Grêmio 3 x 1 Cruzeiro – Falta e excesso

O cartão vermelho mostrado a Souza ainda no primeiro tempo foi, com toda a certeza, a principal razão da derrota para o Grêmio em Porto Alegre. Uma expulsão que foi, de certa forma, ocasionada pelo excesso de vontade do volante, em que pese o excesso de rigor do árbitro no segundo cartão amarelo.

Enquanto teve onze jogadores, porém, o Cruzeiro controlou a partida com maturidade, se defendendo bem e lentamente chamando o domínio para si. Mas pecou, novamente, na falta de eficiência nas finalizações. Ou excesso de erros, como preferir.

Escretes

Quando ainda tinha onze em campo, o Cruzeiro foi superior no meio-campo e tinha boa movimentação defensiva pelos lados

Quando ainda tinha onze em campo, o Cruzeiro foi superior no meio-campo e tinha boa movimentação defensiva pelos lados

Desta feita, o poupado da vez foi o lateral Mayke. Assim, Ceará fechava a linha defensiva pela direita, juntamente com os titulares Dedé, Bruno Rodrigo e Egídio, protegendo o gol de Fábio. Mais à frente, Nilton e Souza vigiavam a entrada da área, com Ricardo Goulart mais à frente e flanqueado por Luan à esquerda e Everton Ribeiro, de volta, à direita e circulando. Na frente, Vinicius Araújo era mais uma vez o centroavante.

Já Renato Portaluppi armou o Grêmio num 3-4-1-2 típico. Velho conhecido, o goleiro Dida tinha os zagueiros Werley pela direita, Rhodolfo pelo meio e Bressan pela esquerda. Com isso, os alas Pará pela direita e Alex Telles pela esquerda ficavam alinhados aos volantes Ramiro e Souza. Na ligação, Maxi Rodriguez era o responsável por pensar o jogo para a dupla de atacantes Barcos e Kleber.

O lado esquerdo

O Grêmio começou o jogo marcando muito, recuperando a posse por várias vezes. Entretanto, a marcação do Cruzeiro foi muito eficiente. Quando o jogo ia para a esquerda, Luan subia a pressão em Werley, deixando Pará para Egídio, e Everton Ribeiro centralizava para congestionar o meio-campo. Em teoria, isso deixava Alex Telles livre, mas quando a bola ia para a direita, todo o sistema se repetia do outro lado — Luan ia marcar no meio e Ribeiro pressionava Bressan. Sem passe no meio, o Grêmio não conseguia sair tocando e abusava de bolas longas. A defesa do Cruzeiro repelia sem problemas.

Ofensivamente, o Cruzeiro era acossado pela intensidade adversária, que não durou muito. Aos poucos o Grêmio foi arrefecendo, mas também o Cruzeiro encaixava sequências de passes que conseguiam abrir a defesa gaúcha. Everton Ribeiro contribuiu muito neste sentido, com sua movimentação peculiar de sair da direita para armar o time por dentro — isso confunde demais a marcação adversária. O lance que originou o pênalti é um bom exemplo: jogada de Goulart de letra para Ribeiro, que inverteu rapidamente para Egídio entrar totalmente livre e cruzar.

Para ilustrar o domínio, até o pênalti, o Grêmio atentou 4 vezes contra Fábio, enquato o Cruzeiro disparou 12 vezes. Entretanto, o time da casa acertou metade de suas tentativas, duas, ao passo de que o Cruzeiro acertou apenas três vezes no gol. E ainda acertou a trave logo antes do lance do pênalti com Vinicius Araújo.

Desperdício e expulsão

Everton Ribeiro não cobrou mal o pênalti. Dida é que é um grande goleiro, nos dois sentidos, e foi buscar uma bola no cantinho. Perder pênaltis é natural do futebol, e pra mim o Cruzeiro iria demonstrar maturidade e continuar dominando a partida, mesmo considerando o ganho psicológico que uma defesa de pênalti dá para um time, ainda mais jogando em casa.

Ledo engano. Souza, que já havia sido amarelado, fez uma falta boba no meio-campo, na frente do juiz. Era uma falta normal de jogo, mas PC Oliveira não quis saber e mostrou o segundo amarelo.

Até a entrada de Guerreiro, o Cruzeiro se postou num 4-4-1-1 típico, com Ribeiro, Goulart, Nilton e Luan à frente da linha defensiva. Com a saída de Vinicius Araújo para a recomposição, o Cruzeiro mudou para uma espécie de 4-2-3, com Luan centralizado, Goulart fechando o lado direito e Everton Ribeiro ligeiramente mais avançado pelo lado esquerdo.

Se um sistema com três zagueiros já causavam redundância de cobertura contra o centroavante único de um 4-2-3-1, com dez em campo e sem um centroavante típico, o Grêmio tinha agora três jogadores ociosos, os zagueiros. Luan voltava para pressionar os volantes e os ponteiros Ribeiro e Goulart acompanhavam os alas. Maxi Rodriguez, que já não estava aparecendo no jogo antes, sumiu de vez, e o Cruzeiro se segurou tranquilamente até o fim do primeiro tempo. Pra se ter uma ideia, após a expulsão o Grêmio só finalizou uma vez, um chute bloqueado de Ramiro.

Trocas

Surpreendentemente, Renato Portaluppi não desfez seu esquema já no intervalo. Demorou 9 minutos para isso: tirou Bressan e mandou a campo Guilherme Biteco, que foi jogar de ponteiro esquerdo. Os alas recuaram para a última linha, e o Grêmio agora se postava num 4-2-1-3 “torto”, com Barcos e Kleber ainda à frente, mas Biteco alinhado ao ainda centralizado Maxi Rodriguez.

Até este momento, o jogo continuava como havia terminado na primeira etapa, com o Grêmio tendo dificuldade para penetrar na defesa cruzeirense, mesmo tendo mais a bola nos pés. A partir daquele momento, porém, a marcação se encaixou melhor e os efeitos de se ter um homem a menos começaram a aparecer. O escanteio que originou o lance do primeiro gol só saiu devido a um efeito cascata nas coberturas, iniciadas por um bote errado de Egídio. Quando um bote sai errado, o jogador sobra, e outro defensor tem que sair para cobrir, abrindo outra linha de passe.

