Cruzeiro 2 x 2 Ponte Preta – À brinca

Dois descuidos da zaga, no início e no finzinho do jogo, tiraram os três pontos do Cruzeiro de ressaca pelo título conquistado oficialmente em Salvador. Méritos da Ponte Preta, que se defendeu bem e aproveitou as pouquíssimas oportunidades de gol que teve.

Mas ouso dizer que caso o Cruzeiro tivesse encarado o jogo “à vera” e não “à brinca”, o resultado com certeza seria outro.

Sistemas iniciais

Ataque contra defesa: teoricamente a Ponte veio num teórico losango, mas Rildo e Adrianinho afundavam tanto que parecia um 4-5-1 em linha

Ataque contra defesa: teoricamente a Ponte veio num teórico losango, mas Rildo e Adrianinho afundavam tanto que parecia um 4-5-1 em linha

O Cruzeiro, como todos sabem — menos o cara que faz a arte com a disposição tática antes dos jogos na TV — joga no seu costumeiro 4-2-3-1, mas desta vez com muitas novidades. Fábio, que será o primeiro jogador a colocar a mão na taça no dia 1º de dezembro, não foi poupado e defendeu a baliza celeste mais uma vez, protegido pelos zagueiros Paulão e Léo, com Ceará e Éverton fechando a defesa pelas laterais. Souza e Henrique formaram a dupla volância, dando suporte a Júlio Baptista como central e a Éverton Ribeiro e Willian de ponteiros, com Ricardo Goulart na frente.

Jorginho escalou a Ponte Preta num teórico 4-3-1-2 losangal. Na prática o desenho se deformou pela postura defensiva do time de Campinas na partida. O gol de Roberto foi defendido por Artur à direita, César e Ferron no miolo e Uendel à esquerda. Baraka era o “cão de guarda” da defesa, e era acompanhado nessa tarefa por Fernando Bob e Fellipe Bastos como os vértices laterais do losango. Adrianinho era o único meia criativo, com o atacante Rildo posicionado quase como um ponteiro esquerdo e Leonardo centralizado na referência.

Estacionando o ônibus

Antes do gol, o jogo já dava sinais de que seria praticamente um exercício de ataque contra defesa. E na primeira investida, cochilo de Léo na marcação de Leonardo, que iniciou a jogada sob a marcação do zagueiro, mas entrou na área para concluir livre. Talvez porque Léo se acostumou a jogar na esquerda da zaga quando fez parceria com Dedé — quando joga ao lado de Paulão, ele fica no seu lado preferido, o direito, no qual já foi até lateral.

O gol só fez acentuar a característica do jogo. Desesperada para fugir do rebaixamento, a Ponte Preta só se defendia. Nem contra-ataques arriscava, deixando apenas Leonardo já na sua intermediária defensiva como o homem mais avançado. O losango de meio-campo se planificou, Rildo voltava acompanhando Ceará, e Adrianinho afundava entre os volantes, transformando o time praticamente um 4-5-1 — assim mesmo, com cinco jogadores quase alinhados no meio-campo.

Sem conseguir entrar na defesa campineira, o Cruzeiro abusou de cruzamentos e finalizou bastante, mas com pouco perigo. E a partir dos 30 minutos, a Ponte conseguiu sair um pouco de trás e aproveitava algumas falhas provenientes do desentrosamento dos defensores do Cruzeiro: dois jogadores na pressão da bola e nenhum na cobertura, por exemplo, abrindo espaços que normalmente o Cruzeiro não cede.

Flagrante do desentrosamento da defesa celeste: nesta bola, Paulão devia dar o combate e Ceará devia estar em Rildo, mas o atacante ficou sozinho para receber

Flagrante do desentrosamento da defesa celeste: nesta bola, Paulão devia dar o combate e Ceará devia estar em Rildo, mas o atacante ficou sozinho para receber

Segunda etapa

Após virar o intervalo na frente, Jorginho acreditou na proposta. Apenas trocou Fellipe Bastos por Magal, na direita do “losango” — entre aspas porque o jogo voltou ao padrão ataque-defesa do primeiro tempo, fazendo com que a Ponte afundasse o seu meio-campo para marcar o Cruzeiro. Só que desta vez, Éverton Ribeiro começou a jogar pra valer: chamou o jogo pra si e começou a distribuir como nunca, mas as finalizações dos companheiros não eram boas.

Depois de quinze minutos, Marcelo Oliveira resolveu que era hora de tentar vencer, para dar alegria ao torcedor uberlandense. Em duas trocas, mandou Élber e Vinícius Araújo nas vagas de Júlio Baptista e Henrique, inovando: montou um 4-2-3-1 com Élber, Goulart e Willian atrás de Vinícius, mas com Éverton Ribeiro como um “armador recuado”, posicionado como volante, mas que só tinha a função de pensar o jogo. Na prática, era um 4-1-4-1/4-3-3, pois a Ponte praticamente não atacava.

Virada

Após as trocas, Cruzeiro todo no ataque, mesmo quando já vencia, com Éverton Ribeiro distribuindo: o risco era ter marcação frouxa no meio-campo. Assim saiu o segundo gol do time de Campinas

Após as trocas, Cruzeiro todo no ataque, mesmo quando já vencia, com Éverton Ribeiro distribuindo: o risco era ter marcação frouxa no meio-campo. Assim saiu o segundo gol do time de Campinas

A terceira troca, Éverton por Luan, já estava preparada antes mesmo do empate, num cabeceio de Souza em cobrança de escanteio de — não poderia ser outro — Éverton Ribeiro. Luan entrou como lateral-esquerdo mesmo, indicando a vontade de Marcelo de atacar a todo custo. Àquela altura, Willian já fazia mais companhia a Vinícius Araújo dentro da área ofensiva do que a Éverton Ribeiro no meio. Goulart passou à esquerda e o time ficou numa espécia de 2-1-3-4 — sim, porque os laterais estavam tão avançados que já não eram mais defensores.

