Cruzeiro 1 x 1 Caldense – Aquela palavra

Intensidade. Essa palavra, que muitas vezes é confundida com pressa ou raça, é a palavra da moda no futebol moderno. Ser intenso é executar as ações com mais rapidez; saber identificar os espaços antes do adversário; se movimentar muito sem a bola para dar opções de passe ao companheiro; subir o bote nos momentos certos e não deixar o adversário respirar até roubar a bola.

Foi exatamente isso que faltou ao Cruzeiro hoje. É claro, foi apenas o quarto jogo, o segundo oficial, e diante de um adversário que fez uma partida quase perfeita taticamente. Tudo isso conta. Mas mesmo assim, era de se esperar um time um pouco mais intenso com a bola, ou pelo menos um pouco mais do que foi na partida contra o Democrata.

Sistemas iniciais

No 1º tempo, o 4-1-4-1 da Caldense encaixou a marcação no 4-2-3-1 do Cruzeiro e negou espaços; estático, time celeste não conseguiu criá-los

No 1º tempo, o 4-1-4-1 da Caldense encaixou a marcação no 4-2-3-1 do Cruzeiro e negou espaços; estático, time celeste não conseguiu criá-los

Marcelo Oliveira teve dois problemas de última hora e teve que modificar o time que treinou durante a semana. Arrascaeta teve problema na documentação, e Bruno Rodrigo foi poupado por dores. Com isso, Fabiano entrou na zaga, pela direita, mudando Léo de lado. Mayke e o estreante Mena completaram a linha defensiva pelas laterais. Willian Farias e Henrique fizeram a dupla volância, atrás do trio formado por Marquinhos à direita, Judivan por dentro e Willian à esquerda, e na referência do ataque, Damião.

Já a Caldense do técnico Léo Condá se postou num 4-1-4-1 muito bem postado e preparado para reagir. O goleiro Rodrigo Viana teve Andrezinho à direita, Rafael Estevam à esquerda e Plínio e Marcelinho no miolo de zaga. Yuri foi o homem entre a defesa e a segunda linha, formada por Tiago Azulão à direita, Nádson e Tiago Ulisses por dentro e Zambi pelo lado esquerdo. Luiz Eduardo era o mais avançado.

Marcação encaixada

No confronto das formações, a marcação ficou muito encaixada. Cada ponteiro da Caldense fechava em um lateral do Cruzeiro; os meias nos volantes; o volante entrelinhas no central Judivan e os laterais marcavam os ponteiros. O time do interior usava a marcação individual por função, isto é, cada jogador pegava o adversário que chegava no seu setor e ia com ele até o fim da jogada.

Assim, não havia espaços no terço final. Era preciso criá-los. Em 2013/14, o Cruzeiro sabia bem fazer isso: quando o time tinha a bola, os jogadores sem ela eram intensos na movimentação, arrastavam os marcadores consigo e abriam linhas de passe. Essa movimentação é coordenada e organizada, o jogador precisa identificar o espaço e ir até ele. E para isso precisa de entrosamento com os companheiros.

Em 2015, os jogadores ainda estão se conhecendo. E não se movimentaram o suficiente para sair da boa estrutura do time da Caldense, ficando muito estáticos em suas posições. Os 3 jogadores atrás de Damião até trocavam de posição, mas sempre antes do Cruzeiro recuperar a posse, e nunca durante as jogadas, facilitando a marcação.

Recomposição e transição

Quando perdia a bola, o Cruzeiro tentava pressionar alto, mas sem coordenação. Para que a marcação no campo de ataque funcione, todos os jogadores tem que avançar de forma a fechar as opções de passe do homem da bola, forçando-o a um erro ou à perda de posse de bola. Mas houve vários momentos em que um dos jogadores do quarteto de frente do Cruzeiro não subia o bote, deixando um jogador da Caldense livre. A bola rodava e chegava nesse jogador, que iniciava o ataque tranquilamente. Assim, o Cruzeiro não conseguia roubar a bola já perto da área adversária, tendo que iniciar os ataques quase sempre de seu próprio campo.

Outro problema apresentado hoje foi a lentidão no contra-ataque. Quando roubava a bola no campo de defesa, o Cruzeiro simplesmente não era veloz o suficiente, e assim a defesa da Caldense conseguia se recompor, fechando os espaços novamente e voltando ao estado anterior: time com mais posse de bola, mas sem conseguir criar espaços para ameaçar Rodrigo Viana.

