiro esquerdo para recompor melhor e ajudar Mena

No América, Pedrinho entrou na vaga de Sávio, com câimbras. Ele se posicionou pela esquerda do ataque, mantendo o sistema original. Mas quem continuava dando trabalho era Felipe Amorim, que derivou para o centro a partir da direita, levando Mena consigo e causando o chileno a cometer falta. Ele mesmo cobrou, mas mal.

O que ele não imaginava é que o tiro de meta originaria o segundo gol celeste. Na bola longa de Fábio, Damião inverte com De Arrascaeta para brigar pelo alto, e foi exatamente o que aconteceu: uma casquinha para o uruguaio na frente, que driblou seu marcador e avançou pela esquerda. Damião também fez um movimento interessante: primeiro ele corre na direção do zagueiro, “empurrando-o” pra longe. Quando De Arrascaeta se aproxima da área, ele muda de direção, indo para a primeira trave. Isso fez ficar sozinho pra receber o passe e aumentar o placar.

No lance, o zagueiro Anderson Conceição se lesionou e teve de ser substituído por Allison, acabando com as trocas do América. E no fim, Marcelo tirou Damião apenas para receber os aplausos da torcida. Henrique Dourado jogou pouco mas conseguiu roubar uma bola excelente no meio-campo, fazendo o que se espera de centroavantes modernos.

Novo estilo

O Cruzeiro de 2013/14 nos acostumou a ver uma equipe com a bola nos pés, intensa na movimentação e inversão de posições. Mobilidade necessária para criar os espaços diante de times que enfrentavam o Cruzeiro com muito respeito, com muitos jogadores postados atrás da linha da bola. Em 2015, a equipe parece ter uma característica diferente: marca forte no meio (apesar das deficiências dos últimos dois jogos) e prefere jogar na transição, com velocidade. Quando acertou o passe nessa fase, venceu.

Já são dois meses na temporada e o Cruzeiro ainda não fez um jogo em que dominou a posse de bola criou chances em profusão. O entrosamento, que ainda não chegou totalmente, tem parte nisso, mas talvez já seja hora de reconhecer que o Cruzeiro de 2015 seja um time diferente, mais reativo, mais competitivo e letal.

Sofrer poucos gols e ser muito eficiente nas poucas chances que cria. Não me agrada, mas aí já é questão de gosto. E não que eu acredite nisso, mas torço para que esta característica seja mais eficaz para campeonar na Copa Libertadores — que, ao fim e ao cabo, é o objetivo principal.

Cruzeiro 1 x 1 Atlético/MG – Zero a zero com gols

No primeiro clássico do ano, o Cruzeiro voltou a apresentar os mesmos problemas em encontrar espaços diante de defesas fechadas no Mineirão. A partida contra o Huracán já havia mostrado essa deficiência criativa, mas naquela partida o Cruzeiro pelo menos chegou fácil pelos lados. Neste jogo o excesso de cruzamentos não aconteceu, também por causa do pouco ímpeto dos laterais, que são os responsáveis pela amplitude no ataque.

Foi um jogo concentrado no terço central, já que ambas as equipes pouco criaram: o Cruzeiro por não ter mobilidade suficiente para criar os espaços e o Atlético por proposta de jogo.

Os escretes

Times no 4-2-3-1: Cruzeiro sem muito apoio dos laterais e sem mobilidade, Atlético bem compactas negando espaços entre as linhas e Luan responsável pela ligação

Times no 4-2-3-1: Cruzeiro sem muito apoio dos laterais e sem mobilidade, Atlético bem compactas negando espaços entre as linhas e Luan responsável pela ligação

Marcelo Oliveira não fez nenhum mistério e escalou o time no 4-2-3-1 esperado, com o gol do capitão Fábio sendo protegido por Léo e Paulo André, com Mayke fechando pela direita e Mena pela esquerda. A dupla volância teve Willians e Henrique mais uma vez, no suporte ao trio formado por Marquinhos na direita, Willian à esquerda e De Arrascaeta centralizado atrás de Leandro Damião, o centroavante.