Jorginho lançou Elias na vaga de Adrianinho numa troca direta, de meia por meia, mas era um jogador descansado. E pouco depois, mandou Rafael Ratão na vaga de Rildo, que neste jogo não foi atacante e sim “marcador de lateral”. Mas o jogo não mudou, e mais uma vez Éverton decidiu: recebeu um passe de Vinícius Araújo e viu a movimentação do garoto, colocando uma bola precisa e preciosa para o camisa 30 chutar de primeira e fazer um dos gols mais bonitos da rodada.

O Cruzeiro até que tentou mais vezes, mas em mais um descuido — desta vez de todo o sistema defensivo — a Ponte conseguiu achar o empate, num contra-ataque nem tão rápido assim, mas que pegou a defesa celeste se recompondo. Quem erra a interceptação do passe para Leonardo é Souza, que está fazendo a cobertura de Paulão, voltando lentamente de um ataque. Como era o único volante, não havia marcadores para impedir o passe original de Elias.

Filosofia vitoriosa

No primeiro texto do ano, este blog destacou o provável estilo de jogo que o Cruzeiro teria este ano, baseado nas contratações feitas. Seria um resgate do futebol ofensivo, de toque de bola, que é a escola histórica do Cruzeiro. Deu muito certo, ainda mais considerando que é uma equipe ainda em processo de amadurecimento.

Sim, pois como disse Fábio na sua entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN Brasil: “depois da eliminação para o Flamengo na Copa do Brasil, chegamos à conclusão de que nós não sabíamos jogar nos defendendo”. E sabendo dessa limitação, a partir dali o Cruzeiro arrancou para o título jogando da forma que sabe: atacando sempre, com intensidade.

Mas a frase também indica que há espaço para melhorar. Um time maduro consegue se adaptar sem problemas às características de uma partida, e haverá sim momentos em que o adversário tentará atacar de todas as formas. A Libertadores é uma competição que tem esse lado.

É preciso, portanto, saber variar a estratégia, mas sem variar o estilo. Porque deixar de ser um time de toque de bola, jamais.

Vitória 1 x 3 Cruzeiro – Jogando por diversão

O Cruzeiro não foi perfeito na partida contra o Vitória. Tampouco jogou com a mesma intensidade e qualidade de outras jornadas. Porém, sem o peso da pressão pelos três pontos, o Cruzeiro acabou jogando despreocupadamente, mas sem perder a seriedade, e acabou por fazer três gols quase sem fazer força contra uma boa equipe, que vinha em ascensão no campeonato, e fora de casa.

Nem era necessário vencer para confirmar o título, mas a forma como veio o triunfo foi, de certa forma, um símbolo da superioridade celeste ao longo de todo o campeonato.

Escretes iniciais

O 4-3-1-2 losango do Vitória causou problemas para Mayke e Egídio, por causa da movimentação de Escudero e do pouco auxílio dos ponteiros do 4-2-3-1 celeste

O 4-3-1-2 losango do Vitória causou problemas para Mayke e Egídio, por causa da movimentação de Escudero e do pouco auxílio dos ponteiros do 4-2-3-1 celeste

Desta feita, Marcelo Oliveira tinha vários desfalques para a montagem do time. Ao lesionado Bruno Rodrigo se juntou Nilton, e Ceará e Éverton Ribeiro estavam suspensos. Para seus lugares, o treinador escolheu, além de Léo, Leandro Guerreiro, Mayke e Willian, formando seu 4-2-3-1 costumeiro com Fábio no gol, Mayke pela direita da defesa, Dedé e Léo no miolo e Egídio pelo lado esquerdo. Na volância, Leandro Guerreiro se plantou à frente da zaga e soltou Lucas Silva para se juntar ao trio de meias-atacantes, com Willian à direita, Dagoberto à esquerda e Ricardo Goulart como central, atrás do artilheiro baiano Borges.

Ney Franco montou o vitória num 4-3-1-2 muito móvel, que variava para o 4-2-3-1 com a movimentação de Escudero pela esquerda e o recuo de Marquinhos pela direita. No modo losango, o goleiro Wilson tinha Victor Ramos e Kadu como zagueiros centrais, ladeados por Ayrton à direita e Juan pela esquerda. Marcelo ficava centralizado à frente da área, tendo Luís Cáceres à direita ligeiramente mais avançado, e Escudero à sua esquerda, mas quase na linha do ponta-de-lança Renato Cajá. Marquinhos era o atacante móvel, principalmente pela direita, e Dinei fazia a referência, mais por dentro.

Flancos expostos

O jogo começou com o Cruzeiro tendo alguns problemas defensivos pelos flancos. Com Willian e Dagoberto em campo, o time fica muito agudo e com menos poder de recomposição, ainda que Willian recuasse com Juan por alguns momentos. Com Leandro Guerreiro tendo dificuldade em fazer a cobertura com a mesma qualidade que Nilton, os laterais ficaram expostos demais, principalmente Mayke pela direita, que tinha que vigiar Escudero e Juan ao mesmo tempo. Do outro lado, Ayrton não ajudava tanto a Marquinhos, mas Egídio também teve dificuldades.

Porém, o Vitória foi acometido por um mal que o Cruzeiro já sofrera neste certame: a má pontaria. Marquinhos teve uma chance de ouro em erro de Leandro Guerreiro na saída, recebendo um passe de Renato Cajá e mandando nas mãos de Fábio, e depois Escudero ficou livre para a finalização na entrada da área após jogada pela direita, mas mandou por cima. A principal chance, porém, foi uma jogada na qual Juan avançou pelo centro, com Escudero mais aberto, e que confundiu a marcação de Mayke. O lateral do time baiano recebeu passe de Cáceres e ajeitou para Dinei, sozinho e de frente para Fábio, mandar à direita.

O Vitória foi o time que mais tentou o gol na rodada, mas, ao contrário do Cruzeiro, não era eficiente; e quando acertava a o gol, tinha Fábio pela frente

O Vitória foi o time que mais tentou o gol na rodada, mas, ao contrário do Cruzeiro, não era eficiente; e quando acertava a o gol, tinha Fábio pela frente

Precisão cirúrgica

Se atrás o Cruzeiro escapava por pouco de sofrer o gol, na frente não deixava de atacar, ainda que sem o mesmo toque de bola. O comentarista já dizia, não se pode errar contra este time. Borges já tinha conseguido um lance típico de centroavante, girando na marcação e tocando no cantinho, com a bola passando muito perto da trave. Mas foi num chutão da defesa que o Cruzeiro “ensinou” ao Vitória como jogar em velocidade: Dagoberto ganhou a disputa aérea e imediatamente lançou Willian, livre, que avançou e venceu Wilson.