Em suma: nas quatro fases do jogo (ataque, recomposição, defesa e transição) o Cruzeiro foi mal em três, sendo razoável apenas na parte defensiva. Mena, o estreante, fechou bem a linha de quatro, Léo e Fabiano fizeram um primeiro tempo seguro e os volantes Henrique e Willian Farias protegeram bem a área de Fábio. De resto, faltou movimentação sem a bola no ataque, coordenação na pressão alta na recomposição e velocidade no contra-ataque. Intensidade é o ponto em comum.

A intensidade de Joel

Com Joel, Cruzeiro ganhou muita movimentação e conseguiu criar boas chances pela direita, apertando a Caldense contra sua própria área

Com Joel, Cruzeiro ganhou muita movimentação e conseguiu criar boas chances pela direita, apertando a Caldense contra sua própria área

No intervalo, Marcelo trocou Judivan por Júlio Baptista, mais acostumado a jogar como central do 4-2-3-1. Na Caldense, Léo Condé tirou Tiago Ulisses e lançou Diego Souza (não é aquele). Mas nem deu tempo de avaliar: Damião se movimentou, saiu da área para o pivô e levou a marcação, abrindo espaço para Willian, que foi até esse espaço para receber a bola do próprio Damião e vencer Rodrigo Viana. Porém, quase na sequência, uma desatenção na zaga fez a bola sobrar para Luiz Eduardo dentro da área, que fez um gol típico de centroavante à moda antiga: girou em cima de Fabiano e bateu.

Depois dos gols, o jogo assentou e aí sim deu pra ver que nada havia mudado. Júlio tem característica de reter mais a bola, e não se movimenta tanto. O time tinha mais posse de bola, mas continuava muito estático em campo. Aos 15, Willian Farias deu seu lugar a Joel. Marcelo recuou Marquinhos para a linha de Henrique e abriu Joel pela direita. E aí sim, o Cruzeiro pareceu muito mais dinâmico, pois o camaronês se movimentava bastante, com muita intensidade. Ele parece estar num nível físico acima dos demais.

Reequilíbrio na posse

Foi o melhor momento do Cruzeiro no jogo. Joel combinou bem com Mayke pela direita e criou boas jogadas, ainda que não chegassem a ser ameaças reais ao gol adversário. Só durou cinco minutos, porque Léo Condé respondeu com Ewerton Maradona na vaga de Nadson, mudando para um 4-4-1-1 com Maradona na ligação para Luiz Eduardo. O jogador tinha liberdade para se movimentar pelo campo todo, e entrou para segurar a bola nos pés para diminuir a pressão que o Cruzeiro ensaiava. Deu certo.

Para tentar desequilibrar novamente, Marcelo Oliveira ainda tentou uma última cartada, lançando Riascos no lugar de Damião. O colombiano entrou inicialmente como centroavante móvel, mas depois revezou pela direita com Joel. A troca deu mais fôlego ao time, que voltou a ter mais posse de bola (terminaria com 60%), mas novamente sem criatividade como no primeiro tempo. A equipe tinha mais movimentação, mas não conseguiu quebrar as duas linhas de quatro da Caldense, que se contentou em absorver as investidas celestes e tentar estocadas pela esquerda com Maradona e Zambi.

Fim do jogo: Cruzeiro buscando o gol da vitória sem sucesso diante de uma Caldense taticamente perfeita num 4-4-1-1 reativo

Fim do jogo: Cruzeiro buscando o gol da vitória sem sucesso diante de uma Caldense taticamente perfeita num 4-4-1-1 reativo

Mantendo o foco no que importa

É claro que é preciso ter paciência, o time ainda está em formação. Mas o próprio Marcelo Oliveira admitiu na coletiva pós-jogo que esperava mais, mesmo considerando que a Caldense fez uma ótima partida em termos táticos. O time veio evoluindo, ainda que desfigurado, nos amistosos e na estreia do Mineiro. Mas de Valadares para hoje, não houve melhora.

Entretanto, nem tudo foi ruim hoje. Mena entrou bem na defesa, mas precisa melhorar o apoio, o que também passa pela questão do entrosamento. Damião fez mais um bom jogo taticamente, saindo da área e abrindo espaços para companheiros, e contribuindo com mais uma assistência. Joel está mostrando muito mais do que o esperado, e se continuar assim deve ser titular em breve.