Levir Culpi tinha muitos desfalques e armou seu time no mesmo 4-2-3-1, mas que virava um 4-4-2 em fase defensiva, que foi na maior parte do tempo. Victor tinha Patric à direita e Douglas Santos à esquerda flanqueando a dupla de zaga formada por Edcarlos e Jemerson. Na frente da área, Rafael Carioca e Leandro Donizete faziam a proteção, deixando os corredor esquerdo para Carlos e o direito para Cesinha, o que dava liberdade para Luan se juntar a Dodô na frente.

Posse e recomposição

Com os desfalques e na condição de visitante, era esperado que o Atlético se preocupasse mais em marcar o Cruzeiro e partir em contras. Nas duas últimas visitas ao Cruzeiro no Mineirão, foi exatamente o que o Atlético fez, e nas duas saiu com a vitória. Querendo evitar novo revés, Marcelo armou seu time para atacar, mas também preocupado com os contragolpes, principalmente pelos lados, e por isso prendeu um pouco mais os laterais. A primeira função de Mayke e Mena era acompanhar os ponteiros adversários, e depois subir.

Mas os ponteiros do Cruzeiro tem a característica de centralizar o jogo, se aproximar do centro. Foi assim em 2013 e 2014, e assim é em 2015, ainda que com jogadores diferentes. E dessa forma, o Cruzeiro pouco chegou pelos lados, diferente da partida contra o Huracán. O Atlético marcava bem compacto, negando espaços entre as duas linhas, dificultando as ações do trio ofensivo atrás de Damião.

Flagrante do posicionamento ofensivo do Cruzeiro: laterais dão amplitude, mas não profundidade; trio de meias bem próximos, mas sem espaço entre as duas linhas do Atlético (foto: @rodrigodeaf)

Flagrante do posicionamento ofensivo do Cruzeiro: laterais dão amplitude, mas não profundidade; trio de meias bem próximos, mas sem espaço entre as duas linhas do Atlético (foto: @rodrigodeaf)

Sem opções, o Cruzeiro chegava perto da área do Atlético até com facilidade, mas a partir dali não sabia bem o que fazer com a bola. Diante de um time bem postado taticamente, cabe ao time com a bola se movimentar e aproximar, tentando desmontar a defesa para criar os espaços e usá-los. Mas para isso é preciso que os jogadores se conheçam bem, saibam a característica de cada um: onde preferem a bola, em que pé, de que forma, como se movimentam. É o tal entrosamento, que, como sabemos, ainda está sendo construído.

Defesa e transição

Quando o Atlético recuperava a bola, o Cruzeiro não fazia pressão alta. Recompunha-se e marcava a partir do meio-campo, usando a mesma estratégia do adversário. Quem fazia a transição era sempre Luan. Ele buscava a bola atrás e carregava para o campo de ataque, aparecia pelos lados e tentava encontrar os companheiros no meio da defesa celeste. Os avançados atleticanos até tinham mais mobilidade, mas não achavam o passe e entregavam a posse de bola.

Mas ao invés de partir na transição rápida, o Cruzeiro não aplicava velocidade suficiente e deixava a defesa adversária se recompor também. O único lance em que isso aconteceu foi uma jogada de Marquinhos pela direita, mas Damião não chegou a tempo e a zaga afastou.

Com as defesas levando vantagem sobre os ataques, não por acaso o primeiro tempo só teve uma grande chance, e de bola parada: escanteio do Atlético que Fábio fez dois milagres. E foi só: basicamente, um jogo de uma intermediária à outra.

Segundo tempo

Após o intervalo, o panorama pouco mudou. De Arrascaeta passou a se movimentar e aparecer mais para o jogo, e com isso o Cruzeiro teve mais volume, mas ainda sem ter o passe final qualificado. Aos 15, Marcelo fez troca dupla: tirou o uruguaio e Willian, lançando Alisson e Judivan — as mesmas duas trocas do jogo contra o Huracán. Alisson foi à esquerda e Judivan ficou pelo centro. Quatro minutos depois, Levir respondeu com Danilo Pires e Maicosuel nas vagas de Cesinha e Dodô. Danilo entrou para segurar mais a bola, e Maicosuel para dar velocidade aos contras.

