Corinthians 0 x 0 Cruzeiro – Igualdade desigual

Num duelo de dois treinadores com boa leitura de jogo, nenhum deles levou a melhor. Marcelo venceu o primeiro tempo, mas Cássio impediu que o Cruzeiro abrisse vantagem. Na etapa final, Tite ajustou peças e Marcelo foi obrigado a trocar uma das suas, mas enviando o jogador “errado”, passando por 15 minutos que quase colocaram a invencibilidade a perder até “consertar” e reequilibrar a partida.

No fim da contas, o empate foi um resultado que ilustrou bem a partida, mas o Cruzeiro esteve bem mais perto da vitória.

Sistemas de jogo

Ambos os times no 4-2-3-1, mas no Cruzeiro os três meias estreitavam fazendo maior número no meio-campo central e complicavam a rigidez defensiva do Corinthians

Ambos os times no 4-2-3-1, mas no Cruzeiro os três meias estreitavam fazendo maior número no meio-campo central e complicavam a rigidez defensiva do Corinthians

O Cruzeiro entrou no habitual 4-2-3-1 de Marcelo Oliveira em sua rotação “titular”. Do gol, Fábio viu Dedé e Bruno Rodrigo fazendo a dupla de área, com Ceará no flanco direito e Egídio pela esquerda. A proteção ficou por conta de Nilton e Lucas Silva, este último ligeiramente mais solto e próximo do setor mais fluido da equipe, o trio de meias. Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Willian partem da direita, centro e esquerda respectivamente, mas promovem muitas trocas entre si e tendo ainda a ajuda do centroavante Borges neste carrossel.

Tite “enganou” a imprensa inteira, que, pela suspensão de Guerrero e com Alexandre Pato fora do time titular, dizia que seria um Corinthians sem centroavante. É a velha mania da mídia de olhar apenas a posição de origem do jogador e dar a informação sem olhar sua função em campo. Acabou sendo o mesmo 4-2-3-1 que o Corinthians usou durante toda a era Tite, com Cássio no gol, Edenílson na lateral direita, Gil e Paulo André no miolo e Igor na esquerda. Ralf foi o primeiro volante, com Maldonado a seu lado e atrás de Danilo à direita, Douglas pelo centro e Emerson à esquerda, deixando Romarinho para brigar com os zagueiros.

Defendendo

Saída de bola do Corinthians. Dois passes para trás e Paulo André já faz o chutão para se livrar da pressão de Borges (assista o início deste vídeo para ver). É a característica deste Cruzeiro 2013: marcação pressão no alto do campo no início das partidas, recuperando a posse no campo adversário ou forçando o erro — algo que era característico do Corinthians de Tite no ano passado. A forte marcação imposta mal deixava Fábio aparecer na transmissão, pois o Corinthians sequer conseguia chegar perto da área celeste.

Além disso, posicionar Romarinho entre os zagueiros cruzeirenses não foi a melhor opção, já que o corintiano desapareceu nos quinze primeiros minutos. Logo Tite “corrigiu” isso invertendo o jovem com Emerson, que estava travando — e perdendo — um duelo intenso com Ceará na esquerda. O time da casa passou a ter uma presença melhor na faixa central, principalmente quando Douglas e Emerson trocavam passes, mas a zaga cruzeirense levou a melhor sempre.

Atacando

Um belo exemplo do quarteto ofensivo cruzeirense elouquecendo a retaguarda corintiana (veja o vídeo no link do texto)

Um belo exemplo do quarteto ofensivo cruzeirense elouquecendo a retaguarda corintiana (veja o vídeo no link do texto)

Quando roubava a bola, o Cruzeiro promovia a tradicional aproximação dos três meias — Ribeiro, Goulart e Willian se procuram em campo, gerando jogadas como esta. Essa aproximação, uma coisa que Michael Cox, do excelente Zonal Marking, chama de narrowness“estreiteza”, numa tradução livre — tem duas consequências. Uma é povoar o meio-campo central, causando superioridade numérica no setor e levando a uma tendência de ganhar a batalha pela posse de bola. Outra é abrir os corredores para o apoio dos laterais, que vem sendo uma das principais armas ofensivas do Cruzeiro nesta temporada (leia o artigo sobre a vitória do City sobre o United escrito por Michael onde ele fala exatamente dessas duas coisas).

Aqui vemos os três meias novamente bem centralizados, indefinindo a marcação do lado direito e fazendo o lateral esquerdo corintiano ficar totalmente fora da jogada

Aqui vemos os três meias novamente bem centralizados, indefinindo a marcação do lado direito e fazendo o lateral esquerdo corintiano ficar totalmente fora da jogada

Só o primeiro fator, porém, foi efetivamente usado a favor. Pois o Corinthians se defendia com uma rigidez defensiva não muito vista no Brasil. A equipe de Tite talvez seja a única no país que exerce um tipo de marcação diferente, com uma estrutura sólida, sem que as linhas se quebrassem, quase uma marcação por zona que é muito comum no futebol inglês. Os laterais não saíam para acompanhar os ponteiros quando eles centralizavam, e isso causou problemas para a retaguarda paulista, como no lance já citado e numa metida de bola de Goulart para Willian, que concluiu tão mal que a bola saiu pela lateral. Raridade.

Os laterais não subiram tanto porque Ceará tinha uma preocupação muito mais defensiva, enquanto Egídio não conseguia avançar com frequência devido à presença de Danilo no seu setor. O camisa 6 só subia na boa, e assim mesmo conseguiu criar duas boas chances, um cruzamento que Willian completou para um milagre de Cássio, e em um lançamento primoroso de Lucas Silva numa inversão de jogada que pegou o lateral sozinho dentro da área. Ele só teve uma opção, que era bater para o gol, e assim o fez, mas Cássio novamente desviou. Em ambos os lances, podemos ver Danilo voltando para marcar Egídio.