Até a estreia na Libertadores, no dia 25, ainda serão duas semanas e meia para treinar e entrosar o time. Os jogos no Mineiro devem servir para isso. Porém, até mesmo alguns jogos da 1ª fase da própria Libertadores serão importantes nesse sentido, pois o principal é o time estar competitivo e entrosado até o início de maio, quando começam as oitavas da competição sul-americana e o Brasileirão.

Assim, torçamos para que a pressão por resultados no Mineiro não atrapalhe a formação da equipe. Não é melhor ter o time encaixado e voando nas fases decisivas das competições mais importantes do que vencer o campeonato estadual apenas por vencer.

Democrata 1 x 2 Cruzeiro – Cedo demais

Enfim 2015 começou. Mas não da forma como gostaríamos, apesar dos três pontos em Governador Valadares contra o Democrata. Isso porque o Cruzeiro foi obrigado a estrear oficialmente na temporada sem ter todos seus jogadores à disposição. Alguns sem condições burocráticas, outros sem condições físicas.

Considerando estas ausências e o gramado ruim, o Cruzeiro até que se portou bem. Foi dominado no início até sofrer o gol, muito pela superioridade física do adversário, que começou a pré-temporada antes. Depois, sofreu com a falta de criatividade no meio-campo para furar a boa marcação. Porém, com o cansaço do Democrata e as trocas de Marcelo Oliveira, conseguiu superar essa deficiência na articulação e conseguir a virada.

Escretes iniciais

No início, o "novo velho" 4-2-3-1 do Cruzeiro diante de um 3-4-1-2 intenso do Democrata; meias tentavam buscar jogo sem sucesso e alas valadarenses pressionando a saída celeste

No início, o “novo velho” 4-2-3-1 do Cruzeiro diante de um 3-4-1-2 intenso do Democrata; meias tentavam buscar jogo sem sucesso e alas valadarenses pressionando a saída celeste

Marcelo Oliveira mandou a campo a formação já esperada pelos treinos, o mesmo 4-2-3-1 do ano passado, embora com características diferentes. A linha defensiva do goleiro Fábio teve Mayke e Gilson nas laterais, com Léo e Bruno Rodrigo no miolo. Mais à frente, Eurico teve a chance de mostrar serviço, liberando um pouco mais Henrique para se aproximar da linha de três, composta por Marquinhos à direita, Judivan por dentro e Willian à esquerda, com Damião na referência.

Já o Democrata foi armado por Gilmar Estevam num 3-4-1-2 que variava para um 3-5-2 sem a bola. O gol de Fábio Noronha foi protegido por um trio de defensores: Ricardo Duarte à direita, Rodrigo Lima centralizado e Jadson pela esquerda. Com isso, os ala direito Osvaldir e o esquerdo Denilson ficavam mais altos, na segunda linha, que tinha ainda os volantes Júlio César e Marcel. Mais à frente, um trio de atacantes, mas com Paulinho fazendo a ligação para João Paulo e Rodrigão.

Intensidade, a palavra da moda

Antes do jogo, Gilmar Estevam declarou que a diferença de condicionamento físico entre os dois times talvez fosse um fator. E logo que o jogo começou, isso ficou claro: os jogadores valadarenses se movimentavam muito para fugir da marcação da defesa celeste, e quando perdiam a bola, pressionavam para tentar forçar o chutão.

O resultado foi que o Democrata ficava muito mais com a bola no campo de ataque, rodando perigosamente a área celeste. E numa dessas, numa bola que parecia inocente pelo lado esquerdo da defesa, Osvaldir aproveitou que os marcadores do Cruzeiro estavam mais distantes e arriscou um cruzamento dali mesmo, da intermediária. Achou Rodrigão na área, que pegou de primeira com rara felicidade.

Posse estéril

Depois do gol, o Democrata arrefeceu um pouco a marcação no campo de ataque, dando o primeiro combate somente a partir da linha do meio-campo. Paulinho afundava entre os volantes, fazendo ter um jogador para cada um dos três meias do Cruzeiro, e assim os alas tinham liberdade para pressionar os laterais Mayke e Gilson. Os dois atacantes marcavam os volantes e deixavam os zagueiros do Cruzeiro livres.

Mas eles não tinham pra quem passar a bola. Eurico e Henrique conseguiam aparecer pra receber, mas logo devolviam porque também não tinham alvos. Judivan e Marquinhos começaram a recuar para tentar armar de trás, mas não tem essa característica. Em suma, faltou ao Cruzeiro no primeiro tempo fazer a ligação entre a defesa e o ataque com qualidade, seja com um meia articulador (como Éverton Ribeiro era) ou com mais movimentação.