Se no jogo contra o time argentino as alterações de Marcelo deram um certo resultado, nesta partida nem tanto. As mexidas de Levir acabaram por neutralizar as de Marcelo: o Atlético de fato passou a ficar mais com a bola, e foi saindo aos poucos para o ataque, principalmente com Patric pelo lado direito — de onde começou a jogada do gol bizarro que Fábio sofreu.

Marquinhos volante

No fim, Cruzeiro se lançou em busca do empate com Marquinhos armando de trás e Judivan e Alisson nas pontas, e quase virou o jogo, mas cedeu espaços importantes que o Atlético não aproveitou

No fim, Cruzeiro se lançou em busca do empate com Marquinhos armando de trás e Judivan e Alisson nas pontas, e quase virou o jogo, mas cedeu espaços importantes que o Atlético não aproveitou

Atrás no placar, Marcelo não viu alternativa senão a de abrir o time de vez, e fez a substituição esperada: recuou Marquinhos para armar de trás na vaga de um dos volantes, que desta vez foi Willians, por precaução, entrando Joel pelo centro e abrindo Judivan à direita. Novamente, uma substituição arriscada, pois sem a bola Marquinhos era o segundo volante e tinha que marcar as saídas de bola atleticana no contra ataque.

O Cruzeiro não teve o volume esperado com a alteração, mas o gol de empate acabou saindo por causa dela. Joel, se movimentando, ganhou uma jogada de Luan pela direita e achou Marquinhos na posição de armador central. Ele tocou pra Damião, que a partir daí fez todo o trabalho sozinho: protegeu no pivô, girou em cima de Jemerson, ganhou no pé de ferro de Douglas Santos e finalizou cruzado por baixo das pernas de Jemerson, longe do alcance de Victor. A bola morreu mansinha nas redes azuis do Mineirão.

O gol deu força para o Cruzeiro que foi com tudo, até com uma certa ansiedade, se desorganizando atrás e dando o contra-ataque. Chegou mais uma vez com Alisson pela esquerda, num cruzamento rasteiro que nem Damião nem Judivan alcançaram, mas também correu riscos. Mena e Léo tiveram que parar contragolpes com faltas e por isso foram advertidos, mas nenhum dos dois times levou mais perigo à meta adversária.

Devagar, devagar

Quem conhece este blogueiro sabe que sempre acredito na justiça do placar. Pelo que foi o jogo, considerando as propostas e estratégias, o empate foi um resultado que espelha bem o equilíbrio que houve na partida. O Atlético se limitou a repelir as ações ofensivas celestes e atacar poucas vezes, e o Cruzeiro teve a bola mas pouca criatividade para furar o bloqueio defensivo adversário. Talvez só o zero a zero fosse um placar melhor.

As marcas azuis indicam as finalizações do Cruzeiro e as vermelhas as do rival; o baixo número de acertos (em cores mais escuras) ilustra bem o que foi a partida

As marcas azuis indicam as finalizações do Cruzeiro e as vermelhas as do rival; o baixo número de acertos (em cores mais escuras) ilustra bem o que foi a partida

Está claro que o Cruzeiro tem um problema de criatividade na fase ofensiva, mas que tem que ser relativizado pelo fato de ter enfrentado duas defesas muito fechadas. Nem sempre os adversários se comportarão desta forma; o Cruzeiro será atacado em alguns momentos. Porém, é um problema de fato, e pode ser resolvido de várias formas.

Vi gente nas redes sociais clamando por mudanças no sistema tático, ao que sou frontalmente contrário. Para enfrentar adversários organizados, só existe um jeito: intensidade de movimentação, seja em qual esquema for. Também vi mais pedidos por mais um meia criativo, o que pode resolver, mas talvez também não seja a solução. Como sempre digo: não adianta ter um bom passador se todos os alvos de passe ficam estáticos e marcados. Os bons passes são responsabilidade tanto de quem os executa quanto de quem os recebe.

Assim, o meia ideal para o Cruzeiro é o Entrosamento da Silva. Esse aí, não tem como contratar. Ele só vem com o tempo. Hoje, Ricardo Drubscky foi demitido do Vitória, porque segundo a diretoria do clube baiano, o time não vinha convencendo em campo. Ricardo só tinha um mês de trabalho. Depois da demissão, Ricardo disse: “Eu não consigo ver um trabalho com alguma substância com menos de três meses.”

