Criciúma 0 x 0 Cruzeiro – Enfrentando um 3-4-4-1-1

Este é um blog que fala principalmente de tática no futebol, e de vez em quando sobre estatísticas e gráficos também relacionados a futebol. A premissa principal é falar sobre essas coisas e somente sobre essas coisas, apenas dando pinceladas em outros assuntos que são importantes para os dois principais. Entretanto, quando o plano de jogo, a estratégia, a tática e a técnica dão todos certos, mas o resultado não vem assim mesmo, somente duas coisas explicam. Uma é o acaso do futebol, que de fato existe. Outra é a arbitragem.

Assim como o placar verdadeiro da partida foi 2×0, com gols de Marquinhos e Willian, o título deste texto é uma referência ao sistema tático “real” da equipe catarinense. Ora, isso dá mais de dez jogadores de linha, mas quando se consegue passar da defesa e do goleiro, aí foi preciso vencer outro trio: o de apitadores. E dessa vez o Cruzeiro não conseguiu vencer essa última “linha defensiva”.

Escalações

Criciúma no 4-4-1-1: volantes Serginho e Martinez causavam tripla marcação no lado da jogada e Paulo Baier ocupava o volante, forçando o passe de retorno aos zagueiros do 4-2-3-1 cruzeirense

Criciúma no 4-4-1-1: volantes Serginho e Martinez causavam tripla marcação no lado da jogada e Paulo Baier ocupava o volante, forçando o passe de retorno aos zagueiros do 4-2-3-1 cruzeirense

Sem Henrique, suspenso e lesionado, Nilton voltou à volância ao lado de Lucas Silva, reeditando a parceria que deu muito certo no ano passado. O goleiro Fábio ainda foi protegido pela sua linha defensiva, ainda com Mayke à direita, e também com Egídio na esquerda, e Dedé e Léo na zaga central. Mais à frente, Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Marquinhos articulavam coletivamente com a ajuda de Marcelo Moreno na referência: o 4-2-3-1 imutável de Marcelo Oliveira.

O técnico do Criciúma, Wagner Lopes, sabia do poder de criação celeste e articulou seu time num 4-4-1-1 com muita movimentação defensiva, sempre para ter superioridade numérica no seu campo. A última linha de proteção da meta de Luís tinha Eduardo à direita, Fábio Ferreira e Gualberto centralizados e Giovanni à esquerda; e a segunda linha tinha João Vitor à direita, os (velhos conhecidos) volantes Serginho e Martinez pelo centro e do lado esquerdo fechava o atacante Silvinho. Tudo para compensar a falta de combatividade do veteraníssimo Paulo Baier, que se limitou a ocupar os volantes junto com o atacante solitário Gustavo.

Sem espaço

O plano de marcação do treinador do Criciúma funcionou bem no primeiro tempo, e consistia de três partes. Primeiro, aproximar as duas linhas, evitando o trânsito entre elas e o espaço — com a diferença de que era a linha média que se aproximava da de defesa, e não o contrário. Ou seja, o Criciúma marcou em bloco médio-baixo. Segundo, pressionar imediatamente o lateral do Cruzeiro que recebesse a bola, subindo o bote dos meias abertos e fazendo a rotação, de forma que o meia aberto do lado oposto fechava no centro. E terceiro, bloquear o passe de retorno para os volantes do Cruzeiro, ocupando-os com Paulo Baier e o atacante Gustavo, para evitar a inversão rápida para o lado fraco da marcação.

Essas medidas forçavam o Cruzeiro a voltar o lance para os pés dos zagueiros Dedé e Léo, que acabaram por ficar encarregados do primeiro passe. Nesse ponto, Henrique fez falta, pois vinha fazendo muito bem esse papel. Além disso, quando o Cruzeiro conseguia engatar os passes mais rapidamente, o movimento lateral dos volantes centrais, Serginho e Martinez, superlotava o lado da jogada, fazendo não dois contra dois mais sim três contra dois e um na sobra: o lateral pegava o ponteiro mais à frente, o ponteiro e o volante pegavam o lateral, que ainda tinham o outro volante na cobertura cercando Ricardo Goulart.

Mapa de passes do 1º tempo ilustra como foi difícil entrar na bem postada defesa catarinense e Criciúma usando muitas bolas longas

Mapa de passes do 1º tempo ilustra como foi difícil entrar na bem postada defesa catarinense e Criciúma usando muitas bolas longas

Mover, mover

A única forma de sair desse ferrolho seria se movimentar. E muito. Os meias do Cruzeiro se movimentaram bem, mas não foi suficiente. E aqui, cabe a cobrança: não adianta culpar o posicionamento adversário pela falta de gols. Cabe ao Cruzeiro, como melhor time do país, encontrar os espaços ou senão criá-los.

Não foi capaz, e o primeiro tempo se esvaiu com apenas três “meias chances” para o Cruzeiro: um contra-ataque desperdiçado em um chute ruim de Marquinhos; um cruzamento de Mayke que Moreno resvalou e achou Goulart, que finalizou duas vezes em cima do goleiro Luís, e a jogada que deveria ter sido gol: em rebote da cobrança de falta de Dedé, Nilton devolve pra área de cabeça e acha Goulart, que divide em lance normal com Fábio Ferreira. Marquinhos completa para o gol e marca, mas o Sr. Jaílson viu um empurrão inexistente de Goulart.

Do outro lado, Fábio devia ter pago ingresso. Pois simplesmente assistiu ao jogo em um lugar privilegiado do estádio Heriberto Hulse.

Fábio foi espectador privilegiado: dos 4 chutes do Criciúma no 1º tempo, nenhum foi na direção certa

Fábio foi espectador privilegiado: dos 4 chutes do Criciúma no 1º tempo, nenhum foi na direção certa

Observação e trocas

A segunda etapa começou sem trocas. Alguns amigos questionaram nas redes sociais, entendendo que Marcelo deveria fazer as trocas já no intervalo. A ideia, no entanto, era observar a postura dos catarinenses no segundo tempo. Caso eles saíssem um pouco mais, abririam mais espaços e o time que iniciou a partida poderia render mais; caso contrário, uma substituição teria que ser feita.

E foi o que aconteceu. No início do segundo tempo, o Criciúma até saiu um pouco mais, mas apenas nas bolas paradas, mandando uma artilharia aérea na área do Cruzeiro para ver o que acontecia. Um futebol ruim, coisa de time sem repertório. A estratégia é válida, mas não é dá preferência deste. O Cruzeiro se viu defendendo mais do que o normal e não conseguia encaixar as sequências de passes. Mas logo o jogo voltou ao modo do primeiro tempo, e Marcelo tomou providências: mandou Willian na vaga de Marquinhos, dando total liberdade para Éverton Ribeiro se mexer por trás do ataque celeste.