Logo após o gol, Marcelo mudou sua estratégia. Com o zero a zero no placar, e uma certa facilidade em segurar o time adversário, segurar a bola era uma opção. Atrás no placar, porém, era preciso ir buscar o empate em contra-ataques, a única opção. E por isso Marcelo Oliveira pôs Willian no jogo na vaga de Everton Ribeiro. O time se mudou para um 4-4-1 novamente, com Luan à frente e Willian e Goulart pelos lados.

Mas nem deu tempo de testar a formação. O segundo gol saiu em uma bola desviada num lance típico de um time com um jogador a mais. Willian saiu da marcação em Pará para pressionar à frente, tentando fechar a opção do passe de Rhodolfo para Werley, mas o zagueiro inverteu pelo alto para Pará. Willian voltou correndo para marcar, e quando chegou, esticou o pé o suficiente para desviar a bola e pegar as coberturas desprevenidas. Barcos aproveitou.

Comportamento típico de um time com um homem a menos: Willian avançaria para pressionar o zagueiro, mas logo tem que voltar para cobrir o avanço de Pará. Ao chegar atrasado, desviaria o passe, que sobra para Barcos marcar o segundo

Comportamento típico de um time com um homem a menos: Willian avançaria para pressionar o zagueiro, mas logo tem que voltar para cobrir o avanço de Pará. Ao chegar atrasado, desviaria o passe, que sobra para Barcos marcar o segundo

Posse de bola?

Depois do segundo gol o Grêmio pareceu relaxar. A grande vantagem no placar e o jogador a mais certamente são fatores para isso, e assim o Cruzeiro começou a ter posse de bola, um quesito atípico para quem está jogando com dez contra onze. E de certa forma até levou algum perigo, chegando ao ponto de Renato Portaluppi colocar Matheus Biteco no lugar de Maxi Rodriguez para formar um 4-4-2 britânico (com o meio-campo em linha), com os irmãos Biteco de ponteiros na segunda linha.

O 4-4-1/4-2-3 do Cruzeiro após a expulsão até segurou bem o Grêmio no 4-2-1-3 e depois no 4-4-2, considerando que os gols saíram em bolas paradas e em um passe desviado

O 4-4-1/4-2-3 do Cruzeiro após a expulsão até segurou bem o Grêmio no 4-2-1-3 e depois no 4-4-2, considerando que os gols saíram em bolas paradas e em um passe desviado

Mesmo assim, o Cruzeiro continuou com mais posse de bola, e mesmo depois do gol de Nilton continuou a tê-la — chegaria ao fim com incríveis 53% de posse (WhoScored), consideradas as circunstâncias. Porém, as esperanças de uma reação épica foram enterradas em um erro de posicionamento em bola parada: Kleber aproveitou, sozinho, o rebote de Fábio em cobrança de falta e fez o terceiro.

As outras trocas em nada mudaram o panorama da partida: Nilton se lesionou e deu seu lugar a Lucas Silva, e Kleber saiu para a entrada do atacante Paulinho, um jogador mais de lado, fazendo Barcos ser um centroavante típico.

Bom futebol, Pontos perdidos

Perder nunca é bom, obviamente. Ainda mais em um campeonato tão equilibrado, onde mesmo perdendo cinco pontos nos últimos dois jogos o Cruzeiro permanece liderando a competição (esta análise está sendo escrita antes do jogo do Botafogo na quinta). Porém, se há um jeito melhor de perder, é perder jogando bem. E foi assim que a partida se apresentou. Se analisarmos bem, nenhum dos gols do Grêmio saiu em jogadas construídas pelo chão, com infiltração na defesa: foram duas bolas paradas e um passe desviado. Indícios de que o Cruzeiro, pelo menos taticamente, se postou bem.

Pela internet, em blogs de torcedores, muitas pessoas questionaram após a partida as trocas de Marcelo, principalmente a saída de Ribeiro para a entrada de Willian. A maioria parecia querer a saída de Luan. Entretanto, acredito que estes críticos só olharam a parte técnica, já que Ribeiro era certamente um dos melhores em campo. Taticamente, porém, ele não é marcador, e com dez em campo todos os jogadores tem que trabalhar defensivamente. Além disso, a tarefa de duelar com os zagueiros pela posse da bola longa é para jogadores mais físicos, coisa que Ribeiro certamente não é.

Enfim, perder é ruim. Agora, perder sabendo que você era melhor na partida pode ser melhor ou pior: depende do ponto de vista. Perspectiva de um bom time para o resto do campeonato, ou lamentações de pontos perdidos?

Sou mais a primeira opção.

Cruzeiro 0 x 0 Santos – Respeito e pé torto

O Cruzeiro já não possui mais aproveitamento máximo de pontos no Mineirão. Sim, Claudinei Oliveira armou o Santos de forma a minar as principais saídas ofensivas do Cruzeiro, mas mesmo assim o Cruzeiro criou, principalmente no segundo tempo, mas esbarrou na própria ineficiência ao concluir.

Escalações

O 4-3-1-2 losango do Santos tinha Neilton travando Mayke e superioridade numérica no meio, mas deixou Egídio com muita liberdade pela esquerda após a saída de Arouca

O 4-3-1-2 losango do Santos tinha Neilton travando Mayke e superioridade numérica no meio, mas deixou Egídio com muita liberdade pela esquerda após a saída de Arouca

Sem o suspenso Everton Ribeiro, Marcelo Oliveira optou por Martinuccio em seu lugar pelo lado direito do 4-2-3-1. Assim, Fábio teve sua meta protegida por Dedé e Bruno Rodrigo, ladeados por Mayke na lateral direita e Egídio do outro lado. Nilton voltou a fazer a parceria com Souza à frente da área, dando suporte alternado a Martinuccio pela direita, Ricardo Goulart centralizado e Luan pela esquerda. Na frente, Vinicius Araújo era o centro-avante.

Claudinei Oliveira mostrou bastante respeito ao Cruzeiro. Armou o Santos num 4-3-1-2 losango, com uma compensação no ataque para segurar os laterais celestes. Aranha viu sua linha defensiva formada por Cicinho na direita, os veteranos Durval e Edu Dracena na zaga central e o chileno Mena pela esquerda. Plantado, Arouca tinha Alison à sua direita e Cícero à sua esquerda, liberando Montillo para circular no topo do losango e pensar o jogo para Henrique, pouco móvel mas caindo mais pela direita, e Neilton pela ponta esquerda.

