Cruzeiro 1 x 3 Grêmio – Irreconhecível

O título acima é um jargão futebolístico bastante usando. Serve para descrever resumidamente a atuação muito abaixo do que se espera de um time de futebol. Portanto, é um título apropriado, mesmo porque este blog trata de tática — e o Cruzeiro esteve, de fato, irreconhecível taticamente.

Cruzeiro num 4-3-1-2 losango, com zero profundidade pelos lados do campo e um ataque inerte – difícil de explicar porque Celso mandou esta formação a campo

Celso Roth surpreendeu a todos escalando Marcelo Oliveira no meio-campo. O volante jogou pela esquerda num inexplicável 4-3-1-2 losango, tendo o estreante Borges acompanhado por Wellington Paulista à frente, uma combinação de ataque pouco móvel e lenta. A saída de Fabinho é um mistério. Talvez Roth tivesse ficado com receio de perder a batalha no meio, já que Luxemburgo manteve seu preferido esquema com 4 no meio-campo, mesmo com a estreia confirmada de Elano. O meio-campo gremista, no entanto, tinha dois meias mais claros, ou seja, um 4-2-2-2 com Elano pela esquerda e Zé Roberto pela direita.

Assistindo ao vivo das arquibancadas, a primeira coisa que veio na cabeça deste blogueiro quando saíram as escalações foi a de que seria um jogo sem amplitude. Sem jogadores caindo pelas pontas mais claramente, o jogo tendia a ser concentrado entre as duas intermediárias. E assim foi, com o Cruzeiro tomando mais a iniciativa, mas sem grandes perigos de lado a lado, exceção feita em um cabeceio de Borges em bola alçada por Leandro Guerreiro pela direita — mas de uma posição mais recuada.

Com o jogo preso no meio e a falta de jogadas pelas laterais, o caminho para tentar algo diferente era — obviamente — os lados do campo de ambas as equipes. Atrás de mim na arquibancada, saíam gritos insistentes de “abre o jogo, abre o jogo!”. Estava claro que fizesse a primeira jogada bem trabalhada pelo setor levaria muito perigo ao gol adversário, e para nossa infelicidade, foi o Grêmio quem o fez. Na aproximação de Elano e Kléber com o lateral Tony, Everton e Leandro Guerreiro foram sobrecarregados e Elano fez a ultrapassagem pela esquerda para receber passe profundo de Kléber. Com muita liberdade, o estreante cruzou na cabeça de Marcelo Moreno, destaque da partida, que ganhou de Léo para vencer Fábio.

Nem bem a bola rolou novamente e o Cruzeiro tomou outro gol pelo mesmo lado. Desta vez, foi o próprio Tony que acreditou numa bola muito longa colocada por ele mesmo. Everton desistiu da jogada achando que a bola ia sair, mas o lateral conseguiu alcançar e, mesmo tendo o combate de Léo, mandou rasteiro para a área. Moreno, mais esperto que Mateus, tomou a frente e deu um toque sutil para trás, o suficiente para chegar a Kléber que estava de prontidão para concluir com muita liberdade. Efeito cascata: Everton saiu da bola, Léo teve que ir pra cobertura, saindo da marcação de Moreno, fazendo Mateus dar combate e deixando Kléber livre. Leandro Guerreiro só chegou depois que o camisa 30 já havia concluído.

Como aconteceu nas últimas partidas, o Cruzeiro saiu atrás no placar, e não poderia mais usar a estratégia da reatividade. Teria que sair ainda mais para o jogo. Já o Grêmio, ciente de que tinha construído uma imensa vantagem, contentou-se em cozinhar o jogo e repelir a investidas celestes — deixando claro que o Cruzeiro não deve apostar em uma proposta de jogo de iniciativa. A expulsão de Werley no fim do primeiro tempo pelo segundo cartão amarelo foi, por incrível que pareça, prejudicial ao Cruzeiro, pois significaria que o Grêmio iria se fechar atrás para segurar a vantagem, dificultando ainda mais a vida celeste.

Dito e feito: no intervalo, Luxemburgo sacou Kléber e mandou Vilson a campo, recompondo a zaga e fazendo duas linhas de quatro bem definidas, com Elano e Zé Roberto abertos e somente Moreno à frente. No Cruzeiro, Souza ia a campo na vaga do vaiado Everton, com Marcelo Oliveira passando à lateral esquerda. Montillo foi jogar aberto do lado direito com Tinga e Souza de meias: uma espécie de 4-3-3, já que Wellington Paulista não permanecia aberto pela esquerda do ataque. A alteração não funcionou, pois o Grêmio tinha agora seus flancos bem fechados e as duas linhas bem compactadas. Celso então colocou Fabinho em campo, algo que deveria ter feito desde o início, já aos 7 minutos da segunda etapa, no lugar de Diego Renan. Tinga passou a jogar na lateral direita, mantendo o 4-3-3. Montillo pela direita e Souza pela esquerda, protegidos por Leandro Guerreiro, passaram a compor o meio-campo celeste.

Mas o Cruzeiro pecou e muito em fundamentos básicos: passes e cruzamentos. O goleiro Marcelo Grohe foi pouco incomodado, já que os constantes erros de passe anulavam a possibilidade de criação de chances. Os poucos cruzamentos na área na área eram afastados pela zaga gremista. E com praticamente todo o time à frente e o meio-campo despovoado, somente Leandro Guerreiro ficava atrás da área adversária para pegar as sobras, contra 2 ou 3 do Grêmio. O resultado era previsível: na grande maioria das jogadas o Grêmio recuperava a posse nas segundas bolas, evitando que o Cruzeiro tivesse a bola por períodos prolongados, e conduzia-a sem dificuldades até o campo de ataque.

Foi assim que veio o golpe fatal: uma jogada de Souza (do Grêmio) pela esquerda do ataque. De posse da bola, o volante não teve marcação e avançou até um vazio atrás de Mateus, que estava cobrindo pelo a subida de Tinga para o ataque. Leandro Guerreiro foi atrás, mas marcou de longe, e o volante conseguiu achar Marcelo Moreno totalmente livre de marcação dentro da área. O atacante limpou o combate de Léo e bateu cruzado, sem chances para Fábio. Fim de jogo aos 19 do segundo tempo.