A troca teria sido um sucesso se não fosse o árbitro, Sr. Jaílson, ter entrado em ação novamente. Éverton Ribeiro apareceu na esquerda, tabelou com Egídio e aplicou um corte seco no zagueiro, finalizando no ângulo oposto, tirando de Luís. O arqueiro do Criciúma ainda conseguiu encostar na bola, que beijou caprichosamente a trave e voltou nos pés de Moreno, em totais condições. Ele pegou mal o rebote, mas Willian, atrás da linha da bola, completou para as redes. O assistente viu impedimento.

Baier sai, Éverton recua

Cruzeiro antes da última troca: Willian próximo a Goulart e Ribeiro armando de trás, com Mayke pouco acionado pelo lado direito

Cruzeiro antes da última troca: Willian próximo a Goulart e Ribeiro armando de trás, com Mayke pouco acionado pelo lado direito

Wagner Lopes só tinha o contra-ataque como opção. Por isso, Paulo Baier teve que dar seu lugar ao veloz Lucca — aquele mesmo que passou pelo Cruzeiro no início do ano. O jovem foi jogar aberto à direita, centralizando Gustavo de vez. Silvinho manteve-se na esquerda, e estava configurado um 4-3-3, mas com três volantes preenchendo o meio. Isso acabou abrindo um espaço à frente da defesa do Cruzeiro, que era por onde Paulo Baier transitava. Quase que imediatamente, Éverton Ribeiro sentiu o espaço e já começou a buscá-lo, para armar o time de trás. O Cruzeiro passou a dominar a posse de bola ainda mais.

Sentindo o mesmo espaço, Marcelo Oliveira mudou pra vencer: oficializou Éverton Ribeiro como o “Pirlo cruzeirense”, tirando Lucas Silva e lançando Dagoberto no jogo. O camisa 11 foi para sua posição costumeira à esquerda, mas Willian não foi para a direita, ficou mais próximo de Goulart. Em teoria, Mayke teria campo livre para avançar, mas foi pouco acionado. Assim, o Cruzeiro forçou muito pela esquerda.

Wagner Lopes trocou de centroavante, uma troca física, por cansaço. O sistema não foi alterado. Faltando cinco minutos, Marcelo deu sua última cartada: Alisson na vaga de Moreno, mandando Goulart para a área. Agora havia cinco jogadores leves na frente e dois laterais apoiadores. Não se pode ser mais ofensivo do que isto. Porém, como definiu o próprio treinador na coletiva pós-jogo: faltou o “algo mais”, aquele toque final caprichado para chegar ao terceiro gol, que seria o primeiro válido. Infelizmente o zero teimou em permanecer no placar.

Mapa de passes do Cruzeiro no segundo tempo mostra como o time procurou muito mais o lado de Egídio do que o de Mayke

Mapa de passes do Cruzeiro no segundo tempo mostra como o time procurou muito mais o lado de Egídio do que o de Mayke

A oscilação normal e a “forçada”

Oscilar num campeonato tão longo e tão equilibrado é normal. Como dito pelo Marcelo Bechler: no Brasil não há nenhum Bayern. Perder pontos considerados mais fáceis é normal aqui. O próprio Cruzeiro fez isso no ano passado. Porém, encaixou uma sequência de 12 jogos sem perder, sendo 11 vitórias, e isso sim esteve fora da normalidade: o Cruzeiro de 2013 foi espetacular. Uma sequência que começou justamente a partir da 15ª rodada, a próxima do certame atual.

Mas a oscilação “normal” do Cruzeiro terminou no sábado. O time jogou o suficiente para fazer dois gols e voltar do sul com mais três pontos. Mas a arbitragem não deixou. E já são sete pontos pelo caminho: 2 contra o São Paulo (a falta invertida no último lance do jogo que gerou o gol de empate), 3 contra o rival citadino (os pênaltis, o inexistente marcado contra e o claro e cristalino não marcado a favor, além do impedimento ridículo da bandeirinha bonitona) e mais 2 agora.

A atuação foi um pouco abaixo do que a apresentada na última partida, mas mesmo assim foi suficiente pra vencer o Criciúma. Taticamente, não há do que reclamar: Marcelo mexeu bem e nos momentos certos, fez a leitura correta da partida. Se a vitória não veio, foi só por conta dos fatores externos já citados. Se o campeonato já seria mais difícil este ano por que os adversários diretos estão melhores, estes fatores fazem o bi se tornar ainda mais difícil. Ainda mais depois de já ter vencido o certame anterior. E ainda mais por ter nos encalços times que têm força política nos bastidores da entidade que rege o futebol.

Mesmo assim, o Cruzeiro mostrou novamente que tem bola pra vencer os 19 adversários do campo — e também os outros fora dele.

Números: cuidado com eles! A eficiência de passe dos jogadores do Cruzeiro

É costume dizer que os números são “frios”. Em outras palavras, os números contam uma verdade única e incontestável. Porém, se colocados da maneira correta, números de qualquer natureza podem contar somente uma parte da história, ou a parte da história que mais lhe convier.

Um pequeno exemplo: suponha que havia dois hospitais em uma cidade, e o prefeito foi lá e construiu mais um. Candidato à reeleição, o prefeito diz à população que aumentou em 50% o número de hospitais. Um número “impressionante”. Mas o candidato de oposição pode usar o mesmo dado, contado de forma diferente, e dizer que o atual prefeito construiu “apenas” um hospital. Um caso clássico de números relativos contra absolutos que acontece em qualquer pleito.

No futebol não é diferente. Dia desses, o perfil cruzeirense da Footstats, a maior empresa de estatísticas futebolísticas do Brasil, publicou o seguinte no Twitter:



Nada mais do que a verdade: Éverton Ribeiro é o cruzeirense que errou mais passes. Ponto. Mas essa análise não diz nada se não for mais profunda. Deve-se levar em conta, também, o total de passes tentados. Afinal, quem tenta mais passes, naturalmente erra mais passes no número absoluto. Para dar um exemplo simplório: se uma equipe A tenta 50 passes e erra 10, enquanto a equipe B tenta passar a bola 200 vezes e erra 20, a equipe B erra mais no total (20 contra 10), mas em eficiência de passes, a equipe B é melhor (90% contra 80%).