Era apenas a quarta finalização do Cruzeiro no jogo, a segunda na direção do gol, contra 9 do Vitória àquela altura. O Cruzeiro ainda é o time que mais finaliza no campeonato, mas também tem a melhor eficiência, com praticamente 46% das conclusões indo na direção do gol — um belo indício do estilo de jogo ofensivo e que prevaleceu sobre todos os outros no torneio.

Primeiras trocas

O gol fez o Vitória perder um pouco o norte, e o primeiro tempo acabaria mesmo com o Cruzeiro na frente. No intervalo, Ney Franco desfez o losango, tirando Renato Cajá para a entrada de William Henrique, que foi jogar na ponta esquerda em cima de Mayke. Com isso, Escudero foi “oficializado” na meia-esquerda, e assim o time passou para um 4-3-3. Já Marcelo Oliveira promoveu a entrada de Éverton na vaga de Egídio, com dois objetivos. Um era reforçar um pouco mais a marcação naquele setor, e o outro era rodar o elenco, àquela altura já matematicamente campeão. Era um experimento, por assim dizer.

Ironicamente, as duas trocas funcionaram a favor do Cruzeiro. Sem um armador central, o Vitória forçou ainda mais pelos flancos, mas Éverton de fato segurou o ímpeto ofensivo de Marquinhos de maneira mais eficiente que Egídio pela esquerda. Na direita, Mayke tinha um alvo de marcação bem definido, que era William Henrique. Teve trabalho, mas foi bem melhor que no primeiro tempo, exceção feita ao lance do gol, mas que é totalmente perdoável — depois de um chutão de Léo que rebateu em um jogador do Vitória, Mayke errou o tempo da bola e não conseguiu interceptá-la, e ela sobrou para William Henrique. Dedé abandonou Dinei e foi na cobertura, e por isso o centroavante recebeu o passe por cima, concluindo em cima de Fábio — a bola rebateu nele mesmo e foi para o gol.

Clima de festa

No segundo gol, a movimentação de Goulart e Júlio confunde Ayrton, que é atraído para dentro e acaba abandonando Dagoberto

No segundo gol, a movimentação de Goulart e Júlio confunde Ayrton, que é atraído para dentro e acaba abandonando Dagoberto

Depois disso, quase nada aconteceu por 20 minutos, até a segundas trocas dos times. O Cruzeiro não forçava muito pois já era campeão, e jogava leve. Já o Vitória tinha dificuldade para penetrar na defesa celeste, agora melhor postada. Ney Franco soltou o time de vez tirando seu único volante de marcação, Marcelo, para promover a entrada de Euller na lateral esquerda, mudando Juan para a meia-direita e fazendo Cáceres ser o meio-campista mais recuado. Marcelo fez uma a troca já corriqueira, Borges por Júlio Baptista, avançando Goulart.

O Vitória melhorou, mas nem bem tentava imprimir seu ritmo o Cruzeiro aumentou com muita tranquilidade. Willian carregou pelo meio e viu a movimentação de Goulart e Júlio Baptista, que também atraiu a atenção do lateral Ayrton. Dagoberto ficou livre, e a bola chegou diretamente ao camisa 11. Dali, foi só rolar pra dentro para Júlio Baptista colocar o campeão novamente na frente.

Fim de jogo?

O time da casa “sentiu” o gol, na gíria do futebol. Mas neste caso foi um pouco diferente, era o peso do time campeão, do melhor ataque do campeonato, de um elenco com muita qualidade. Só chegou quando o Cruzeiro tinha 10 em campo, com Léo fora do gramado para receber atendimento: Kadu acertou a trave após ficar sozinho na área, no lugar onde provavelmente Léo estaria.

Antes do lance, Marcelo Oliveira havia mandado Tinga a campo na vaga de Dagoberto, numa rara troca mais defensiva — o cabeludo ficou pela direita mesmo, ajudando Mayke na marcação. O Vitória perdeu força de ataque e o jogo parecia estar no fim, mas não antes do Cruzeiro marcar o terceiro gol, com muita tranquilidade de Willian, o assistente, e de Ricardo Goulart, o autor do gol. Nenhum deles sofria combate próximo.

Ney Franco ainda desfez a linha de quatro com o atacante Pedro Oldoni na vaga do lateral Ayrton. Não havia sistema de jogo, era só atacar para tentar diminuir, mas o máximo que o time baiano fez foi consagrar Fábio em um chute de William Henrique.

Qualidade pura

Além de confirmar o título, mesmo que a vitória não fosse necessária, a partida de quarta-feira serviu para mostrar a qualidade verdadeira deste elenco celeste e de seu treinador. A pressão pelo triunfo é um fator psicológico que pode ajudar ou atrapalhar um time, dependendo das circunstâncias. Neste jogo, porém, vimos uma equipe desobrigada de vencer, sem pressão, e por isso jogando um futebol em estado puro, apenas na base da técnica e da tática. E por isso prevaleceu: pois tem jogadores melhores e um treinador que soube explorar as características de seus comandados, armando um sistema que hoje é muito bem assimilado por todo o elenco.

Título garantido, já se pode projetar a temporada seguinte. Certamente chegarão reforços e Marcelo provavelmente poderá pensar em variações, que devem ser treinadas no início do ano, já que 2014 terá um calendário ainda mais apertado que 2013, sem tempo para treinamentos táticos. Variações que não só são necessárias no que se refere ao sistema de jogo, mas também ao estilo: em alguns momentos, é preciso se defender mais do que atacar, como na partida contra o Flamengo pela Copa do Brasil. A Libertadores tem este caráter decisivo em sua fase eliminatória, e isso é um ponto a melhorar nesta equipe.

Mas, se essa equipe foi campeã em seu primeiro ano junta, podemos esperar voos ainda mais altos daqui pra frente.