Segundo tempo

Marcelo Oliveira resolveu dar mais tempo ao onze inicial e não fez alterações no intervalo. O segundo tempo começou como terminou o primeiro: Cruzeiro com a bola nos pés mas sem contundência, e o Democrata parecia satisfeito em apenas conter as investidas celestes. Quinze minutos se passaram até que Marcelo mudou o sistema: trocou Eurico por Joel, que foi jogar por dentro; colocou Marquinhos ao seu lado e abriu Judivan à direita. Henrique agora ficava entre duas linhas de quatro: 4-1-4-1.

Flagrante do 4-1-4-1 do Cruzeiro, com Henrique entre as duas linhas de quatro

A troca funcionou até certo ponto, até mesmo porque o Democrata já não aplicava a mesma intensidade na marcação que no primeiro tempo. Mas a nova formação também obrigava os alas valadarenses a marcarem os ponteiros celestes, já que o Cruzeiro agora não tinha mais inferioridade numérica no meio. Os espaços apareceram, também porque Joel deu certa intensidade na posse de bola, mas ainda faltava aquele toque de qualidade para deixar o companheiro na cara do gol.

Empate, recomposição e fluidez

Marcelo ainda lançou Neilton como ponteiro direito na vaga de Judivan, invertendo Willian de lado. O jovem deu ainda mais intensidade, mas continuava faltando criatividade. Gilmar Estevam respondeu com o veloz Leandro na vaga de Paulinho, numa tentativa de explorar os contra-ataques. Mas o jogo não mudou de figura.

O treinador do Cruzeiro já preparava a última substituição, que seria a entrada de Marcos Vinicius, jovem meia recém-promovido da base, mas que nunca tinha treinado sequer no time reserva. Mas mudou os planos após o gol de empate de Henrique, após Damião dar uma casquinha no escanteio cobrado por Willian. Bruno Edgar foi o escolhido, entrando na vaga de Marquinhos e recompondo o 4-2-3-1, mas desta vez com Henrique como primeiro homem de meio, como em 2014. Joel passou a jogar centralizado, Neilton na direita e Willian na esquerda.

Após o empate, o Cruzeiro se reestruturou no 4-2-3-1, e depois da virada, Joel passou para o lado pois tinha mais fôlego que Willian pra acompanhar o ala Douglas

Após o empate, o Cruzeiro se reestruturou no 4-2-3-1, e depois da virada, Joel passou para o lado pois tinha mais fôlego que Willian pra acompanhar o ala Douglas

Bruno conseguiu dar uma fluidez melhor ao meio-campo, e apenas quatro minutos depois do empate, Neilton partiu com a bola dominada, achou espaço e tentou lançar Damião, mas a bola foi desviada e acabou nos pés de Joel. O camaronês viu a movimentação de Willian às suas costas e tabelou com ele, recebendo de volta já dentro da área. A conclusão de pé esquerdo foi indefensável, e a virada tinha chegado.

Com a virada, o Democrata se lançou desesperadamente ao ataque, mas de maneira desorganizada. Perto do fim, Willian se cansou e foi para o centro, deixando Joel na esquerda para marcar o ala Douglas, que havia entrado no lugar de Osvaldir. Diante do 4-2-3-1 bem postado do Cruzeiro, o time da casa não conseguiu mais ameaçar a meta de Fábio.

Devagar com o andor

Infelizmente, ainda não se pode tirar muitas conclusões a respeito desse novo Cruzeiro. Além do gramado ruim, o forte calor e o condicionamento físico ainda não ideal, o Cruzeiro jogou em Valadares com um time misto. Sim, porque vários contratados ainda não estavam regularizados e não poderiam estrear, outros jogadores foram poupados e outros lesionados. Podemos dizer, portanto, que era uma equipe desfalcada.

Isso tudo dificulta fazer uma projeção de como o time pode jogar em 2015. Talvez as únicas conclusões que podem ser tiradas, e ainda assim sem muita convicção, são que Marcelo Oliveira pretende manter o 4-2-3-1 como sistema base, e que Henrique passará a ser o volante que sai mais para o jogo, tentando emular o papel de Lucas Silva no ano passado.

Há outras coisas que podemos inferir pelos treinamentos e amistosos, como as tentativas com Joel e Judivan como meias centrais. Mas o próprio Marcelo Oliveira já parece ter abandonado a ideia de colocar Judivan na posição, pois em entrevista recente disse achar que Judivan rende mais pelo lado. Sinal de que o treinador ainda está experimentando.