Eficiência de passes

Eficiência de passes dos jogadores do Cruzeiro até a 13ª rodada. Em branco, os jogadores que tentaram menos de 100 passes

Eficiência de passes dos jogadores do Cruzeiro até a 13ª rodada. Em branco, os jogadores que tentaram menos de 100 passes

Em termos de eficiência, de acordo com os números da própria Footstats, a maioria dos jogadores está numa faixa entre 80% e 95% de acerto. Fábio tende naturalmente a liderar o quesito, pois qualquer passe errado do goleiro pode resultar em gol adversário e portanto os passes mais seguros são os escolhidos, aumentando muito o índice. Isso se expande para os jogadores de linha: quanto mais à frente o posicionamento de um jogador, maior a probabilidade de erro. Os zagueiros em média tem mais eficiência que os volantes, que por sua vez tem uma taxa de acerto maior que os meias e assim por diante. Exploraremos isso mais à frente no texto.

Além disso, alguns desses números tem que ser relativizados. É o caso de Samudio, Júlio Baptista e Manoel. Estes jogadores estiveram em campo por apenas um jogo, ou nem isso no caso de Samudio e Júlio, e isso acaba por desviar os números demais. Dessa forma, retiramos os jogadores que tem menos de 100 tentativas de passe da análise (Júlio, Samudio, Borges, Tinga, Alisson e Manoel).

De fato, vemos que os jogadores que tem menor taxa de acerto são os jogadores de frente, onde naturalmente há menos espaço para completar um passe. E Éverton Ribeiro é o terceiro menos eficiente dentre os jogadores com mais de 100 passes, de certa forma comprovando o tuíte da Footstats acima. Mas isso também não conta a história completa, como veremos adiante.

Relação passes certos x errados

Na relação entre passes certos e errados, vemos como os jogadores se concentram uma faixa diagonal: quem tenta mais, naturalmente erra mais no número absoluto, mas também tem mais acertos

Na relação entre passes certos e errados, vemos como os jogadores se concentram uma faixa diagonal: quem tenta mais, naturalmente erra mais no número absoluto, mas também tem mais acertos

O eixo vertical representa os passes errados, ou seja, quanto mais pra cima no gráfico está um jogador, mais passes ele erra, em número absoluto. E o eixo horizontal representa os passes certos — da mesma forma, quanto mais à direita no gráfico, mais passes o jogador completa com sucesso, novamente em número absoluto.

Reparem que, de fato, Éverton é o jogador que mais errou passes no Cruzeiro, pois é o ponto que está mais acima que todos os outros. No entanto, ele também acerta muitos passes, sendo o terceiro do time neste quesito, empatado com seu companheiro Ricardo Goulart. Os dois jogadores que acertam mais são Henrique e Egídio. Como já dito, é preciso considerar que Ribeiro e Goulart jogam em regiões do campo onde há muito menos espaço, ao contrário de Henrique e Egídio. Assim, podemos dizer que são dois dos melhores passadores do time. Além disso, na maioria das vezes é deles a responsabilidade de dar o passe final, aquele que deixa o companheiro na cara do gol, e que quase sempre é um passe de maior dificuldade do que os “normais”. Por isso, a taxa de erros é ligeiramente maior.

Outro ponto a se destacar é que os jogadores se concentram numa faixa diagonal que vai do canto inferior esquerdo ao canto superior direito do gráfico. Isso é explicado facilmente pela máxima: quem tenta mais passes, erra mais vezes, mas também acerta mais do que os outros.

Qualidade x quantidade

Entre as equipes, após os dados da 13ª rodada serem contabilizados, o Cruzeiro é o segundo time que mais tenta trocar passes do Brasileirão, com 5457 tentativas, atrás apenas do São Paulo (5590). Em eficiência, o Cruzeiro é o sexto, com 90,17% de acerto. Fluminense (91,66%), Bahia (91,20%), Internacional (90,96%), Atlético-MG (90,89%) e Flamengo (90,78%) estão à frente. Nesta página você pode ver este gráfico e brincar com outros números das equipes.

Vendo estes números, cabe a pergunta: como é possível que o Flamengo, lanterna do campeonato, tenha mais eficiência em passes do que o Cruzeiro, líder absoluto da competição — 90,78% contra 90,17%? A explicação é simples: o número de passes trocados e a eficiência também não contam toda a história. Imagine que os zagueiros de um time ficam trocando passes entre si durante os 90 minutos e o time não tente uma jogada mais aguda. No fim, a equipe terá índices astronômicos de posse de bola e de passes certos, com eficiência de quase 100%, mas o placar terá ficado em branco.

Portanto, além de quantificar, é preciso qualificar a estatística. Quantos desses passes foram no campo de defesa do adversário? Ou melhor, quantos desses passes foram em direção ao terço final do campo, onde é mais difícil completá-los? Quantos foram para frente, ao invés de serem laterais ou para trás? Infelizmente, no momento a Footstats não fornece publicamente a localização dos passes. Talvez nem faça este levantamento ainda.

Há outros fornecedores de dados que fazem esta qualificação. Os dados dos sites WhoScored e Squawka são da Opta, que é a líder nesse setor na Europa e no mundo. No Squawka, é possível ver quem deu o passe, de que lugar do campo para qual lugar do campo, em que minuto do jogo ele foi feito, se ele foi completado, se criou uma chance de gol ou se foi uma assistência (ou nenhum dos dois), se foi de cabeça ou não, se foi longo ou curto — vários qualificadores que ajudam na análise.

Números: cuidado com eles

É claro que os números só dizem a verdade. Mas podem não dizer toda ela. Dependendo da forma em que são colocados, podem esconder uma parte da realidade. Qualquer análise simplista, como a do tuíte acima, pode gerar falsas impressões sobre um jogador ou equipe. Éverton Ribeiro é um dos jogadores mais técnicos do Cruzeiro, se não o mais técnico; portanto, o número absoluto de passes errados, se é o maior do time, diz pouco sobre a qualidade do jogador.

Sob a mesma ótica, também não gosto muito dos famosos “números do jogo” que as emissoras colocam nos intervalos das transmissões. Ali também consta o número de passes errados absoluto, e não a eficiência. A estatística de posse de bola, sem a análise de como foi utilizada essa posse, também não diz muita coisa. Como já dito, um time pode ficar com a bola em seu campo de defesa e não fazer nada com ela.

Penso que as análise de números no futebol no jornalismo esportivo em geral devem ser feitas com mais cuidado. Simplesmente somar as quantidades de qualquer coisa sem qualificar os números já não é o bastante e pouco acrescentam.

Botafogo 1 x 1 Cruzeiro – O futebol é mais importante que o resultado

O Cruzeiro foi ao Maracanã sabendo do tamanho da crise do Botafogo. Mesmo assim, tinha um discurso de respeito ao adversário. Quando a bola rolou, parecia que era o time celeste que jogava em casa: controle da posse de bola e de território, jogando bom futebol e buscando a vitória a todo instante. Foi superior técnica e taticamente, anulando a maioria das poucas ameaças que sofreu e procurando criar espaços diante da retranca carioca.