Três volantes e um armador? Não, é um meia e três atacantes.

Três volantes e um armador? Não, é um meia e três atacantes.

Cruzeiro 3 x 0 Grêmio – Bola no pé e taça na mão

As compensações de marcação feita por Renato Gaúcho até que compensaram os problemas clássicos do sistema com três zagueiros, que já havíamos visto no jogo do turno. Mas acabaram por ceder demais a posse de bola ao Cruzeiro, e este time, com a bola nos pés, é muito difícil de ser parado.

A vitória, apoteótica, foi digna de levantar o caneco. Os livros de história do futuro deveriam registrar esta partida como sendo a que selou a taça, ainda que a matemática brigue contra o óbvio.

Escalações

Werley encostava em Dagoberto para liberar Pará, mas do outro lado Bressan fazia a sobra com Rhodolfo na marcação em Borges: uma das compensações do 3-1-4-2 gaúcho contra o 4-2-3-1 celeste

Werley encostava em Dagoberto para liberar Pará, mas do outro lado Bressan fazia a sobra com Rhodolfo na marcação em Borges: uma das compensações do 3-1-4-2 gaúcho contra o 4-2-3-1 celeste

Marcelo Oliveira e seu imutável 4-2-3-1: Fábio, o melhor goleiro do Brasil, teve sua linha defensiva com Ceará e Egídio nas laterais e Léo acompanhando Dedé na zaga central. Nilton protegia a área e tinha Lucas Silva a seu lado, mais solto para receber o passe de retorno e inverter o lado da jogada quando os meias Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Dagoberto não conseguiam um lance mais incisivo para eles mesmos ou Borges, no comando do ataque, concluírem.

Renato Portaluppi, o Gaúcho, escalou o Grêmio na fórmula que levou seu time ao grupo dos 4 primeiros: três zagueiros e três volantes, com um mais plantado e liberando os alas — mas com uma particularidade nesta partida, como veremos mais adiante, fazendo um 3-1-4-2. A meta de Dida, velho conhecido, foi protegido por Werley à direita, Rhodolfo centralizado e Bressan à esquerda. Souza foi um volante puramente de marcação, enquanto Ramiro à direita e Riveros à esquerda eram os volantes-meias, em funções similares às dos vértices laterais de um meio-campo em losango. Pará e Alex Telles eram os alas, e Kléber e Barcos formaram o ataque.

A velha questão: problema deles

Em outras análises já foi falado o que normalmente acontece quando sistemas com três zagueiros enfrentam uma equipe que possui dois jogadores abertos. Ou você recua os alas para marcar os ponteiros (deixando espaço para os laterais adversários e ainda ficando com três contra um no centroavante, e portanto, com menos gente em outro setor do campo), ou você deixa no mano a mano, com um zagueiro pra cada ponteiro e mais um no centroavante.

E a segunda opção foi a que Renato escolheu no lado direito de sua defesa. Por ali, Dagoberto jogou bem aberto, e quem marcou o jogador na maioria das vezes era Werley. Tudo para deixar Pará livre e bater com Egídio na linha divisória. Do outro lado, entretanto, a situação era diferente, pois Éverton Ribeiro, prefere partir da direita para o centro. Com isso Alex Telles não tinha que marcá-lo diretamente, ficando livre para se preocupar apenas com Ceará. Assim, Rhodolfo e Bressan faziam o combate direto em Borges e garantiam a sobra.

Meio-campo central

Mas essa movimentação de Ribeiro em direção ao centro causava superioridade numérica celeste no meio-campo central, pois ele acabava sendo um elemento “intruso” no embate entre os triângulos de meio: Nilton, Lucas Silva e Ricardo Goulart, contra Souza, Ramiro e Riveros. Para resolver isto, um dos atacantes, ou até mesmo os dois, recuavam para marcar os volantes, deixando Dedé e Bruno Rodrigo com muito tempo na bola. Por causa disso, o Cruzeiro acabaria o jogo com sua maior porcentagem de posse de bola de todo o campeonato, enquanto o Grêmio teve seu terceiro pior índice.

Além disso, o fato de Alex Telles não ter a cobertura de um zagueiro como Pará tinha a de Werley fazia com que ele não avançasse tanto sua marcação. Com isso, Ceará teve mais campo que Egídio e foi a principal saída do time, com 38% dos ataques celestes pelo lado direito (WhoScored.com). Não por acaso, foi dele o cruzamento que originou o gol de abertura, a “bicicanela” de Borges que todo mundo viu, menos o seu autor que bateu a cabeça na grama ao cair.

O Cruzeiro (em azul) atacou mais pelo lado direito, já que Alex Telles não podia se posicionar muito alto, dando liberdade para Ceará. Também por isso, foi com Pará pela direita que o Grêmio (em laranja) saiu mais

O Cruzeiro (em azul) atacou mais pelo lado direito, já que Alex Telles não podia se posicionar muito alto, dando liberdade para Ceará. Também por isso, foi com Pará pela direita que o Grêmio (em laranja) saiu mais

Defesa

Por outro lado, no pouco tempo em que recuperava a bola, o Grêmio buscava jogar na transição ofensiva rápida — mais conhecida como contra-ataque, principalmente com Pará pela direita. Ramiro e Riveros, os volantes-meias do meio-campo, só se preocupavam com a marcação e por isso a saída era direto com Kleber, mais recuado e móvel que Barcos. O atacante segurava a bola para chamar faltas ou então distribuía rápido para o lado do campo, como no lance em que Fábio chegou primeiro que Pará na bola lançada por ele.

A outra possibilidade era a bola parada, e o Grêmio quase chegou nesse quesito, mas após os dois rebotes do escanteio cobrando pela direita, Fábio no mínimo deve ter colocado um ponto de interrogação na cabeça de Felipão. Menos que isso é difícil de acreditar.

Segundo tempo

Nenhum treinador mexeu no intervalo e o jogo seguiu da mesma forma, mas o Cruzeiro cedia mais a posse de bola que no primeiro tempo. Com isso o Grêmio pode respirar um pouco em relação à marcação, e começou a chegar mais perto do que devia da área celeste. A intensidade na frente já não era a mesma, equilibrando de certa forma a partida. Como 1×0 é um placar perigoso, Marcelo resolveu agir após um chute de Kleber que Fábio mais uma vez salvou brilhantemente.

