U. Sucre 0 x 0 Cruzeiro – Faltou pouco (e não foi ar)

Na estreia pela Libertadores, o Cruzeiro subiu a cordilheira e usou uma estratégia inteligente para minimizar os efeitos da altitude: dosar a intensidade. Para isso, tentou fechar os espaços e sair em velocidade, algo pouco comum nos últimos dois anos. Mas com o desenrolar do jogo, o time foi lentamente tendo mais posse de bola, mas não conseguiu se adaptar por completo à maior velocidade da bola na altitude e acabou voltando da Bolívia com apenas um ponto.

Formações iniciais

Cruzeiro no 4-2-3-1 com ponteiros recuando, desenhando duas linhas de quatro para partir em contra; Universitario no 4-3-3, com Silvestre livre e Cuesta articulando

Cruzeiro no 4-2-3-1 com ponteiros recuando, desenhando duas linhas de quatro para partir em contra; Universitario no 4-3-3, com Silvestre livre e Cuesta articulando

O Cruzeiro de Marcelo Oliveira não tinha nenhuma surpresa. O 4-2-3-1 costumeiro tinha Fábio no gol, Fabiano e Mena nas laterais e Léo e Paulo André no miolo de zaga. No suporte, Henrique e Willian Farias marcavam por dentro, com Willian e Marquinhos recompondo pelos lados. De Arrascaeta ficava ligeiramente mais atrás de Damião, ambos centralizados.

Já o Universitario do “DT” Julio Baldivieso entrou num 4-3-3 clássico: triângulo de base alta no meio-campo. Protegendo o gol de Robles, a linha defensiva tinha Ballivián pela direita, Filippetto e Barón no miolo e Camacho pela esquerda. No vértice baixo, o volante Silvestre fazia a saída, tendo Ribera mais contido para liberar Cuesta. À frente, Palavicini era o centroavante, com Bejarano pela direita e Castro pela esquerda.

Cruzeiro esperando

A partida começou com o Universitario mais com a bola, como esperado, por estar em casa. O Cruzeiro não pressionava alto, marcando a partir do meio-campo, esperando o avanço do time boliviano. Os ponteiros Marquinhos e Willian se alinhavam a Willian Farias e Henrique formando uma segunda linha de quatro, deixando De Arrascaeta e Damião à frente. Essa segunda linha fazia bem o trabalho de fechar as linhas de passe, deixando os zagueiros do time boliviano sem opções.

Pouca compactação

Porém, em alguns momentos, o Cruzeiro subia a pressão, mas só com o quarteto de frente. Os volantes não acompanhavam, e a linha defensiva ficava quase sempre mais próxima da área de Fábio, talvez porque era composta por jogadores lentos, e correr pra trás em lançamentos profundos por cima era um perigo. Isso “dividia” o time em dois, deixando um espaço entre o sexteto defensivo e os quatro da frente. Se a pressão não funcionava, os bolivianos achavam um passe nesse espaço e se aproximavam muito da área de Fábio.

Felizmente, os defensores foram bem e conseguiam neutralizar quase todas as investidas do Universitario. Henrique foi disparado quem mais teve recuperações de bola na partida, com 7 (dados da Conmebol). Paulo André e Léo venciam quase todos os duelos aéreos, e os laterais fizeram boa partida defensivamente, principalmente Mena, que tinha menos a ajuda de Willian do que Fabiano a de Marquinhos.

Dados da Conmebol mostram Cruzeiro roubando muito a bola: 21x2; só Henrique roubou 7

Dados da Conmebol mostram Cruzeiro roubando muito a bola: 21×2; só Henrique roubou 7

Transição rápida

Quando roubava a bola, a tentativa era sempre de resolver a jogada o mais rápido possível. Mas isso também era afetado pela altitude: com o ar mais rarefeito, a bola fica levemente mais rápida. E os jogadores não conseguiam acertar o tempo do passe, ou a força a aplicar na bola.

Um lance no primeiro tempo (aos 9 segundos do vídeo abaixo) exemplifica bem isso: De Arrascaeta mandou de primeira para Willian na esquerda, que ficou livre. Mas a bola foi um pouco mais longe que o ideal, fazendo Willian correr um pouco a mais pra recolher a bola e atrasar o tempo da jogada. Aí Willian esperou Damião entrar na área para executar o passe, mas novamente a bola foi um pouco mais rápida que o bigode queria, e Damião chegou atrasado.



Segundo tempo

No intervalo, Marcelo tirou Willian Farias por causa de um cartão amarelo desnecessário e lançou Willians. Além disso, ajustou melhor o posicionamento pra não dar tanto espaço na entrelinha. Assim, o jogo seguiu da mesma forma, mas o Universitario dessa vez não conseguia mais se aproximar tanto da área de Fábio, se limitando a tentar cruzamentos aéreas a partir da intermediária.

Com isso, o Cruzeiro passou a ter mais posse de bola e conseguia chegar, mas pecou no último passe ou na finalização. Damião teve pelo menos duas chances, assim como de Arrascaeta, no seu último lance antes de ser substituído. Foi uma troca estranha a princípio, mas Marcelo explicou na coletiva pós-jogo que avaliou o uruguaio como um dos mais afetados pela altitude, não fisicamente mas tecnicamente.

Judivan + laterais expostos

Quem entrou em seu lugar foi Judivan, e a ideia de Marcelo era tanto marcar o volante Silvestre, vértice baixo do triângulo de meio do 4-3-3 boliviano, quanto dar velocidade na transição, já que o Cruzeiro conseguia roubar a bola até com certa facilidade.