Parece muito? Pois já vi treinadores consagrados dizendo que às vezes precisa de um ano inteiro. A hora agora é de paciência.

Cruzeiro 3 x 0 Boa – Tranquilidade visando a estreia

O Cruzeiro segue evoluindo. Na partida de sábado, mostrou mais movimentação e entrosamento quando tinha a bola nos pés, o que ocorreu em grande parte do tempo. Sem a bola, foi pouco testado, devido à postura reativa e ao sistema de marcação que o Boa usou. Com grande atuação de Damião, que marcou dois e deu passe pro outro, o Cruzeiro ficou tranquilo durante toda a partida — algo que dificilmente acontecerá na partida de quarta-feira na Bolívia.

O onze inicial

Cruzeiro no 4-2-3-1 costumeiro, contra um Boa usando perseguições individuais por todo o campo e um zagueiro na sobra

Cruzeiro no 4-2-3-1 costumeiro, contra um Boa usando perseguições individuais por todo o campo e um zagueiro na sobra

Marcelo Oliveira promoveu a estreia de Paulo André no lado esquerdo da zaga, na parceria com Léo. Além deles, a linha defensiva do goleiro Fábio tinha Fabiano pela direita e Mena pela esquerda. Na proteção, Willian Farias e Henrique se alternavam nas raras tentativas de suporte ao quarteto ofensivo, que tinha Marquinhos à direita, Willian à esquerda, De Arrascaeta central e Damião na referência, completando o 4-2-3-1 quase imutável de Marcelo.

Já o Boa do técnico Ney da Mata veio num teórico 4-3-2-1, mas o desenho era muito bagunçado pela escolha do sistema de marcação, como veremos a seguir. O gol de Douglas foi protegido por Arlan à direita, Éverton Sena e Matheus Ferraz no miolo e Marinho Donizete pela esquerda. À frente da zaga, Gilson era flanqueado por Leonardo e Mardley, deixando Hiltinho e Natan um pouco mais recuados em relação ao Daivison, o centroavante solitário.

Perseguições individuais do Boa

Chamei o sistema do Boa de 4-3-2-1, mas poderia chamá-lo também de 4-1-4-1, porque cada jogador tinha o seu adversário destacado para marcar, com o zagueiro Matheus Ferraz na sobra. Os duelos só trocavam quando a jogada iniciava com os jogadores do Cruzeiro em posições diferentes; por exemplo, se Willian e Marquinhos invertiam de lado, Leonardo pegava o baiano e Mardley marcava o bigode.

O problema com esse sistema de marcação é que um drible ou uma escapada já deixa um jogador livre para avançar, matando a sobra. Ou então, numa transição defesa-ataque veloz, com os jogadores sem estar “encaixados” na marcação individual, gerando superioridade numérica. O Boa usou este sistema até o fim do jogo, e em vários momentos expôs seu goleiro a situações de perigo por causa destes problemas.

O primeiro gol é um bom exemplo: pressão pelo lado direito na saída do Boa e Léo intercepta e já aciona Arrascaeta pela direita, livre da marcação de dois adversários e com muito campo pra avançar. O uruguaio carregou e inverteu para Damião, já no mano a mano com Éverton Sena. O camisa 9 girou e esperou a chegada de Msdarquinhos, mandando por cima de Mardley, que vinha tentando acompanhar o baiano. Sem marcação, Marquinhos fuzilou mesmo sem ângulo.

Flagrante dos encaixes individuais do Boa: laterais do Cruzeiro dando amplitude e ponteiros procurando o centro, sendo perseguidos por seus marcadores designados

Flagrante dos encaixes individuais do Boa: laterais do Cruzeiro dando amplitude e ponteiros procurando o centro, sendo perseguidos por seus marcadores designados

O problema da saída de bola e a posse inócua

De certa forma, a escolha por esse sistema facilitou o trabalho da defesa celeste. Isso porque o Boa esperava o Cruzeiro errar um passe para partir em contra, mas com pouca gente. Assim, a defesa rechaçava as investidas do Boa facilmente, recuperando a bola. O Boa então voltava para o modo de perseguições individuais, mas sem pressionar alto. Com isso, os zagueiros ficavam trocando passes entre si, até um deles tentar o passe longo, ou o lateral vir buscar mais atrás, momento em que era pressionado pelo lateral adversário.