Primeiro lançou Júlio Baptista na vaga de Borges, na já costumeira troca que avança Ricardo Goulart para o comando do ataque com Júlio de central. Com a troca, o Cruzeiro reteve mais a bola, mas perdia poder de marcação no meio. A retaguarda ficou um pouco mais exposta e Léo estava perdendo os duelos diretos com Barcos, que parou na trave e em mais uma defesa de cinema de Fábio.

Willian, ponteiro atacante

No fim, Renato ainda tentou dar criatividade com Maxi, mudando para um 3-4-1-2, mas a mobilidade e profundidade de Willian pela direita já haviam resolvido o jogo

No fim, Renato ainda tentou dar criatividade com Maxi, mudando para um 3-4-1-2, mas a mobilidade e profundidade de Willian pela direita já haviam resolvido o jogo

Ao invés de se proteger, Marcelo escolheu atacar, e aí sim colocou outros jogadores para renovar a movimentação ofensiva: Luan e Willian nas vagas de Dagoberto e Éverton Ribeiro. Luan foi para a esquerda e Willian ficou mais pela direita, mas também tem característica de entrar pelo meio. E a entrada do bigodudo provaria ser essencial.

Praticamente em seu primeiro lance, Willian aumentou a contagem após cobrança de lateral de Ceará — uma arma que o Cruzeiro já usou antes neste campeonato. Mineirão em festa total, mas a fatura ainda não estava liquidada. Renato tentou diminuir dando criatividade ao seu meio com Maxi Rodriguez na vaga de Riveros e mais presença de área com Kléber por Mamute. O Grêmio avançou o quanto podia, o que não era tanto, e com isso o Cruzeiro acabou ganhando espaço para tocar a bola no campo de ataque.

E a característica de Willian de dar profundidade pelo lado acabou fazendo Alex Telles recuar ainda mais para a defesa, o que no fim acabou originando a falta do terceiro gol. O próprio Willian cobrou a falta que sofreu e viu Goulart completar de primeira totalmente sem marcação e selar a vitória.

Entreguem a taça

A frase acima foi a que Dagoberto disse após o jogo. Em um país do politicamente correto, esta frase proferida por um jogador que ainda não é matematicamente campeão certamente causaria revolta nos adversários e nos não-cruzeirenses. Todavia, não foi isso o que se viu, e muita gente até aplaudiu a volta olímpica dos jogadores.

Nada mais simbólico para o campeonato que esta festa tenha acontecido no jogo contra o Grêmio, notadamente uma equipe que busca um futebol de forte marcação. No confronto de estilos, o futebol que procura o ataque a todo instante saiu vencedor. Não por acaso, após muitos anos o time de melhor ataque é o campeão. Méritos de Marcelo Oliveira.

A falta de oposição à frase, portanto, é mais que isso. É um sinal claro do respeito e esse estilo de futebol, praticado pelo Campeão Brasileiro de 2013, o Cruzeiro Esporte Clube.

Santos 0 x 1 Cruzeiro – O último passe

Com uma atuação bem segura na defesa e jogando o suficiente no ataque, o Cruzeiro conseguiu uma vitória fora de casa que, até certo ponto, não era parte dos planos. Tanto melhor, já que nos traz a possibilidade de campeonar já na próxima rodada — que é ao que se refere o título acima.

Em que pese o gol ter saído numa jogada de pura habilidade de Éverton Ribeiro — e portanto, sem nenhum aspecto tático — Marcelo Oliveira fez uma boa leitura no segundo tempo e reduziu ainda mais chances do Santos de achar o empate, que àquela altura já eram bem pequenas.

As formações

No primeiro tempo, Cícero procurava o centro e deixava o corredor livre para Ceará, e Montillo caía pelos lados com Nilton na cola; na frente, a movimentação dos meias celestes desorganizou a retaguarda santista

No primeiro tempo, Cícero procurava o centro e deixava o corredor livre para Ceará, e Montillo caía pelos lados com Nilton na cola; na frente, a movimentação dos meias celestes desorganizou a retaguarda santista

Marcelo Oliveira não teve problemas para o jogo, as preferiu manter Dagoberto como ponteiro esquerdo do 4-2-3-1, na vaga de um desgastado Willian. Dessa forma, o time do goleiro-capitão Fábio teve Ceará e Egídio nas laterais da linha defensiva e Dedé e Léo atuando por dentro. Na proteção, Nilton se segurava mais para dar liberdade a Lucas Silva, que se aproximava do ponteiro direito Éverton Ribeiro e do central Goulart, além de Dagoberto. Na frente, Borges fazia a referência.

Claudinei Oliveira armou o Santos no mesmo 4-2-3-1, com Aranha no gol, Edu Dracena e Gustavo Henrique como zagueiros, flanqueados por Cicinho à direita e pelo chileno Mena à esquerda. Alison ficou mais plantado para que Arouca, seu companheiro de volância, pudesse tentar se juntar ao ataque. Cícero fechava o lado esquerdo sem a bola mas entrava para armar o jogo junto ao central Montillo, com Éverton Costa à direita e William José de centroavante.

Saída pelos laterais

De maneira até surpreendente, o Santos deixou a bola com os zagueiros celestes e não fez pressão para forçar o chutão. Dedé e Léo se sentiram seguros para trocar alguns passes e tentar achar a primeira bola com mais facilidade. E o caminho era pelos lados.

Normalmente, Ceará é o lateral que fica mais, para dar liberdade a Egídio pelo outro lado e, junto aos zagueiros, garantir uma eventual sobra de três contra dois atacantes do time adversário. Porém, Cícero não dava profundidade pelo lado esquerdo, fechando no centro para tentar pensar o jogo quando o Santos tinha a bola. Ceará só dava combate direto quando Mena fazia suas raras incursões no campo de ataque. Dessa forma, o camisa 2 teve liberdade para receber a bola e avançar até onde Mena se posicionava para marcá-lo, e dali conectar a um dos meias ou fazer a ultrapassagem.