Saída de Borges

A primeira etapa terminou com 6 finalizações celestes (metade delas no alvo) e contra 3 paulistas (todas erradas), de acordo com o WhoScored.com. Infelizmente não foi possível converter ao menos uma delas em gol, muito graças à excelente tarde de Cássio. Depois do intervalo, Júlio Baptista entrou no jogo na vaga de Borges, empurrando Goulart para o fronte — uma substituição que já critiquei aqui no Constelações. Borges, apesar de ter feito um primeiro tempo apenas razoável do ponto de vista técnico, é uma peça fundamental no sistema de Marcelo Oliveira, pois seu bom posicionamento de área causa preocupação para os zagueiros adversários e acaba abrindo espaços para os três meias jogarem seu melhor futebol.

Já Goulart não tem essa característica, e fica apenas ocupando um dos zagueiros, jogando de costas para o gol. E ainda por cima, a presença de Júlio no meio-campo central, mesmo melhorando a presença física e ganhando experiência no setor, faz o time perder um pouco a mobilidade e a velocidade, a principal característica de ataque do Cruzeiro. O resultado foi que o time passou a perder o meio-campo e o Corinthians cresceu.

Cópia, mas nem tanto

Mas o time da casa não melhorou apenas por causa da troca. Tite provavelmente viu que estava perdendo o meio-campo porque tinha menos jogadores no setor, e acabou por “copiar” o modelo cruzeirense, fazendo os ponteiros Danilo e Romarinho se aproximarem de Douglas. Assim, não só o Cruzeiro parou de ganhar a batalha da posse quando atacava como também quando defendia, já que Egídio e Ceará preferiam esperar a subida dos laterais para fazerem o combate.

O gráfico de posicionamento médio mostra o constraste dos quartetos ofensivos: a rigidez corintiana (em azul) e a fluidez celeste (em laranja); no segundo tempo, os ponteiros do Corinthians se aproximaram mais do centro

O gráfico de posicionamento médio mostra o constraste dos quartetos ofensivos: a rigidez corintiana (em azul) e a fluidez celeste (em laranja); no segundo tempo, os ponteiros do Corinthians se aproximaram mais do centro

Quinze minutos se passaram, com o Corinthians chutando a gol com uma frequência assustadora, até que Marcelo “corrigiu” o erro, tirando Goulart e colocando Anselmo Ramon, centroavante de ofício. Anselmo praticamente não participou do jogo — a não ser nos acréscimos, com um passe que deixou Júlio Baptista cara a cara com Cássio e que acabou por consagrar a tarde do goleiro corintiano — mas sua presença de área ocupou os zagueiros e o Cruzeiro reequilibrou o jogo.

Na linha do tempo do site WhoScored.com, vemos claramente o período perigoso do jogo: exatamente entre a primeira e a segunda substituições

Na linha do tempo do site WhoScored.com, vemos claramente o período perigoso do jogo: exatamente entre a primeira e a segunda substituições

Pato e Dagoberto

Após quinze minutos sem chutes a gol, Tite fez sua única troca na partida inteira. Tirou Emerson da referência e lançou Alexandre Pato, provavelmente para ter um ganho técnico no ataque. Porém, logo em seu primeiro lance o atacante pisou na bola — um lance que ilustra bem a má fase do jogador. Já Marcelo fez seu último movimento com Dagoberto na vaga de Willian — uma ousadia, já que o camisa 11 não marca tanto quanto o 41. Uma prova de que ele não tem o famoso “medo de perder que tira a vontade de ganhar”.

Mas o jogo não se desequilibrou novamente, e o zero a zero só persistiu porque Júlio Baptista perdeu a bola do jogo no fim, numa típica jogada “fominha”, já que Dagoberto entrava livre pela área de frente para o gol e já sem Cássio à sua frente. O goleiro corintiano “adivinhou” o canto e garantiu a igualdade.

Um tropeço menor que o dos outros

Com sempre digo, não acredito em resultados injustos, pois o zero só não saiu do placar porque o Cruzeiro não teve a eficiência costumeira nas conclusões (foi o menor número de arremates do Cruzeiro no certame até aqui) e Cássio esteve em uma tarde inspirada. Portanto, o zero a zero é justo. Mas o primeiro tempo celeste foi digno de um time líder, se impondo tanto no ataque como na defesa, e por isso merecia ter marcado mais de uma vez.

Por sorte, mas também por competência de Fábio e cia., o Cruzeiro não sofreu o gol nos 15 minutos iniciais da segunda etapa, no período “sem centroavante”. Infelizmente, Borges sentiu dores e teve que sair, mas não entendi porque Marcelo não levou Vinícius Araújo ou já promoveu a entrada de Anselmo logo de cara. A experiência com Goulart na frente já não havia dado certo antes, e não entendo porque insistir nisto. Mesmo o líder tem mistérios.

A sequência de vitórias foi interrompida, mas os deuses do futebol nos sorriu e nos deu a derrota em casa do perseguidor mais próximo, aumentando a vantagem na ponta. Passando sem derrota no próximo fim de semana, contra um Internacional desfalcado de seu principal jogador e cansado pelo jogo da Copa do Brasil no meio de semana, acredito que as chances de campeonar chegam perto de 100%.

Com todo esse cenário, como torcedor, é preciso muita força de vontade para não cravar o título…

Cruzeiro 3 x 0 Botafogo – O time da moda

Muito já se falou sobre o jogo de quarta-feira (leia as análises de André Rocha, do blog Olho Tático do ESPN.com.br, e de Léo Miranda, no blog Painel Tático na Globo.com). Obviamente, por ser inegavelmente o jogo mais esperado da rodada, do líder contra o vice-líder, ambos com sequências de vitórias incomuns em Campeonatos Brasileiros (7 celestes contra 4). E os textos contém muitos pontos importantes e descrevem bem a partida, mas o Constelações não poderia ficar de fora, já que é o único blog de tática exclusivo sobre o Cruzeiro Esporte Clube, o líder incontestável do Brasileirão 2013.

O jogo foi de domínio cruzeirense na primeira etapa e de equilíbrio na segunda — em que pese as propostas das equipes terem se alterado no intervalo.