Henrique e Willian Farias também tentavam ajudar na saída, mas também não conseguiam achar os companheiros, todos marcados individualmente. Esse problema também era sentido na transição defesa-ataque veloz, também conhecida como contra-ataque: se a bola era roubada no campo de defesa e o Cruzeiro tentava acelerar, o jogador com a bola ficava sem opções de passe e logo tinha que parar o avanço e usar o passe de retorno, voltando ao modo anterior.

Cruzeiro no campo de ataque

Porém, quando o Cruzeiro finalmente conseguia chegar perto da área adversária, as coisas fluíam melhor. Houve mais mobilidade, principalmente em relação aos jogadores atrás de Damião: Willian e Marquinhos apareciam por dentro para participar da construção junto com Arrascaeta, que também procurava as pontas. Damião também saía da área para abrir espaços, e Mena e Fabiano avançavam, o primeiro melhor que o segundo.

Mas se a bola era perdida, o Cruzeiro fazia uma de duas coisas: ou pressionava alto com uma linha de quatro, com os ponteiros alinhados a Damião e Arrascaeta, ou recuava e deixava apenas o uruguaio e o centroavante à frente. Ou seja, ou se desenhava num 4-2-4, ou num 4-4-2 em linhas.

A primeira abordagem dificultava muito o primeiro passe do Boa, mas se o time de Varginha conseguia passar desse primeiro combate, achava muito espaço, pois os volantes e a linha defensiva não subiam a pressão junto, deixando o time pouco compactado. Já o segundo modo reduzia mais o espaço entrelinhas, mas o ponteiro do lado oposto da bola não recuava até a linha dos volantes, preferindo ficar alto próximo ao lateral adversário.

Tudo quase igual

Mesmo do segundo gol, a postura das duas equipes não se alterou. O Boa continuou marcando individualmente, esperando no campo de defesa, enquanto o Cruzeiro ficava com a bola, mas sem a verticalidade do ano passado, pouco incisivo. Veio o intervalo e com ele a entrada Ualison Pikachu na vaga de Natan, numa tentativa de Ney da Mata de melhorar a articulação. O sistema de marcação permaneceu o mesmo, no entanto.

Passava o tempo e o panorama não mudava, mas o Cruzeiro já não ficava mais tanto com a bola, muito por causa da vantagem no placar. As investidas do Boa eram facilmente repelidas, mas o Cruzeiro também não encaixava seus ataques. Marcelo então resolveu agir com Judivan na vaga de Marquinhos, que tinha acabado de ser advertido.

Flagrante do 4-2-3-1 em fase defensiva, num momento em que o Cruzeiro dava campo ao Boa: Judivan, aqui invertido com Willian, não acompanhou o lateral e deixou estourar 2 contra 1 em Mena

Flagrante do 4-2-3-1 em fase defensiva, num momento em que o Cruzeiro dava campo ao Boa: Judivan, aqui invertido com Willian, não acompanhou o lateral e deixou estourar 2 contra 1 em Mena

E quase na sua primeira jogada, mais uma vez o problema da marcação individual por função apareceu: Judivan venceu seu marcador, que não por coincidência, era o mesmo Mardley que marcou Marquinhos no 1º tempo. De frente para a área, viu Damião se descolar de Éverton Sena e cruzou na medida para o cabeceio certeiro do camisa 9, no contrapé de Douglas.

Boa perigoso e a resposta de MO

No fim, o Cruzeiro apenas protegeu sua enorme vantagem no placar e partia em contragolpes, principalmente pelo lado esquerdo com Mena e Judivan

No fim, o Cruzeiro apenas protegeu sua enorme vantagem no placar e partia em contragolpes, principalmente pelo lado esquerdo com Mena e Judivan

Ney da Mata trocou de centroavante, Daivison por Alexandre, assim como Marcelo Oliveira. Damião saiu sob aplausos para a entrada de Dourado. Depois, no Boa, Mardley deu seu lugar a Éverton Ferrão. Nesse momento, o Boa foi pra cima e o Cruzeiro não respondia, talvez com seus defensores já se poupando para a estreia na Libertadores em Sucre.