O desorganizado 4-3-3 cruzeirense do fim da partida, sem qualquer criatividade e super exposto na retaguarda

As três últimas substituições foram diretas: Borges por Anselmo Ramon, e no Grêmio Moreno por André Lima e Elano por Marquinhos. O Grêmio seguiu no 4-4-1 até o fim, senhor da partida, contra um Cruzeiro desesperado e já desorganizado, mesmo com um jogador a mais. A equipe pouco finalizou, a não ser em uma bicicleta de Anselmo Ramon dentro da área que Grohe defendeu e alguns chutes sem direção. No fim da partida, um lance que resume bem a falta de criatividade celeste: o time rodou a bola de um lado a outro, mas sem partir para definição nem arriscar um passe mais profundo. Coube a Léo, um zagueiro, se juntar à ação ofensiva, receber um passe, limpar a marcação e finalizar. Grohe pôs a escanteio.

Celso Roth resumiu assim a partida: “(…) Até o jogo estar 0 a 0, o Cruzeiro tinha iniciativa e estava bem, mas o gol alterou tudo, duas falhas lamentáveis nossas. Depois coloquei o Souza e o Marcelo pelo lado esquerdo, o Souza para passar a bola e abrimos o Montillo para os dois jogarem com velocidade, mas não funcionou. Tentei o Montillo pela meia, junto com o Souza, e colocamos o Tinga aberto pela direita para ter profundidade com três atacantes, mas não funcionou. E quando nada funciona, aí cria essa confusão, e o Grêmio foi superior.”

De fato, o Grêmio foi superior, mesmo com um a menos. Cogitei dar o título de “Como jogar com 10” para esta análise, mas este é um blog sobre o Cruzeiro e não sobre os outros times.

É de Celso Roth grande parte da culpa pela derrota de hoje. Claro, os jogadores erraram fundamentos básicos, mas o jogo seria menos perigoso se Fabinho estivesse em campo desde o começo, pois seguraria o lateral direito gremista, protegendo Everton um pouco mais. Além disso, escalar Borges e WP no mesmo não contribuiu para a mobilidade do time, que ficava a cargo de Montillo — novamente anulado pela marcação forte, desta vez do excelente volante Fernando — e Tinga, que correu por todos.

É mais sensato retornar ao 4-2-3-1 diagonal de volta contra a Portuguesa, mais cauteloso. Foi a postura reativa que nos levou à liderança, e é assim que temos que continuar a jogar. Vai contra as tradições cruzeirenses de times vistosos e propositivos, mas é o que podemos fazer hoje. Sair para o jogo, atualmente, é fatal para nós.

E não, não esqueci o gol de Wellington Paulista, cobrando pênalti no fim. Mas é que ele foi tão irrelevante que nem valeria a pena citá-lo.

Eu nem comemorei.

Internacional 1 x 2 Cruzeiro – Celso Roth e os olímpicos

Um jogo equilibrado entre um time em formação e um time mais acostumado a jogar junto. Assim podemos definir o confronto entre Internacional e Cruzeiro no sábado, pela oitava rodada do Brasileirão 2012 em Porto Alegre. Erros táticos coletivos – causados por méritos táticos dos jogadores adversários – aliados à excelência técnica dos jogadores da Seleção Olímpica causaram o segundo revés seguido do Cruzeiro no certame.

O 4-2-3-1 diagonal de Celso Roth, com Tinga centralizando da mesma forma que no jogo contra o São Paulo, e William Magrão cobrindo; o lado direito ficou despovoado

Com Charles contundido e Wellington Paulista suspenso, Celso Roth reeditou o 4-2-3-1 diagonal sem lado direito do último jogo, mandando William Magrão e Anselmo Ramon em seus lugares. Mateus voltou ao time após suspensão no lugar de Rafael Donato. Já o Internacional armado por Dorival Júnior era o costumeiro 4-2-3-1, contando com um quarteto ofensivo de dar inveja a qualquer clube brasileiro: Oscar pela direita, D’Alessandro centralizado e Dagoberto na esquerda atrás de Leandro Damião.

O jogo começou com muitos passes errados de lado a lado. O Inter marcava em bloco médio e deixava os zagueiros do Cruzeiro jogarem, mas daí pra frente fazia pressão intensa na marcação. Porém, logo aos 7 minutos, o Inter abriu o placar em uma movimentação inteligentíssima de Dagoberto. O meia pela esquerda duelava com Léo, novamente jogado pela lateral direita. Ele arrastou seu marcador para dentro do campo, tocando uma bola de primeira para D’Alessandro servir, também de primeira, Oscar, que entrava justamente pelo lado direito onde deveria estar Léo. O meia da Seleção concluiu antes da marcação chegar e conseguiu achar um buraco entre Fábio e a trave.

(i) Dagoberto atrai Léo para o meio-campo, toca para D’Alessandro, (ii) que lança Oscar no espaço aberto por Dagoberto

Assim como no jogo contra o São Paulo, o gol logo no início da partida obrigou o Cruzeiro a correr atrás e sair para criar. Bem armado defensivamente, o Inter fechava seus flancos com até 3 jogadores, e dificultava as ações ofensivas celestes. O próprio Cruzeiro facilitava, já que não variava muito suas jogadas, forçando mais pelo lado esquerdo. Tinga derivava para o meio-campo e o Cruzeiro teve pouca profundidade pela direita. Teve até mais posse de bola, mas só ameaçou de verdade em conclusão de fora da área de William Magrão que explodiu no travessão.

Defensivamente, o Cruzeiro passava por dificuldades quando o Internacional imprimia velocidade. Victorino em particular, porque não é um zagueiro rápido, tem mais característica de ser zagueiro da cobertura. Mas Damião jogava em cima do camisa 4 deixando Mateus na sobra. Além disso, o time da casa já está muito mais acostumado a jogar com três meias ofensivos, e as premissas básicas desse esquema são inversões de posicionamento e movimentação constante, coisa que o Internacional fez muito bem, confundindo a marcação azul.