Porém, à essa altura do jogo, Willian já não recompunha tão bem e expunha Mena ainda mais pelo lado esquerdo ao avanço do lateral Ballivián. Do outro lado, Marquinhos ainda conseguia voltar, mas também não marcava com mesmo afinco, deixando Fabiano no dois contra um. Marcelo então viu o problema e tentou corrigir com Joel na vaga do bigode, pelo lado esquerdo.

Um a menos

No fim, Cruzeiro com um a menos se postou num 4-4-1, mas não foi ameaçado, conseguindo até equilibrar na posse de bola

No fim, Cruzeiro com um a menos se postou num 4-4-1, mas não foi ameaçado, conseguindo até equilibrar na posse de bola

Teria sido uma boa alteração, pois os jogadores de fôlego renovado poderiam dar a velocidade que o Cruzeiro precisava para chegar com qualidade ao gol de Robles. Mas Joel só ficou 6 minutos em campo, expulso com o vermelho direto após uma entrada desnecessária no campo de ataque.

Com um a menos, Judivan saiu do centro e foi pra ponta esquerda, fazendo duas linhas de deixando apenas Damião à frente: 4-4-1. Uma pressão do time da casa era esperada, mas ela não veio, e mesmo com um a menos, a posse de bola foi equilibrada, com o Cruzeiro ameaçando a área do Universitario. Judivan não teve muita disciplina para recompor e deixou o lado esquerdo exposto, com Henrique se desdobrando para cobrir, mas o gol de Fábio não foi mais seriamente ameaçado até o fim do jogo.

Foi bom, mas poderia ter sido melhor

A estratégia usada pelo Cruzeiro em Sucre foi acertada, distribuindo o fôlego ao longo dos 90 minutos para não cansar antes da hora e correr riscos. Nesse ponto, o time foi surpreendeu positivamente, pois no fim parecia que poderia engrenar e chegar ao gol da vitória. Mas duas coisas frearam este movimento: a expulsão de Joel e a saída de De Arrascaeta.

O camaronês — que não parece, mas é mais jovem que Alisson e Mayke, por exemplo — entrou pilhado demais na marcação e acabou prejudicando o time com sua saída. Mesmo com um a menos, o Cruzeiro conseguiu ter alguma posse, o que dá a medida que com onze em campo, poderia ter feito uma pressão no fim.

Já a saída do também jovem uruguaio fez o Cruzeiro ser mais intenso com Judivan, numa tentativa de gastar o resto de oxigênio até o fim da partida e se impor fisicamente. Isso até aconteceu, mas sem o camisa 10, o time ficou pouco com a bola nos pés, acelerando muito. De Arrascaeta talvez pudesse ser o jogador que desse cadência, fazendo os bolivianos correrem atrás na marcação. Mas não dá pra ser engenheiro de obra pronta, criticando depois do acontecido. Naquele momento, Marcelo tinha de tomar uma decisão, e tomou.

Fica a impressão positiva de que o Cruzeiro foi um time tranquilo, sem pressa nem pilha excessiva, o famoso “espírito de Libertadores” (exceção feita à Joel). Se continuar com essa solidez defensiva, ajustando alguns pontos aqui e ali, e também evoluir ofensivamente, como é a tendência com o maior entrosamento, o Cruzeiro só tem a crescer.

Para o temor dos rivais.

Cruzeiro 3 x 0 Boa – Tranquilidade visando a estreia

O Cruzeiro segue evoluindo. Na partida de sábado, mostrou mais movimentação e entrosamento quando tinha a bola nos pés, o que ocorreu em grande parte do tempo. Sem a bola, foi pouco testado, devido à postura reativa e ao sistema de marcação que o Boa usou. Com grande atuação de Damião, que marcou dois e deu passe pro outro, o Cruzeiro ficou tranquilo durante toda a partida — algo que dificilmente acontecerá na partida de quarta-feira na Bolívia.

O onze inicial

Cruzeiro no 4-2-3-1 costumeiro, contra um Boa usando perseguições individuais por todo o campo e um zagueiro na sobra

Cruzeiro no 4-2-3-1 costumeiro, contra um Boa usando perseguições individuais por todo o campo e um zagueiro na sobra

Marcelo Oliveira promoveu a estreia de Paulo André no lado esquerdo da zaga, na parceria com Léo. Além deles, a linha defensiva do goleiro Fábio tinha Fabiano pela direita e Mena pela esquerda. Na proteção, Willian Farias e Henrique se alternavam nas raras tentativas de suporte ao quarteto ofensivo, que tinha Marquinhos à direita, Willian à esquerda, De Arrascaeta central e Damião na referência, completando o 4-2-3-1 quase imutável de Marcelo.

Já o Boa do técnico Ney da Mata veio num teórico 4-3-2-1, mas o desenho era muito bagunçado pela escolha do sistema de marcação, como veremos a seguir. O gol de Douglas foi protegido por Arlan à direita, Éverton Sena e Matheus Ferraz no miolo e Marinho Donizete pela esquerda. À frente da zaga, Gilson era flanqueado por Leonardo e Mardley, deixando Hiltinho e Natan um pouco mais recuados em relação ao Daivison, o centroavante solitário.

Perseguições individuais do Boa

Chamei o sistema do Boa de 4-3-2-1, mas poderia chamá-lo também de 4-1-4-1, porque cada jogador tinha o seu adversário destacado para marcar, com o zagueiro Matheus Ferraz na sobra. Os duelos só trocavam quando a jogada iniciava com os jogadores do Cruzeiro em posições diferentes; por exemplo, se Willian e Marquinhos invertiam de lado, Leonardo pegava o baiano e Mardley marcava o bigode.