Segurando os lados

O técnico santista certamente estudou a formação cruzeirense a fundo, porque seu plano de jogo consistia em segurar a principal saída ofensiva do Cruzeiro, que são os laterais. Seu plano era segurar Mayke com a presença de Neilton por ali, forçando o lateral direito a compor a zaga com Dedé e Bruno Rodrigo para garantir a sobra contra Henrique. Do outro lado, assim que Egídio recebia a bola, Arouca se deslocava para marcá-lo e Alison continuava compondo o meio-campo.

Deu meio certo, pois logo no início do jogo Arouca se lesionou e teve de ser substituído por Alan Santos, que não fez o mesmo movimento e ficava mais preso ao centro. Com Alison ainda junto ao meio-campo, provavelmente para fazer número e ter mais posse no setor, Egídio ficou completamente livre para avançar. Essa situação durou até quase metade do segundo tempo, o que ajuda a explicar porque o Cruzeiro atacou 38% do tempo pelo lado esquerdo.

Proporção de ataque do Cruzeiro na partida, de acordo com o site WhoScored

Proporção de ataque do Cruzeiro na partida, de acordo com o site WhoScored

Porém, chegar é uma coisa, e criar é outra. Claramente, o Cruzeiro sentiu a falta de Everton Ribeiro e seu estilo único de sair da direita para armar o jogo do centro — Martinuccio ficou muito preso à direita, setor no qual não é muito confortável, e foi facilmente marcado por Mena. Luan travava duelos épicos com Cicinho do outro lado, mas o lateral santista venceu quase todos. E Ricardo Goulart até tentava se aproximar de Vinicius, mas com pouco espaço para pensar, errava passes ou procurava a segurança dos volantes ou zagueiros. Assim, a bola chegava pouco a Vinicius Araújo.

Montillo

Além da compensação no posicionamento, o Santos ainda tinha como meta cadenciar o máximo possível, tirando a velocidade do jogo para minar a intensidade do Cruzeiro. Isso ficou evidente quando, numa bola roubada e em boa possibilidade de contra-ataque, Cícero optou por dominar a bola e procurar um companheiro próximo. Só quando a bola chegava em Montillo o jogo era acelerado — talvez pela característica do jogador, tão falada neste blog quando ele ainda jogava por aqui.

O argentino, aliás, fazia uma função que Michael Cox, do blog Zonal Marking, batizou de “ponteiro central“. Isto é, um jogador que tem todas as características de ponteiro — velocidade, drible, e bom passe — mas centralizado atrás do centroavante. Ou seja, sem a bola, Montillo ocupava o centro, fazendo pressão em um dos volantes cruzeirenses, e quando o Santos tinha a posse, ele procurava os flancos para receber a bola ali e dali procurar um melhor passe ou o drible.

Essa movimentação causou problemas para a marcação do Cruzeiro, que frequentemente tinha que deslocar Niltou ou Souza para evitar que o argentino causasse superioridade numérica contra os laterais celestes. Isso abria espaço no meio para a chegada de outros jogadores, mas Cícero não esteve em boa jornada e pouco ajudou. Além disso, a excelente fase de Dedé e Bruno Rodrigo conseguiu repelir a maioria das jogadas, sendo também ajudados por Mayke, muito mais preso à marcação do que indo pro apoio, como explicado.

Pé torto… de novo

Sem mudanças no intervalo, o Cruzeiro voltou mais avançado. Intensificou a marcação e forçou o Santos a jogar somente no contra-ataque, na contra mão do plano inicial de cadenciar a partida. Afinal, não existe jogo de transição ofensiva sem intensidade. Ciente de que dava espaços, Nilton e Souza começaram a avançar para tentar sobrepujar a marcação. Montillo era frequentemente visto à frente de sua própria área, empurrado pra trás pelo ímpeto ofensivo celeste.

E assim o Cruzeiro conseguiu criar um pouco mais. As finalizações agora eram mais frequentes. Mas um problema de duas partidas recentes apareceu novamente: o pé pouco calibrado. Ricardo Goulart foi quem teve as duas chances mais claras — uma em finalização de Vinicius Araújo que caiu no seu pé, e outra em passe de cabeça de Borges — e não as converteu.

Substituições

Após as substituições, Leandrinho tirou o espaço de Egídio, mas Nilton e Souza começaram a chegar mais de trás Marcelo Oliveira só mexeu nas características dos jogadores, preservando a formação. De uma só vez, lançou Élber e Borges nas vagas de Martinuccio e Vinicius Araújo. Já Claudinei Oliveira abriu mão de seu maior número no meio-campo para tentar parar a ameaça Egídio, colocando Leandrinho na vaga de Alison. O jogador foi ser ponteiro direito, postando o time visitante num 4-2-3-1.

De fato, Egídio não teve mais tanta liberdade para subir, mas o Cruzeiro compensou isso com grandes investidas dos volantes, alternando-se na aventura ao ataque. Tanto Nilton quanto Souza tiveram suas finalizações, contribuindo para que o jogo ficasse ainda mais ao feitio do Cruzeiro. A partir daí, foi praticamente ataque contra defesa — só o Cruzeiro finalizou, por oito vezes.

Depois, Lucca entrou na vaga de Luan, e no Santos, Thiago Ribeiro faria sua estreia justamente contra seu ex-time, no lugar de Neilton. Nada mudou nos sistemas, nem no jogo, nem no placar.

Líder não por acaso

Estava claro que o Santos veio ao Mineirão para não perder, e conseguiu seu objetivo. O esquema montado por Claudinei Oliveira também foi bastante eficiente nesse sentido. Anulando um dos lados e com vantagem numérica no meio, o Santos forçou o Cruzeiro mais previsível em suas ações, o que facilita a marcação.

De sua parte, o Cruzeiro sentiu a ausência de Everton Ribeiro, que dá qualidade no último passe, divide as atenções da marcação com Ricardo Goulart, dando espaço para este último render mais. Mesmo assim, o Cruzeiro mateve a excelente média e chutou a gol por 22 vezes. Mas apenas 6 foram no alvo — a ineficiência nas finalizações iria cobrar seu preço em algum momento, e foi neste jogo.