Para ilustrar isto, justamente quando o Cruzeiro parecia equilibrar as ações, Dagoberto aprontou mais uma vez. Desta vez aparecendo pelo meio, o camisa 20 do Internacional recebeu um passe de ligação direta que Damião conseguiu ganhar, girou e conseguiu enfiar uma bola pela direita, entre Victorino e Léo, devolvendo para o atacante da Seleção ganhar do uruguaio na corrida e chutar cruzado para aumentar. Dagoberto ainda teria a chance do terceiro, quando recuperou bola perdida e no primeiro toque driblou Léo, tocando cruzado. A bola caprichosamente foi para fora.

Na volta do intervalo, Dagoberto foi entrevistado e disse que o primeiro tempo foi uma surpresa, pois eles achavam que o Cruzeiro iria jogar contra-atacando e o Inter é que seria propositivo, mas na verdade foi o contrário. Um bom resumo. O time da casa aproveitou as poucas chances que teve com muita qualidade técnica e, principalmente, tática.

Celso Roth sacou Victorino, talvez temendo que o uruguaio perdesse mais duelos para Damião. Léo voltou ao miolo de zaga e William Magrão foi fazer a lateral direita, com Wallyson entrando no jogo na ponta direita. Com isso, Tinga recuou para o meio de vez. O sistema se tornava um 4-2-1-3, já que Fabinho e Wallyson voltavam pouco pelas alas: a ideia era pressionar o Inter em seu campo para conseguir um gol cedo e partir para o empate.

Mas foi o Internacional quem segurou mais a bola. Sob marcação intensa do time celeste, a equipe mandante tocava a bola em sua intermediária mas não conseguia chegar além disso. Também uma clara estratégia de diminuir o ritmo intenso que o Cruzeiro tentava impor na partida. Quando recuperava a bola, o Cruzeiro partia para tentar resolver. Logo aos 4 minutos, em boa jogada de Wallyson — desta vez pelo lado esquerdo — com Anselmo Ramon — que mais uma vez fez um bom pivô no comando do ataque — Everton apareceu debaixo das traves, na cara de Muriel para concluir… por cima.

A postura defensiva do Internacional continuava da mesma forma que no primeiro tempo: bem posicionados, os jogadores bloqueavam os flancos com muitos jogadores e dificultavam o jogo azul. O Cruzeiro passou a ter mais posse de bola, e o Internacional se contentava em repelir as investidas visitantes. Roth então sacou Fabinho e mandou Souza a campo, e o time passou a ter Souza e Tinga armando para Montillo pela direita, Anselmo na referência e Wallyson pela esquerda. Um 4-3-3 clássico.

A recompensa veio minutos depois. Em escanteio cobrando pela direita, Leandro Guerreiro dividiu com o zagueiro do Internacional e a bola sobrou limpa para Léo dentro da pequena área. O zagueiro girou numa linda bicicleta para diminuir.

O time que terminou o jogo, com Montillo caindo mais pela direita num clássico 4-3-3, que abusou dos cruzamentos na área

O Cruzeiro ainda teria metade do segundo tempo para tentar empatar o jogo, e foi o que fez, com Diego Renan no lugar de Everton, alteração feita antes do escanteio. Tentou de todas as formas, abusando dos cruzamentos na área adversária (foram 7 acertos e 22 erros, de acordo com números da Footstats publicados pela ESPN Brasil). Dagoberto e D’Alessandro sairiam para as entradas de Marcos Aurélio e Jajá, e o time se postaria num 4-4-1-1 que segurar o Cruzeiro até o fim, que só ameaçou em alguns chutes de fora da área. Bolatti ainda entraria no lugar de Oscar para ganhar tempo.

Os erros cometidos na partida demonstram que o Cruzeiro é claramente um time ainda em formação, apesar de ter conseguido 4 vitórias seguidas. Só com o tempo é que o entrosamento de fato fará a diferença, como fez neste jogo para o lado dos gaúchos: os ataques celestes pelos flancos eram frequentemente sobre-povoados pelo adversário, e o ataque produzia movimentos interessantes que bagunçaram a linha defensiva celeste. É por essa razão que, contra jogadores experientes e técnicos, que sabem aproveitar estes espaços criados, o defesa cruzeirense têm tido problemas.

Ofensivamente também existe espaço para evoluir. Com a tendência de Tinga de ser atraído para o meio-campo, a escalação do meia — sim, ele é um meia de origem — pela direita no 4-2-3-1 inicial só faz sentido se tivermos um lateral-direito ofensivo, para que o time tenha profundidade por aquele lado. Léo não é este jogador, e o Cruzeiro acabou sendo um time “torto”: foi a equipe que mais investiu pelo lado esquerdo na rodada, novamente de acordo com números do site da ESPN Brasil:

Para o próximo jogo, contra o Grêmio em casa, Diego Renan provavelmente voltará à lateral direita. Nesse caso sim Tinga seria uma boa opção para a meia-direita, já que os times de Vanderlei Luxemburgo, técnico do time gaúcho, costumam jogar no 4-3-1-2 losango, ou seja, com um maior número de jogadores centrais no meio-campo. A movimentação de Tinga pode resolver este problema, e ao mesmo tempo dar mais amplitude no setor.

Assim, é preciso provar que conseguimos não tomar gols contra equipes técnicas e experientes, e ao mesmo tempo atacar o adversário por todos os lados, sendo menos previsível.

Que Luxemburgo seja a próxima vítima.

Cruzeiro 2 x 3 São Paulo – O feitiço contra o feiticeiro

Surpreendido com a velocidade do contra-ataque do São Paulo, o Cruzeiro conheceu sua primeira derrota no Brasileiro 2012, sábado, no Independência. Uma soma de pequenos problemas em todos os setores do campo, aliada à habilidade de alguns jogadores do time adversário, foi a razão para o revés.