O problema com esse sistema de marcação é que um drible ou uma escapada já deixa um jogador livre para avançar, matando a sobra. Ou então, numa transição defesa-ataque veloz, com os jogadores sem estar “encaixados” na marcação individual, gerando superioridade numérica. O Boa usou este sistema até o fim do jogo, e em vários momentos expôs seu goleiro a situações de perigo por causa destes problemas.

O primeiro gol é um bom exemplo: pressão pelo lado direito na saída do Boa e Léo intercepta e já aciona Arrascaeta pela direita, livre da marcação de dois adversários e com muito campo pra avançar. O uruguaio carregou e inverteu para Damião, já no mano a mano com Éverton Sena. O camisa 9 girou e esperou a chegada de Msdarquinhos, mandando por cima de Mardley, que vinha tentando acompanhar o baiano. Sem marcação, Marquinhos fuzilou mesmo sem ângulo.

Flagrante dos encaixes individuais do Boa: laterais do Cruzeiro dando amplitude e ponteiros procurando o centro, sendo perseguidos por seus marcadores designados

Flagrante dos encaixes individuais do Boa: laterais do Cruzeiro dando amplitude e ponteiros procurando o centro, sendo perseguidos por seus marcadores designados

O problema da saída de bola e a posse inócua

De certa forma, a escolha por esse sistema facilitou o trabalho da defesa celeste. Isso porque o Boa esperava o Cruzeiro errar um passe para partir em contra, mas com pouca gente. Assim, a defesa rechaçava as investidas do Boa facilmente, recuperando a bola. O Boa então voltava para o modo de perseguições individuais, mas sem pressionar alto. Com isso, os zagueiros ficavam trocando passes entre si, até um deles tentar o passe longo, ou o lateral vir buscar mais atrás, momento em que era pressionado pelo lateral adversário.

Henrique e Willian Farias também tentavam ajudar na saída, mas também não conseguiam achar os companheiros, todos marcados individualmente. Esse problema também era sentido na transição defesa-ataque veloz, também conhecida como contra-ataque: se a bola era roubada no campo de defesa e o Cruzeiro tentava acelerar, o jogador com a bola ficava sem opções de passe e logo tinha que parar o avanço e usar o passe de retorno, voltando ao modo anterior.

Cruzeiro no campo de ataque

Porém, quando o Cruzeiro finalmente conseguia chegar perto da área adversária, as coisas fluíam melhor. Houve mais mobilidade, principalmente em relação aos jogadores atrás de Damião: Willian e Marquinhos apareciam por dentro para participar da construção junto com Arrascaeta, que também procurava as pontas. Damião também saía da área para abrir espaços, e Mena e Fabiano avançavam, o primeiro melhor que o segundo.

Mas se a bola era perdida, o Cruzeiro fazia uma de duas coisas: ou pressionava alto com uma linha de quatro, com os ponteiros alinhados a Damião e Arrascaeta, ou recuava e deixava apenas o uruguaio e o centroavante à frente. Ou seja, ou se desenhava num 4-2-4, ou num 4-4-2 em linhas.

A primeira abordagem dificultava muito o primeiro passe do Boa, mas se o time de Varginha conseguia passar desse primeiro combate, achava muito espaço, pois os volantes e a linha defensiva não subiam a pressão junto, deixando o time pouco compactado. Já o segundo modo reduzia mais o espaço entrelinhas, mas o ponteiro do lado oposto da bola não recuava até a linha dos volantes, preferindo ficar alto próximo ao lateral adversário.

Tudo quase igual

Mesmo do segundo gol, a postura das duas equipes não se alterou. O Boa continuou marcando individualmente, esperando no campo de defesa, enquanto o Cruzeiro ficava com a bola, mas sem a verticalidade do ano passado, pouco incisivo. Veio o intervalo e com ele a entrada Ualison Pikachu na vaga de Natan, numa tentativa de Ney da Mata de melhorar a articulação. O sistema de marcação permaneceu o mesmo, no entanto.

Passava o tempo e o panorama não mudava, mas o Cruzeiro já não ficava mais tanto com a bola, muito por causa da vantagem no placar. As investidas do Boa eram facilmente repelidas, mas o Cruzeiro também não encaixava seus ataques. Marcelo então resolveu agir com Judivan na vaga de Marquinhos, que tinha acabado de ser advertido.

Flagrante do 4-2-3-1 em fase defensiva, num momento em que o Cruzeiro dava campo ao Boa: Judivan, aqui invertido com Willian, não acompanhou o lateral e deixou estourar 2 contra 1 em Mena

Flagrante do 4-2-3-1 em fase defensiva, num momento em que o Cruzeiro dava campo ao Boa: Judivan, aqui invertido com Willian, não acompanhou o lateral e deixou estourar 2 contra 1 em Mena

E quase na sua primeira jogada, mais uma vez o problema da marcação individual por função apareceu: Judivan venceu seu marcador, que não por coincidência, era o mesmo Mardley que marcou Marquinhos no 1º tempo. De frente para a área, viu Damião se descolar de Éverton Sena e cruzou na medida para o cabeceio certeiro do camisa 9, no contrapé de Douglas.

Boa perigoso e a resposta de MO

No fim, o Cruzeiro apenas protegeu sua enorme vantagem no placar e partia em contragolpes, principalmente pelo lado esquerdo com Mena e Judivan

No fim, o Cruzeiro apenas protegeu sua enorme vantagem no placar e partia em contragolpes, principalmente pelo lado esquerdo com Mena e Judivan

Ney da Mata trocou de centroavante, Daivison por Alexandre, assim como Marcelo Oliveira. Damião saiu sob aplausos para a entrada de Dourado. Depois, no Boa, Mardley deu seu lugar a Éverton Ferrão. Nesse momento, o Boa foi pra cima e o Cruzeiro não respondia, talvez com seus defensores já se poupando para a estreia na Libertadores em Sucre.