Não foi suficiente desta vez, muito por conta de um único erro coletivo e também do goleiro adversário, mas valeu. Pois não foi uma busca pelo resultado a qualquer custo, de qualquer jeito: existe uma filosofia por trás. E o Cruzeiro deste sábado foi o verdadeiro Cruzeiro, e isso é o mais importante.

Sistemas e nomes

O 4-4-1-1 do Botafogo bloqueou os laterais celestes e forçou o 4-2-3-1 celeste a jogar pelo centro; Edilson era o puxador de contras

O 4-4-1-1 do Botafogo bloqueou os laterais celestes e forçou o 4-2-3-1 celeste a jogar pelo centro; Edilson era o puxador de contras

Para este jogo, Marcelo Oliveira lançou Mayke na vaga de Ceará, lesionado, pelo lado direito da linha defensiva do goleiro Fábio. Dedé e Léo repetiram o miolo e Egídio fechava o lado canhoto. Lucas Silva e Henrique mais uma vez fizeram a parceria na proteção e apoio ao ataque, se juntando ao trio de criativos: Everton Ribeiro à direita, Ricardo Goulart como central e Marquinhos à esquerda. Moreno completava o escrete na referência.

Vágner Mancini mudou em relação às últimas partidas. Ao invés do 4-3-1-2 losango esperado, para dar suporte a Carlos Alberto como criador no meio, o Botafogo entrou num 4-4-1-1, que variava para 4-2-3-1 com a bola. Jefferson teve Lúcio à direita e Júnior César à esquerda, com Bolivar e Dória protegendo o centro. Na segunda linha, Edilson fechava o lado direito, Bolatti e Gabriel protegiam a entrada da área e Rogério, estreante, foi escalado para fechar o lado esquerdo. Carlos Alberto, sem responsabilidade defensiva, ficava logo atrás de Emerson, que se movimentavam para os lados.

Flancos fechados

O Botafogo foi humilde e reconheceu a superioridade técnica do Cruzeiro, desde o início deixando claro qual era sua proposta de jogo: bloquear o Cruzeiro e partir em contra-ataques. Assim, deixava a bola com o Cruzeiro e não pressionava no alto do campo. Carlos Alberto apenas cercava Henrique e Lucas Silva, e Emerson fazia o mesmo com os zagueiros celestes.

Se a bola chegava a um dos laterais, no entanto, o Botafogo imediatamente subia a marcação. A ideia era forçar o jogo celeste pelo centro, e foi o que aconteceu: as duplas pelos lados fecharam os espaços de Mayke e Egídio. Sem a saída pelos lados, o Cruzeiro tinha duas opções pra compensar: invertendo o lado da jogada — pois os defensores do lado oposto compactavam o time horizontalmente para tirar o espaço dos toques rápidos dos meias celestes — ou os meio-campistas se movimentavam mais, dando mais opções de passe.

Mas as duas opções envolviam velocidade, e o Cruzeiro não aplicou velocidade suficiente para sair do ferrolho botafoguense. Tentou usar a solução conhecida: trocar passes rápidos pelo centro. Não havia espaço. Parecia que era o Cruzeiro que jogava em casa, tal era a proposta defensiva do adversário.

Erros e infelicidades

O Botafogo pouco chegou ao ataque. A rigor, Fábio só fez uma defesa difícil, em cobrança de falta de Edilson — bola parada. A estratégia com a bola era dar velocidade, principalmente com Edilson pela direita nas costas de Egídio. Incrível como todos os treinadores adversários tentam explorar essa brecha no sistema defensivo celeste.

Só não fez outra porque escorregou na hora do gol local. Mas o erro neste lance foi generalizado: Marquinhos e Egídio deixaram Lúcio escapar pela direita, fazendo Léo ter que sair na cobertura. O lateral cruzou e Dedé não conseguiu ganhar de Edilson, que nem cabeceou forte. A bola veio fácil, mas o escorregão tirou a possibilidade de Fábio espalmar.

A vantagem no placar fez o Botafogo se fechar ainda mais e praticamente abdicou do ataque. Tanto é que só foi finalizar de novo já na metade do segundo tempo, quando o jogo já estava empatado. De sua parte, o Cruzeiro jogou o seu futebol, sem afobação. Tocou a bola, tentou achar espaços, se movimentou, mas não foi suficiente para empatar ainda no primeiro tempo.

Em destaque, o momento do jogo em que Fábio foi mero espectador: depois de conseguir o gol, o Botafogo não chutou nenhuma vez até levar o empate

Em destaque, o momento do jogo em que Fábio foi mero espectador: depois de conseguir o gol, o Botafogo não chutou nenhuma vez até levar o empate

Alugando o campo ofensivo

O time do empate era uma espécie de 4-3-3 com Ribeiro armando de trás, Willian e Dagoberto nas pontas e Lucas Silva sozinho na volância

O time do empate era uma espécie de 4-3-3 com Ribeiro armando de trás, Willian e Dagoberto nas pontas e Lucas Silva sozinho na volância

O segundo tempo começou sem mudanças, tanto em peças quanto nos sistemas e nas propostas. Aos dez, a entrada criminosa de Emerson em Henrique lesionou o volante e foi a deixa para Marcelo abrir o time: tirou Henrique e lançou Willian como ponteiro direito, recuando Éverton para ser um armador recuado. No mesmo movimento, Dagoberto substituiu Marquinhos: menos poder de marcação, mas mais verticalidade e drible. Com a proposta do Botafogo, não era tão arriscado.

As trocas surtiram efeito e Cruzeiro alugou o campo ofensivo. Willian mandou no travessão antes da blitz que resultou no gol celeste. Éverton Ribeiro teve que cruzar duas vezes, com os zagueiros na área todo o tempo, para achar Dedé que fez a deixadinha para Léo. O zagueiro fez um gol típico de centroavante: girou e bateu sem olhar. A bola bateu no travessão e quicou dentro da meta.

Com o empate, o Botafogo voltou à estratégia do zero a zero: sair em contra-ataques. E desta vez havia espaço, pois com um volante só a cobertura dos laterais é mais difícil. Mancini — que àquela altura já havia trocado Bolatti por Rodrigo Souto sem modificar nada — sacou Rogério e lançou Júlio César, tentando replicar a função de Edilson do outro lado: um “assistente de lateral” que puxa contra-ataques. Marcelo respondeu com Nilton na vaga de Moreno, avançando Goulart para a referência.