Marcelo não gostou nada disso e lançou Joel na vaga de Willian, invertendo Judivan de lado. Joel protegeu melhor Fabiano e ainda deu mais intensidade pela direita. Judivan fez o mesmo com Mena pela esquerda, combinando bem em três jogadas de contra-ataque que quase resultaram em gol, um do próprio Judivan e dois de Henrique Dourado. Mas infelizmente não aconteceram, e nada mais aconteceu na partida.

Ok, mas e para quarta?

Impossível negar que o Cruzeiro melhorou. Teve mais mobilidade na fase ofensiva, pressionou melhor quando perdia a bola e se defendeu bem quando era atacado. Porém, muito disso se deveu à estratégia adotada pelo time de Varginha, de esperar no seu campo e usar perseguições homem a homem por todo o campo. O sistema defensivo não chegou a ser testado verdadeiramente.

Para o jogo de quarta pela Libertadores, que é o que realmente importa, o Cruzeiro deve enfrentar uma situação diferente. Jogando em casa e tentando usar a altitude a seu favor (ainda que Sucre não seja tão alto), o Universitario deve atacar bem mais o Cruzeiro. Dessa forma, apesar da evolução, podemos esperar um jogo duríssimo na Bolívia. Pessoalmente, acredito em um Cruzeiro com pouca posse de bola, mas que assim que recuperá-la, fará tentativas de resolver a jogada o mais rápido possível. De certa forma, a questão da saída de bola fica amenizada com essa estratégia.

Marcelo Oliveira já declarou que quer um Cruzeiro mais competitivo, brigando mais nos momentos sem a bola, mas sem deixar de atacar. Principalmente nos jogos fora de casa. Acredito que o treinador saberá usar a melhor estratégia para este jogo, até mesmo por estar mais experiente na competição. E mais do que ninguém, ele tem que saber que este grupo não é tão fácil como a imprensa gosta de alardear. Pode ser menos difícil, mas ainda assim é muito difícil.

Que os jogadores também tenham essa consciência, e sejam competitivos como a Libertadores pede e merece. Que seja o início do tri.

Guarani/MG 1 x 3 Cruzeiro – Devagar se vai ao longe

O Cruzeiro melhorou sensivelmente. A estreia de De Arrascaeta foi uma das causas, mas não a única. Damião também evoluiu, não só por causa dos gols, mas taticamente, com sua boa movimentação, e com isso o time todo tem um ganho significativo. Mas ainda há muito por trabalhar, principalmente na transição defesa-ataque.

Formações de partida

O 4-2-3-1 do Cruzeiro com Arrascaeta como central aplicando bastante movimentação, diante do 4-4-1-1 do Guarani, que com o recuo de Michel Cury se transformava num 4-1-4-1

O 4-2-3-1 do Cruzeiro com Arrascaeta como central aplicando bastante movimentação, diante do 4-4-1-1 do Guarani, que com o recuo de Michel Cury se transformava num 4-1-4-1

Com o uruguaio De Arrascaeta finalmente regularizado, Marcelo Oliveira pôde escalá-lo no centro da linha de 3 do 4-2-3-1 usado desde o início de 2013. O jovem uruguaio se posicionava atrás de Damião e era flanqueado por Marquinhos e Willian. Mais atrás, Willian Farias e Henrique proviam suporte e proteção à zaga, formada por Fabiano e Léo e com Mayke e Mena nas laterais, defendendo o gol de Fábio.

Já Gian Rodrigues armou sua equipe num 4-4-1-1 que variava para um 4-1-4-1 sem a bola. A linha defensiva do goleiro George teve Roger pela direita, Marx e Tiago Papel no miolo e Carlos Renato na lateral esquerda. Na segunda linha, Djalma era o ponteiro direito, Leandro Ferreira e Rafael Jataí ficavam por dentro e Marcinho completava pela esquerda. Michel Cury fazia a ligação para o homem mais avançado, Fábio Júnior.