Do outro lado, Egídio tinha a presença de Éverton Costa, bem aberto, para lhe causar incômodo em seus avanços. Jogando em casa, era de se esperar que o Santos tivesse um ímpeto maior de atacar, mas Costa parece ter se preocupado mais em segurar as investidas de Egídio do que em propriamente atacá-lo — e isso acabou sendo bom, pois Dagoberto é um jogador que não faz tanto o auxílio na recomposição como Willian, e Egídio em teoria ficaria mais exposto. De qualquer forma, algumas vezes o time preferiu sair por ali ao invés de ser com Ceará, já que Costa também não fazia uma pressão tão grande, apenas ficava posicionado no setor.

Cruzeiro ataca

Mais à frente, Alison e Arouca pareciam perdidos na marcação de Goulart e Ribeiro, muito por causa das inversões entre os dois e também com Dagoberto. Isso é ilustrado nas duas boas chances de gol da primeira etapa: na primeira, Dagoberto está no centro, passa a Ribeiro e corre para a direita para receber de volta. Com isso, Ribeiro ocupa o espaço deixado pelo companheiro e recebe em boas condições de finalizar — a bola resvalou na cabeça de Gustavo Henrique e foi para fora. Depois, Ribeiro é quem está do lado esquerdo, puxando a marcação para Ricardo Goulart receber, tabela com Borges e sair na cara de Aranha, mas errar a finalização. Jogadas típicas deste Cruzeiro de 2013, pelo chão, toques rápidos e envolventes, com movimentação.

Santos com a bola

Já o Santos praticamente só se defendia. Quando tinha a bola, não conseguia criar: Montillo saía do centro para os dois lados para abrir espaço para Cícero que saía da esquerda, mas era implacavelmente marcado por Nilton e pouco viu a bola. Apenas aos 33 minutos o time da casa apareceu no campo de ataque, na única vez em que Montillo teve um pouco mais de liberdade. O argentino tocou para Arouca, aparecendo na ponta direita, que cruzou rasteiro na direção de William José, mas a zaga bem posicionada afastou e ficou com a bola.

Pela direita, com Éverton Costa apagado, coube a Cicinho tentar fazer as ultrapassagens, se aproveitando do pouco poder de marcação de Dagoberto. Mas o lateral não foi feliz e nada conseguiu na primeira etapa, bem como seu companheiro do outro lado, Mena.

De certa forma, acabou sendo um primeiro tempo tranquilo em termos defensivos, mais porque o meio-campo celeste marcou bem do que pela falta de criatividade dos meias santistas. Mesmo assim o zero a zero insistiu no placar.

Montillo, “falso” centroavante

Claudinei mudou no intervalo, lançando Victor Andrade pela esquerda, empurrando Cícero de fez para o centro e avançando Montillo para ser centroavante — obviamente, não no sentido de ser o homem-alvo da bola longa ou do cruzamento, mas pelo fato de ser o jogador mais avançado do time. Talvez a intenção fosse dar velocidade e desarrumar a defesa celeste, pois o argentino insiste em trabalhar pelos lados do campo e, com isso, arrastaria um zagueiro com ele, abrindo espaço para quem chegasse de trás.

O mapa de calor da Footstats mostra como Montillo praticamente abandona o centro para jogar pelos lados

O mapa de calor da Footstats mostra como Montillo praticamente abandona o centro para jogar pelos lados

Mas o jogo seguiu na mesma toada do primeiro tempo. Se Montillo já não via a bola quando estava no meio-campo, que dirá quando ficasse na frente. Nilton passou a marcar Cícero, Éverton Costa continuou apagado e o recém-lançado Victor Andrade tinha ninguém menos que o melhor defensor celeste pela frente: Ceará. Resultado: a bola continuava a não chegar ao ataque do Santos e continuava nos pés dos jogadores celestes.

Golaço, avanço e espaço

No fim, Claudinei soltou o time mas deixou espaços às costas dos volantes, muito bem explorados pelos substitutos que Marcelo mandou ao jogo

No fim, Claudinei soltou o time mas deixou espaços às costas dos volantes, muito bem explorados pelos substitutos que Marcelo mandou ao jogo

O gol que deu a vitória, porém, não tem nenhuma nota tática. Puro talento de Éverton Ribeiro, que deixou três ou quatro adversários para trás e concluiu sem chances para Aranha. Uma jogada típica de um ponteiro de pé invertido (canhoto na direita), o que, diga-se, não é a característica de Ribeiro (Robben é um exemplo melhor).

Atrás no placar, Claudinei finalmente tirou Éverton Costa do campo e mandou o jovem Geuvânio em seu lugar, na mesma função. Deu certo em certa medida, pois ele deu bem mais trabalho para Egídio do que seu antecessor, obrigando o lateral a ficar mais em seu campo. O Santos avançou suas linhas e tentou ocupar mais o campo de ataque, mas a bola continuava sem chegar com qualidade à frente.

Já Marcelo Oliveira esperou quase quinze minutos após o gol para fazer sua primeira mexida. Tirou Borges do jogo e mandou Júlio Baptista sem seu lugar, avançando Goulart para o comando do ataque, tentando explorar este espaço nas costas dos volantes santistas que se abriu com avanço do time da casa. E praticamente no seu primeiro lance, Júlio criou uma excelente chance, recebendo passe de Dagoberto no fundo e cruzando para trás, achando Éverton Ribeiro livre. Dessa vez, a bola raspou a trave e saiu. Depois tirou Dagoberto por Élber, na mesma função, novamente para jogar a bola longa e pegar o time adversário desprevenido e no um contra um.

Ação e reação

Fábio só apareceu mesmo em chute de Geuvânio, escapando da marcação frouxa dos volantes no meio central. Claudinei se animou e soltou o time de vez com a entrada de Alan Santos, volante mais leve, na vaga de Alison. Essa alteração, porém, foi anulada por Marcelo Oliveira com Éverton Ribeiro por Tinga, que saía da direita para auxiliar a marcação por dentro.