Marcelo não gostou nada disso e lançou Joel na vaga de Willian, invertendo Judivan de lado. Joel protegeu melhor Fabiano e ainda deu mais intensidade pela direita. Judivan fez o mesmo com Mena pela esquerda, combinando bem em três jogadas de contra-ataque que quase resultaram em gol, um do próprio Judivan e dois de Henrique Dourado. Mas infelizmente não aconteceram, e nada mais aconteceu na partida.

Ok, mas e para quarta?

Impossível negar que o Cruzeiro melhorou. Teve mais mobilidade na fase ofensiva, pressionou melhor quando perdia a bola e se defendeu bem quando era atacado. Porém, muito disso se deveu à estratégia adotada pelo time de Varginha, de esperar no seu campo e usar perseguições homem a homem por todo o campo. O sistema defensivo não chegou a ser testado verdadeiramente.

Para o jogo de quarta pela Libertadores, que é o que realmente importa, o Cruzeiro deve enfrentar uma situação diferente. Jogando em casa e tentando usar a altitude a seu favor (ainda que Sucre não seja tão alto), o Universitario deve atacar bem mais o Cruzeiro. Dessa forma, apesar da evolução, podemos esperar um jogo duríssimo na Bolívia. Pessoalmente, acredito em um Cruzeiro com pouca posse de bola, mas que assim que recuperá-la, fará tentativas de resolver a jogada o mais rápido possível. De certa forma, a questão da saída de bola fica amenizada com essa estratégia.

Marcelo Oliveira já declarou que quer um Cruzeiro mais competitivo, brigando mais nos momentos sem a bola, mas sem deixar de atacar. Principalmente nos jogos fora de casa. Acredito que o treinador saberá usar a melhor estratégia para este jogo, até mesmo por estar mais experiente na competição. E mais do que ninguém, ele tem que saber que este grupo não é tão fácil como a imprensa gosta de alardear. Pode ser menos difícil, mas ainda assim é muito difícil.

Que os jogadores também tenham essa consciência, e sejam competitivos como a Libertadores pede e merece. Que seja o início do tri.

Guarani/MG 1 x 3 Cruzeiro – Devagar se vai ao longe

O Cruzeiro melhorou sensivelmente. A estreia de De Arrascaeta foi uma das causas, mas não a única. Damião também evoluiu, não só por causa dos gols, mas taticamente, com sua boa movimentação, e com isso o time todo tem um ganho significativo. Mas ainda há muito por trabalhar, principalmente na transição defesa-ataque.

Formações de partida

O 4-2-3-1 do Cruzeiro com Arrascaeta como central aplicando bastante movimentação, diante do 4-4-1-1 do Guarani, que com o recuo de Michel Cury se transformava num 4-1-4-1

O 4-2-3-1 do Cruzeiro com Arrascaeta como central aplicando bastante movimentação, diante do 4-4-1-1 do Guarani, que com o recuo de Michel Cury se transformava num 4-1-4-1

Com o uruguaio De Arrascaeta finalmente regularizado, Marcelo Oliveira pôde escalá-lo no centro da linha de 3 do 4-2-3-1 usado desde o início de 2013. O jovem uruguaio se posicionava atrás de Damião e era flanqueado por Marquinhos e Willian. Mais atrás, Willian Farias e Henrique proviam suporte e proteção à zaga, formada por Fabiano e Léo e com Mayke e Mena nas laterais, defendendo o gol de Fábio.

Já Gian Rodrigues armou sua equipe num 4-4-1-1 que variava para um 4-1-4-1 sem a bola. A linha defensiva do goleiro George teve Roger pela direita, Marx e Tiago Papel no miolo e Carlos Renato na lateral esquerda. Na segunda linha, Djalma era o ponteiro direito, Leandro Ferreira e Rafael Jataí ficavam por dentro e Marcinho completava pela esquerda. Michel Cury fazia a ligação para o homem mais avançado, Fábio Júnior.

Compensações do Guarani

O treinador do Guarani disse na entrevista à TV pré-jogo que havia estudado os dois primeiros jogos do Cruzeiro. De fato, inspirado pelo 4-1-4-1 da Caldense no empate da última quarta-feira, Gian mandou a campo as mesmas duas linhas de quatro. Porém, nesta partida, talvez pelo fato de jogar “em casa”, tenha optado por dar mais liberdade a Michel Cury e livrar Fábio Jr. de qualquer trabalho defensivo.

Porém, o jogo começou com o Cruzeiro dominando a posse de bola. Com isso, Michel Cury afundava na segunda linha, de certa maneira “empurrando” um dos dois jogadores centrais para trás — normalmente era Leandro Ferreira — configurando assim o mesmo 4-1-4-1. Ficou a cargo deste homem entrelinhas, portanto, a marcação em cima do estreante De Arrascaeta, por causa do encaixe de marcação.

Mobilidade ofensiva

Mas o jovem uruguaio se movimentava muito, fazendo com que os jogadores do Guarani não conseguissem achar a marcação. Ele aparecia em todos os setores do ataque: pelo centro, pelos lados e até dentro da área, como no primeiro lance de real perigo da partida: quando Damião recuou para participar da construção da jogada, Arrascaeta foi à frente para ocupar o seu lugar. Damião girou em cima de seu marcador e lançou o uruguaio, que driblou o goleiro mas bateu pra fora. Ele tinha dois alvos livres de marcação dentro da área. Na repetição, é possível ver o jogador apontando para a orelha, como quem diz que não ouviu. Sinal da falta de entrosamento.