Mas a sorte anda ao lado dos competentes, e mesmo com os dois pontos perdidos, o Cruzeiro continuou líder. O próximo jogo, contra o Grêmio fora de casa, é considerado por este blogueiro o mais difícil do restante do turno, em que pese o momento do time gaúcho. Uma vitória será a prova definitiva de que este time pode sim chegar, e um alerta para todos os concorrentes, que, de certa maneira, ainda desconfiam deste Cruzeiro.

Pois o Cruzeiro os provará errados, e, como o Santos, eles hão de respeitá-lo.

Criciúma 1 x 2 Cruzeiro – Pressa vs. pressão

Assimetria equilibrada: a posição média dos jogadores mostra o ímpeto de Egídio (6) em comparação a Mayke (32); Guerreiro (55) plantado liberando Souza (78) e a centralização de Everton Ribeiro (17) com Luan (88) mais aberto

Assimetria equilibrada: a posição média dos jogadores mostra o ímpeto de Egídio (6) em comparação a Mayke (32); Guerreiro (55) plantado liberando Souza (78) e a centralização de Everton Ribeiro (17) com Luan (88) mais aberto

No futebol, simetria não implica necessariamente em equilíbrio. O próprio Cruzeiro de 2013 é um exemplo disso, com as diferentes características dos ponteiros de seu 4-2-3-1, tanto faladas aqui: Everton Ribeiro partindo da direita para o centro e pensando mais o jogo, e do outro lado Luan/Dagoberto mais agudo e penetrando na área.

Da mesma forma, pressa não significa velocidade. Ou, no caso específico desta partida, pressão. As duas palavras podem ser bem parecidas, mas semanticamente estão bem distantes uma da outra. O Criciúma teve pressa com e sem a bola, e por isso praticamente não incomodou Fábio. O Cruzeiro não teve pressa, mas também não foi tão intenso como nos últimos jogos.

Tudo isso faz ser ainda mais irônico o fato de que justamente o jogador que afirmou antes da partida que o Criciúma precisava “correr mais” fosse o que deu o presente para Vinicius Araújo abrir o placar no Heriberto Hulse.

Onze iniciais

Marcação "encaixada" no primeiro tempo, com Guerreiro sobrando e Egídio tendo problemas com Lins

Marcação “encaixada” no primeiro tempo, com Guerreiro sobrando e Egídio tendo problemas com Lins

Sem Nilton, poupado, Marcelo Oliveira pôs Leandro Guerreiro na companhia de Souza à frente da área. O resto do time não foi modificado em relação aos últimos jogos. O 4-2-3-1 teve Fábio no gol, com Mayke pela direita, Dedé e Bruno Rodrigo pelo centro e Egídio fechando o lado esquerdo da defesa. Guerreiro, por característica, ficou naturalmente mais plantado e se preocupando em marcar, dando total liberdade a Souza. Everton Ribeiro era o ponteiro direito, mais perto de Ricardo Goulart, o meia central, enquanto Luan permanecia mais aberto à esquerda. Na frente, Vinicius Araújo se movimentava.

O Criciúma do técnico Vadão veio armado num ousado 4-2-1-3 que encaixou a marcação com o Cruzeiro. O gol de Helton Leite foi protegido pelos zagueiros Matheus Ferraz e Fábio Ferreira, com Sueliton de lateral direito e Marlon pela esquerda. Ewerton Páscoa, zagueiro de origem, foi o volante, liberando Gilson — aquele mesmo que era lateral esquerdo por aqui — pra atacar e bater com Souza. Ivo foi o responsável pela criação para o trio de atacantes, formado por Lins à direita, Cassiano na referência e Fabinho à esquerda.

Pressa

O jogo começou com o time da casa a mil por hora. Mas isso não quer dizer que dominou as ações. Sem a bola, o Criciúma apertava sempre no dois contra um, às vezes até no três contra um, fazendo os jogadores do Cruzeiro tomarem decisões apressadas e errar muitos passes. Bola recuperada e os catarinenses imprimiam velocidade, mas sem organização. Por conta disso, a bola pouco parava no meio-campo, chegando rapidamente à área cruzeirense. Mas a partir daí a defesa levava a melhor, e a rigor, o Criciúma só teve uma chance, numa jogada pelo lado direito de Lins batendo de fora da área.

O Cruzeiro, por sua vez, tentava ser veloz, mas errando muitos passes, acossado pela correria do adversário. Mayke era perseguido por Fabinho e Egídio por Lins; Souza tinha Gilson em seu encalço e Goulart era marcado por Ewerton Páscoa. Só Ivo trabalhava menos defensivamente, o que significava que Leandro Guerreiro tinha mais tempo com a bola. Mas, como sabemos, ele não é o cara do primeiro passe, e também estava um pouco desentrosado, e por isso acabava por dar um passe pro lado pra não comprometer muito.

Chances em profusão

As muitas faltas cometidas perto da área poderiam ser um problema maior se a dupla de zagueiros não estivesse em ótima fase, ganhando todos os duelos. Aos poucos, a correria diminuiu, e cessou de vez quando Sueliton deu um presentaço para Vinicius Araújo dentro da pequena área, que bateu de canhota do jeito que veio e guardou.

O gol fez o time da casa se assustar. Fábio Ferreira se lesionou e foi substituído por Leonardo Moura, sem alterar o esquema, mas a postura era outra, sem tantas perseguições individuais dos jogadores do Criciúma. Vendo a chance de dar a intensidade que queria, e o Cruzeiro começou a encaixar passes e dar velocidade. O primeiro tempo acabou com o Cruzeiro finalizando 14 vezes a gol, sendo que 11 conclusões foram depois dos 29 minutos — o gol saiu aos 24.

Destas, 4 foram bloqueadas, 5 foram para fora e apenas 2 foram defendidas por Helton Leite, significando que o Cruzeiro criou mas ora demorava a finalizar, deixando os zagueiros catarinenses chegarem para bloquear, ora chutava mal. Isso por enquanto ainda não é um problema devido ao bom momento da defesa, mas pode significar pontos perdidos, como quase aconteceu no segundo tempo.

Acomodação?

No intervalo, Marcelo Oliveira tirou Luan, sob ameaça de expulsão por acúmulo de amarelos, para promover a entrada de William. O treinador disse à beira do campo antes da bola rolar que a intenção era explorar o contra-ataque, e que o jogador tem essa característica. Porém, o Criciúma também queria usar da mesma arma, e ao contrário do que Marcelo imaginou, o time catarinense recuou para “chamar” o Cruzeiro e partir em velocidade. Restou então ao time celeste tocar a bola e gastar o tempo, ocasionalmente chegando na área.