Depois de todas as mexidas, ficou claro que o treinador celeste levou vantagem no jogo tático, pois foi o Cruzeiro quem perdeu a melhor chance, em bola longa para Goulart nas costas da defesa avançada do Santos. Ele cruzou para Élber que fechava da esquerda em velocidade, mas o jovem conseguiu perder um gol praticamente debaixo das traves, que felizmente não fez falta.

Foi o suficiente: falta bem pouco

Defensivamente, a partida foi bem segura. Nilton e Lucas Silva minimizaram o trabalho de Léo e Dedé, além de tirarem a sobrecarga de Egídio e Ceará. A postura do adversário, mesmo em casa, também ajudou. Ofensivamente, porém, um pouco mais de intensidade poderia ter resolvido o jogo por um placar maior. Ao perder a bola, não houve aquela pressão no campo ofensivo para recuperá-la — mesmo porque era o Cruzeiro quem tinha a bola a maior parte do tempo. Podemos dizer que o Cruzeiro jogou “para o gasto” — não por acaso, o gol saiu numa jogada puramente técnica.

Mas o que importa é que a vitória veio, e com ela a possibilidade de levantar o caneco já na próxima rodada. A essa altura, a parte tática já está bem assimilada e o aspecto mais difícil de controlar é o psicológico: a ansiedade de jogar logo e resolver o certame, levantar a taça e comemorar. Imagine o que se passa na cabeça do capitão celeste, Fábio.

O último passe foi bem dado e agora estamos na cara do gol — é só fazer e correr para o abraço.

Cruzeiro 5 x 3 Criciúma – Sempre há espaço para melhorar

O Cruzeiro voltou a ser o Cruzeiro da sequência de doze rodadas invictas que encantou o Brasil — mas só durante trinta minutos. Depois disso, inventou de diminuir a velocidade do jogo, coisa que não sabe (ainda) fazer, expôs seus problemas defensivos e levou um baita susto ainda na primeira etapa. Mas se ainda não é um time maduro para mudar o estilo durante a partida, teve capacidade mental suficiente para conseguir “desvirar” o placar, se aproximando muito do tri.

Formações táticas

O 4-3-1-2 losango do Criciúma tentou lotar o meio-campo mas deu liberdade aos laterais do 4-2-1-2 celeste e só se defendeu durante meia hora

O 4-3-1-2 losango do Criciúma tentou lotar o meio-campo mas deu liberdade aos laterais do 4-2-1-2 celeste e só se defendeu durante meia hora

O Cruzeiro foi para o jogo no seu 4-2-3-1 usual, mas com mudanças no estilo dos jogadores que o compunham. Do gol, Fábio viu sua linha defensiva ser formada por Ceará à direita, Egídio à esquerda e Dedé e Léo compondo a zaga central. Com Nilton suspenso, Henrique fez o papel do primeiro volante na companhia a Lucas Silva, e Dagoberto foi o escolhido para a vaga de Ricardo Goulart no trio de meias, composto também por Willian, desta vez à direita, e Éverton Ribeiro, “oficializado” como central. Na frente, Borges enfiado entre os zagueiros.

Argel Fucks armou o Criciúma tendo o 4-3-1-2 losango como base, mas altamente adaptável para se defender do ataque celeste. A meta de Gallato foi defendida pelos zagueiros Matheus Ferraz e Fábio Ferreira, que por sua vez eram flanqueados por Sueliton na lateral direita e Marlon na esquerda. Henik foi o volante mais defensivo, com Ricardinho jogando mais à direita e João Vitor mais pela esquerda, mas ainda no meio-campo central, dando suporte a Ivo na ligação. Na frente, Lins se movimentava e Marcel ficava na referência.

Corredores livres

É claro que a volta da intensidade característica do quarteto ofensivo, tanto defendendo como atacando, foi um fator determinante para o início arrasador do Cruzeiro. Porém é preciso também destacar o corredor que os dois laterais tiveram para subir e se aproximar dos ponteiros, fazendo maior número pelos lados do campo. Ricardinho até abandonava o meio-campo para encurtar o espaço em Egídio, mas o camisa 6, sem ter um ponteiro verdadeiro para marcar, ultrapassou seu marcador com o mesmo ímpeto que chamou a atenção de todos no primeiro turno do certame.

Ceará, por outro lado, teve toda a liberdade para apoiar, pois quando recebia a bola, João Vitor só o marcava à distância. O veterano camisa 2 subiu frequentemente ao ataque, recebendo ora passes de trás e avançando até encontrar Marlon, ora inversões de jogada que Lucas Silva produzia tão bem, fazendo o lateral esquerdo do Criciúma sair da formação da defesa para ir à marcação. Foi deste lado que saiu o primeiro gol, num belo passe de Ribeiro para Ceará já avançado até a linha de fundo, que cruzou rasteiro mas encontrou a defesa. No rebote, o próprio Éverton bateu de esquerda — o pé bom — para abrir o placar.

Dagoberto

Outro fator interessante é a característica que Dagoberto dá ao time. Enquanto Goulart é mais aplicado taticamente e tem papel fundamental na movimentação e na construção da jogada, Dagoberto é mais agudo e finalizador, procurando espaços com o drible rápido — um pouco parecido com Willian. O segundo gol aconteceu por causa disso — Dagoberto já estava posicionado junto à linha defensiva do Criciúma, mas bem aberto à esquerda, quando Éverton Ribeiro encontrou Egídio sem marcação. O lateral entrou um pouco pelo centro mas passou a Dagoberto, que imediatamente deu a Éverton, que havia tomado a frente de dois marcadores dentro da área. O passe não foi bom, mas Éverton fez do limão uma limonada: deu um passe escorpião de volta a Dagoberto na entrada da área, que pegou de primeira, se marcação — atraída por Ribeiro — e aumentou.

Defensivamente, porém, Dagoberto não contribui tanto. Isso não era um problema naquele momento do jogo, pois só o Cruzeiro atacava e Sueliton se limitava a compor a linha defensiva, mas quando o Cruzeiro diminuiu o ritmo — talvez pela facilidade que encontrava no campo ofensivo — isso passou a ser um fator de preocupação.