Por isso, é preciso ter paciência, sem pressão por resultados. O importante é formar o time, encaixar as características. Felizmente, porém, em Valadares o resultado veio. E isso dá confiança, que também é muito importante.

2015: Feliz Cruzeiro Novo

Enfim, 2015 começa no aqui no Blog Constelações. E como nos dois últimos anos, na transição entre janeiro e fevereiro: quando o grupo já está normalmente definido, às vésperas do primeiro jogo oficial no ano.

Mas, diferente de 2013 e 2014, o elenco do Cruzeiro aparentemente ainda não está fechado. Isso porque a espinha dorsal do time foi desfeita em janeiro, com as saídas de Lucas Silva, Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Marcelo Moreno, dando pouco tempo à diretoria para ir ao mercado contratar reposições — um processo que ainda está em curso.

Ainda assim, a reposição nas mesmas características é difícil. Lucas Silva é um meio-campista completo, marca e joga. Não foi à toda que o Real Madrid insistiu tanto. Goulart é um meia atacante de força física, que jogava como central mas encostava no centroavante, entrando na área. E Ribeiro um ponteiro passador, tomando uma terminologia do voleibol emprestada: saía da direita para a articular no centro.

Mudança de porte

O elenco do Cruzeiro de 2015 até aqui: jogadores que podem fazer mais de uma função, um zagueiro ainda por chegar e um perfil diferente

O elenco do Cruzeiro de 2015 até aqui: jogadores que podem fazer mais de uma função, um zagueiro ainda por chegar e um perfil diferente

Por isso tudo, um novo Cruzeiro surgirá adiante. Chegaram Fabiano, Joel, Gilson, Seymour e Damião em dezembro (leia aqui sobre estes reforços) e em janeiro vieram Riascos, Arrascaeta, Mena, Pará e, provavelmente, Willians. Jogadores que indicam uma mudança no perfil de jogo do Cruzeiro.

Se em 2013 e 2014 o Cruzeiro privilegiou o jogo propositivo, posse de bola e pressão alta, com muita intensidade no ataque e na recomposição, em 2015 é muito provável que o Cruzeiro seja um time mais consistente e com mais estrutura, que ceda menos espaços atrás e seja difícil de bater. Mas isso ao custo de ficar um pouco mais recuado, sem pressionar tanto no alto do campo para forçar o chutão do adversário e a recuperação na bola longa.

“Libertadores é raça”: uma lenda

Muitos dirão que esse é um perfil melhor para disputar a Libertadores, que exige times “raçudos” e físicos. Particularmente, acredito que isso seja uma grande lenda: o Flamengo venceu em 1981 com um time bem técnico; o Corinthians em 2012 com uma postura tática muito disciplinada, sofrendo apenas 3 gols em todo o torneio; o próprio San Lorenzo no ano passado não era um time que tinha jogadores especialmente físicos.

Porém, em recentes entrevistas, Marcelo Oliveira dá a entender de que acredita nessa teoria. Tanto é que usou jogadores mais pesados em alguns jogos já no ano passado, como a dupla de volantes Nilton e Rodrigo Souza no jogo contra o Defensor no Uruguai. Não deu muito certo. Depois, em algumas partidas, Ricardo Goulart foi preterido para que Júlio Baptista entrasse no time.

Assim, é provável que, pelo menos na competição continental, vejamos um Cruzeiro mais consistente, estruturado e que sofra menos gols, porém mais reativo, ficando menos com a bola. Não chega a ser um risco porque ainda há opções no banco para mudar o perfil na mesma partida.

Profundidade de elenco

Um outro aspecto interessante de se notar é que Marcelo aprendeu com os problemas que teve no ano passado. Em um dado momento, o Cruzeiro ficou sem um jogador típico para jogar como central no 4-2-3-1, chegando ao ponto de mudar para um 4-1-4-1 com Nilton entre as linhas no jogo contra o Flamengo no Maracanã. Em outro momento, teve Samudio e Egídio lesionados ao mesmo tempo, o que levou o treinador a improvisar Willian Farias e Alex na lateral esquerda, e depois revezar os naturais da função mesmo sem estarem 100% fisicamente.

Para resolver isso, Marcelo vai usar três laterais para cada lado, um a mais que no ano passado. Fabiano se junta a Mayke e Ceará pela direita, e com a chegada de Mena e Pará, Breno e Gilson passam a ter mais concorrência. Porém, a tendência é que um dos dois seja emprestado ou Gilson seja usado apenas mais à frente, como ponteiro esquerdo.