O mapa de passes mostra como o Cruzeiro jogou o tempo todo no campo adversário; foi a partida em que o Cruzeiro mais trocou passes em todo o campeonato

O mapa de passes mostra como o Cruzeiro jogou o tempo todo no campo adversário; foi a partida em que o Cruzeiro mais trocou passes em todo o campeonato

O fator Jefferson

Risco controlado, o Cruzeiro seguiu atacando, e a bola não saía do campo de ataque. Quando o Botafogo conseguia interceptar, só respondia com chutões para frente, onde não havia ninguém de cinza. Vágner Mancini ainda tentou dar um novo fôlego para a estratégia de contra-ataques com Zeballos na vaga do inoperante Carlos Alberto, mas não funcionou.

Já o time celeste buscava a vitória, mas não a qualquer custo. Com calma, mas com velocidade, tocando a bola pelo chão, sem muitos chuveirinhos na área. Só tentava o jogo aéreo quando era bola parada. Nilton cabeceou duas vezes: na primeira Jefferson milagrou, e na segunda beijou caprichosamente a trave direita. Depois, o Cruzeiro fez uma espécia de contra-contra-ataque: o time local errou sua tentativa de pegar a defesa celeste aberta e o Cruzeiro aproveitou o espaço para realizar um contra-ataque lindíssimo, partindo do meio-campo e levando a bola até dentro da área, onde Éverton perdeu a bola.

O Cruzeiro tentou 18 vezes contra a meta de Jefferson: um gol (preto), duas na trave (azul) e seis defendidas por Jefferson (vermelho escuro)

O Cruzeiro tentou 18 vezes contra a meta de Jefferson: um gol (preto), duas na trave (azul) e seis defendidas por Jefferson (vermelho escuro)

O Cruzeiro seguiu tentando, inclusive com Dagoberto no finalzinho, quando Jefferson fez novamente uma defesa espetacular e garantiu o empate.

Jogar bem sempre: somos Cruzeiro

Se no futebol os resultados fossem decididos como na ginástica artística ou nos saltos ornamentais, onde há uma junta de juízes que dão suas notas para quem foi melhor, certamente o Cruzeiro teria saído vencedor. Foi a equipe que buscou o gol a todo instante, não se alterou com o resultado adverso e o mais importante: não foi só na base da raça. Teve técnica e tática, bem aplicadas, e que só não geraram o resultado por que o goleiro adversário foi o melhor em campo.

Mesmo assim, o resultado positivo teria acontecido se o Cruzeiro não tivesse cometido seu único deslize grave na partida. O erro de marcação do lado esquerdo, a falha de Dedé e o escorregão de Fábio foi uma sequência de eventos desafortunados que nos tiraram dois pontos. Deve-se sim tentar corrigir os erros, mas é impossível anulá-los por completo. Nenhum time no mundo consegue fazer uma partida perfeita.

No fim, o que fica é que o Cruzeiro jogou bem, não se conformou com o empate e buscou o resultado, mesmo fora de casa. Postura de time que quer ser campeão novamente. E com bom futebol, que é o mais importante. Quando César Menotti assumiu a Seleção Argentina em 1974, definiu como um de seus mandamentos que “não me interessa ganhar de 1 x 0 com gol de falta; quero vencer por superar futebolisticamente o nosso rival”. Em outras palavras, o que o treinador campeão mundial em 1978 quis dizer é que jogar bem é mais importante que jogar apenas pelo resultado de apenas um jogo. No longo prazo, a filosofia e o bom futebol trarão mais vitórias.

Mas não as garantem. Pos isso, sendo Cruzeiro, prefiro empatar jogando bem do que vencer jogando um futebolzinho chulé.

Cruzeiro 5 x 0 Figueirense – Chuva… de gols

Depois de um primeiro tempo difícil, quando teve que jogar contra o Figueirense e contra a chuva a mesmo tempo, o Cruzeiro reviveu seu velho estilo arrasador por cinco minutos para definir o jogo. Depois, apenas desfilou no gramado molhado do Mineirão, deixando bem claro que é o melhor time do país atualmente.

Sistemas iniciais

O 4-2-3-1 do Cruzeiro teve dificuldades com a chuva e com o 4-3-1-2 losango do Figueirense que lotava o meio-campo e abria os volantes quando a saída era pelos lados

O 4-2-3-1 do Cruzeiro teve dificuldades com a chuva e com o 4-3-1-2 losango do Figueirense que lotava o meio-campo e abria os volantes quando a saída era pelos lados

Marcelo Oliveira escalou o Cruzeiro no 4-2-3-1 costumeiro, com Marquinhos fazendo companhia a Ricardo Goulart e Éverton Ribeiro, na linha de três atrás de Marcelo Moreno. Henrique e Lucas Silva eram os volantes passadores, protegendo a defensa formada por Dedé, de volta ao time, e Léo. Os laterais Ceará e Egídio completaram a linha defensiva do goleiro Fábio.

O Figueirense estreava seu técnico, Argel Fucks, que preferiu mandar a campo uma equipe mais sólida no meio, com um 4-3-1-2 que era losango com a bola e uma linha de três volantes sem a bola. A meta de Tiago Volpi foi defendida por Luan à direita, Nirley e Marquinhos Barbosa no miolo de zaga e Cereceda na esquerda. Guardando a entrada da área, Paulo Roberto dava suporte aos volantes Marco Antônio e Rivaldo, liberando Kléber da marcação mais intensa no centro. Na frente, Ricardo Bueno e Pablo.

 

 

 

Chuva: pior pra quem ataca

Certamente você já ouviu a máxima de que o gramado molhado é ruim, mas é ruim para os dois times e portanto não deve servir como desculpa. Sim, de fato é ruim para os dois. Mas atrapalha mais o time que tem a bola nos pés e busca tenta trocar passes para abrir a defesa do adversário, do o time que tem uma proposta defensiva e reativa, de bolas longas pelo alto. No caso, o gramado atrapalhou mais o Cruzeiro — ou, melhor colocando, facilitou o trabalho de marcação do Figueirense.

Com seu estilo sendo literalmente emperrado pelas poças d’água, o Cruzeiro demorou a se adaptar. Aproveitava as linhas recuadas do Figueirense para testar o gramado, trocando passes na defesa e observar o comportamento da marcação.

O mapa de passes das equipes até os 15 minutos mostra Cruzeiro com a bola, mas recuado em seu campo, e Figueirense abusando de bolas longas

O mapa de passes das equipes até os 15 minutos mostra Cruzeiro (à direita, atacando para baixo) com a bola, mas recuado em seu campo, e Figueirense (à esquerda, atacando para cima) abusando de bolas longas

Os volantes deles

Os volantes do time catarinense guardavam a sua posição no centro, lotando o meio-campo, enquanto a bola estava nos pés de Dedé ou Léo, evitando um passe direto para Lucas ou Henrique. Se isso acontecesse, era logo rechaçado e os volantes devolviam a bola aos zagueiros. Porém, se o Cruzeiro optasse por sair com um dos laterais, o trio fazia o balanço defensivo pra fechar o lateral: o volante mais próximo sobe a pressão e os outros dois fechavam as linha de passe para Lucas e Henrique, deixando o lateral oposto livre.