Mas bastaram dois lances mais ou menos perigosos para a torcida local se animar. Não dá pra afirmar que essa foi a causa, mas o Criciúma mudou de postura e avançou as linhas, retomando a estratégia do início do jogo. O Cruzeiro tentou acalmar novamente os ânimos, mas deixava demais a bola com os mandantes, e quase sempre perdia a segunda bola no meio-campo, tendo seus volantes muito recuados e distantes do trio de meias. Os contra-ataques não fluíam.

Bruno Lopes substituiu Cassiano na referência do ataque e logo perderia um gol em jogada pela direita de Lins. O cruzamento rasteiro não encontrou o substituto, mas logo depois, o mesmo Lins conseguiria mandar uma meia-bicicleta na trave sob a marcação de Bruno Rodrigo, e que foi completado para as redes por Bruno Lopes. Aqui, novamente, Lins brigava com Bruno Rodrigo e não com o seu marcador natural, que deveria ser Egídio.

Retomada com Egídio

Até o empate, o Cruzeiro só havia concluído a gol duas vezes no segundo tempo, com Souza e William, ambas no comecinho. Com o gol sofrido, o time parece ter acordado e resolveu jogar. Martinuccio entrou na vaga de Everton Ribeiro e foi para o lado esquerdo, colocando William na sua posição favorita pelo lado direito. Goulart permanecia no centro do meio-campo ofensivo.

A entrada do argentino parece ter favorecido o jogo de Egídio, que apesar do problema defensivo com Lins às suas costas, começou a apoiar corajosamente o ataque, fazendo bons cruzamentos e até arriscando chutes. O Criciúma recuou novamente. Borges entrou no lugar de Vinicius Araújo e logo na primeira bola quase marcou, com o lateral Marlon chegando no último momento para ceder o escanteio. A cobrança pela esquerda foi afastada pela zaga, mas William brigou pela sobra, passou a Martinuccio, que girou para o lado direito indo até a linha de fundo, achando Ricardo Goulart sozinho no meio da área para completar o cruzamento rasteiro de letra, decretando a vitória.

Futebol de campeão?

Nesta partida, o Cruzeiro mostrou segurança defensiva, principalmente nos duelos aéreos. Mesmo levando em conta que a equipe catarinense era um pouco desorganizada no ataque, os defensores celestes não tiveram tanto trabalho assim. Fábio só foi acionado de verdade uma ou duas vezes.

Ofensivamente, porém, o time celeste pecou em vários aspectos. O mais gritante deles é a ineficiência nas finalizações — parece um paradoxo falar isso do melhor ataque do campeonato. Porém, concluir 24 vezes e acertar apenas 4 no gol não pode ser considerado normal.

Cada chuteirinha representa uma finalização. Note a concentração nos momentos após os gols, representados pelas bolinhas

Mas este é um aspecto técnico. Taticamente, talvez tenha demorado um pouco para entender que tinha de tirar a velocidade do adversário antes de impor a sua própria. Porém, não é de se esperar esse nível de maturidade de um time em seu primeiro ano, por mais que já esteja “dando liga”. E esse aspecto pode ser atualmente o maior obstáculo para o time: saber quando acelerar e quando pisar no freio, “lendo” a partida da melhor maneira. Isso é estratégia, que também é um aspecto tático do jogo.

Assim, ainda não arrisco dizer a frase do título desta seção. Faltam aspectos importantes para isso, mas que eles vêm notadamante evoluindo a cada jogo, ah, isso vêm.

Cruzeiro 1 x 0 Coritiba – A outra estratégia

O Cruzeiro fugiu um pouco de seu estilo tradicional diante de um adversário muito bem montado, mas mesmo assim conseguiu a vitória. E diferente da última partida, onde jogou melhor e não merecia perder, desta vez o Cruzeiro conseguiu marcar durante seu período de domínio e levar os três pontos, seguindo no encalço da liderança.

O aproveitamento máximo no Mineirão foi mantido graças ao excelente momento técnico de alguns jogadores e à entrega física de outros, mas também à variação na estratégia de jogo, ainda que algumas alterações não tenham dado certo.

O blog Painel Tático, de Leo Miranda, fez uma boa análise do jogo, mas um tanto quanto sucinta para meus gostos tão prolixos, então aqui vão as minhas impressões.

Formações

O Coritiba lotou o meio-campo com a bola, mas sem ela se movimentava para fechar os laterais cruzeirenses

O Coritiba lotou o meio-campo com a bola, mas sem ela se movimentava para fechar os laterais cruzeirenses

Marcelo Oliveira repetiu o time das últimas duas partidas e mandou a campo o mesmo 4-2-3-1 de toda a temporada. De tão rotineiro, ainda é incrível que existam torcedores que achem que o time ainda não tem um padrão tático. Novamente, o goleiro Fábio capitaneou sua defesa composta por Dedé e Bruno Rodrigo, com Mayke e Egídio nas laterais direita e esquerda. Protegendo a área, Nilton e Souza em uma dupla volância cada vez mais entrosada, se equilibrando mais entre atacar e defender ao invés de dividirem esses papéis. Mais à frente, o trio de meias, com Everton Ribeiro partindo da direita para o centro, alternando com Ricardo Goulart, e Luan mais preso à faixa esquerda, e no comando do ataque, Vinicius Araújo se movimentando para puxar a marcação e dar opção de passe.

Marquinhos Santos, substituto de Marcelo quando este deixou o Coritiba para assumir o Vasco, não tinha o talento azul Alex à sua disposição. Assim, colocou Lincoln em seu lugar, mas o time não jogou no 4-1-4-1 adaptado das últimas partidas, e sim mais numa espécie de 4-3-2-1, com algumas particularidades. A meta de Vanderlei foi protegida pelo lateral direito Victor Ferraz, os zagueiros Leandro Almeida e Chico e o lateral esquerdo Diogo. Willian era um volante mais plantado, liberando um pouco mais Gil à sua esquerda e Robinho à direita. Botinelli ficava mais avançado formando um losango “torto” com os volantes, liberando Lincoln do combate para que ele fizesse o papel de Alex. Na frente, Gil substituiu o lesionado Deivid.