Compensações do Guarani

O treinador do Guarani disse na entrevista à TV pré-jogo que havia estudado os dois primeiros jogos do Cruzeiro. De fato, inspirado pelo 4-1-4-1 da Caldense no empate da última quarta-feira, Gian mandou a campo as mesmas duas linhas de quatro. Porém, nesta partida, talvez pelo fato de jogar “em casa”, tenha optado por dar mais liberdade a Michel Cury e livrar Fábio Jr. de qualquer trabalho defensivo.

Porém, o jogo começou com o Cruzeiro dominando a posse de bola. Com isso, Michel Cury afundava na segunda linha, de certa maneira “empurrando” um dos dois jogadores centrais para trás — normalmente era Leandro Ferreira — configurando assim o mesmo 4-1-4-1. Ficou a cargo deste homem entrelinhas, portanto, a marcação em cima do estreante De Arrascaeta, por causa do encaixe de marcação.

Mobilidade ofensiva

Mas o jovem uruguaio se movimentava muito, fazendo com que os jogadores do Guarani não conseguissem achar a marcação. Ele aparecia em todos os setores do ataque: pelo centro, pelos lados e até dentro da área, como no primeiro lance de real perigo da partida: quando Damião recuou para participar da construção da jogada, Arrascaeta foi à frente para ocupar o seu lugar. Damião girou em cima de seu marcador e lançou o uruguaio, que driblou o goleiro mas bateu pra fora. Ele tinha dois alvos livres de marcação dentro da área. Na repetição, é possível ver o jogador apontando para a orelha, como quem diz que não ouviu. Sinal da falta de entrosamento.

O lance acima também indica um aspecto muito interessante: a mobilidade de Damião. Quando ele foi contratado, meu receio era de que ele ficasse muito parado dentro da área, se movimentando pouco, com menos intensidade que Moreno fazia no ano passado. Mas aos poucos Damião vai se soltando e entendendo seu papel no sistema de Marcelo Oliveira. Sua movimentação vem sendo fundamental na criação.

Damião entre as linhas e Arrascaeta avançado; Mena passando pela esquerda e Henrique na cobertura: mobilidade já no primeiro lance perigoso do jogo

Damião entre as linhas e Arrascaeta avançado; Mena passando pela esquerda e Henrique na cobertura: mobilidade já no primeiro lance perigoso do jogo

Saída de bola

Já na transição ofensiva, quando a defesa do Guarani já estava recomposta, faltou ao Cruzeiro ter criatividade no primeiro passe, a famosa saída de bola. Fábio Jr. não marcava os zagueiros celestes, deixando-os à vontade para olhar o jogo de frente. Se entregavam a bola a Eurico ou Mena, estes eram imediatamente pressionados e quase sempre eram forçados ao passe de retorno. E como Arrascaeta não voltava para buscar a bola, ficava a cargo dos volantes iniciarem a construção pelo chão.

Ainda que Henrique tenha mais qualidade de passe pra fazer essa função, nem ele nem Willian Farias conseguiam fazer uma transição suave. Os dois conseguiram encaixar alguns passes, mas na maioria das vezes só faziam a bola rodar, sem avançar as linhas da equipe. Isso fazia o Cruzeiro ter maior posse de bola, mas apesar disso, a bola chegou poucas vezes perto da área adversária, sendo que na maioria delas foi em contra-ataques rápidos, quando a defesa do Guarani ainda estava desorganizada.

Segundo tempo

Apesar do placar do primeiro tempo em branco, os treinadores não mexeram nas suas equipes por opção. Apenas Marcelo teve que tirar Willian Farias do jogo por lesão, colocando Seymour no seu lugar. O sistema não se alterou, mas o chileno não teve a mesma pegada no meio-campo. Além disso, ao contrário do primeiro tempo, Seymour tentava aparecer na frente como opção de passe ainda na transição, mas se o passe saía errado, ele era pego fora de posição, deixando um buraco no meio para Henrique cobrir.

Assim, uma simples mudança que teoricamente seria seis por meia dúzia — volante de marcação por outro — foi responsável por reequilibrar o jogo no meio-campo. O Guarani começou a chegar mais e com mais perigo, quase sempre pegando a defesa do Cruzeiro saindo pro jogo e recompondo às pressas. Fábio Jr. chegou a perder um gol incrível, debaixo das traves.