O 4-2-3-1 diagonal do Cruzeiro no primeiro tempo, sem profundidade pelo lado direito, já que Léo avançava pouco e Tinga era atraído para o meio, abrindo um corredor para Cortês

Celso Roth voltou com Tinga ao meio-campo, manteve Léo na lateral direita e escalou o Cruzeiro no já famigerado 4-2-3-1 diagonal, mas com uma particularidade no meio campo que fazia parecer um 4-2-2-2, como veremos. Já o São Paulo, com a demissão de Emerson Leão no início da semana, foi comandado pelo preparador Milton Cruz, que trabalhou com Muricy Ramalho à época do tricampeonato brasileiro entre 2006 e 2008. Por isso, resgatou a defesa com três zagueiros dos tempos de “Muricibol” e mandou um São Paulo a campo repaginado num 3-4-1-2, com muita liberdade para os laterais Douglas e Cortez, Lucas pelo centro-direita do ataque e Jádson na ligação.

Mais uma vez jogando do lado direito, Léo teve Cortez para marcar na primeira metade de etapa inicial. O lateral esquerdo são-paulino apoiou sem se preocupar em deixar seu setor desguarnecido, já que era suportado por três zagueiros e também porque Tinga era atraído para a batalha no centro meio-campo. Cortez foi uma boa opção de passe, mas Leo não o deixava ter mais profundidade e não foi uma ameaça tão grande. A consequência era que Leo ficava na defesa sem apoiar, e por isso o teve tinha poucas jogadas por aquele lado do ataque.

Do outro lado, Everton não conseguia marcar Lucas, que entrava em diagonal da direita para o centro com frequência. Ele foi ajudado por Douglas, que apoiava com coragem, deixando Fabinho mais livre à frente. O atacante celeste até recuava junto com ele, mas apenas até o meio-campo, tendo mais liberdade para atacar, e por isso o lado esquerdo foi por onde saíram a maioria das movimentações ofensivas do Cruzeiro (isso, junto à situação de Tinga pelo outro lado, é que fazia o esquema às vezes parecer um 4-2-2-2). Charles tentou ajudar na marcação por ali, mas Douglas e Lucas estavam levando a melhor naquele lado. Foi de Douglas a jogada do primeiro gol: meia-lua em Everton após dividida de Charles e Lucas, cruzamento rasteiro para a área. A bola veio nos pés de Rafael Donato, mas o zagueiro falhou e ela bateu nas suas duas pernas, sobrando para Luís Fabiano, limpa, dentro da pequena área. Nem Fábio conseguiria salvar o gol.

A desvantagem no placar mudaria o jogo, porque o Cruzeiro teria que sair para buscar o empate, mas ele veio já no minuto seguinte. Rafael Donato completou escanteio cobrado por Montillo, fazendo uma movimentação inteligente dentro da área para se desvencilhar da marcação e vencer Dênis.

Se Donato se movimentou brilhantemente no gol de empate, foi Luís Fabiano quem o fez no segundo gol são-paulino. O camisa 9 tinha a marcação do zagueiro com Victorino na sobra, mas frequentemente recuava para fazer o pivô e atraía a marcação. Num desses recuos, recebeu passe de Maicon, devolveu e recebeu de volta uma bola quase perdida. Avançou, mas adiantou demais em cima da sobra de Victorino, que dividiu com ele por baixo. A bola acabou indo para frente e sobrando para Lucas, que havia avançado para aproveitar o espaço deixado por Luís Fabiano. Os dois laterais do Cruzeiro, Leo e Everton, fecharam às pressas em cima do jovem atacante, que teve categoria para limpar o lance e tocar no canto.

Detalhe do segundo gol do São Paulo: Lucas aproveita o espaço que Luís Fabiano abre atraindo Donato para fora da área. Note o posicionamento do defensor estreante enquanto Victorino, que estava na sobra, divide com o atacante adversário

Com a contusão de Fabinho, Celso Roth aproveitou para consertar os flancos: Leo passou para o lado esquerdo para marcar Lucas, avançando Everton para segurar Douglas. Souza, o substituto, ficou pela lateral direita. A mudança deu certo e o Cruzeiro passou a ter profundidade pelos dois lados do campo. Souza aproveitou o corredor deixado por Tinga e avançava com frequência, segurando Cortez. Montillo se juntava a ele e a Everton pelo lado esquerdo. Mas os três zagueiros do São Paulo eram muito para Welligton Paulista, sozinho dentro da área. Além disso, o São Paulo sempre podia deslocar um dos defensores para melhorar o combate pelos flancos e ainda garantia a sobra em cima de WP, e por isso a primeira etapa terminou com o time visitante acuado em seu próprio campo, sem ter saída de jogo, mas sem passar muitos sustos. Ainda no primeiro tempo, Rodolpho se contundiu e deu lugar a Paulo Miranda, sem mudar a formação tática.

Nenhuma mudança foi feita no intervalo, num sinal claro que ambos os treinadores estavam razoavelmente satisfeitos com o desempenho de seus times. Porém, logo no começo da etapa final, Luís Fabiano repetiu a dose e atraiu a marcação de Donato para fora da área, literalmente abrindo um buraco à frente de Fábio, sem cobertura. Ele recebe o passe e gira em cima de Donato, deixando Maicon de frente para o gol e com muita tranquilidade para executar um passe incisivo para Cortez — Souza não acompanhou desta vez. O lateral foi parado por Fábio, que não conseguiu segurar o rebote no canto de Jádson que vinha na corrida.

O Cruzeiro não se abateu e continuou jogando como terminou o primeiro tempo. Cinco minutos depois do gol são-paulino, Rafael Donato marcaria o segundo gol, novamente de cabeça, em escanteio cobrado por Montillo. Na busca pelo empate, Celso Roth sacou Charles e mandou Wallyson a campo, “oficializando” Tinga no centro do meio-campo. Com Wallyson, WP e Everton sendo abastecidos por Montillo, Tinga e Souza — que por vezes centralizava para armar de trás — o Cruzeiro abriu a defesa do São Paulo e criou seguidas chances, esbarrando nas finalizações sem qualidade.