Esquemas táticos iniciais

A diferença entre os 4-2-3-1 de ambas as equipes era a intensidade, e Borges se aproximando dos meias para dar velocidade às trocas de passes

A diferença entre os 4-2-3-1 de ambas as equipes era a intensidade, e Borges se aproximando dos meias para dar velocidade às trocas de passes

O Cruzeiro foi para o jogo no tradicional 4-2-3-1 de Marcelo Oliveira, apenas com a volta de Ceará à lateral direita no lugar de Mayke, que jogou contra o Atlético-PR. O resto da linha defensiva foi igual à daquele jogo, com Egídio na lateral esquerda, Dedé de zagueiro direito e Bruno Rodrigo na zaga esquerda, protegendo o gol de Fábio. Nilton e Lucas Silva fizeram mais uma vez a dupla volância para dar suporte à linha de três meias, com Ribeiro partindo da direita, Goulart se movimentando do centro para as pontas e Willian fazendo a diagonal da esquerda para a área, se aproximando do centroavante Borges.

Oswaldo de Oliveira também armou seu Botafogo no 4-2-3-1 que vem utilizando na temporada toda. De volta da Seleção, o goleiro Jefferson teve sua meta defendida pelos zagueiros Bolívar e André Bahia — este último na vaga do suspenso Dória. Nas laterais, Edilson ficou pela direita e Júlio César foi o esquerdo. Marcelo Mattos fez a marcação principal e Renato tinha um pouco mais de liberdade no meio-campo defensivo, tentando se juntar ao trio formado por Lodeiro, Seedorf e Rafael Marques. Na referência do ataque, Elias.

Pressão na saída

Como vem se tornando comum em jogos no Mineirão, no início do jogo, o Cruzeiro procurou dar o máximo de intensidade, tanto na ofensiva quanto na marcação. Pressionava os zagueiros do Botafogo, forçando-os ou a passes longos — que ficavam quase sempre com a defesa celeste — ou a erros que entregavam a posse da bola perto da sua própria área, ou mesmo dentro dela, como no passe errado de André Bahia que Borges recebeu de presente dentro da área, logo a 3 minutos. Bolívar se recuperou e travou a conclusão.

Já quando tinha a bola, a “novidade” foi o posicionamento de Borges, um pouco mais recuado junto aos três meias, que naturalmente já jogam mais próximos uns dos outros. O camisa 9 ficou mais longe da área e não teve tantas chances de conclusão, mas ofereceu uma linha de passe rápida para dar seguimento e velocidade às jogadas. Destaque para um lance de condução de Goulart, que tabelou com Borges e passou a Willian já dentro da área, com Bolívar travando o chute no último instante.

Verticalidade x cadência

O Botafogo demorou uns dez minutos para passar da linha divisória, tamanho o controle do jogo que o Cruzeiro exercia. Porém, depois dos quinze minutos iniciais, o Cruzeiro arrefeceu um pouco e passou a variar mais a altura da pressão: ora buscava encurtar em cima dos zagueiros e laterais botafoguenses para forçar o chutão, ora fechava o meio-campo e deixava o time carioca com a bola. Com isso o Botafogo cadenciou, pois lhe era vantajoso tirar a intensidade do Cruzeiro naquele momento.

A estatística de posse de bola foi virando lentamente, muito devido aos estilos contrastantes. O Cruzeiro recuperava a bola e aplicava velocidade, tentando resolver rápido a jogada para pegar os defensores cariocas fora de posição e recuando para a sua própria área, e o Botafogo tentando abrir um espaço no excelente sistema defensivo do Cruzeiro. A estratégia cruzeirense acabou funcionando melhor, com Jefferson trabalhando em conclusões de Ribeiro e Willian, além de dois lances de cruzamento rasteiro que por pouco não foram empurrados para o gol, um de cada lado.

Já o Botafogo pouco ameaçou a meta de Fábio. O bom jogo defensivo dos laterais foi um fator, mas Lucas Silva fez uma partida excelente, conseguindo ganhar a maioria dos embates com Seedorf. Isso acabou por fazer o holandês procurar espaços longe da área, para ter tempo com a bola e armar o time de trás, tentando fugir da marcação de Lucas.  Fábio só trabalhou em chute de Elias na entrada da área, mas trabalhou muito bem.

O gol e a mudança

É difícil falar em justiça no futebol, porque este blogueiro sempre acredita que o placar do jogo é o mais justo. Mas merecimento é diferente, e se tinha de haver um vencedor no primeiro tempo, este tinha de ser o Cruzeiro. E no último lance do primeiro tempo isso se comprovou, num repeteco do lance do gol contra o Atlético/PR: escanteio da direita, Dedé segurando o marcador e Nilton sozinho completando de pé para o gol. Desta vez, porém, o volante pegou mais bonito na bola para fazer um golaço.

Apesar de não terem modificações, os times voltaram diferentes. Talvez pela vantagem que conseguiu, o Cruzeiro voltou mais calmo e assistindo o Botafogo trocar passes em sua defesa, provavelmente mais cansado pela intensidade do primeiro tempo. E por isso mesmo o Botafogo, que também tem jogadores de qualidade, imprimiu mais velocidade e foi acuando o Cruzeiro, aos poucos, até que Seedorf, naquele que talvez tenha sido seu único bom lance na partida, deu um belo passe e achou Rafael Marques livre de marcação na área. Bruno Rodrigo tentou tirar, e o zagueiro acabou chutando a perna do atacante botafoguense, que já havia sido dominada por ele. A bola de Seedorf no pênalti passou rente à trave direita, e isso foi o mais perto que o Botafogo chegaria do gol de Fábio.

Trocas

O Botafogo sentiu a perda do pênalti por sua maior referência em campo, e deixou de atacar tanto o Cruzeiro. Mas àquela altura o time celeste já estava no modo “contra-ataque para matar o jogo”, e novamente o Botafogo teve mais a bola nos pés, apesar de não levar tanto perigo como antes do pênalti.

Marcelo Oliveira se viu obrigado a trocar Nilton por Henrique devido a uma lesão do volante-artilheiro, mas aproveitou para lançar Júlio Baptista na vaga de Borges. Júlio foi ser o central e Goulart passou para a referência, mas depois sairia para a entrada de Dagoberto, que foi ser ponteiro direito, com Ribeiro passando a ser o central e Júlio o centroavante. No Botafogo, Oswaldo de Oliveira mandou Hyuri na vaga de Renato, fazendo um 4-3-3 com Marcelo Mattos de único volante e Seedorf tendo a companhia de Rafael Marques no meio-campo ofensivo, e depois lançou Alex na vaga de Elias na referência.