Mais à frente, a marcação era “padrão”: lateral batia com ponteiro, volante fixo com meia central e atacante contra os zagueiros.

O caminho, portanto, era uma inversão pelo alto, mas esse tipo de bola é difícil e lenta, dando tempo ao time adversário de encaixar a marcação do lado oposto novamente. Assim, se a bola chegava em Ceará, Rivaldo, o volante pela esquerda, subia a marcação, e Marco Antônio fechava pelo centro. Se fosse em Egídio, Marco Antônio o pressionava, e Rivaldo era quem se aproximava do círculo central.

Arriscando

Depois de quinze minutos de adaptação ao gramado, o Cruzeiro subiu ligeiramente seu posicionamento ofensivo e passou a arriscar mais. Porém, o gramado ainda não tinha boas condições e o Cruzeiro errou mais do que a média. Isso gerou contra-ataques perigosos do Figueirense, que tentava jogar na velocidade de seus atacantes.

O jogo se arrastou assim até o final do primeiro tempo, mesmo após o pênalti inexistente sofrido por Ricardo Goulart e convertido por Lucas Silva. Porém, àquela altura o gramado já estava melhorando, pois a chuva havia diminuído e a drenagem fez o serviço. Sinal da mudança que viria após o intervalo.

Dos 15 até o fim da primeira etapa, Cruzeiro se lançou mais à frente, mas errou passes e o Figueirense usou o espaço para os contra-ataques sem usar tantas bolas longas

Dos 15 até o fim da primeira etapa, Cruzeiro se lançou mais à frente, mas errou passes e o Figueirense usou o espaço para os contra-ataques sem usar tantas bolas longas

Cinco minutos brilhantes

No segundo tempo, a saída foi do Figueirense. Mas tão logo Ricardo Bueno tocou na bola, quatro cruzeirenses já invadiram o campo adversário, correndo atrás de quem estivesse com a bola como loucos. É a tal intensidade, palavrinha da moda, que tanto usamos por aqui. Acossados, os jogadores catarinenses erraram o passe e alguns segundos depois, Egídio já cobrava lateral.

Foi essa intensidade que acabou gerando o segundo gol logo no segundo minuto da etapa final. Por pura pressão da marcação, o jogador do Figueirense, em sua própria intermediária, rebateu a bola para trás, que chegou em Moreno. Este deu um passe curto a meia altura para Marquinhos, que pegou de primeira e fez o gol mais bonito da rodada.

 

Depois, outra característica do Cruzeiro de 2013 apareceu: a bola parada. Em falta sofrida por Ceará e cobrada por Éverton Ribeiro, Dedé subiu mais que todos e tirou do alcance de Tiago Volpi. Três a zero, fatura liquidada. Mas o importante é que, diferentemente do que analisam os “comentaristas de melhores momentos” espalhados pelo jornalismo esportivo, não foi o gol de pênalti no primeiro tempo que fez com que o Figueirense saísse e abrisse espaço para o jogo. Não, o Cruzeiro sufocou o adversário e fez dois gols, sendo que o jogo praticamente não passou do meio campo.

Mudanças e efeitos

Só depois dos gols é que deu pra perceber um pouco melhor como o Figueirense havia voltado para o jogo: Kléber agora passava a fechar o lado esquerdo, onde jogou toda sua vida, mas como ponteiro de um 4-4-2. Rivaldo estava mais próximo do centro, junto a Paulo Roberto, e Marco Antônio ficou aberto definitivamente pela direita. Era uma preparação para as mudanças de Argel: Pablo deu seu lugar a Everaldo e Cereceda saiu para a entrada de Felipe. Kléber passou à lateral direita, com Felipe tomando o lugar como ponteiro e Everaldo foi jogar na frente.

Com menos gente no meio e tentando — agora sim — sair mais para o jogo, Marcelo enxergou uma oportunidade de encantar o público. Primeiro trocou Marquinhos por Dagoberto, e depois tirou Moreno e lançou Marlone. Naquele momento, o Cruzeiro tinha Henrique e Lucas como volantes, leves e bons passadores, e Marlone, Ribeiro, Dagoberto e Goulart na frente. Uma formação moderna e que agrada aos olhos: sem volantes destruidores e sem centroavante. Basicamente, 6 jogadores técnicos do meio para frente. Em questão de minutos, os frutos iriam aparecer.

O belíssimo quarto gol

Cruzeiro 5 x 0 Figueirense - Quarto gol

O belíssimo quarto gol cruzeirense em quatro atos (clique para ampliar)

Eduardo Cecconi, um dos gurus em cuja fonte bebo, tem o mantra de que “futebol é a ocupação inteligente dos espaços relevantes”. O quarto gol é, acredito, um belo exemplo disso. Reparem que, quando Marlone percebe que Dagoberto vai roubar a bola, deixa seu posicionamento defensivo (A) e vai até o espaço que percebe haver no meio-campo. Éverton Ribeiro percebe o movimento do companheiro e permanece sem sua posição, sabendo que aquele movimento confundiria a marcação do adversário.

Quando a bola chega em Lucas Silva, Marlone já está posicionado para receber o passe com liberdade. Rivaldo vai atrás dele (B), mas com isso larga Éverton Ribeiro. Mas ele chega atrasado e Marlone devolve imediatamente para Dagoberto, que dá de primeira para Éverton, livre.

Com a bola dominada e com espaço, Éverton conduz até perto da grande área. Rivaldo sei em seu encalço mas não chega (C). Com isso, Marquinhos Barbosa vem fazer a cobertura e Nirley sai da marcação de Goulart para acompanhar Marlone (D), que acompanhava o lance. Éverton percebe o movimento e passa a Goulart por cima, totalmente livre, cabecear fora do alcance de Volpi e marcar um lindo gol coletivo.

Depois, Ceará daria seu lugar a Mayke, por lesão, configurando o Cruzeiro mais ofensivo que se pode haver: dois laterais apoiadores, dois volantes passadores e quatro meias rápidos e técnicos. Não há centroavante clássico. Futebol moderno na veia: todos marcam, todos jogam.

Um time desses merecia um gol, e fez. Quando Mayke puxa o contra-ataque, nada menos do que os quatro meias estão na área para concluir, e dois chegam na bola. Marlone deixa passar, mas Dagoberto não, e ainda conclui no lado oposto do gol.