Mas logo após este lance, em um dos raros momentos de apoio pela direita, Eurico cruzou para a área, onde estavam Arrascaeta e Damião. O uruguaio subiu pra disputar a bola e atrapalhou o zagueiro do Guarani, fazendo a bola sobrar no pé de Damião, que como típico centroavante, protegeu com o corpo, esperou o goleiro cair e mandou no outro canto.

As últimas trocas

No fim, Guarani espetou dois atacantes pelas pontas, mas isso desguarneceu seus laterais; no Cruzeiro, Arrascaeta já não se movimentava tanto como no início da partida

No fim, Guarani espetou dois atacantes pelas pontas, mas isso desguarneceu seus laterais; no Cruzeiro, Arrascaeta já não se movimentava tanto como no início da partida

O gol, porém, não parece ter mudado o panorama do jogo, como normalmente acontece. O Guarani, que já atacava mais que no primeiro tempo, seguiu tentando, agora em busca do empate. Pelo lado do Cruzeiro, a intensidade do primeiro tempo não continuou, e as jogadas de ataque fluíam menos. Willian errava muito no campo de ataque, e em um dado momento errou um drible que gerou um contra-ataque do Guarani.

Foi a deixa para Marcelo tirá-lo do jogo e lançar Judivan. O jovem foi jogar do lado esquerdo, pouco usual para ele, que prefere o direito. Mas sua estrela falou mais alto: em momento de recuperação de bola, Marquinhos colocou o garoto pra correr, que ficou no mano a mano com o zagueiro. Com um drible e um chute cruzado, a vantagem celeste foi ampliada.

O segundo gol, aí sim, seria o da tranquilidade. Seria, se João Carlos, que havia acabado de entrar na partida, não tivesse diminuído o placar em rebote de Fábio, numa falha da defesa celeste após um escanteio. Alguém largou a marcação do jogador; pelo replay, Seymour era o jogador mais próximo, mas não dá pra saber se era a função dele marcar o jogador.

João Carlos, entrou na vaga de Roger, que estava na lateral direita. Com isso, Vinicius Kiss, que havia entrado no primeiro tempo na vaga de Djalma, recuou à lateral. Walterson já havia entrado na vaga de Marcinho pelo outro lado. O Guarani se lançou à frente em busca do resultado, mas com dois atacantes pelos lados, a recomposição não era tão boa e a defesa ficava mais exposta. No fim, Mena e Marquinhos dobraram em cima de Vinicius Kiss pela esquerda, fazendo com que o zagueiro Marx abandonasse a área e fosse fazer a cobertura. Damião viu o buraco e foi até ele, recebendo totalmente livre o passe de Marquinhos, apenas encobrindo o goleiro para dar números finais ao jogo.

No terceiro gol, Mena e Marquinhos fizeram 2x1 em V.Kiss e obrigaram Marx a sair na cobertura, abrindo o espaço que Damião soube ler e aproveitar

No terceiro gol, Mena e Marquinhos fizeram 2×1 em V.Kiss e obrigaram Marx a sair na cobertura, abrindo o espaço que Damião soube ler e aproveitar

Melhorar sempre

A evolução do Cruzeiro neste jogo foi nítida, principalmente na fase ofensiva, com a entrada de De Arrascaeta. Além de prover mais criatividade com passes, o uruguaio também aplicou mobilidade, que Marcelo tanto cobra, ainda que no segundo tempo tenha se cansado. Também vi evolução no sistema defensivo, com um meio-campo mais consistente, o que deve ser uma marca dessa temporada.

Mas ainda há o que melhorar. A troca de posição na linha de 3 precisa ser maior; a saída de bola precisa ter mais fluência, mas isso só vem com o já famigerado entrosamento. Ainda há muitos jogadores a serem testados, mas a base está começando a aparecer. O mais importante é dar quilometragem para este grupo, de forma que possam se conhecer melhor.

Até a estreia na Libertadores, que é o que realmente interessa, serão 10 dias e mais um último teste contra o Boa em casa. Não é suficiente para atingir o ápice da forma física e tática, mas o suficiente para não passar sufoco na Bolívia.

Afinal, o ideal é se classificar sem percalços e atingir este ápice quando de fato interessa: das oitavas de final em diante.