No único contra-ataque perigoso que teve, o São Paulo conseguiu um pênalti, Souza em Lucas, recebendo bola longa da defesa. O quarto gol seria uma ducha de água fria na pressão cruzeirense, mas Fábio estava lá para defender a cobrança de Luís Fabiano, dando ainda mais moral para o time celeste. Tinga perdeu dois lances incríveis dentro da área. A essa altura, Milton Cruz já tinha colocado Cícero e Casemiro nas vagas de Jádson e Lucas, tentando fechar o time meio-campo em uma espécia de 5-3-1-1. Roth lançou William Magrão no lugar de Tinga, mas o Cruzeiro não perdeu força ofensiva, e Everton e Wallyson fizeram o goleiro Dênis aparecer.

No final, o Cruzeiro todo ataque numa espécie de 3-3-4 com Donato de centro-avante para tentar aproveitar os inúmeros cruzamentos na área

No fim, Rafael Donato já estava jogando no ataque, num inusitado 3-3-4, mas infelizmente as chances criadas não foram convertidas no gol de empate.

Taticamente, não foi uma partida ruim e podemos ter esperanças de uma melhor sorte no Campeonato Brasileiro. Entretanto, foi só elogiar a solidez defensiva do time celeste e alguns erros aconteceram. Rafael Donato talvez tenha ficado nervoso em sua estréia em casa cheia, mas compensou as falhas com gols e seu excelente jogo aéreo. O zagueiro será uma arma importante para o time ao longo do certame e, se bem lapidado, talvez até tenha chance de titularidade. Além disso, a desvantagem no placar logo no início (desfeita e refeita logo depois) fizeram o Cruzeiro sair de sua proposta de jogo — o contra-ataque. Encurralou o São Paulo em seu campo na maior parte do tempo, mas pecou no último passe sem qualidade e nas finalizações erradas. Teve muitas chances para o empate, mas não aproveitou. O São Paulo veio para tentar abafar a recente crise e Milton Cruz surpreendeu Celso Roth com o posicionamento de sua equipe com a linha defensiva de três zagueiros. Seus jogadores com grife de Seleção fizeram a diferença quando tiveram as oportunidades.

A escalação de Tinga pelo lado direito foi um erro, na modesta opinião deste blogueiro. Tinga, como dito, tem uma tendência a ser atraído para o centro do campo para batalhar pela posse de bola, e acabou abrindo um espaço grande por aquele setor para Cortez apoiar com liberdade, além de ter pouca profundidade pela direita. Souza teria sido uma melhor opção. Essa situação, no entanto, evidencia o quanto o Cruzeiro tem carência nas laterais, já que Diego Renan é o único da posição no momento. Ceará é muito bem vindo.

A sequência difícil continua, contra o Internacional em Porto Alegre. Será mais um teste para a linha defensiva de Celso Roth provar que este jogo foi só um deslize, parando o ataque 3D – Dagoberto, D’Alessandro e Damião. E ainda tem o Oscar. Ou seja, mais gente de Seleção.

É claro que existem pontos positivos em uma derrota como essa. Mas é bom ficar de olho.

Vasco 1 x 3 Cruzeiro – Reação

Ruud Gullit, quando jogava no Milan de Arrigo Sacchi no fim da década de 80, reclamava das repetitivas sessões de treinamento que o treinador aplicava, necessárias para se chegar ao nível que ele queria de entendimento mútuo entre os jogadores. “Eu disse a ele que cinco jogadores organizados sempre iriam vencer dez desorganizados”, disse Sacchi. “E provei isto a eles: coloquei Galli no gol, Tassotti, Maldini, Costacurta e Baresi. Eles tinham dez: Gullit, Van Basten, Rijkaard, Virdis, Evani, Ancelotti, Colombo, Donadoni, Lantignotti e Mannari. Eles tinham 15 minutos para marcar contra meus cinco jogadores, e a única regra era que, se ganhássemos a posse ou eles perdessem a bola, eles teriam que começar de novo, 10 metros dentro de seu próprio campo. Eu fazia isso a todo tempo e eles nunca marcaram. Nenhuma vez.”

Introduzi o post com esta história pelo fato de que muitas vezes o futebol organizado defensivamente é visto como retranca. Muitos jornalistas esportivos (com algumas raras exceções, diga-se), quando dizem que uma equipe jogou “bem armada taticamente”, na verdade querem dizer que o time ficou recuado, esperando o adversário para sair no contra-ataque. Na verdade, nada mais é do que um estilo de se jogar futebol. No Brasil, existe a preferência pelo futebol ofensivo, propositivo, com posse de bola, volume e chances criadas repetidamente, em detrimento de times reativos, que esperam o adversário e são eficientes. “Preferência” talvez seja até uma palavra fraca demais: aqui, isso é quase uma lei.

Contra o Vasco em São Januário, jogo que deu a liderança para o time celeste, o Cruzeiro não jogou assim. Nem por isso jogou mal. Ter mais posse de bola não significa necessariamente jogar melhor. Finalizar mais, tampouco. Jogar melhor, na modesta opinião deste blogueiro, é jogar equilibradamente: anular as armas do adversário (ou pelo menos enfraquecê-las) e aproveitar ao máximo as chances criadas. E foi isso que o Cruzeiro fez.

Cruzeiro no 4-2-3-1 diagonal com Fabinho mais adiantado por um lado e William Magrão mais recuado pelo outro, bloqueando os flancos do Vasco e dando espaço para Montillo

Celso Roth veio no 4-2-3-1 diagonal que vem aplicando nas últimas partidas, desta vez com William Magrão pela direita, mais recuado, e Fabinho pela esquerda, um pouco mais avançado. Montillo era o articulador central e era suportado por Leandro Guerreiro e Charles. Leo foi para a lateral direita para suprir a ausência do lesionado Diego Renan, e Victorino ganhou a vaga. O Vasco entrou no 4-3-3 alto (4-1-2-3) de Cristóvão Borges, tendo Felipe na lateral esquerda, Diego Souza e Eder Luis abertos e Alecsandro na frente. O volante Rômulo dava suporte aos meio-campistas mais avançados Nilton e Felipe Bastos.