O lance acima também indica um aspecto muito interessante: a mobilidade de Damião. Quando ele foi contratado, meu receio era de que ele ficasse muito parado dentro da área, se movimentando pouco, com menos intensidade que Moreno fazia no ano passado. Mas aos poucos Damião vai se soltando e entendendo seu papel no sistema de Marcelo Oliveira. Sua movimentação vem sendo fundamental na criação.

Damião entre as linhas e Arrascaeta avançado; Mena passando pela esquerda e Henrique na cobertura: mobilidade já no primeiro lance perigoso do jogo

Damião entre as linhas e Arrascaeta avançado; Mena passando pela esquerda e Henrique na cobertura: mobilidade já no primeiro lance perigoso do jogo

Saída de bola

Já na transição ofensiva, quando a defesa do Guarani já estava recomposta, faltou ao Cruzeiro ter criatividade no primeiro passe, a famosa saída de bola. Fábio Jr. não marcava os zagueiros celestes, deixando-os à vontade para olhar o jogo de frente. Se entregavam a bola a Eurico ou Mena, estes eram imediatamente pressionados e quase sempre eram forçados ao passe de retorno. E como Arrascaeta não voltava para buscar a bola, ficava a cargo dos volantes iniciarem a construção pelo chão.

Ainda que Henrique tenha mais qualidade de passe pra fazer essa função, nem ele nem Willian Farias conseguiam fazer uma transição suave. Os dois conseguiram encaixar alguns passes, mas na maioria das vezes só faziam a bola rodar, sem avançar as linhas da equipe. Isso fazia o Cruzeiro ter maior posse de bola, mas apesar disso, a bola chegou poucas vezes perto da área adversária, sendo que na maioria delas foi em contra-ataques rápidos, quando a defesa do Guarani ainda estava desorganizada.

Segundo tempo

Apesar do placar do primeiro tempo em branco, os treinadores não mexeram nas suas equipes por opção. Apenas Marcelo teve que tirar Willian Farias do jogo por lesão, colocando Seymour no seu lugar. O sistema não se alterou, mas o chileno não teve a mesma pegada no meio-campo. Além disso, ao contrário do primeiro tempo, Seymour tentava aparecer na frente como opção de passe ainda na transição, mas se o passe saía errado, ele era pego fora de posição, deixando um buraco no meio para Henrique cobrir.

Assim, uma simples mudança que teoricamente seria seis por meia dúzia — volante de marcação por outro — foi responsável por reequilibrar o jogo no meio-campo. O Guarani começou a chegar mais e com mais perigo, quase sempre pegando a defesa do Cruzeiro saindo pro jogo e recompondo às pressas. Fábio Jr. chegou a perder um gol incrível, debaixo das traves.

Mas logo após este lance, em um dos raros momentos de apoio pela direita, Eurico cruzou para a área, onde estavam Arrascaeta e Damião. O uruguaio subiu pra disputar a bola e atrapalhou o zagueiro do Guarani, fazendo a bola sobrar no pé de Damião, que como típico centroavante, protegeu com o corpo, esperou o goleiro cair e mandou no outro canto.

As últimas trocas

No fim, Guarani espetou dois atacantes pelas pontas, mas isso desguarneceu seus laterais; no Cruzeiro, Arrascaeta já não se movimentava tanto como no início da partida

No fim, Guarani espetou dois atacantes pelas pontas, mas isso desguarneceu seus laterais; no Cruzeiro, Arrascaeta já não se movimentava tanto como no início da partida

O gol, porém, não parece ter mudado o panorama do jogo, como normalmente acontece. O Guarani, que já atacava mais que no primeiro tempo, seguiu tentando, agora em busca do empate. Pelo lado do Cruzeiro, a intensidade do primeiro tempo não continuou, e as jogadas de ataque fluíam menos. Willian errava muito no campo de ataque, e em um dado momento errou um drible que gerou um contra-ataque do Guarani.

Foi a deixa para Marcelo tirá-lo do jogo e lançar Judivan. O jovem foi jogar do lado esquerdo, pouco usual para ele, que prefere o direito. Mas sua estrela falou mais alto: em momento de recuperação de bola, Marquinhos colocou o garoto pra correr, que ficou no mano a mano com o zagueiro. Com um drible e um chute cruzado, a vantagem celeste foi ampliada.

O segundo gol, aí sim, seria o da tranquilidade. Seria, se João Carlos, que havia acabado de entrar na partida, não tivesse diminuído o placar em rebote de Fábio, numa falha da defesa celeste após um escanteio. Alguém largou a marcação do jogador; pelo replay, Seymour era o jogador mais próximo, mas não dá pra saber se era a função dele marcar o jogador.

João Carlos, entrou na vaga de Roger, que estava na lateral direita. Com isso, Vinicius Kiss, que havia entrado no primeiro tempo na vaga de Djalma, recuou à lateral. Walterson já havia entrado na vaga de Marcinho pelo outro lado. O Guarani se lançou à frente em busca do resultado, mas com dois atacantes pelos lados, a recomposição não era tão boa e a defesa ficava mais exposta. No fim, Mena e Marquinhos dobraram em cima de Vinicius Kiss pela esquerda, fazendo com que o zagueiro Marx abandonasse a área e fosse fazer a cobertura. Damião viu o buraco e foi até ele, recebendo totalmente livre o passe de Marquinhos, apenas encobrindo o goleiro para dar números finais ao jogo.