As trocas fizeram a intensidade cruzeirense ser retomada, principalmente nos contra-ataques. E foi numa transição rápida, em bola roubada por Bruno Rodrigo, que Everton Ribeiro entrou driblando na área, caiu e o juiz marcou pênalti duvidoso. Júlio converteu e praticamente matou o jogo. Oswaldo ainda tentaria uma última cartada, com Henrique no lugar de Rafael Marques, lotando o setor ofensivo com dois centroavantes e dois jogadores abertos. Henrique chegou a fazer Fábio defender uma bola, mas um contra-ataque mortal puxado por Júlio Baptista e muito bem concluído pelo próprio em um drible de corpo deu a oitava vitória seguida ao Cruzeiro.

O site WhoScored.com mostra equilíbrio nas finalizações, mas com o Cruzeiro sendo muito mais eficiente (10 chutes certos contra 3)

O site WhoScored.com mostra equilíbrio nas finalizações, mas com o Cruzeiro sendo muito mais eficiente (10 chutes certos contra 3)

Cara de campeão

A proposta de jogo cruzeirense já é bem conhecida: marcação a partir dos atacantes sem a bola, e aproximação e troca de posição dos meias e ultrapassagem dos laterais com a bola nos pés, tudo isso feito com muita intensidade. É claro que nenhuma proposta é perfeita — às vezes o Cruzeiro dá muito espaço, deixando os adversários com tempo demais com a bola nos pés. Porém, seja quando os adversários mudam sua forma de jogar, seja quando não o fazem e exploram os pontos menos fortes do Cruzeiro, como o Botafogo fez, a vitória vem.

Além disso, o comprometimento dos jogadores com o objetivo de campeonar ficou claro na saída para o intervalo, quando o repórter do PFC tentou entrevistar Nilton. O jogador não conseguiu falar devido à emoção de ver a torcida enlouquecida com o seu gol. Indício de comprometimento e motivação.

Se o Cruzeiro vencerá o torneio, ainda é cedo para dizer. Mas que estes ingredientes dão à equipe uma cara de campeão, ah, isso dão.

Cruzeiro 1 x 0 Atlético/PR – Inapelável

Seis vitórias seguidas fazer até mesmo os adversários mais fortes mudarem — não só na estratégia como também no sistema de jogo. O Atlético Paranaense respeitou o Cruzeiro, e mesmo após treze partidas invicto, mudou. Não adiantou muito: as seis vitórias viraram sete num jogo de três estágios bem distintos, e que poderia ter sido bem mais tranquilo se o juiz e a bandeirinha não fossem tão “apressadinhos”.

Plataformas iniciais

Atlético no 4-3-1-2 losango bem compactado e defesa alta encaixou no 4-2-3-1 celeste mas deixou Mayke livre

Atlético no 4-3-1-2 losango bem compactado e defesa alta encaixou no 4-2-3-1 celeste mas deixou Mayke livre

Com Borges de volta, Marcelo Oliveira pode escalá-lo no comando do ataque e escalou ao trio “titular” de meias, com Éverton Ribeiro partindo da direita, Ricardo Goulart centralizado e Willian pela esquerda. Nilton e Lucas Silva foram novamente os parceiros na proteção da área, e a defesa foi formada pelos zagueiros centrais Dedé e Bruno Rodrigo, com Egídio na lateral esquerda e Mayke, na vaga do poupado Ceará, na direita — todos capitaneados pelo goleiro Fábio.

Vágner Mancini não podia contar com o longevo Paulo Baier, e mudou a forma de jogar de sua equipe para encarar o líder no Mineirão. Foi um tradicional 4-3-1-2 losango, mas com compensações defensivas. Debaixo das traves, Weverton teve sua linha defensiva formada por Léo à direita, Manoel e Luiz Alberto no miolo e Maranhão, volante, fechando o lado esquerdo. Bruno Silva ficou plantado à frente da zaga, Deivid à direita e João Paulo à esquerda eram os apoiadores e Everton centralizado na ligação. No ataque, Marcelo fechava o lado esquerdo e Éderson ficava mais por dentro.

Encaixe de marcação

O Atlético começou o jogo muito compacto, com as linhas bem próximas e com perseguições bem definidas. No meio, Deivid colava em Goulart, e os dois apoiadores perseguiam os volantes celestes. Éverton, o meia de ligação, por vezes fechava o espaço no centro sem ter um jogador designado, por vezes fechava o lado direito para bater com Mayke. Marcelo caía pela direita para impedir os avanços de Egídio, e Éderson preferia marcar Dedé à distância.

Assim, ninguém marcava Mayke diretamente. Talvez Mancini esperasse por ali a presença de Ceará, que passa menos que o jovem lateral. Portanto ali era o setor de preferência de saída de bola. Por vezes, Éverton, o meia de ligação, caía por ali para cercar, e por vezes o volante lateral Maranhão subia a marcação no garoto.

Profundidade e velocidade

Mas a defesa do time paranaense jogava alta, um dos requisitos principais para a compactação, dificultando as ações celestes entre as linhas. Também por isso, nos quinze primeiros minutos, o Cruzeiro cadenciou, estudando a melhor forma de sair e atacar, sem dar velocidade. Nesse período, Mayke parecia um tanto nervoso, errando alguns passes bobos e errando domínios de bola, mas depois que o mapa da mina foi descoberto, o Cruzeiro acelerou e intensificou a movimentação. Preferiu a direita e bolas em profundidade, para pegar a defesa atleticana correndo pra trás.

Éverton Ribeiro, Willian, Egídio e o próprio Mayke arremataram contra Weverton nesse período, quase sempre em jogadas de passe vertical nas costas da defesa — assim como o escanteio que originou o gol: bola em profundidade para Mayke finalizar em cima de Weverton que mandou pra fora. Na cobrança, Nílton inverteu os papéis com Dedé e completou sozinho para o gol, de primeira, numa bola difícil — ela ainda resvalou na trave antes de entrar.