Já para a posição de central, o técnico do Cruzeiro está testando várias opções. Nos dois amistosos de janeiro, passaram pela função Júlio Baptista, Joel, Neilton e Judivan. Além disso, Arrascaeta poderá jogar na posição, que ainda contaria com Tinga e até mesmo Riascos. É claro, são jogadores diferentes: presença física, velocidade, técnica, marcação, mobilidade. Exerceriam FUNÇÕES diferentes, mas sempre jogando por dentro do trio de meias no 4-2-3-1.

Nem pior nem melhor: diferente

Com tantas mudanças, é muito difícil imaginar até onde esse Cruzeiro 2015 pode chegar. A temporada é longa e muita coisa pode mudar: os garotos da base podem atropelar e ganhar a titularidade (aposto particularmente em Judivan e Bruno Edgar), outros jogadores podem chegar na janela de inverno (como Dedé em 2013 e Marquinhos e Manoel em 2014) e vários outros aspectos.

Mas mesmo com este elenco inicial e ainda indefinido, ainda não digo que é um time pior do que nas duas últimas temporadas. Muita gente afirmaria isso sem hesitar, e é compreensível: o Cruzeiro 2013/14 já entrou para a história, não só pelas conquistas como também pelo estilo de jogo. Talvez este de 2015 também o faça, seja conquistando a América mais uma vez, e quem sabe o Mundo, ou o Brasil pela terceira vez seguida. Ou tudo isso junto. Por que não?

Enfim, é um novo Cruzeiro, com novas caras. Uma transição que aconteceu em várias outras temporadas. E mesmo assim o Cruzeiro nunca deixou de ser grande e temido. Apenas diferente.

Contratações 2015: funções táticas e encaixes

Então 2014 chegou ao fim. Mas no futebol tupiniquim, já estamos em 2015 há muito tempo. Terminado o Brasileiro, a época de contratações foi aberta e o mercado se movimentou. E o Cruzeiro, é claro, não ficou parado e contratou jogadores de maneira pontual, pois a manutenção da base de 2013/14 é sem dúvida uma grande vantagem.

Mas, como de praxe, existe um certo reducionismo da imprensa — e a reboque, dos torcedores — em relação à posição e função tática dos reforços que chegam. E o Constelações tenta aqui analisar como os jogadores contratados até este 31 de dezembro podem contribuir taticamente.

Fabiano

Como vocês sabem, Fabiano é lateral-direito de origem e jogava na Chapecoense em 2014. Muita gente especulou que isso era uma precaução do Cruzeiro em relação a uma possível perda de Mayke para o futebol europeu. Não é assim que enxergo, pois Fabiano tem muito mais características defensivas, faz a linha de quatro atrás com mais qualidade e às vezes até joga de zagueiro.

No entanto, também sabe apoiar bem o ataque, ainda que não tenha o mesmo ímpeto de Mayke. Ele foi o jogador que mais deu assistências para gol na Chapecoense, e o 20º no campeonato, com 5 (números Footstats). Podemos dizer que ele é um misto entre Mayke e Ceará, mas bem mais próximo do segundo do que do primeiro.

 

Gilson

Do outro lado da defesa, o Cruzeiro tem Egídio, o titular, e Breno, contratado no meio do ano. Samudio não teve seu empréstimo renovado. Assim, com Gilson, que estava emprestado ao América, o Cruzeiro passaria a contar com três laterais esquerdos.

Mas a decisão de reintegrar Gilson pode não passar pelo setor. Pois se quando jogava no Cruzeiro, ele de fato era um lateral, no América Gilson jogou aberto pela esquerda no meio-campo, ou seja, como ponteiro esquerdo, à frente do lateral. O jogador foi o 3º geral em assistências na Série B, e ainda marcou 5 gols.

Em cima, o mapa de calor de Gilson em sua última partida na Série B pelo América/MG contra a Ponte Preta; note o posicionamento avançado em relação a Raul (embaixo), o lateral esquerdo de fato na mesma partida

Em cima, o mapa de calor de Gilson em sua última partida na Série B pelo América/MG contra a Ponte Preta; note o posicionamento avançado em relação a Raul (embaixo), o lateral esquerdo de fato na mesma partida

Joel

Destaque da sofrível campanha do Coritiba deste ano, Joel é um atacante do tipo Élber: ousado, driblador e veloz. Parte pra cima do zagueiro no um-contra-um sem medo. No time paranaense, jogava constantemente pelo lado direito na linha de três do 4-2-3-1 de Marquinhos Santos.