Flancos fechados

Quando o Cruzeiro tinha a bola, o Coritiba se movimentava para bloquear os laterais: bola na esquerda e Gil subia o bote para cercar Egídio, com Botinelli centralizando para impedir o passe para os volantes, e Willian fazendo a cobertura diagonal. Se o Cruzeiro atacava pelo lado direito, era Robinho quem voltava com Mayke, ajudando Diogo na marcação, e novamente com Willian na cobertura. Cabia ao volante oposto ao lado da jogada marcar Ricardo Goulart. Um cerco de três contra um, efetivamente bloqueando as saídas pelo lado e todas as opções de passes próximos.

É surpreendente, portanto, que o lance do gol tenha saído justamente numa jogada de ultrapassagem de Mayke e cruzando para o outro lado para Luan. Não só pela jogada, mas pela movimentação de outros jogadores: Ricardo Goulart invertendo com Everton Ribeiro e indo para a direita; Ribeiro aprofundando para arrastar a marcação de Willian e deixar Goulart e Mayke no dois contra dois. O meia se movimentou, recebeu do lateral e devolveu uma linda bola longa nas costas de Diogo, que não acompanhou. Do outro lado, Luan já previa o destino da bola e já corria à frente de Victor Ferraz, completando o ótimo cruzamento rasteiro de Mayke. Um gol físico, tático e técnico.

De novo, intensidade

O gol foi logo aos 11, e por isso a partida não mudou muito. O Coritiba retinha mais a bola, tentando tirar a velocidade do jogo, e conseguia, pois tinha mais jogadores no centro do meio-campo. Eram praticamente cinco contra os três (ou quatro, quando Everton centralizava) cruzeirenses. Assim, o time visitante tocava a bola, mas a excelente postura defensiva do Cruzeiro repelia qualquer perigo, principalmente nas figuras de Nilton e Souza, dois dos melhores em campo no primeiro tempo.

Já o Cruzeiro, assim que recuperava a bola, tentava resolver logo a jogada, com passes agudos ou condução em velocidade na direção do gol. Mais uma vez, a razão disso foi a intensidade de marcação celeste, que forçava um erro de passe e roubava a bola já no campo de ataque, pegando a defesa do Coritiba desprevenida. E assim foram criadas as melhores chances da primeira etapa: Egídio avançando sem marcação mas demorando a decidir; Ricardo Goulart passando a Vinicius Araújo, que bateu fraco; Luan ganhando presente de Victor Ferraz e passando para Everton Ribeiro driblar seu marcador e chutar em cima de Vanderlei; e ainda outra chance de Vinicius Araújo recebendo passe de Egídio pela direita e passando por Vanderlei, mas concluindo sem ângulo pra fora.

Ainda no primeiro tempo, Keirrison herdou a vaga de Gil, lesionado, no ataque, mas sem alterar o sistema do Coritiba.

Arthur

No fim, times no losango e marcação encaixada, mas com Tinga indefinido do lado direito causando problemas para Mayke

No fim, times no losango e marcação encaixada, mas com Tinga indefinido do lado direito causando problemas para Mayke

Na volta do intervalo, o Cruzeiro partiu com tudo para ampliar e sufocou ainda mais o Coritiba, demonstrando que era possível sim ser mais intenso. Foram dez a quinze minutos de domínio, onde o Coritiba se defendeu de todas as formas. Até a entrada de Arthur na vaga de Botinelli, o Cruzeiro já havia finalizado na trave e deixando Vinicius Araújo no mano-a-mano com Vanderlei, oportunidades de ouro desperdiçadas para “matar” o confronto.

A alteração de Marquinhos Santos, porém, mudou a cara da partida. O Coritiba mudou para um losango no meio, com Lincoln no vértice da frente e Arthur fazendo companhia a Bill no ataque. Com dois atacantes, os laterais do Cruzeiro, que já estavam tendo pouca liberdade, agora tinham ainda menos e eram obrigados a alternar no apoio para garantir a sobra na defesa. A consequência direta foi que os laterais do Coritiba começaram a apoiar mais, empurrando os pontas cruzeirenses pra trás, que tinham pouco suporte dos seus laterais. Nilton e Souza faziam o que podiam no meio para diminuir os espaços.

Tentativa de resposta

Marcelo leu bem e tentou corrigir, colocando Tinga na vaga de Ricardo Goulart. O cabeludo foi ser o lado direito do agora novo losango cruzeirense, encaixando a marcação com o Coritiba. Nilton passou a ficar mais preso, Souza foi pro lado esquerdo e Everton Ribeiro solto na ligação. A segunda troca, na frente, Vinicius Araújo saiu para a volta de reestreia de Borges após a lesão. A tentativa era de reter melhor a bola na frente, ao custo da mobilidade que Vinicius entrega melhor para o time.

As alterações, porém, não funcionaram. Sem o passe de Goulart e a mobilidade de Vinicius, Ribeiro e Luan não conseguiam fazer a bola chegar a Borges, e por isso ela logo voltava para os pés dos visitantes. E quando isso acontecia, Luan até que prendeu melhor Victor Ferraz pelo lado esquerdo, mas do outro lado Tinga esperava Diogo e indefinia a marcação entre ele e Robinho. Com isso, Mayke ficou sobrecarregado e por ali o time paranaense criou algumas chances, a mais perigosa em finalização de Keirrison na trave em cruzamento de Diogo pelas costas de Mayke.

Pé no freio

Felizmente, a bola não entrou, e a partir daí, o Cruzeiro fez o que o Coritiba tentou no primeiro tempo: tirar a velocidade do jogo. O Cruzeiro tentava reter a bola nos pés, mas o Coritiba ainda era melhor nesse quesito, fazendo o jogo ficar tenso para o torcedor no Mineirão. Mesmo assim, o Cruzeiro ainda teve chances, quando na única vez em que a bola chegou com qualidade para Borges ele fez o pivô e passou a Tinga mandar por cima.

Keirrison se lesionou e foi substituído por Everton Costa, e Nilton saiu por cansaço dando lugar a Leandro Guerreiro, mas nada de mais notável aconteceu na partida e os 100% no Mineirão estavam garantidos.