Volância leve

Cruzeiro 5 x 3 Criciúma - Fim do 1º Tempo

No fim do primeiro tempo, o Cruzeiro deu campo ao Criciúma, mas os ponteiros não voltavam com os laterais, e os volantes (principalmente Henrique) com falhas nas coberturas

Mas o maior problema defensivo, neste momento da partida, residia na entrada da área. O primeiro gol do Criciúma — numa cobrança muito bem feita de João Vitor, diga-se — já poderia ser um alerta, pois Henik avança sem ser incomodado no setor, obrigando o zagueiro a subir o bote, errar o tempo e cometer a falta. Lucas Silva tem um bom combate, mas jogava mais avançado, e Henrique simplesmente não estava no mesmo ritmo dos outros jogadores, limitando-se ao cerco sem dar botes mais fortes.

Em que pese o Cruzeiro ter continuado atacando após sofrer o gol, o Criciúma passou a jogar também e encontrou este espaço na entrada da área para criar e conseguir uma virada surpreendente ainda na primeira etapa. Primeiro, Marlon avança pela esquerda mas não é acompanhado por Éverton Ribeiro, que naquele momento era o ponteiro e devia marcá-lo, e a cobertura de Henrique é falha — o camisa 8 deixa um passe de Marlon entrar nas suas costas pela direita. O cruzamento acha Lins, que está longe de Lucas Silva.

Depois, uma inversão de bola da esquerda para a direita acha Sueliton avançando com espaço. Dagoberto tenta voltar para acompanhar mas não consegue, e Egídio está pelo centro da área compactado lateralmente na defesa (que é o comportamento certo). O lateral direito do Criciúma cruza rasteiro de primeira para Ricardinho, na meia-lua, completar de primeira. É possível ver Henrique muito afundado na marcação, quando deveria estar ali para interceptar o passe.

Sueliton fora

O time voltou para o segundo tempo sem alterações, mas não deu tempo de avaliar se havia algo novo na postura do time, pois logo aos 4 Sueliton receberia o segundo amarelo e o Cruzeiro passou a ter vantagem numérica. Marcelo Oliveira esperou Argel reformatar sua equipe com Ezequiel, lateral direito, na vaga de Ivo, optando pelo 4-4-1 (na transmissão foi possível ver o técnico do Criciúma fazendo dois números quatro com as mãos, uma na frente da outra, indicando o sistema que queria) para poder fazer seus movimentos.

O time da virada: com um a mais, Júlio e Éverton foram os meias do inédito 4-3-3 com laterais totalmente livres para apoiar ao mesmo tempo

O time da virada: com um a mais, Júlio e Éverton foram os meias do inédito 4-3-3 com laterais totalmente livres para apoiar ao mesmo tempo

As entradas de Júlio Baptista e Mayke nas vagas de Henrique e Ceará deram ao time um viés ultra ofensivo. Mayke é reconhecidamente mais ofensivo que o veterano camisa 2, e Júlio, um meia-atacante de origem, entrou na vaga de um volante, e com isso o Cruzeiro passou pela primeira vez a jogar num 4-3-3 clássico, com Éverton um pouco mais recuado como meia direita, Júlio na meia-esquerda, Willian e Dagoberto nas pontas e Borges de centroavante. Isso além de Lucas Silva ser um volante com chegada e Egídio ser um lateral ofensivo também — apenas os zagueiros não participariam da construção ofensiva.

Muitos cruzamentos

Este embate de sistemas proporcionou duelos por todo o campo. Marcelo abdicou de pressionar os zagueiros e se limitava a cercar Lucas Silva, enquanto que os laterais celestes batiam com os meias abertos do time catarinense. Os meias batiam com os volantes e os ponteiros com os laterais, deixando apenas Borges segurando os dois zagueiros.

Seguros da cobertura de Lucas e dos zagueiros, os laterais avançaram sem medo. Resultado: foi o jogo com maior número de cruzamentos do Cruzeiro no campeonato. Não demorou para Borges empatar com um passe vindo de Mayke e desviado por Willian, pegando a defesa desprevenida. Gol típico de centroavante: batendo cruzado na primeira oportunidade. Argel só tinha a opção do contra-ataque, e lançou Douglas, mais leve, na vaga de Marcel. Já Marcelo Oliveira tirou Willian, cansado, por Élber, na ponta direita. E foi com ele que veio o gol da tranquilidade, do mesmo lado direito. O cruzamento achou a cabeça de Borges, sozinho, no meio da área.

Com dois laterais bem ofensivos, o Cruzeiro levantou nada menos do que 37 bolas na área (7 certos), o maior número até aqui no campeonato

Com dois laterais bem ofensivos, o Cruzeiro levantou nada menos do que 37 bolas na área (7 certos), o maior número até aqui no campeonato

Em desvantagem, o Criciúma tentou avançar suas linhas, com Lins saindo do meio para fazer um 4-3-2 ao lado de Douglas no ataque, numa última tentativa de achar o empate. Mas isso acabou piorando a situação no meio-campo, e o Cruzeiro desta vez conseguiu trocar passes sem sustos, e até eventualmente conseguir marcar mais um no pênalti incontestável em Dagoberto que ele mesmo cobrou.

Quase campeão, mas ainda verde

Não há como negar que a expulsão mudou a maneira de jogar das equipes na partida, mas dizer que foi o único fator responsável pelo resultado é demais. O Cruzeiro venceu por méritos próprios, tanto dos jogadores quanto de Marcelo Oliveira, que fez as trocas corretas para dar o melhor resultado tático possível.

Mas o susto no fim do primeiro tempo liga um alerta. Por causa dele, este blog se convenceu de que o Cruzeiro de fato ainda não sabe jogar de outra forma que não atacando com intensidade sempre. Este time ainda não é maduro para segurar a partida tendo a bola nos pés e diminuir o ritmo do jogo. Pode ter dado certo em alguns momentos nesta temporada, mas isto ainda é um fator a se evoluir. Não é surpreendente, no entanto, pois é uma equipe em sua primeira temporada e que não teve tempo para treinar variações, ainda que esteja liderando o campeonato com folga.

E, por isso mesmo, o provável título será ainda mais valorizado. Afinal, o Cruzeiro é uma equipe ainda longe de estar perfeita.