Os esquemas eram quase espelhados. Um centro-avante contra dois zagueiros; dois jogadores de cada lado do campo e os trios combatendo no meio: o cruzeirense com dois volantes e um meia e o vascaíno ao contrário. Mas as propostas de jogo eram diferentes. A opção por Leo na lateral direita, ao invés de Diego Árias — que, segundo o próprio treinador, vem treinando muito bem na posição no time reserva — e por William Magrão no trio de meias pela direita, provavelmente foi para segurar a parceria Diego Souza / Felipe que se desenhou com a escalação. A tentativa saiu melhor que a encomenda: não só ambos defenderam muito bem o setor, encaixotando ambos com a ajuda de Leandro Guerreiro, como Leo foi muito bem ofensivamente, aparecendo no ataque em dois dos três gols azuis.

Do outro lado, Fabinho recuava junto com o lateral direito Fágner para não sobrecarregar Everton. Cumpriu bem sua função defensiva, mas apareceu pouco no ataque. Eder Luis foi anulado pela marcação dupla, além do suporte de Charles, e também criou pouco. Com isso, o fornecimento a Alecsandro foi muito prejudicado, já que os meio-campistas teoricamente mais livres do Vasco sempre procuravam os atacantes abertos em seus passes. Além disso, o centro-avante adversário perdia quase todos os duelos com a zaga azul, que jogou muito bem também.

Com o time bem armado defensivamente, não havia motivos para pressionar a saída de bola do adversário. O Cruzeiro preferia esperar o Vasco em seu campo, bloqueando os flancos, que são as armas mais fortes do time carioca. Mas isso também ocorreu por causa da proposta de jogo do Cruzeiro: retomar a bola e sair em velocidade no contra-ataque, pegando a defesa vascaína desorganizada. Fazia sentido, principalmente levando em conta o que Celso Roth falou no fim do jogo contra o Figueirense. O Vasco tinha a responsabilidade do jogo, tinha que vir pra cima, e isso abriria espaços para o Cruzeiro jogar. E a previsão feita no fim do último post se concretizou: quando o craque tem espaço…

Assim foi todo o primeiro tempo. Quando não punha velocidade no contra-ataque, o Vasco se organizava e o Cruzeiro tinha dificuldades para criar. O primeiro gol saiu num erro conjunto de Fernando Prass e Eder Luis: o primeiro fez um péssimo lançamento com a mão, e o segundo tentou salvar o lateral que aconteceria. Conseguiu, mas dando a bola para Leo dominar livre. O zagueiro-lateral avançou sem ser incomodado (onde estavam Felipe e Diego Souza?) e passou a Montillo, que tinha campo. O camisa 10 avançou, devolveu a Leo que teve muito tempo para caprichar no cruzamento. Achou WP, que conseguiu finalizar bem. A bola bateu em Charles e voltou para Montillo, novamente sem marcação, emendar um chute de primeira no ângulo de Prass e cavalgar pela primeira vez no Brasileiro 2012.

No intervalo, Cristovão mandou Tiago Feltri na vaga de Felipe Bastos, avançando Felipe para o meio-campo. O objetivo era claro: dar criatividade pelo centro, coisa que faltou ao seu time no primeiro tempo. O jogo seguiu na mesma, já que o esquema ainda era o 4-3-3 alto, e Felipe recebia poucas bolas para criar. Cristóvão então tirou o inoperante Eder Luís e lançou Carlos Alberto. O meia procurava mais o meio campo e abria o corredor para Fagner avançar, e naturalmente o time se adiantou, na busca pelo empate.

Mas se adiantar demais contra um adversário que tem Montillo sem marcação é arriscado. Quando o Vasco ensaiava uma pressão, passe errado e a zaga rapidamente acha Montillo, condutor da bola numa situação de 3 contra 3. Vendo o lance, percebe-se que ele freia um pouco, chama a marcação de Dedé e dispara para o lado oposto, na direção de Rodolfo. A breve indefinição dos zagueiros vascaínos foi suficiente para que WP recebesse uma bola profunda, sem que Rodolfo pudesse alcançá-lo, e com um toque de classe encobrir Fernando Prass e praticamente matar o confronto.

No fim, Cruzeiro no 4-4-1-1 com Montillo responsável por puxar os contra-ataques e a mobilidade de Tinga pela direita com Léo, originando o terceiro gol

Só não matou porque, dois minutos depois, numa das raras falhas do nosso camisa 1, que saiu do gol no momento errado, o Vasco empatou em rebote de cabeça de Rodolfo. Era um lance controlado, e num erro individual o time adversário reacendeu. A partir daí, o Vasco tentou de todas as formas e empurrou o Cruzeiro para seu campo, mas ainda assim a defesa celeste sobressaía. Para garantir o importante resultado, Roth então manda Souza na vaga de Fabinho, para acompanhar Fágner que passou a ter espaço com a entrada de Carlos Alberto. O time passa para um 4-4-1-1 armado para contra-atacar. A alteração deu certo, porque o Vasco perdeu força e passou a só ficar com a bola, sem produção ofensiva. Então o treinador arriscou mais e fez as duas alterações restantes de uma só vez: Anselmo Ramon e Tinga nos lugares de WP e William Magrão. As duas linhas defensivas de quatro com um meia e um atacante permaneceram, mas com muito mais energia pelos flancos com Souza e Tinga, que acompanhavam os laterais do Vasco mas apareciam para atacar.

Cristóvão tentou responder com William Barbio no lugar de Diego Souza, que nada fez. O Vasco se soltou desordenadamente, a ponto de ser difícil definir os papéis de cada jogador ofensivo, e contra a organizada defesa do Cruzeiro (Arrigo Sacchi mandou lembranças) não conseguiu fazer muita coisa. Em uma bola perdida pelo meio-campo carioca, Tinga roubou, passou a Leo, novamente aparecendo no ataque pela direita, e pediu na frente. Recebendo de volta, emendou o cruzamento de primeira, que desviou e foi parar no pé de Anselmo Ramon, que só completou para o gol. Elemento surpresa, energia e velocidade e presença de área. Impossível afirmar que isso é uma retranca.