Vitória de equipe

Talvez tenha sido a partida mais difícil do Cruzeiro até aqui. O Coritiba soube anular as boas opções de saída do Cruzeiro, que mudou sua estratégia para jogar na transição ofensiva, funcionando muito bem no primeiro tempo. Sinal de que o time tem qualidade para isso, só precisando acertar um pouco mais as finalizações nas chances que cria — o Cruzeiro é o time que mais finaliza neste Brasileirão.

Marquinhos Santos, porém, se mostrou ser um desafio à altura para seu ex-mentor, tentando controlar o jogo do banco de reservas com suas trocas. Marcelo respondeu com as opções táticas corretas, mas infelizmente Tinga não fez uma boa apresentação, minando a tentativa. Abrir o time com um velocista na ponta direita poderia favorecer o contra-ataque mas certamente perderia o meio-campo, o que convidaria o Coritiba a tomar o controle do jogo.

Nem sempre as alterações dão certo. E hoje algumas de fato não deram, mas mesmo assim o Cruzeiro venceu. Não acho que tenha sido sorte, mas para os que acreditam, a sorte acompanha os competentes. E acho que não há mais dúvidas quanto à competência desta equipe, e principalmente, no trabalho de Marcelo Oliveira, que pode ser ilustrada no seguinte fato: as outras equipes que estão brigando na parte de cima da tabela com o Cruzeiro tem todas um destaque individual, celebrado pela imprensa.

Pois no Cruzeiro de 2013, o craque é justamente a coletividade.

Fluminense 1 x 0 Cruzeiro – Sem capitalização

Em uma das crônicas do excelente Zonal Marking, blog de análise tática do jornalista Michael Cox, li que um dos times analisados pecou por não ter “capitalizado” o domínio que teve no primeiro tempo, e por isso perdeu a partida. Gostei do termo, e por isso replico no título desta análise, pois foi exatamente isso o que aconteceu na estreia cruzeirense no novo Maracanã contra o Fluminense.

Capitalizar é, a grosso modo, juntar mais dinheiro ao dinheiro investido. Também tem o sentido de agrupar, reunir. Traduzindo para o futebol, o “investimento” seria dominar a posse da bola e finalizar bastante, e o “retorno”, ou os “juros”, seriam os gols. Pois mesmo asfixiando o time carioca no seu próprio campo com a intensidade que lhe é característca na recomposição, o Cruzeiro não conseguiu vencer Diego Cavalieri — ou a trave — quando finalizou no primeiro tempo, e depois, com a partida já mais equilibrada, sofreu um gol que definiu a partida.

Escretes e sistemas

Contra o losango do Flu, o 4-2-3-1 cruzeirense teve muito espaço pelas laterais, e compensava a inferioridade no centro com intensidade na recomposição

Contra o losango do Flu, o 4-2-3-1 cruzeirense teve muito espaço pelas laterais, e compensava a inferioridade no centro com intensidade na recomposição

Marcelo Oliveira repetiu o time das últimas partidas e mandou a campo o seguinte onze: Fábio no gol, Dedé e Bruno Rodrigo no miolo da linha defensiva, com Mayke e Egídio fechando pelas laterais direita e esquerda. Nilton e Souza se alinharam à frente da zaga, dando suporte para Ricardo Goulart no centro do meio-campo ofensivo, que ainda tinha Everton Ribeiro pela direita e Luan pela esquerda, todos tendo como alvo o garoto Vinicius Araújo à frente. Ou seja, o mesmo 4-2-3-1 se sempre.

Já o Fluminense do estreante Vanderlei Luxemburgo abandonou o 4-2-3-1 que Abel Braga implantou durante dois anos no time carioca, e se postou no esquema preferido de Luxa: o 4-3-1-2 losango. Foi com este esquema que ele venceu a Tríplice Coroa em 2003 (um tempo bom, que voltará). O goleiro Diego Cavalieri teve Jean na direita, Carlinhos na esquerda e Gum e Leandro Euzébio na zaga. Edinho era o volante plantado, com Wagner pela esquerda levemente mais avançado e Diguinho pela direita, mais combatendo do que saindo pro jogo. Tudo isso para liberar Deco, o meia armador, com Rafael Sóbis se movimentando à frente e Fred como referência na área.

Encaixes

Tipicamente, no encontro de um 4-2-3-1 contra um losango, um dos times tem mais amplitude no ataque, dominando as ações pelos lados, enquanto o outro tem mais número na faixa central e por isso domina a posse de bola no setor. Na prática, porém, o Cruzeiro dominou os lados como esperado, mas também o meio-campo, com uma postura bem enérgica principalmente na transição defensiva, também conhecida como recomposição — uma das quatro fases do jogo, sendo as outras três posse de bola, posse do adversário e transição ofensiva, o famoso contra-ataque.

Além disso, sem jogadores abertos no ataque, o Fluminense deu liberdade aos laterais cruzeirenses, que são atualmente a melhor saída de bola do time. Na tentativa de frear estas ações — e talvez por estar acostumado a jogar no 4-2-3-1 duranto muito tempo, como o próprio Luxemburgo disse — Wagner e Diguinho abriam, saindo do meio-campo central, tirou a vantagem numérica que o Fluminense teoricamente teria por ali. Assim, o Cruzeiro não só teve melhor saída como também teve mais posse de bola.

O grande perigo seria Deco. Solto, o meia poderia sempre dar uma opção de passe para que o Fluminense saísse construindo o jogo de trás, e uma vez recebida a bola, achar um companheiro mais colocado. Porém, não só Deco não conseguia receber a bola devido à intensidade na marcação sobre a bola dos homens de frente do Cruzeiro, como também não tinha boas opções quando de fato tinha a posse em seus pés. Portanto, ou ele fazia um passe sem verticalidade ou errava o passe.

Tudo isso foi deixando o time da casa nervoso e o Cruzeiro mais à vontade, criando bastante e finalizando com frequência, mas sem eficiência. Um perigo neste tipo de jogo, onde o adversário tem qualidade mas está passando por um mau momento. Um gol no primeiro tempo — que seria merecido pelo que aconteceu na partida — deixaria o Cruzeiro muito mais tranquilo e o Fluminense bem mais pressionado.

Felipe

O domínio durou até os 35 minutos, quando ainda no primeiro tempo Deco deu seu lugar a Felipe. A princípio pensava-se ser por opção técnica, mas depois saiu a informação de lesão na coxa do luso-brasileiro. Conveniente, pois a substituição melhorou o Fluminense, equilibrando um pouco mais a partida. O Cruzeiro ainda era melhor, mas já não dominava as ações com facilidade.