No terceiro gol, Mena e Marquinhos fizeram 2x1 em V.Kiss e obrigaram Marx a sair na cobertura, abrindo o espaço que Damião soube ler e aproveitar

No terceiro gol, Mena e Marquinhos fizeram 2×1 em V.Kiss e obrigaram Marx a sair na cobertura, abrindo o espaço que Damião soube ler e aproveitar

Melhorar sempre

A evolução do Cruzeiro neste jogo foi nítida, principalmente na fase ofensiva, com a entrada de De Arrascaeta. Além de prover mais criatividade com passes, o uruguaio também aplicou mobilidade, que Marcelo tanto cobra, ainda que no segundo tempo tenha se cansado. Também vi evolução no sistema defensivo, com um meio-campo mais consistente, o que deve ser uma marca dessa temporada.

Mas ainda há o que melhorar. A troca de posição na linha de 3 precisa ser maior; a saída de bola precisa ter mais fluência, mas isso só vem com o já famigerado entrosamento. Ainda há muitos jogadores a serem testados, mas a base está começando a aparecer. O mais importante é dar quilometragem para este grupo, de forma que possam se conhecer melhor.

Até a estreia na Libertadores, que é o que realmente interessa, serão 10 dias e mais um último teste contra o Boa em casa. Não é suficiente para atingir o ápice da forma física e tática, mas o suficiente para não passar sufoco na Bolívia.

Afinal, o ideal é se classificar sem percalços e atingir este ápice quando de fato interessa: das oitavas de final em diante.

Cruzeiro 1 x 1 Caldense – Aquela palavra

Intensidade. Essa palavra, que muitas vezes é confundida com pressa ou raça, é a palavra da moda no futebol moderno. Ser intenso é executar as ações com mais rapidez; saber identificar os espaços antes do adversário; se movimentar muito sem a bola para dar opções de passe ao companheiro; subir o bote nos momentos certos e não deixar o adversário respirar até roubar a bola.

Foi exatamente isso que faltou ao Cruzeiro hoje. É claro, foi apenas o quarto jogo, o segundo oficial, e diante de um adversário que fez uma partida quase perfeita taticamente. Tudo isso conta. Mas mesmo assim, era de se esperar um time um pouco mais intenso com a bola, ou pelo menos um pouco mais do que foi na partida contra o Democrata.

Sistemas iniciais

No 1º tempo, o 4-1-4-1 da Caldense encaixou a marcação no 4-2-3-1 do Cruzeiro e negou espaços; estático, time celeste não conseguiu criá-los

No 1º tempo, o 4-1-4-1 da Caldense encaixou a marcação no 4-2-3-1 do Cruzeiro e negou espaços; estático, time celeste não conseguiu criá-los

Marcelo Oliveira teve dois problemas de última hora e teve que modificar o time que treinou durante a semana. Arrascaeta teve problema na documentação, e Bruno Rodrigo foi poupado por dores. Com isso, Fabiano entrou na zaga, pela direita, mudando Léo de lado. Mayke e o estreante Mena completaram a linha defensiva pelas laterais. Willian Farias e Henrique fizeram a dupla volância, atrás do trio formado por Marquinhos à direita, Judivan por dentro e Willian à esquerda, e na referência do ataque, Damião.

Já a Caldense do técnico Léo Condá se postou num 4-1-4-1 muito bem postado e preparado para reagir. O goleiro Rodrigo Viana teve Andrezinho à direita, Rafael Estevam à esquerda e Plínio e Marcelinho no miolo de zaga. Yuri foi o homem entre a defesa e a segunda linha, formada por Tiago Azulão à direita, Nádson e Tiago Ulisses por dentro e Zambi pelo lado esquerdo. Luiz Eduardo era o mais avançado.

Marcação encaixada

No confronto das formações, a marcação ficou muito encaixada. Cada ponteiro da Caldense fechava em um lateral do Cruzeiro; os meias nos volantes; o volante entrelinhas no central Judivan e os laterais marcavam os ponteiros. O time do interior usava a marcação individual por função, isto é, cada jogador pegava o adversário que chegava no seu setor e ia com ele até o fim da jogada.

Assim, não havia espaços no terço final. Era preciso criá-los. Em 2013/14, o Cruzeiro sabia bem fazer isso: quando o time tinha a bola, os jogadores sem ela eram intensos na movimentação, arrastavam os marcadores consigo e abriam linhas de passe. Essa movimentação é coordenada e organizada, o jogador precisa identificar o espaço e ir até ele. E para isso precisa de entrosamento com os companheiros.

Em 2015, os jogadores ainda estão se conhecendo. E não se movimentaram o suficiente para sair da boa estrutura do time da Caldense, ficando muito estáticos em suas posições. Os 3 jogadores atrás de Damião até trocavam de posição, mas sempre antes do Cruzeiro recuperar a posse, e nunca durante as jogadas, facilitando a marcação.

Recomposição e transição

Quando perdia a bola, o Cruzeiro tentava pressionar alto, mas sem coordenação. Para que a marcação no campo de ataque funcione, todos os jogadores tem que avançar de forma a fechar as opções de passe do homem da bola, forçando-o a um erro ou à perda de posse de bola. Mas houve vários momentos em que um dos jogadores do quarteto de frente do Cruzeiro não subia o bote, deixando um jogador da Caldense livre. A bola rodava e chegava nesse jogador, que iniciava o ataque tranquilamente. Assim, o Cruzeiro não conseguia roubar a bola já perto da área adversária, tendo que iniciar os ataques quase sempre de seu próprio campo.

Outro problema apresentado hoje foi a lentidão no contra-ataque. Quando roubava a bola no campo de defesa, o Cruzeiro simplesmente não era veloz o suficiente, e assim a defesa da Caldense conseguia se recompor, fechando os espaços novamente e voltando ao estado anterior: time com mais posse de bola, mas sem conseguir criar espaços para ameaçar Rodrigo Viana.