A jogada que originou o escanteio do gol foi como muitas outras: profundidade para aproveitar o posicionamento alto da defesa do Atlético/PR

A jogada que originou o escanteio do gol foi como muitas outras: profundidade para aproveitar o posicionamento alto da defesa do Atlético/PR

Mesmo com a vantagem, o Cruzeiro não se deu Logo depois, a arbitragem anularia o segundo gol legítimo e que poderia dar outra cara à partida. No fim do primeiro tempo, Borges também teria oportunidade de ampliar, novamente em jogada de profunidade, mas desta vez sim, ele estava impedido.

Cansaço?

No segundo tempo, a marcação ofensiva do Atlético mudou. Marcelo passou a acompanhar Éderson na semi-pressão aos zagueiros, deixando os laterais livres. A segunda etapa começou como terminou a primeira: antes do relógio ter dado uma volta completa Willian já tinha arriscado para o gol. Depois, Nilton quase fez o segundo num cabeceio, mas Weverton pegou no cantinho e Borges desperdiçou o rebote. Depois Lucas Silva tentaria mais uma vez de fora da área, mas o chute foi bloqueado.

E foi só. Inexplicavelmente — ou, pensando melhor, talvez pela questão física — o Cruzeiro reduziu a velocidade do jogo e deu campo ao Atlético Paranaense. Convidado a atacar, e atrás no placar, o Atlético aceitou a proposta e avançou suas linhas. As três finalizações do primeiro tempo já tinham agora a companhia de mais duas — todas para fora, é verdade, mas agora as estratégias haviam se invertido: o Cruzeiro esperava para contra-atacar e o Atlético tinha mais a bola.

Controle defensivo

Marcelo então promoveu duas trocas de uma só vez. Borges e o amarelado Éverton Ribeiro deram suas vagas e Júlio Baptista e Alisson. Júlio foi ser o central, empurrando Goulart para frente, e Alisson fechou o lado esquerdo, com Willian invertendo. Pernas novas para tentar segurar a bola no ataque e não correr riscos de um injusto empate. Vágner Mancini respondeu tirando Deivid e lançando o meia Felipe, e logo depois mandou Dellatorre na vaga de Marcelo, soltando o time num 4-3-3. A partir daí o Atlético teve mais posse, mas não teve muita eficiência. Foi só aí que Fábio fez sua única defesa no jogo, a única finalização certa do time paranaense durante todo o jogo.

Mancini ainda tentou colocar um homem de área, Roger, na vaga de Éderson, para a famosa tática da bola aérea, mas o Cruzeiro controlava bem o jogo defensivamente e não permitia cruzamentos. A posse de bola atleticana assustava, mas não era produtiva, e era o Cruzeiro quem tinha mais chances de marcar em contra-ataques. No fim, a troca de Willian por Lucca e a sequência interminável de escanteios com Júlio Baptista decretaram o fim da partida.

Chegou a hora

Não só o Atletico finalizou pouco como também concluiu mal e de longe: só 3 foram de dentro da área, e somente 1 foi no gol (Footstats)

Não só o Atletico finalizou pouco como também concluiu mal e de longe: só 3 foram de dentro da área, e somente 1 foi no gol (Footstats)

A vitória do Cruzeiro foi incontestável, diante de um rival direto na ponta da tabela. O jogo só equilibrou no fim porque o Cruzeiro cansou — lembrando que o Atlético não jogou com seu time titular no estadual, e por isso tem um condicionamento físico melhor. Mesmo assim, houve superioridade da defesa celeste sobre o ataque adversário. Não custa lembrar que o Atlético é o segundo time que mais finaliza no campeonato, perdendo apenas para o próprio Cruzeiro. A partida de sábado, no entanto, foi a terceira da equipe paranaense com menos finalizações nas 21 primeiras rodadas — o Atlético só concluiu menos contra Corinthians (na 8ª rodada) e Atlético/MG (10ª).

Encaixar uma sequência de treze jogos sem derrota não é para qualquer equipe. Vágner Mancini chegou ao Atlético Paranaense e conseguiu isso, mas diante de um Cruzeiro que impõe respeito antes mesmo das partidas, mudou sua equipe e conheceu seu primeiro revés — mesmo sendo, na modesta opinião deste blogueiro, a estratégia certa para enfrentar o líder em sua própria casa.

Resta saber se o Botafogo, agora o único rival mais próximo com a derrota do Grêmio, também respeitará o Cruzeiro, modificando ao menos sua estratégia de jogo, ou se irá tentar encarar o time celeste de igual para igual no Mineirão.

Cá pra nós: se Oswaldo de Oliveira preferir a segunda opção, tem muito mais chance de sair derrotado.

Goiás 1 x 2 Cruzeiro – Sem referência

O título acima havia nascido na cabeça deste que vos escreve já na metade do primeiro tempo, pois sintetiza bem o que foi a partida entre Goiás e Cruzeiro no Serra Dourada — atualmente o maior campo do Brasil. Lesionados, os atletas que jogam na referência — jargão do futebol que é sinônimo da posição de centroavante, ou target man no inglês — ficaram de fora. No Cruzeiro, Borges foi vetado pouco antes da partida, e no Goiás já se sabia que Walter dificilmente iria para o jogo — muito mais prejuízo, já que é referência para todo o time e não só para o ataque.

A falta de referência, porém, não estava somente na posição de centroavante, como veremos a seguir.

Formações iniciais

Goulart não foi bem como centroavante e assim o Cruzeiro ficou ficou sem referência tanto no ataque como no meio

Goulart não foi bem como centroavante e assim o Cruzeiro ficou ficou sem referência tanto no ataque como no meio

Marcelo Oliveira escolheu o jovem Alisson para a vaga de Borges, avançando Ricardo Goulart para jogar entre os zagueiros. Com isso, o posicionamento de partida dos três meias também foi modificado — Éverton Ribeiro passou a ser o central, Alisson entrou caindo mais pela esquerda e Willian trocou de lado. O resto do time foi o mesmo que iniciou a última partida, com Fábio no gol, Ceará e Egídio nas laterais direita e esquerda, respectivamente, e Dedé e Bruno Rodrigo na zaga central. Nilton e Lucas Silva mais uma vez fizeram uma boa dupla volância, com o primeiro mais preso que o segundo.