Sonhando, mas com pés no chão

No fim, um Cruzeiro com quatro meias móveis e técnicos, dois volantes passadores e ainda dois laterais que apoiam bastante: um sonho para quem gosta de futebol ofensivo

No fim, um Cruzeiro com quatro meias móveis e técnicos, dois volantes passadores e ainda dois laterais que apoiam bastante: um sonho para quem gosta de futebol ofensivo

É inegável que a chuva foi o décimo segundo jogador de defesa do Figueirense no primeiro tempo. Normal: para se praticar um futebol de toques rápidos e envolvente, como este Cruzeiro de Marcelo Oliveira, é preciso que as condições do gramado estejam minimamente aceitáveis. No jogo contra o Atlético/PR pelo turno do Brasileiro de 2013 também foi a mesma coisa, não pela chuva, mas porque o gramado estava mal cuidado.

Quando o gramado melhorou sensivelmente, o futebol celeste apareceu e fez a torcida gritar que o time é melhor que a Seleção. Claro, a empolgação de torcedor é totalmente compreensível. Mas é preciso por os pés no chão: esse jogou valeu apenas pela décima segunda rodada. Ainda faltam outros 26 jogos de um campeonato duríssimo.

A formação que terminou o jogo é o sonho de todo torcedor que gosta de ver a busca incessante pelo gol. Com a lesão de Ceará, Mayke deve jogar a próxima partida diante do Botafogo. Vejamos o que Marcelo fará, se vai escalar seus dois laterais apoiadores ante o provável 4-3-1-2 losango de Mancini, ou se reequilibrará o time defensivamente com Samudio no lugar de Egídio, ou ainda com Nilton na vaga de um dos volantes.

Por mim? Seria Mayke e Egídio, com Lucas e Henrique no meio. Um time que me faz sonhar.

Palmeiras 1 x 2 Cruzeiro – Se vira nos 30

Você já deve ter ouvido em entrevistas pós-jogo alguns treinadores analisarem o jogo como “de dois tempos distintos”: quando um time domina as ações em uma etapa e o adversário faz o mesmo na outra. De certa forma, foi o que houve na tarde de domingo no Pacaembu, onde podemos dizer que o Palmeiras dominou 45 minutos de jogo e o Cruzeiro controlou os outros 45, mas não coincidiu com o primeiro e segundo tempos.

Arrasador na primeira meia hora, o Cruzeiro se viu forçado ao seu campo com o recuo de Mendieta para a volância palmeirense, e absorveu a pressão durante os quinze finais do primeiro tempo e também nos primeiros trinta do segundo. Depois, o time paulista cansou de tanta intensidade e o Cruzeiro equilibrou novamente as ações, mas apenas para controlar o relógio até o final.

Os dois onze

Até a saída de Eguren, o Cruzeiro empurrou o Palmeiras para sua intermediária com bons passes pelo chão, driblando a intensidade do 4-2-3-1 paulista

Até a saída de Eguren, o Cruzeiro empurrou o Palmeiras para sua intermediária com bons passes pelo chão, driblando a intensidade do 4-2-3-1 paulista

Marcelo Oliveira repetiu o time do triunfo contra o Vitória e armou o mesmo 4-2-3-1 costumeiro: Fábio no gol, Ceará e Egídio nas laterais e Manoel e Léo na zaga central; Henrique e Lucas Silva protegendo a área e dando apoio a Éverton Ribeiro, mais pela direita, Ricardo Goulart, peça chave do sistema, como central, e Marquinhos, teoricamente na esquerda mas se movimentando como nunca. Na referência, Marcelo Moreno.

Novidade no cenário de treinadores brasileiro, Ricardo Gareca, o cabeludo argentino, armou o Palmeiras também num teórico 4-2-3-1, em seu segundo jogo à frente do time paulista. O goleiro Fábio (impostor) foi protegido pelos zagueiros Lúcio e Tobio, estreante. Na direita, Wendel fechava a linha defensiva, e William Matheus fazia o mesmo do lado oposto. A proteção ficou inicialmente por conta de Renato e Eguren, com Mendieta sendo o elemento central do meio-campo. Diferente do Cruzeiro que tem um meia e um atacante como ponteiros, o Palmeiras tinha dois atacantes de ofício nas beiradas: Leandro e Diogo se movimentavam e invertiam a todo momento. Por fim, Henrique ficou mais centralizado à frente.

Intensidade

O jogo começou a mil por hora — para as duas equipes. O Palmeiras já demonstrava que iria correr muito já nos primeiros segundos, quando o Cruzeiro deu a saída e vários jogadores de verde partiram pra cima dos de azul para roubar a bola o mais rápido possível. Um pouco do que o Cruzeiro fazia no ano passado muito bem, e nesse ano tem feito mais esporadicamente e de maneira mais irregular.

Porém, diferente dos adversários celestes no ano passado, isso não deu muito resultado. Pois dessa vez quem recebia a pressão era um time treinado, que sabia tocar a bola por baixo e só apelava para a bola longa como último recurso. Além disso, é provável que a pressão alta seja uma novidade de Gareca para os jogadores palmeirenses, e ela tem que ser bem executada e ter sincronia para funcionar. Se não, um time técnico consegue dar a volta e achar o buraco na marcação.

Na outra ponta do campo, o Cruzeiro respondeu com intensidade ofensiva. Goulart e Ribeiro apareciam sempre, mas Marquinhos se destacou, aparecendo em todos os lugares do campo. Como na ponta direita, onde ganhou do zagueiro em jogo de corpo, deu um tapa com muita técnica para que a bola ficasse inalcançável para o adversário que fazia a cobertura, chegando com tranquilidade e visão de toda a área na linha de fundo, para fazer a assistência, que ainda teve um corta-luz de Moreno, para Goulart se consolidar como artilheiro do certame. E mal deu tempo de comemorar, pois Goulart já sofria falta do lado esquerdo do campo. Falta cobrada magistralmente por Marquinhos, que achou Manoel livre na área para ampliar.

Mendieta recua

Com a lesão de Eguren, Gareca lançou Felipe Menezes e recuou Mendieta, ganhando qualidade no primeiro passe e virando a batalha da posse no meio-campo

Com a lesão de Eguren, Gareca lançou Felipe Menezes e recuou Mendieta, ganhando qualidade no primeiro passe e virando a batalha da posse no meio-campo

A sequência de gols e o domínio das ações aconteceu também porque o Palmeiras não conseguia responder à altura. No meio-campo, Renato e Eguren tentavam marcar Goulart e os volantes celestes que subiram o posicionamento audaciosamente, alugando a intermediária palmeirense. Até dificultavam, mas quando o time da casa recuperava a bola, não conseguiam dar qualidade no primeiro passe. A bola voltava para o Cruzeiro e o ciclo se repetia.