Em suma: nas quatro fases do jogo (ataque, recomposição, defesa e transição) o Cruzeiro foi mal em três, sendo razoável apenas na parte defensiva. Mena, o estreante, fechou bem a linha de quatro, Léo e Fabiano fizeram um primeiro tempo seguro e os volantes Henrique e Willian Farias protegeram bem a área de Fábio. De resto, faltou movimentação sem a bola no ataque, coordenação na pressão alta na recomposição e velocidade no contra-ataque. Intensidade é o ponto em comum.

A intensidade de Joel

Com Joel, Cruzeiro ganhou muita movimentação e conseguiu criar boas chances pela direita, apertando a Caldense contra sua própria área

Com Joel, Cruzeiro ganhou muita movimentação e conseguiu criar boas chances pela direita, apertando a Caldense contra sua própria área

No intervalo, Marcelo trocou Judivan por Júlio Baptista, mais acostumado a jogar como central do 4-2-3-1. Na Caldense, Léo Condé tirou Tiago Ulisses e lançou Diego Souza (não é aquele). Mas nem deu tempo de avaliar: Damião se movimentou, saiu da área para o pivô e levou a marcação, abrindo espaço para Willian, que foi até esse espaço para receber a bola do próprio Damião e vencer Rodrigo Viana. Porém, quase na sequência, uma desatenção na zaga fez a bola sobrar para Luiz Eduardo dentro da área, que fez um gol típico de centroavante à moda antiga: girou em cima de Fabiano e bateu.

Depois dos gols, o jogo assentou e aí sim deu pra ver que nada havia mudado. Júlio tem característica de reter mais a bola, e não se movimenta tanto. O time tinha mais posse de bola, mas continuava muito estático em campo. Aos 15, Willian Farias deu seu lugar a Joel. Marcelo recuou Marquinhos para a linha de Henrique e abriu Joel pela direita. E aí sim, o Cruzeiro pareceu muito mais dinâmico, pois o camaronês se movimentava bastante, com muita intensidade. Ele parece estar num nível físico acima dos demais.

Reequilíbrio na posse

Foi o melhor momento do Cruzeiro no jogo. Joel combinou bem com Mayke pela direita e criou boas jogadas, ainda que não chegassem a ser ameaças reais ao gol adversário. Só durou cinco minutos, porque Léo Condé respondeu com Ewerton Maradona na vaga de Nadson, mudando para um 4-4-1-1 com Maradona na ligação para Luiz Eduardo. O jogador tinha liberdade para se movimentar pelo campo todo, e entrou para segurar a bola nos pés para diminuir a pressão que o Cruzeiro ensaiava. Deu certo.

Para tentar desequilibrar novamente, Marcelo Oliveira ainda tentou uma última cartada, lançando Riascos no lugar de Damião. O colombiano entrou inicialmente como centroavante móvel, mas depois revezou pela direita com Joel. A troca deu mais fôlego ao time, que voltou a ter mais posse de bola (terminaria com 60%), mas novamente sem criatividade como no primeiro tempo. A equipe tinha mais movimentação, mas não conseguiu quebrar as duas linhas de quatro da Caldense, que se contentou em absorver as investidas celestes e tentar estocadas pela esquerda com Maradona e Zambi.

Fim do jogo: Cruzeiro buscando o gol da vitória sem sucesso diante de uma Caldense taticamente perfeita num 4-4-1-1 reativo

Fim do jogo: Cruzeiro buscando o gol da vitória sem sucesso diante de uma Caldense taticamente perfeita num 4-4-1-1 reativo

Mantendo o foco no que importa

É claro que é preciso ter paciência, o time ainda está em formação. Mas o próprio Marcelo Oliveira admitiu na coletiva pós-jogo que esperava mais, mesmo considerando que a Caldense fez uma ótima partida em termos táticos. O time veio evoluindo, ainda que desfigurado, nos amistosos e na estreia do Mineiro. Mas de Valadares para hoje, não houve melhora.

Entretanto, nem tudo foi ruim hoje. Mena entrou bem na defesa, mas precisa melhorar o apoio, o que também passa pela questão do entrosamento. Damião fez mais um bom jogo taticamente, saindo da área e abrindo espaços para companheiros, e contribuindo com mais uma assistência. Joel está mostrando muito mais do que o esperado, e se continuar assim deve ser titular em breve.

Até a estreia na Libertadores, no dia 25, ainda serão duas semanas e meia para treinar e entrosar o time. Os jogos no Mineiro devem servir para isso. Porém, até mesmo alguns jogos da 1ª fase da própria Libertadores serão importantes nesse sentido, pois o principal é o time estar competitivo e entrosado até o início de maio, quando começam as oitavas da competição sul-americana e o Brasileirão.

Assim, torçamos para que a pressão por resultados no Mineiro não atrapalhe a formação da equipe. Não é melhor ter o time encaixado e voando nas fases decisivas das competições mais importantes do que vencer o campeonato estadual apenas por vencer.

Democrata 1 x 2 Cruzeiro – Cedo demais

Enfim 2015 começou. Mas não da forma como gostaríamos, apesar dos três pontos em Governador Valadares contra o Democrata. Isso porque o Cruzeiro foi obrigado a estrear oficialmente na temporada sem ter todos seus jogadores à disposição. Alguns sem condições burocráticas, outros sem condições físicas.

Considerando estas ausências e o gramado ruim, o Cruzeiro até que se portou bem. Foi dominado no início até sofrer o gol, muito pela superioridade física do adversário, que começou a pré-temporada antes. Depois, sofreu com a falta de criatividade no meio-campo para furar a boa marcação. Porém, com o cansaço do Democrata e as trocas de Marcelo Oliveira, conseguiu superar essa deficiência na articulação e conseguir a virada.