Enderson Moreira armou o Goiás num 4-3-3/4-1-4-1 para encaixar a marcação no meio-campo com o Cruzeiro: um apoiador em cada volante e dois homens abertos para bater com os laterais. A linha defensiva que protegia o gol de Renan tinha Vítor à direita, Walmir Lucas e Rodrigo na zaga e William Matheus na lateral esquerda. David foi o volante, tendo Hugo e Thiago Mendes mais à frente, com Ramon pela direita e Renan Oliveira pela esquerda. Na frente, Neto Baiano.

Respeito

Logo no começo da transmissão do jogo, a TV captou a tradicional reunião no túnel de acesso do Goiás ao gramado. Um dos jogadores falava em não pensar em empate, mas sim em vitória. Irõnico, pois o simples fato de ter que se dizer isso já indica que o empate era considerado um bom resultado. É o efeito da liderança inconteste.

E foi por isso que o Goiás se limitou a esperar o Cruzeiro e marcar forte nos minutos iniciais. Marcou em bloco médio/baixo, com Neto Baiano no círculo central olhando Dedé e Bruno Rodrigo tocarem a bola um para o outro. Se a jogada ia para os pés de Ceará, Renan Oliveira pressionava, e se fosse em Egídio, Ramon subia a marcação. O resto do time se postou num marcação individual por setor: laterais batendo com ponteiros, o volante David com o central, e os zagueiros contra Ricardo Goulart.

O central

Para sair dessa forte marcação, era preciso muita mobilidade. Na teoria, a entrada de Ricardo Goulart na vaga de Borges era exatamente pra isso — se o camisa 31 não é centroavante nato, ele se movimenta mais, saindo da área para inverter posições com os ponteiros e o central. Mas Goulart não fez isso, preferindo se limitar a jogar enfiado entre os zagueiros. E com a adição de Alisson, a linha de três não estava tão entrosada, tanto mais com Éverton Ribeiro por dentro. Assim, o time ficou também sem uma referência no meio-campo central, alguém para se movimentar, receber a bola e distribuir de volta: exatamente o papel que Ricardo Goulart faz.

O resultado direto foi que o Cruzeiro não criou pelo chão e tentava a ligação direta. Porém, Goulart dificilmente é o jogador certo para este tipo de jogo, a famosa disputa de 1ª e 2ª bola. Os zagueiros goianos ganhavam quase tudo. Sem ser agredido como esperava, o Goiás foi se soltando aos poucos e foi avançando o time, sem descuidar de seu esquema de marcação. Mesmo assim, não incomodou muito a meta de Fábio, exceção feita ao chute de Hugo pra fora após roubar uma bola na pressão alta.

Mas o Goiás achou seu gol numa falha de marcação de Egídio (veja imagem abaixo), e com a vantagem voltou ao modo inicial da partida — a meta era dificultar ao máximo as ações ofensivas celestes. Se o discurso do túnel de acesso serve de parâmetro, um vitória simples sobre o líder era um excelente resultado. Porém, a defesa goiana não contava com um passe maravilhoso do garoto Alisson. Tentando deixar Goulart em impedimento, se esqueceu de Willian, que desviou de Renan e empatou.

Fim do experimento

No intervalo, Marcelo Oliveira desfez a tentativa. Recuou Goulart e colocou os três meias nas posições “originais” — Ribeiro na direita, Goulart por dentro e Willian na esquerda — tirando Alisson da partida e lançando Anselmo Ramon. Normalmente seria Vinícius Araújo o escolhido, mas o jovem da base não foi relacionado por estar em vias de servir a seleção sub-20. A ideia era conseguir fazer o tal jogo de primeira e segunda bola, com retenção de posse no ataque, e ainda contar com o entrosamento dos três meias para dominar a posse de bola no meio.

Somente o segundo item funcionou. Com Goulart como central, a diferença no fluxo de passes era visível. Anselmo, porém, destoou do time e não venceu nenhum duelo aéreo, servindo apenas para ocupar os zagueiros do Goiás. Foram os quinze minutos de maior domínio do Cruzeiro na partida, até que Marcelo Oliveira tirou Goulart da partida e mandou Dagoberto. No Goiás, Neto Baiano saiu para a entrada de Júnior Viçosa, mais veloz, mas mantendo o sistema tático.

O período de maior produção ofensiva foi justamente quando Ricardo Goulart estava como central, entre as duas primeiras trocas do Cruzeiro

O período de maior produção ofensiva foi justamente quando Ricardo Goulart estava como central, entre a primeira e a segunda troca

Erro ou acerto?

Difícil dizer que a troca foi um erro após o resultado conhecido, mas no momento não me pareceu a melhor escolha. Dagoberto ainda está voltando de lesão, pegando o ritmo, e notadamente não tem a mesma aplicação defensiva que os outros ponteiros celestes. Além disso, o Cruzeiro novamente ficou sem sua referência de passe no meio-campo, com Éverton Ribeiro voltando a ser o central para dar espaço a Dagoberto na direita. Willian continuou pelo lado esquerdo.

O Goiás passou a dominar a posse de bola novamente e chegou com perigo algumas vezes. Enderson Moreira sentiu que podia vencer e colocou Tartá na ponta direita na vaga de Ramon, para pressionar Egídio. No Cruzeiro, Ceará sentiu cansaço ou lesão, e deixou o gramado para a entrada de Mayke — uma troca que é aparentemente seis por meia dúzia, mas quem acompanha o blog sabe que não é bem assim. Mayke é mais ofensivo e veloz, enquanto Ceará dá mais segurança na marcação.

Virada de líder

No fim, o Goiás se soltou num 4-2-4/4-2-3-1 mas deu campo para o Cruzeiro contra-atacar com Dagoberto e quase matar a partida

No fim, o Goiás se soltou num 4-2-4/4-2-3-1 mas deu campo para o Cruzeiro contra-atacar com Dagoberto e quase matar a partida

Ter queimado a regra três logo aos 25 do segundo tempo acabou por ser determinante, porque três minutos após a substituição, Lucas Silva virou a bola para Dagoberto na direita. Mayke passou como um raio em direção à linha de fundo e foi acionado. Levantou a cabeça e achou Willian na marca do pênalti, fazendo o famoso “facão” da esquerda pra dentro e virando o placar.