O Fluminense melhorou porque Wagner foi ser o vértice avançado e Felipe o esquerdo do losango de meio-campo. Basicamente, o principal passador do time, que antes era Deco, havia sido deslocado pra trás, com Felipe. Com uma opção melhor já no primeiro passe, o Fluminense conseguiu trocar mais bolas e chegar à frente pelo chão com mais frequência. Também, ao perder a bola, Wagner ia bater com Mayke, abandonando o meio-campo central, enquanto Sóbis abria pela direita para frear Egídio, encaixando a marcação com Nilton, Souza e Goulart no triângulo de volantes cariocas — o losango se transformava num 4-3-3 ao defender.

Porém, o Cruzeiro ainda tinha mais intensidade na recomposição, e por isso ainda era um pouco melhor na partida. Mas o zero a zero persistiu, e o resultado só não foi mais injusto porque o pênalti inexistente sobre Wagner foi defendido brilhantemente por Fábio, vencendo Fred duas vezes.

Segundo tempo

Sem trocas, o jogo seguiu mais equilibrado após o intervalo. Como é natural, o Cruzeiro já não pressionava tanto o homem da bola como no início do jogo. Aos 17, Marcelo começou o jogo de xadrez contra Luxa, tirando Luan para lançar William. O recém-chegado da Ucrânia foi, a princípio, jogar no mesmo local, pela faixa esquerda. O estilo, porém, é bem diferente: enquanto Luan é mais físico e brigador, William é mais veloz e driblador. Além disso, William não faz tão bem a marcação do lateral quanto Luan.

Após as trocas, a marcação ficou mais "encaixada", mas os ponteiros cruzeirenses não acompanhavam os laterais do Fluminense, que ainda tinha mais qualidade de passe no meio-campo com Jean e Felipe

Após as trocas, a marcação ficou mais “encaixada”, mas os ponteiros cruzeirenses não acompanhavam os laterais do Fluminense, que ainda tinha mais qualidade de passe no meio-campo com Jean e Felipe

E foi nisso que Luxemburgo apostou quando, quatro minutos depois, tirou Diguinho do meio, colocou o garoto Igor Julião na lateral direita e avançou Jean para a sua posição original. O Fluminense, que já ganhava o meio-campo a essa altura, teve ainda mais qualidade no passe, já que Jean tem bem mais criatividade que Diguinho, um jogador praticamente apenas de combate. E na lateral, o garoto Julião foi bem voluntarioso, ultrapassando pela direita e dando opção no ataque sem medo de deixar William às suas costas.

O jogo ficou aberto e chances apareceram de lado a lado, a mais perigosa numa jogada de dribles rápidos de Egídio — o que vem sendo sua especialidade. O lateral avançou até o círculo central com a bola, dando de calcanhar para Everton Ribeiro que chutou no cantinho, para boa defesa de Cavalieri.

Luxemburgo quis dar ainda mais consistência a seu lado direito, colocando o garoto Kennedy aberto por aquele lado no lugar de Wagner e invertendo Rafael Sóbis para a esquerda, oficializando o 4-3-3 (ou 4-1-2-3). Marcelo respondeu com Lucca na vaga de Vinicius Araújo, avançando Ricardo Goulart para o ataque e centralizando Everton Ribeiro — Lucca e William passaram a alternar pelos flancos.

O feitiço contra o feiticeiro

Mas Everton Ribeiro, William e Lucca não guardavam suas posições, tentando naturalmente confundir a marcação carioca. De certo modo funcionava, mas compromentendo a recomposição. Com Felipe e Jean no meio, o Fluminense inverteu as jogadas de lado com mais facilidade e por várias vezes Carlinhos e Julião, os laterais adversários, tiveram campo para avançar e ajudar no ataque — numa inversão do que acontecia no início da partida. O castigo veio exatamente em passe de Felipe para Carlinhos totalmente livre na esquerda, já que Mayke estava compondo com os zagueiros dentro da área. O cruzamento foi errado, mas a defesa celeste errou ao deixar tanto Kennedy quanto Fred sem marcação — o primeiro errou a finalização mas acabou passando sem querer a Fred, que concluiu de cabeça para o gol.

Logo depois desse momento, Carlinhos apareceria na imagem para receber o passe de Felipe, mas sem William em seu encalço

Logo depois desse momento, Carlinhos apareceria na imagem para receber o passe de Felipe, mas sem William em seu encalço

E, da mesma forma que no primeiro tempo um gol traria tranquilidade ao Cruzeiro, o Fluminense se acalmou e se contentou e fechar as investidas celestes, que já não eram tão perigosas. O cabeceio de Ricardo Goulart sozinho dentro da área, completando escanteio da direita, foi pra fora, decretando a segunda derrota injusta do Cruzeiro neste campeonato.

Só no futebol

É claro que perder é ruim em qualquer circunstância. Porém, diferentemente dos últimos dois anos, a derrota foi um capricho do futebol, o famoso “quem não faz leva” — que se não fosse um pouco verdadeiro não seria um chavão — e não porque o adversário foi superior. Parece loucura dizer uma coisa dessas, mas o mais importante não foi o placar, e sim que o time demonstrou consistência tática, tanto defensiva quanto ofensivamente.

Bom, pelo menos enquanto os titulares estiveram em campo. As mexidas de Marcelo Oliveira desta vez não funcionaram tão bem, principalmente a saída de Luan, que afrouxou um pouco a marcação pela esquerda. Talvez aqui tivesse faltado um pouco de variação tática, quem sabe um 4-3-1-2 losango ou um 4-3-3 clássico, pra anular um pouco a qualidade de passe que o meio-campo do Fluminense ganhou com a entrada de Felipe. Luxemburgo venceu o duelo desta vez, pois fez uma melhor leitura da partida.

Mas pedir variações táticas dentro da mesma partida, e ainda com jogadores que jogaram pouquíssimo junto com os titulares — Lucca voltando de contusão e William recém-chegado — de um time ainda eu seu primeiro ano talvez seja demais. Assim, a confiança ainda permanece. Afinal, a derrota veio em uma circunstância da partida, que poderia ser totalmente diferente se o domínio no primeiro tempo fosse transformado em gols.

Enfim, esse é o futebol: nele, e só nele, o melhor pode perder uma partida.