Então Diego Souza saiu. Diego vinha sendo o pilar central no meio-campo celeste, o meia por dentro do 4-2-3-1, e sua história no futebol faziam dele um ímã natural da marcação adversária. Entretanto, sua saída pode ser benéfica para o time. Isso porque, nas palavras do próprio Marcelo Oliveira antes do início da partida, com saída do camisa 10, “perdemos na experiência, na proteção da bola, na cadência, mas ganhamos em mobilidade.” E, num 4-2-3-1 moderno, é fundamental que os três meias se movimentem muito. As melhores partidas do Cruzeiro no ano tiveram um Diego Souza com mais energia, saindo do meio e abrindo espaço para os ponteiros ali penetrarem, confundindo a marcação adversária.
Foi um pouco do que aconteceu no Mineirão, no domingo à noite contra o Náutico. Sem Diego, Marcelo Oliveira mandou Lucca em seu lugar, que foi fazer o lado esquerdo, com Ricardo Goulart, que seria o substituto de Luan, suspenso, deslocado para a faixa central. Everton Ribeiro permaneceu na direita. O resto do time foi o de sempre, com Fábio no gol, Mayke e Egídio nas laterais, Dedé e Bruno Rodrigo na zaga, Nilton e Souza na volância e Vinicius Araújo na frente.
No início do jogo, foi difícil definir o desenho que Zé Teodoro imaginou para o time pernambucano, principalmente no meio-campo. O goleiro estreante Ricardo Berna tinha em sua linha defensiva Maranhão pela direita, João Felipe e William Alves na zaga e Eltinho na lateral esquerda. No ataque, o centro-avante Olivera tinha a companhia de Rogério, caindo pelas pontas, e um pouco mais atrás estava Marcos Vinicius. Os três homens restantes eram volantes, com Auremir mais preso e mais à esquerda, e Derley e Magrão com mais liberdade para sair, Derley pela direita e Magrão pelo centro. Algo entre um 4-3-1-2 losango (porém com os volantes alinhados) e um 4-3-3 defensivo, com o meio-campo em linha e Marcos Vinicius saindo do centro para o lado esquerdo.
Ritmo forte pela esquerda
Como vem acontecendo frequentemente, o Cruzeiro começou o jogo marcando por pressão no alto do campo. Isso resultou numa posse de bola que chegou a 80% em um determinado momento do primeiro tempo. Auremir ajudava Eltinho a fechar o lado esquerdo da defesa pernambucana, provavelmente tentando bloquear as investidas de Everton Ribeiro por ali, e como Mayke ficava um pouco mais preso, muito provavelmente sob determinação de Marcelo Oliveira, era natural que Egídio e Lucca tivessem mais liberdade pela canhota. Também porque Rogério não voltava acompanhando o lateral cruzeirense, e quem tentava ajudar o pobre Maranhão era Derley, que era um volante pela direita com mais liberdade para atacar.
Com menos de dez minutos de jogo, o lateral direito do Náutico já se via combantendo dois cruzeirenses ao mesmo tempo, e foi assim que saiu a jogada do primeiro gol. Egídio e Lucca fizeram o dois contra um, passe do primeiro para o segundo, livre, cruzar para o gol de Ricardo Goulart.
O gol muda o jogo
Como é normal no futebol, o resultado corrente da partida muda as estratégias. Em tese, o Náutico teria que ter mais a bola nos pés, saindo de suas trincheiras para tentar levar mais perigo ao gol de Fábio. Com isso, o Cruzeiro teria mais espaço para jogar. As duas coisas aconteceram, mas não por iniciativa do time pernambucano e sim por que o Cruzeiro começou a errar passes em demasia, principalmente os passes mais incisivos. Com mais espaço, as tentativas de um passe mais difícil são maiores, e também os erros. No fim da partida, Everton Ribeiro ilustrou bem isso em sua entrevista: “Eles abriram muito, então fica mais fácil de errar porque a gente tenta mais.”
Além disso, o técnico Zé Teodoro mandou Marcos Vinicius e Rogério inverterem de lado no 4-3-3 com meio-campo em linha. O jovem meia Marcos Vinicius é, teoricamente, mais “defensivo” que seu companheiro de time, atacante, e agora tinha de acompanhar Egídio, deixando Mayke por conta de Rogério. Funcionou em certa medida, e o lateral esquerdo só levou algum perigo em jogada de condução da bola em velocidade, que vem sendo uma de suas características mais marcantes. O cruzamento passou perto do pé de Ricardo Goulart, mas não o encontrou.
Trio leve pela direita
Corroborando o que Marcelo Oliveira disse antes do jogo, é notória a diferença da movimentação do trio de meias sem Diego Souza — e sem Luan, pelo mesmo motivo. Ricardo Goulart não se escondeu do jogo, se movimentou pelos flancos e apareceu na área — como no lance do gol. Pela esquerda, ajudava Lucca, que é muito mais leve que Luan, mas fazendo a mesma função de acompanhar o lateral adversário sem a bola.