Depois do gol, Enderson Moreira tentou abriu totalmente o time num misto de 4-2-3-1 e 4-2-4 super ofensivo com Araújo na vaga de Hugo, recuando levemente Viçosa para o meio. Incomodou, é verdade, mas correu o risco de dar o contra-ataque para o time celeste, que desperdiçou duas oportunidades. Mas Fábio e a trave nos deram a sexta vitória seguida e a manutenção da vantagem na liderança.

Até quando se erra, se acerta

Ousadamente, manterei a minha opinião: a saída de Goulart foi um erro. A entrada de Dagoberto pode ter sido boa, mas a saída de Ricardo diminuiu consideravelmente o domínio territorial no meio-campo, e correu-se risco demais de sofrer um gol por causa disso.

Entretanto, mesmo com este equívoco, o Cruzeiro venceu. E não foi num erro do adversário, mas sim mérito: jogada construída, com passes conscientes, movimentação e excelência técnica. Além disso, contou com uma pitada de sorte nas duas bolas na trave que levou, e ainda com uma grande defesa de Fábio quando o jogo ainda estava em 1 a 1 — nosso capitão foi praticamente um espectador nas últimas partidas, mas provou que quando acionado é um dos melhores do Brasil. Ou seja, todos os ingredientes de um time campeão: elenco variado, qualidade técnica, time entrosado, confiança e sorte.

É aquela história: quando a fase é boa, tudo dá certo.

Cruzeiro 1 x 0 Flamengo – Força e leveza

Com bons desempenhos nas duas pontas do campo, o Cruzeiro completou a quina e fechou o primeiro turno do Brasileirão com uma bela soma de pontos e boa vantagem para o segundo colocado (e que se não fosse um gol do Botafogo no último minuto do jogo contra o Criciúma, poderia ter sido ainda maior).

Foi um jogo mais difícil do que pareceu. Mesmo tendo muito volume de jogo, os jogadores celestes tomaram algumas decisões erradas no momento do passe decisivo. Mas a atuação defensiva quase perfeita em termos táticos compensou a baixa taxa de conversão de finalizações em gols do ataque: 22 tentativas, 5 no alvo e 1 pra dentro.

Os sistemas

Muitas setas nos três meias: intensidade ofensiva e defensiva para abrir espaços com a bola e ajudar na marcação sem ela

Muitas setas nos três meias: intensidade ofensiva e defensiva para abrir espaços com a bola e ajudar na marcação sem ela

Sem Júlio Baptista, o poupado da vez, Marcelo Oliveira mandou a campo o tradicional 4-2-3-1 que tem usado o ano inteiro, com o trio de meias mais móvel da temporada: Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Willian atrás de Borges. Com a volta de Nilton, Henrique cedeu seu lugar ao lado de Lucas Silva na proteção da linha defensiva, formada por Ceará pela direita, Egídio pela esquerda e Dedé e Bruno Rodrigo por dentro, guardando a meta de Fábio.

Mano Menezes inverteu a orientação do triângulo do meio-campo, abandonando o 4-3-3 em favor do mesmo 4-2-3-1 celeste. Sem Felipe, Paulo Victor ficou na moldura, tendo Léo Moura de volta à lateral direita, Wallace e Samir no miolo de zaga e André Santos na lateral esquerda. Luiz Antônio e Cáceres foram os volantes, com Elias desta vez como meia central, e flanqueado por Gabriel à esquerda e Rafinha à direita. Na frente, Hernane continuou no comando do ataque.

Quinze minutos de pressão

O Cruzeiro começou o jogo tentando sufocar o Flamengo, marcando no alto do campo para roubar a bola o mais rápido possível. Com menos de um minuto, Willian já havia tentando o seu primeiro chute, e logo depois foi Éverton Ribeiro quem fez nova tentativa. O Flamengo, porém, se contentou em jogar defensivamente, com linhas bem próximas, exatamente para tentar evitar o toque de bola envolvente que o Cruzeiro tentava impor. Até os 15 minutos, só o Cruzeiro jogou, e o Flamengo só rebatia a bola e esperava novo ataque. O time celeste chegou a ter 75% de posse de bola nesse período.

Depois disso, no entanto, o Cruzeiro baixou sua marcação e deixou os zagueiros do Flamengo livres, talvez numa tentativa de espaçar as linhas do time adversário para encontrar mais liberdade. Não funcionou bem, em parte porque o Flamengo não quis sair para o jogo — continuou simplesmente tirando a velocidade celeste e atrasando o máximo possível os ataques — e em parte porque o único jogador mais criativo da equipe carioca, Elias, estava mais à frente, marcado, e sem estar em sua melhor forma física, e por isso o Flamengo ficou sem saída de bola.

Defesas

Mas isso também foi ocasionado pela ótima marcação do Cruzeiro. Se com a bola o trio de meias tinha certa dificuldade em vencer a marcação adversária, defensivamente eles mostraram uma aplicação impressionante. Até mesmo Éverton Ribeiro, que em jogos anteriores não era tão exigido na marcação, voltou até a linha de fundo para marcar e cobrir o lateral se estivesse por um dos lados, e marcava os volantes quando estava pelo meio. O mesmo pode ser dito de Ricardo Goulart e Willian, que fizeram o tradicional carrossel na linha de três, e por isso marcavam um adversário diferente a cada momento.

Já o posicionamento defensivo do Flamengo era mais rígido. Hernane se alinhava a Elias no centro e o Flamengo desenhava uma espécie de 4-2-4-0 — Dedé e Bruno Rodrigo tinha todo o tempo do mundo com a bola nos pés. Rafinha vigiava Egídio pela esquerda e Gabriel fazia o mesmo com Ceará pela direita, mas o Cruzeiro usava uma estratégia interessante de atrair o time adversário para um lado do campo, puxando o ponta oposto do Flamengo para o centro do gramado, e girava a bola rapidamente para o lateral do outro lado, que ganhava espaço para avançar e fazia o ponta recuar em diagonal.