Como era um time feito para dar liberdade a Alex, que não tinha nenhum trabalho defensivo, Joel era obrigado a ter responsabilidades de marcação no lateral esquerdo adversário. Mas também jogava de centroavante móvel, principalmente quando o time mudava para um 4-4-1-1, no qual o Coritiba se fechava em duas linhas e deixava apenas Alex e Joel para os contra-ataques. Repare essa formação no vídeo abaixo, no gol marcante contra o São Paulo, quando ele pula a placa e cai no túnel de acesso dos vestiários:

 

Seymour

Surpresa para muitos — inclusive para este escriba, a contratação do chileno foi, ao que parece, um pedido do técnico Marcelo Oliveira para dar consistência na marcação à frente da área. Para a posição, já temos Nilton e Willian Farias, tendo ainda Eurico como terceira opção. De acordo com o noticiado, o jogador veio devido à sua experiência em torneios sul-americanos, pois foi o dono do meio-campo da Universidad do Chile de 2010/11, que encantou o continente sob o comando de Jorge Sampaoli.

Porém, depois daquele período, Seymour foi para a Itália e não rendeu o esperado. Foi emprestado pelo Genoa para o Spezia, da segunda divisão. Lá jogou alguns jogos e, dizem as notícias, foi bem. Mas por alguma razão ainda não jogou na temporada 2014/15, e está parado há alguns meses. Resta saber se a chegada dele representa uma possível precaução da diretoria com a perda de algum outro da posição — Nilton tem proposta séria do Internacional, por exemplo.

Damião

Talvez a contratação mais controversa de todas, Damião é a aposta da diretoria celeste para a posição de referência no ataque. Com Borges liberado e Marcelo Moreno muito caro para ser comprado em definitivo, o Cruzeiro ficou sem centroavantes. Hugo Ragelli é da posição, mas acabou de subir da base e portanto precisa de tempo de maturação. Deve ser a terceira opção, com a segunda sendo ou a reintegração de Anselmo Ramon, ou uma contratação ainda não anunciada.

A grande questão em relação a Damião, no entanto, nem é se ele vai recuperar o futebol de 2012/13 do Internacional, e sim o seu estilo. Se o Cruzeiro desse ano deu muito certo com Moreno na frente, era porque o boliviano era intenso: liderava a pressão alta, saía da área para abrir espaço para Goulart, e ainda era bom no jogo aéreo e tinha velocidade, ainda que tivesse menos técnica e errasse muitas finalizações.

Veja no vídeo abaixo um exemplo: Moreno aplicava tanta intensidade que às vezes roubava bolas até dos companheiros:

 

Damião é um jogador diferente. Se tem mais técnica que Moreno, me parece mais um nove clássico, homem-alvo dentro da área, sem se movimentar tanto, o que pode facilitar a marcação das defesas adversárias. Talvez até engessar um pouco a movimentação do quarteto de frente, prendendo Ricardo Goulart ao meio-campo. Defensivamente, Damião terá de ser a referência da marcação adiantada, como é responsabilidade de todo centroavante do 4-2-3-1. É ele quem vai decidir quando subir a pressão ou não, e o resto do time tem de acompanhar.

Conclusão: versatilidade conta

As contratações celestes até aqui — com a notável exceção de Leandro Damião — me parecem ter uma coisa em comum: todos os jogadores podem fazer mais de uma função em campo para além das “oficiais”. Isso é mais nítido nos casos de Fabiano (lateral e zagueiro) e Gilson (lateral e ponteiro). Joel é menos versátil, mas para uma situação de proteção de resultado e de contra-ataques, ele pode jogar como um centroavante solto e veloz. E Seymour, apesar de ser tipicamente um volante de marcação, tem bom arremate e pode participar da construção como Henrique faz atualmente.

Assim, de certa forma, apenas Damião é um jogador de uma função só. Porém, não acredito que Marcelo Oliveira se contentará com isso e deverá treiná-lo para que, sem a bola, incomode os zagueiros adversários, e até mesmo caia pelos lados para dar o último passe. Se ficar parado, esperando a bola, perderá a posição, pois irá atrapalhar a dinâmica do time, e será uma contratação perdida.

Essa busca pela versatilidade faz sentido. Ainda que não seja explícito — ou até mesmo consciente — por parte do Cruzeiro, é nessa direção que o futebol mundial está seguindo. Para contratar um jogador de uma função só, somente se ele for extraordinário. E todos dessa classe provavelmente estão na Europa.