Mas essa característica de leveza apareceria bem mais após o intervalo, que não teve substituições mas teve mudanças: Ricardo Goulart agora era ponteiro esquerdo, Lucca era o direito e Everton Ribeiro ficou por dentro. Auremir também inverteu o lado da sua marcação e foi ajudar Maranhão contra Egídio e Goulart. Mas isso acabou liberando espaço na direita que, antes inexplorado, agora era invadido por Mayke e Lucca, sendo ajudados por Everton Ribeiro. O jovem lateral celeste tinha sempre muito espaço para avançar sem ser incomodado, já que nem Rogério nem Marcos Vinicius acompanhavam suas ofensivas.
Tanto espaço acabou por ser explorado justamente por Everton Ribeiro, que puxou um contra-ataque pelo meio, avançando de forma meio atabalhoada. Ele achou Lucca mais à frente e fez a ultrapassagem, onde não havia ninguém do time pernambucano. Lucca recuou para Vinicius Araújo, que deu um passe magistral de volta para o camisa 17. O goleiro salvou o primeiro, mas na segunda jogada Vinicius Araújo, que estava fora da área quando fez o passe, apareceu como um bom centro-avante e fuzilou.
Poucos minutos depois, uma jogada que mostrou bem a postura cruzeirense. Everton Ribeiro pressionou a zaga e roubou a bola, achando Mayke totalmente livre pela direita. O cabeceio de Ricardo Goulart, do outro lado da área, só parou na mão do zagueiro.
Trocas
Zé Teodoro continuou o jogo de xadrez trocando Magrão por Jonatas Belusso, atacante, que foi jogar na ponta esquerda. Rogério permaneceu na ponta direita e o time agora tinha uma cara mais definida, um 4-2-1-3. Não era 4-2-3-1 porque os pontas continuavam não voltando com os laterais, mas a presença destes dois jogadores abertos nas pontas inibiu o ímpeto ofensivo de Egídio e Mayke, e o Cruzeiro perdeu um pouco do volume. Mesmo assim, a defesa sobressaía, principalmente sobre Marcos Vinícius, que seria substituído poucos minutos depois por Dadá, que é volante, mas fez a mesma função.
No Cruzeiro, Lucca deu seu lugar a Martinuccio, que inicialmente ficou pelo centro, deslocando Ribeiro para a direita. Goulart permaneceu do lado esquerdo, por onde fez a jogada do segundo gol. Tentou aplicar um drible em João Felipe, mas o zagueiro tomou-lhe à frente, tentando proteger para ganhar o tiro de meta. A insistência valeu a posse de bola dentro da área, de onde passou a Vinicius Araújo fazer o seu segundo na noite.
Com grande vantagem, o Cruzeiro tirou o pé e se contentou em segurar o time pernambucano, que não conseguia incomodar muito. Anselmo Ramon entrou na vaga de Vinicius Araújo e Tinga na de Ricardo Goulart. O primeiro para fazer o famoso jogo de pivô — destacado na jogada com Nilton ultrapassando e que seria um golaço — e o segundo pra encorpar o meio e dar mais cadência à partida já decidida. Zé Teodoro ainda tiraria Olivera para mandar Jones Carioca na ponta direita e empurrando Belusso para o centro do ataque, mas o jogador mais defendeu do que atacou.
Bons frutos
A experiência de Marcelo Oliveira no início do segundo tempo tem que ser repetida mais vezes, a saber: Everton Ribeiro no centro da linha de três. Boa visão de jogo, bom passe e velocidade suficiente para puxar um contra-ataque veloz, precisando apenas melhorar a finalização. Com a chegada de Willian, envolvido na negociação com Diego Souza e que faz bem o lado direito, é muito provável que isso aconteça, fazendo o Cruzeiro ficar num 4-2-3-1, digamos, mais “tradicional”, com dois ponteiros atacantes de ofício (ao invés de um meia e um atacante, como é hoje), voltando com o lateral adversário.
Mas se o treinador optar pelo modelo atual, Ricardo Goulart provou hoje que tem condições de ser um meia central eficiente. Ele já havia mostrado isso no primeiro jogo da temporada, quando jogou na mesma posição, e nessa partida foi eleito o melhor em campo pelo site WhoScored.com. Além disso, a se destacar as atuações de Vinicius Araújo, cada vez mais à vontade no comando do ataque, Egídio, que ainda tem problemas defensivos mas qualidades indiscutíveis no apoio, e Nilton, se acostumando à função de primeiro volante.
Negativamente, o número excessivo de passes errados. Isso é um pouco relativizado pelo fato de que o entrosamento que tinha sido conquistado até aqui tenha diminuído com a mudança das peças do time: as lesões de Ceará, Borges e Dagoberto; a suspensão de Luan, que vinha sendo o titular na ausência dos dois primeiros; a entrada de Souza na equipe, mudando um pouco a característica do time; e agora a saída de Diego Souza, titular até então absoluto de Marcelo Oliveira.