Último passe

A partir dessa linha, porém, o Cruzeiro teve dificuldade. O Cruzeiro aplicava movimentação, com a já mencionada troca de posições entre os meias e a participação de Lucas Silva como ponto de apoio mais atrás — coisa que o Cruzeiro não tem tanto quando Nilton e Souza estão em campo — e com isso os espaços eram criados, mas o último passe não encaixava ou não saía. Exemplos foram o lance de Willian pela direita em tabela com Éverton Ribeiro, quando cruzou fraco e fechado demais nas mãos de Paulo Victor; e um passe de Willian para Ribeiro que deveria ter sido devolvido — Éverton preferiu finalizar e errou.

O jogo seguiu nessa toada até o fim, não só do primeiro tempo mas como do jogo. Um bom resumo seria: o ataque cruzeirense e a defesa carioca travando um duelo equilibrado e a defesa do Cruzeiro levando ampla vantagem sobre o inoperante e quase inexistente ataque do Flamengo.

Invertendo o lado

No fim do primeiro tempo, uma falta no meio-campo rendeu um cartão amarelo para Egídio, que fez Marcelo Oliveira agir com cautela e tirar o lateral do jogo. Sem um lateral esquerdo reserva devido à lesão de Éverton, Ceará foi deslocado para lá e Mayke entrou no jogo. Isso acabou dando uma solidez defensiva ainda maior, já que a experiência de Ceará falou bem mais alto que os atacantes do Flamengo, e ele simplesmente venceu todos os duelos. Nenhum cruzamento partiu da lateral de onde Ceará se encontrava, tanto no primeiro quanto no segundo tempo.

Por outro lado, sem Egídio e com Mayke, o Cruzeiro acabou ganhando uma opção ofensiva pelo lado “contrário” ao que está acostumado. Ceará naturalmente se resguarda mais e libera Mayke, e foi numa jogada síntese do Cruzeiro 2013 que saiu o gol da vitória. Drible de Éverton Ribeiro, passe para Willian à frente, que recuou para Ricardo Goulart — todos os meias pelo centro e abrindo os corredores — que imediatamente conectou a Mayke, totalmente livre de marcação por causa dessa movimentação. Ele centrou para Goulart, que já estava dentro da pequena área. O camisa 31 errou o cabeceio, mas a bola beijou a trave e voltou em seus pés com o goleiro vendido. Uma dose de sorte, afinal, a sorte acompanha os competentes.

Com Ceará mais preso na esquerda, Mayke pôde se soltar mais e o Cruzeiro acabou preferindo o lado direito para atacar

Com Ceará mais preso na esquerda, Mayke pôde se soltar mais e o Cruzeiro acabou preferindo o lado direito para atacar

Outras trocas

Mesmo depois do gol, as posturas não se alteraram. O Cruzeiro com a bola, atacando e tentando criar, e a defesa do Flamengo mostrando uma determinação tática impressionante. Mano fez sua primeira mexida mandando Nixon a campo na vaga de Rafinha, sem alterar o desenho tático. Talvez fosse uma tentativa de jogar em velocidade às costas de Ceará, mas nosso camisa 2 inutilizou essa substituição com uma atuação defensiva impecável.

No Cruzeiro, Marcelo Oliveira tentou “bagunçar” a rigidez ofensiva do Flamengo tirando Borges, o centro-avante do time para lançar Dagoberto. A princípio, Dagoberto ficou pela esquerda batendo com Léo Moura, com Éverton Ribeiro pelo meio, Willian pela direita e Goulart à frente. Mas a ideia era ter um quarteto totalmente móvel, e que funcionou exatamente dessa forma. Goulart recuava, Dagoberto invertia de lado, Willian passava ao centro e Éverton Ribeiro caía pela esquerda — um verdadeiro carrossel que melhorou um pouco a produção ofensiva. Porém, o último passe continuou não saindo, ou saindo para o lado errado.

Mano trocou ainda Gabriel e Luiz Antônio por Bruninho e Carlos Eduardo. Elias recuou à faixa dos volantes e Carlos Eduardo foi ser o meia central, mantendo o 4-2-3-1. E no Cruzeiro, Alisson entrou na vaga de Willian e jogou mais pelo centro, com os outros três orbitando, mas houve pouco tempo para que o garoto tivesse uma maior influência na partida.

Liquidez e solidez

Muito se fala do ataque do Cruzeiro neste Brasileirão. Maior número de gols marcados, de finalizações e finalizações certas. Quem acompanha o blog sabe que isto se deve também à maleabilidade e intensidade do sistema ofensivo, com o trio de meias e sua movimentação e aproximação, não guardando posição e sempre abrindo linhas de passe para os companheiros.

A posição média mostra como o Cruzeiro foi maleável e o Flamengo rígido; Éverton Ribeiro (17), Ricardo Goulart (31) e Willian (41) atuam tão próximos quee se confundem. Ceará (2) está no centro porque atuou um tempo em cada lateral

A posição média mostra como o Cruzeiro foi maleável e o Flamengo rígido; Éverton Ribeiro (17), Ricardo Goulart (31) e Willian (41) atuam tão próximos quee se confundem. Ceará (2) está no centro porque atuou um tempo em cada lateral

Mas se voltarmos os olhos para a outra ponta do campo também vamos ver um time sólido, taticamente bem postado e com muita intensidade também na marcação. O Flamengo só chutou 5 vezes, e nenhuma delas no gol — Fábio nem sujou o uniforme. O trabalho sem a bola começa já no ataque, e a aplicação dos meias neste jogo em particular saltou aos olhos. Isto vai de encontro ao que Marcelo Oliveira disse no programa “Bem, Amigos!” do SporTV quando lá foi entrevistado: é mais fácil fazer um jogador técnico marcar do que um jogador mais físico e defensivo jogar. Esta aí a prova.

Agora vem o segundo turno. Mais 19 partidas, porém concentradas em um menor espaço de tempo — o desgaste físico pode influenciar. Além disso, a posição incontestável no topo da tabela faz do Cruzeiro um time mais visado, mais estudado, o que é mais um fator de dificuldade.

Mas, para ser campeão, é preciso vencer isso também — e a possibilidade é grande.