Só quando Eguren se lesionou e Gareca foi obrigado a fazer uma troca que o Palmeiras reacendeu no jogo. Isso porque, ao invés de trocar um volante por outro, o treinador do Palmeiras ousou e lançou Felipe Menezes, meia, que foi jogar como central do 4-2-3-1. Com isso, Mendieta foi recuado para jogar ao lado de Renato, resolvendo o problema da saída de bola.

Com esse movimento, o Palmeiras ganhou o meio-campo de volta. Henrique e Lucas Silva, antes participantes ativos da construção ofensiva, agora não passavam de marcadores puros, com Lucas inclusive sendo amarelado. O jogo passou a ser jogado na outra intermediária e o Cruzeiro só se defendeu, apesar de Fábio não ser ameaçado até o fim do primeiro tempo.

A animação mostra a diferença nos locais de ação das duas equipes: antes da troca de Eguren por Felipe Menezes, concentração na intermediária palmeirense; depois, a ação passa a ser mais no campo celeste

A animação mostra a diferença nos locais de ação das duas equipes: antes da troca de Eguren por Felipe Menezes, concentração na intermediária palmeirense; depois, a ação passa a ser mais no campo celeste

Amarelos e trocas

Marcelo optou por Willian Farias na vaga de Lucas Silva, com medo de uma eventual expulsão. São jogadores muito diferentes: Lucas sai para o jogo e é responsável pelas inversões de bola para o lateral oposto, participando bem da construção. Willian Farias é somente um destruidor de jogadas, com menos qualidade de passe. Henrique, em teoria, seria o volante mais avançado, mas se ocupava com a marcação de Felipe Menezes e não conseguia sair. O resultado é que com a troca o Cruzeiro convidou ainda mais o Palmeiras à frente, que por sua vez aplicou ainda mais intensidade.

Tobio diminuiu em uma jogada de bola parada, e o gol animou os mandantes. A bola só ficava em pés verdes, com o Cruzeiro marcando e jogando pouco. Henrique, Egídio e Willian Farias receberam amarelos e aumentaram muito o perigo do jogo. O Palmeiras rondou a área, finalizava muito, mas sem qualidade. A rigor, Fábio só fez duas defesas, ainda que fossem pequenos milagres, cara a cara com os avançados de verde.

A linha do tempo mostra bem os períodos de domínio: até os 30, Palmeiras só chutou uma vez; e depois dos 30, apenas uma finalização celeste

A linha do tempo mostra bem os períodos de domínio: até os 30, Palmeiras só chutou uma vez; e depois dos 30, apenas uma finalização celeste

O preço da correria

Porém, não existe nenhum time no mundo que consiga manter o ritmo de marcação e a correria por 90 minutos. O Palmeiras conseguiu surpreendentes 75. Nos quinze minutos finais, a marcação já não era tão apertada, e o Cruzeiro pode enfim respirar um pouco mais. O domínio palmeirense não havia se transformado no empate, nem mesmo com Mouche e Érik nas vagas de Mendieta e Leandro, centralizando Diogo. Marcelo se limitou a fazer trocas defensivas, com Samudio na vaga do amarelado Egídio e mais tarde Tinga no lugar de Ribeiro, sem modificar a estrutura.

Sem tanta intensidade do lado paulista, o Cruzeiro equilibrou as ações levou o jogo até o final, controlando a pressão adversária. Tinga ainda teria chance de matar o jogo ao receber passe magistral de Goulart, mas faltou técnica para o cabeludo à frente do goleiro palmeirense. Felizmente, o gol perdido não fez falta.

Conclusões, conclusões

Os números do jogo acabam por explicar bem a partida. Este foi o segundo pior índice de posse de bola do Cruzeiro no campeonato, com 44,17%, maior apenas do que no clássico no Independência na quarta rodada (43,67%). No entanto, mesmo tendo mais a bola em seus pés, o Palmeiras trocou menos passes e com menos qualidade que o Cruzeiro: 347 (82,71% de acerto) contra 360 (87,50%). Isso demonstra a verticalidade do jogo, consequência direta da intensidade: o time paulista não quis ficar trocando bola entre seus zagueiros e cadenciar, nem deixava o Cruzeiro fazer isso.

Mas o que acabou fazendo a diferença no jogo foram as finalizações. Essa foi a partida em que o Cruzeiro menos finalizou contra a meta adversária: apenas 7 vezes. O Palmeiras atentou contra a meta de Fábio mais que o dobro: 15. Porém, a qualidade das conclusões foi inversa: dos 7 chutes celestes, 2 foram pra fora, 3 foram defendidos e 2 entraram. Já o Palmeiras só conseguiu converter um em gol, com Fábio defendendo outros três: nada menos do que 11 finalizações foram para fora. Um aproveitamento de apenas 26,67%, contra 71,43% celestes — o maior índice da rodada e de todo o campeonato até aqui.

Méritos e amadurecimento

De tempos em tempos falo aqui que não acredito em resultados injustos no futebol. Depois do jogo vi um famoso comentarista (que é palmeirense), cuja opinião respeito muito, dizer que o Palmeiras merecia o empate. Eu discordo. O Cruzeiro teve méritos de fazer dois gols durante seu período de domínio, e ainda teve chances para fazer mais. Já o Palmeiras só conseguiu um, também porque o Cruzeiro teve méritos em se defender.

Mas há que se ressaltar que o Palmeiras empurrou o Cruzeiro para seu campo com seus próprios méritos. Controlou os nervos depois de ficar dois gols atrás do time que é líder, ganhou a batalha da posse no meio-campo e pressionou. Errou muitos passes e finalizações, é verdade, mas isso também é parte do jogo. O Cruzeiro foi mais feliz nesses fundamentos, e talvez por isso tenha vencido, com justiça.

Portanto, não se trata de analisar a partida somente pelo lado celeste, dizendo que o Cruzeiro recuou demais. Há jogos em que isso não será opção do Cruzeiro, como estratégia para distanciar as linhas adversárias e ter espaço para o jogo rápido e rasteiro que lhe é característico. Por vezes, o adversário impõe esta intensidade — e isso acaba por testar o equilíbrio do time, que mostrou saber se defender bem diante de tal postura do Palmeiras. Também teve méritos em conseguir sair tocando pelo chão, com qualidade, diante da pressão alta dos paulistas, o que é animador.

Sintomas de um time mais maduro — e isso pode fazer a diferença em um certame tão difícil.