Ainda houve tempo de Fábio mostrar mais uma vez (isso está ficando repetitivo) porque merece estar na Seleção. Cresceu para cima de William Barbio num lance um contra um, amedrontando o garoto. Pareceu até fácil cair e roubar a bola nos pés do atacante.

A invencibilidade e a liderança são mais que justas e consequência do ótimo trabalho que Roth vem fazendo na defesa do Cruzeiro, apesar da pecha de retranqueiro que o treinador carrega. Ele simplesmente enxergou um aspecto óbvio: se a defesa era uma peneira e tomava muitos gols, o ataque não era tão ruim assim. Não que marcasse gols em profusão, mas também não era totalmente inoperante – só passou em branco em 4 dos 26 jogos até aqui no ano. Assim, consertar a defesa era a prioridade, e o ataque poderia ficar para depois.

Com a defesa sólida como está, parece que chegou a hora.

Cruzeiro 1 x 0 Figueirense – Carregando o piano

O drible seguido de passe de Souza — servindo para o belo gol de Wellington Paulista — fez com que o meia fosse o mais celebrado pela torcida na volta do Cruzeiro a Belo Horizonte depois de dois anos fora, contra o Figueirense no sábado. Entretanto, a atuação tática mais brilhante foi a de outro jogador: Leandro Guerreiro.

Formação inicial

O 4-2-3-1 com cara de 4-3-3 com dois volantes (4-2-1-3) do início do jogo; Wallyson voltava pouco e teve que trocar de lado com Fabinho, Montillo tentando sair da marcação dupla e Amaral perdendo o duelo com Almir

Eu já estava imaginando como Marcelo Oliveira e Everton iriam se revezar pelo lado esquerdo, já que na primeira rodada foi Everton quem ficou mais à frente, com Marcelo Oliveira na lateral esquerda; e neste jogo parecia que seria o contrário. Parecia, porque Celso Roth surpreendeu a todos e escalou Wallyson na vaga do lesionado Tinga, titular até então. Isso configurou o Cruzeiro num 4-2-3-1 bem ofensivo, com Walysson, Montillo e Fabinho atrás de WP e sendo suportados por Amaral e Charles.

Mas a ofensividade esperada não aconteceu. Isto porque o Figueirense se apresentou no mesmo esquema tático, um 4-2-3-1 muito bem armado por Argel. Em embates de 4-2-3-1, na maioria das vezes é a dupla de volantes é que faz a balança tática se desequilibrar – para o bem ou para o mal. E foi isso o que aconteceu no primeiro tempo no Independência. Os duelos pelo campo eram claros: Léo cuidava do centro-avante Aloísio, com Mateus na sobra; Diego Renan perseguia o extremo esquerdo Júlio César, e Everton tentava parar o extremo direito Caio; na frente, WP brigava com os zagueiros Canuto e Anderson Conceição; Fabinho recuava atrás do lateral esquerdo Guilherme Santos; e Wallyson tentava ficar no encalço do lateral direito Pablo, ex-Cruzeiro.

Amaral x Almir

O principal fator de desequilíbrio, portanto, morava no meio-campo. No embate dos trios Amaral, Charles e Montillo contra Ygor, Túlio e Almir, melhor para os últimos: os volantes do time catarinense revezavam na marcação direita ao argentino, e o outro ficava na sobra. Quando recuperavam a posse, o camisa 10 Almir, quando não levava a melhor nos duelos direitos com Amaral, fazia uma movimentação interessante para os lados, arrastando a marcação do camisa 5 celeste a abrindo espaços para a dupla de volantes, chegar com perigo.

Mas ainda havia outro fator. Como dito, Wallyson, aberto na esquerda, tentava perseguir Pablo, mas só voltava até o meio-campo atrás do lateral. Isso frequentemente deixava Everton sozinho contra ele e Caio. Este último, aliás, teve grande inspiração criativa na primeira etapa, sendo responsável por grandes lançamentos e passes para conclusão dos seus companheiros. O primeiro lance de perigo do time visitante ilustra bem esses aspectos: Caio recebeu a bola na direita e tentou invadir a área driblando, arrastando Everton para dentro da área. Ele foi desarmado e a bola sobrou de novo na direita, onde chegava Pablo, livre de marcação. Foi ele quem cruzou rasteiro para o volante Túlio, elemento surpresa, concluir e Fábio fazer a primeira defesa importante da noite.

Celso Roth tentou corrigir o lado direito invertendo Fabinho e Wallyson de lado. O atacante agora voltava junto com Pablo pela esquerda e suprimiu a vantagem numérica do Figueirense no setor. Guilherme Santos não apoiava tanto e o recuo de Wallyson deixou de ser um problema. Mas a situação no meio-campo continuou ruim: Montillo encaixotado nos volantes e Amaral perdendo o duelo para Almir. O Figueirense dominou as ações nos primeiros trinta minutos e só não abriu o placar por que tinha que vencer o melhor goleiro do Brasil atualmente.

Cruzeiro cercado

Na posse do Cruzeiro, o Figueirense recompunha suas linhas com muita qualidade, num bloco médio-baixo, sem pressionar no alto do campo. Isso gerou números que, normalmente, se relacionam na proporção direta: o Cruzeiro tinha mais posse, mas muito menos finalizações. Sinal de que o time tinha a bola mas não sabia o que fazer com ela, enquanto o time adversário tinha os espaços e era mais objetivo. Mas isso não significou que o Cruzeiro não tenha criado chances. Jogando principalmente na transição em velocidade, o Cruzeiro conseguiu criar alguma coisa, principalmente com Fabinho, num peixinho completando cruzamento de Diego Renan e num chute em assistência de WP por cima da zaga, ambos defendidos por Wilson.