É claro que o impressionante número de 8 gols em dois jogos são diminuídos pela fragilidade dos adversários, mas é isso o que bons times fazem: massacram os adversários fracos. Há times grandes por aí que sofrem pra vencer os considerados pequenos, isso quando vencem. Mas será nas próximas rodadas que o Cruzeiro mostrará a que veio nesse campeonato, pois são jogos contra São Paulo, que mesmo em crise, é uma pedra no sapato celeste, e Atlético/MG, em alta por causa dos resultados que nunca teve na Libertadores. Bons resultados nesses jogos credenciarão o time de vez ao título.
E, sinceramente? Esse ano dá pra chegar.
Cristiano,
ótima leitura.
Acho que a palavra que resume a partida, do ponto de vista ofensivo, foi movimentação. A saída do Diego abriu inúmeras possibilidades para o M. Oliveira rodar mais o elenco e melhor explorar as peças que possui. No 4-2-3-1 velocidade no toque de bola, compactação e recomposição rápidas são as chaves para o sucesso. Para isso, jogadores rápidos são fundamentais. Por mais que percamos na questão da posse de bola, força física e chutes, essas características do Diego não estavam resultando em muitos gols ou superioridade celeste quando ele estava em campo. Mais que isso, o M. Oliveira pode também utilizar outros esquemas, por exemplo, com dois meias num 4-2-2-2 ou um 4-3-3, uma vez que não mais existe a necessidade de escalar o Diego e a equipe contará com um atacante pela direita, que será o Willian.
Destaco também as partidas do Lucca, do Souza (a bola ainda vai entrar). Negativo foi o nosso setor defensivo, que ainda mostra reflexos da falta de organização e compactação que já discutimos aqui.
Achei sua frase ultima muito pertinente. O Brasileiro é um campeonato de chegada, não adianta disparar agora e depois perder desempenho, o resultado já sabemos. Mas, mantendo-se entre os primeiros, acertando o time neste caminho e arrancando na hora certa é possível sim chegar ao título. Baseado no cenário atual, é difícil identificar um time favorito absoluto ao título, então, se nós torcedores, o time e o M. Oliveira acreditarem, é possível sim sermos campeões. E as perspectivas para o futuro são ainda melhores, pois o trabalho deste ano, em se mantendo, é de longo prazo.
Excelente análise, especialmente a do Náutico, que teve dinâmica bem complexa.
Concordo que Goulart seja o substituto natural de Diego Souza. Quando (e se) Dagoberto voltar, o trio fica ainda mais qualificado. Claro que, sendo cada jogo uma história, possa haver Luan quando velocidade não for uma vantagem significativa.
Reluto em ceder ao otimismo “nível título”. O time é excelente, tem um bom técnico e está ganhando corpo. No entanto, a irregularidade fora de casa pode permitir “somente” um G4. O que acho promissor para um trabalho de um ano.
João Paulo, é uma questão de gosto, mas não vejo com bons olhos um 4-2-2-2, acho que o time fica estreito demais e fácil de marcar. Gosto de times com ampluitude, que abrem o campo. Pela mesma razão, gosto MUITO do 4-3-3 clássico, com dois meias e dois pontas. Mas ele tem o problema de ser pouco defensivo. Dependendo dos jogadores, dá pra fazer.
Rodrigo, eu sei que fui otimista demais. Mas veja, antes de ser um entusiasta da parte tática do futebol, eu sou Cruzeirense. Então, este blog é mais torcedor que analítico. 🙂
Também reluto em ceder ao otimismo, mas o segundo tempo contra o Náutico mostrou a melhor forma de jogar com o elenco que temos, com intensa movimentação e troca de posições entre os três “meias”, mas com E. Ribeiro em princípio mais centralizado. A saída de Diego Souza deu leveza ao time e a chegada de Willian, com as futuras recuperações de Dagoberto e Elber darão várias opções interessantes.
Se conseguirmos duas vitórias ou, pelo menos, 4 pontos (mas com futebol convincente) nos próximos dois jogos, eu vou aderir ao coro do “esse ano dá pra chegar”.
E para o próximo jogo, Marcelo tem que manter Lucca e Goulart, que estão ganhando entrosamento e estão numa crescente (especialmente o Lucca, que está ganhando confiança). Para o esquema tático e a movimentação que o Marcelo pretende, voltar com o Luan é uma escolha infeliz, quase ingênua.
O retorno de Luan na ponta esquerda seria um retrocesso na evolução do time. Lucca é tão capaz de voltar na marcação quanto o ex-palmeirense. Luan deveria brigar por posição no comando de ataque, onde força física, proteção de bola e espírito brigador são mais úteis. No lado esquerdo, ele trava o time.
E o que fazer em relação à Dedé? Quase complicou o jogo. Ele parece não estar 100% fisicamente. Se Dedé fosse pro banco, isso desmotivaria a torcida e alimentaria na imprensa especulações desnecessárias, porém penso que B. Rodrigo não é o parceiro ideal. Ambos tem características semelhantes. Já Paulão é mais rápido e pode jogar mais na sobra, além de ser melhor no jogo rasteiro e melhorar a saída de bola.
Um detalhe: Na saída de bola, Mayke sempre se posiciona muito avançado no campo, praticamente na linha dos meias. Não sei se por ímpeto dele ou orientação do treinador. Isso diminui as opções de passe na defesa, prejudicando a transição ofensiva.