Feliz 2015

É isso para 2014, amigos. Este blog deseja a todos um 2015 azul-celeste. E que venha o tri da Libertadores, o penta do Brasileiro e o Mundial!

Super-especialistas? Só os extraordinários

Alex, o segundo maior camisa 10 da história do Cruzeiro — atrás de Dirceu Lopes — vai se aposentar neste domingo. Um exemplo de jogador, dentro e fora de campo. Sua visão de jogo era tão grande que eu costumava brincar que ele tinha na cabeça aqueles mapinhas dos vídeo-games de futebol, indicando a posição dos jogadores em tempo real. Sem precisar olhar, ele parecia saber onde estavam seus companheiros e adversários, e assim conseguia encaixar passes quase inacreditáveis.

Mas o Talento Azul faz parte de uma classe de jogadores em extinção. Nela estão nomes como Zlatan Ibrahimovic, Miroslav Klose, Juan Roman Riquelme e Claude Makélélé. São os últimos representantes dos super-especialistas, aqueles que fazem uma única função tática dentro de campo e nada mais. E este processo de desaparecimento não é uma questão de formação, e sim da exigência do futebol moderno.

Não há dúvidas que Ibra é um exímio finalizador, e qualquer time do mundo gostaria de contar com os gols do atacante sueco. É um centroavante camisa 9 típico. No entanto, dificilmente você o verá perseguindo o lateral, destruindo jogadas, recompondo no meio-campo para abafar a saída de bola. O mesmo se pode dizer de Klose, a quem Michael Cox, do site Zonal Marking, chamou de “the last goal-poacher” (“o último finalizador”, numa tradução livre). Maior artilheiro da história das Copas, não foi titular na campanha do tetra em terras brasileiras exatamente por isso: só fazia uma função tática.

Não raro, vemos em mesas de discussão na mídia esportiva brasileira um brado saudosita pelos camisas 10 “das antigas”. Um jogador cerebral, que joga com a cabeça em pé, recebe o passe, pensa, cadencia. Riquelme e Alex são os últimos representantes deste naipe de jogadores, e que tem, inegavelmente, cada vez menos espaço no futebol moderno, muito mais rápido e físico: um jogador mal pega na bola e já tem um ou dois adversários em seu encalço para lhe roubá-la. Não há mais tempo para pensar como antes. E pior: quando surge um jogador que pode vir a se tornar um desses, como Paulo Henrique Ganso, por exemplo, a mídia logo celebra, e fica aumentando o ego do jogador, prejudicando sua formação e até o seu futebol em campo.

Mais atrás no campo, temos os famosos volantes “brucutus”: marcadores implacáveis, roubadores de bola que dariam inveja a muitos larápios profissionais por aí. São os “cães-de-guarda” das defesas. Claude Makélélé foi um exemplo tão marcante desse tipo de jogador que a função foi apelidada de “Makelele role”. No entanto, com cada vez menos espaço no terço final do campo, a responsabilidade de dar o primeiro passe e começar o jogo ofensivo recai cada vez mais sobre esses jogadores. Volantes sem qualidade de passe e visão e jogo estão sendo preteridos em favor de jogadores mais técnicos.

Em suma, a era dos jogadores super-especialistas já terminou. Não há mais espaço para o atacante que só fica dentro da área esperando a bola para finalizar; não há mais espaço para o meia-armador que só joga com a bola no pé e quer tempo para “pensar o jogo”; não há mais espaço para os volantes que só destroem jogadas, e assim que roubam a bola já se livram dela, passando a um companheiro próximo, pois não tem técnica alguma.

A única exceção que podemos abrir para estes super-especialistas é se eles forem jogadores, de fato, excepcionais — como os citados Ibrahimovic e Alex. Pois no futebol de hoje, estamos caminhando para a universalização: todos os jogadores fazendo todas as funções com qualidade. Até chegar lá, veremos cada vez mais em campo centroavantes que marcam, armadores que correm pra trás e dão bote, volantes com bom passe. São jogadores que antigamente eram chamados de “curingas”.

Inclusive, é bem provável, em um futuro próximo, que vejamos zagueiros armadores e até goleiros jogando com a bola nos pés, no melhor estilo goleiro-linha do futsal — Manuel Neuer que o diga. Com o “esgotamento” das revoluções táticas no futebol indicado pelas últimas Copas, o próximo grande passo é fazer com que, literalmente, todos marquem e todos joguem.