O Figueirense foi o time que mais finalizou (20) na 5ª rodada, mesmo com menos posse de bola (44,54%), muito por causa do primeiro tempo

Guerreiro finca a bandeira

O bom público presente no Independência teve ótima leitura de jogo e protestou contra Amaral ainda no primeiro tempo, pedindo a entrada de Leandro Guerreiro. Celso Roth atendeu e mandou o veterano para a partida no intervalo. Depois de um susto logo no início, quando Aloísio apareceu cara a cara com Fábio — que, pasmem, levou a melhor — Guerreiro tomou conta da entrada da área celeste, fazendo a cobertura das marcações de Charles e Montillo no trio de meio do Figueirense. O efeito imediato foi que Almir deixou de ter tantos espaços e o time visitante já não tinha mais tanta objetividade. Mas Montillo continuava tendo dificuldades contra a boa dupla de volantes do Figueirense, mesmo tentando se movimentar por todo o campo.

Celso Roth parecia ter esperado para ver se somente com Leandro Guerreiro a parte ofensiva também seria solucionada, já que sua entrada liberava ainda mais Charles, que eventualmente poderia ajudar um pouco mais Montillo na criação. Não aconteceu, e o treinador lançou, logo aos 9, Souza na vaga de Wallyson. O Cruzeiro mudou para um 4-2-3-1 diagonal, com Fabinho pela direita mais aberto e mais avançado que Souza do outro lado. Um desenho tático que podeia muito bem ser lido como um 4-3-1-2 losango. Leandro Guerreiro plantou de vez, Charles foi para o lado direito e Souza recuava com Pablo, mas tinha liberdade para criar e avançar. Agora a dupla volância do Figueirense tinha dois alvos — às vezes três — para marcar e não tinha mais a sobra. Resultado: espaços apareceram, e o Cruzeiro tratou de aproveitá-los.

Foram dez minutos de ofensividade intensa, nos quais o Figueirense mal chegou perto de Fábio. Montillo escapou algumas vezes pelos lados, conseguindo cruzar para cabeceio de WP defendido por Wilson, e até sofreu um suposto pênalti em jogada rápida pelo lado direito. WP chegou a ficar cara a cara com o goleiro, driblou, mas perdeu o ângulo do tiro e cruzou para ganhar um escanteio, até receber passe primoroso de Souza, que aproveitou um corte errado do zagueiro de cabeça, driblou seu marcador e achou WP dentro da área. O camisa 9 deu um lençol no goleiro e marcou o primeiro gol cruzeirense em terras belorizontinas após mais de dois anos.

Cinco linhas de marcação

O gol abriu o jogo. O Figueirense avançou suas linhas na busca de um empate, mas esbarrou na agora bem encaixada marcação do Cruzeiro. Com praticamente três homens à frente da área, o Figueirense tentava pelos lados, mas com pouco espaço os cruzamentos não saíam com qualidade. O Cruzeiro ainda promoveria a sua última alteração antes da primeira do time adversário, lançando William Magrão no lugar de Fabinho. Difícil precisar o esquema de jogo, já que o volante foi atuar como um meia aberto pela direita à frente de Diego Renan. Montillo foi ser segundo atacante, e portanto seria algo parecido com um 4-4-1-1, mas com Leandro Guerreiro bem mais recuado que Charles. No entanto, às vezes Montillo recompunha com Charles pelo meio, efetivamente configurando um 4-1-4-1. O mais próximo, portanto, seria dizer que, após as alterações, o Cruzeiro jogou numa espécie de 4-1-3-1-1, armado para o contra-ataque.

À esquerda, o time que marcou o gol da vitória: um 4-2-3-1 diagonal com LG na volância liberando Charles e Souza; à direita, o sistema híbrido 4-1-3-1-1 armado para contra-atacar, com William Magrão jogando quase como meia aberto pela direita

O Figueirense começou a tentar mexer no jogo com Botti no lugar de Almir, que ficou no bolso de Guerreiro. Sangue novo na posição de articulador central, sem desfazer o 4-2-3-1. Mas Leandro Guerreiro continuava a sobressair à frente da área, e com as linhas avançadas, o Cruzeiro assustava muito na transição. As melhores chances continuavam a ser azuis, embora menos frequentes. Argel tentou mais uma vez, desta vez mudando o lado esquerdo, com Luiz Fernando na vaga de Júlio César. Diego Renan deu conta do recado e era ajudado por William Magrão, e o jogo seguiu na mesma, com o Cruzeiro esperando a bola certa para contra-atacar.

A última tentativa do time catarinense foi lançar Jackson na vaga de Pablo, que foi jogar bem avançado no meio-campo pela direita, tentando atacar as costas de Souza. Aloísio caiu mais para a esquerda e Caio ficou mais por dentro, liberando o corredor para o volante que acabara de entrar. E foi dali que nasceu a única jogada de perigo: cruzamento completado para defesa até certo ponto tranquila do capitão camisa 1.

No fim, a bola que o Cruzeiro queria. Após rebatida da área, a bola sobroui para Souza, que acionou Montillo. O argentino conduziu a bola em velocidade, bem a seu estilo, driblou seu marcador e deu com açúcar para Leandro Guerreiro, sozinho, desperdiçar. Seria a coroação do ótimo jogo do volante, que parece ter recuperado seu lugar no time com a atuação sólida, principalmente na parte tática.

Agora é com eles

Felizamente, o gol perdido não fez tanta diferença em termos de pontuação. Cinco jogos, três vitórias e dois empates, e vice-liderança com a melhor defesa do campeonato. Mas é bom atentar que, excetuando a partida contra o Botafogo, foram jogos de um nível menor, em que o Cruzeiro é que tinha a responsabilidade da vitória. O duelo contra o líder Vasco, na próxima rodada, é a prova de fogo para a solidez defensiva de Celso Roth. Mas também será um jogo mais aberto para o ataque azul, pois é dos mandantes a responsabilidade da iniciativa de jogo. Prevejo um time reativo em São Januário,  principalmente com mais espaços para Montillo.

E todos sabemos o que acontece quando o craque tem espaço.