Escretes iniciais

No início, o "novo velho" 4-2-3-1 do Cruzeiro diante de um 3-4-1-2 intenso do Democrata; meias tentavam buscar jogo sem sucesso e alas valadarenses pressionando a saída celeste

No início, o “novo velho” 4-2-3-1 do Cruzeiro diante de um 3-4-1-2 intenso do Democrata; meias tentavam buscar jogo sem sucesso e alas valadarenses pressionando a saída celeste

Marcelo Oliveira mandou a campo a formação já esperada pelos treinos, o mesmo 4-2-3-1 do ano passado, embora com características diferentes. A linha defensiva do goleiro Fábio teve Mayke e Gilson nas laterais, com Léo e Bruno Rodrigo no miolo. Mais à frente, Eurico teve a chance de mostrar serviço, liberando um pouco mais Henrique para se aproximar da linha de três, composta por Marquinhos à direita, Judivan por dentro e Willian à esquerda, com Damião na referência.

Já o Democrata foi armado por Gilmar Estevam num 3-4-1-2 que variava para um 3-5-2 sem a bola. O gol de Fábio Noronha foi protegido por um trio de defensores: Ricardo Duarte à direita, Rodrigo Lima centralizado e Jadson pela esquerda. Com isso, os ala direito Osvaldir e o esquerdo Denilson ficavam mais altos, na segunda linha, que tinha ainda os volantes Júlio César e Marcel. Mais à frente, um trio de atacantes, mas com Paulinho fazendo a ligação para João Paulo e Rodrigão.

Intensidade, a palavra da moda

Antes do jogo, Gilmar Estevam declarou que a diferença de condicionamento físico entre os dois times talvez fosse um fator. E logo que o jogo começou, isso ficou claro: os jogadores valadarenses se movimentavam muito para fugir da marcação da defesa celeste, e quando perdiam a bola, pressionavam para tentar forçar o chutão.

O resultado foi que o Democrata ficava muito mais com a bola no campo de ataque, rodando perigosamente a área celeste. E numa dessas, numa bola que parecia inocente pelo lado esquerdo da defesa, Osvaldir aproveitou que os marcadores do Cruzeiro estavam mais distantes e arriscou um cruzamento dali mesmo, da intermediária. Achou Rodrigão na área, que pegou de primeira com rara felicidade.

Posse estéril

Depois do gol, o Democrata arrefeceu um pouco a marcação no campo de ataque, dando o primeiro combate somente a partir da linha do meio-campo. Paulinho afundava entre os volantes, fazendo ter um jogador para cada um dos três meias do Cruzeiro, e assim os alas tinham liberdade para pressionar os laterais Mayke e Gilson. Os dois atacantes marcavam os volantes e deixavam os zagueiros do Cruzeiro livres.

Mas eles não tinham pra quem passar a bola. Eurico e Henrique conseguiam aparecer pra receber, mas logo devolviam porque também não tinham alvos. Judivan e Marquinhos começaram a recuar para tentar armar de trás, mas não tem essa característica. Em suma, faltou ao Cruzeiro no primeiro tempo fazer a ligação entre a defesa e o ataque com qualidade, seja com um meia articulador (como Éverton Ribeiro era) ou com mais movimentação.

Segundo tempo

Marcelo Oliveira resolveu dar mais tempo ao onze inicial e não fez alterações no intervalo. O segundo tempo começou como terminou o primeiro: Cruzeiro com a bola nos pés mas sem contundência, e o Democrata parecia satisfeito em apenas conter as investidas celestes. Quinze minutos se passaram até que Marcelo mudou o sistema: trocou Eurico por Joel, que foi jogar por dentro; colocou Marquinhos ao seu lado e abriu Judivan à direita. Henrique agora ficava entre duas linhas de quatro: 4-1-4-1.

Flagrante do 4-1-4-1 do Cruzeiro, com Henrique entre as duas linhas de quatro

A troca funcionou até certo ponto, até mesmo porque o Democrata já não aplicava a mesma intensidade na marcação que no primeiro tempo. Mas a nova formação também obrigava os alas valadarenses a marcarem os ponteiros celestes, já que o Cruzeiro agora não tinha mais inferioridade numérica no meio. Os espaços apareceram, também porque Joel deu certa intensidade na posse de bola, mas ainda faltava aquele toque de qualidade para deixar o companheiro na cara do gol.

Empate, recomposição e fluidez

Marcelo ainda lançou Neilton como ponteiro direito na vaga de Judivan, invertendo Willian de lado. O jovem deu ainda mais intensidade, mas continuava faltando criatividade. Gilmar Estevam respondeu com o veloz Leandro na vaga de Paulinho, numa tentativa de explorar os contra-ataques. Mas o jogo não mudou de figura.

O treinador do Cruzeiro já preparava a última substituição, que seria a entrada de Marcos Vinicius, jovem meia recém-promovido da base, mas que nunca tinha treinado sequer no time reserva. Mas mudou os planos após o gol de empate de Henrique, após Damião dar uma casquinha no escanteio cobrado por Willian. Bruno Edgar foi o escolhido, entrando na vaga de Marquinhos e recompondo o 4-2-3-1, mas desta vez com Henrique como primeiro homem de meio, como em 2014. Joel passou a jogar centralizado, Neilton na direita e Willian na esquerda.

Após o empate, o Cruzeiro se reestruturou no 4-2-3-1, e depois da virada, Joel passou para o lado pois tinha mais fôlego que Willian pra acompanhar o ala Douglas

Após o empate, o Cruzeiro se reestruturou no 4-2-3-1, e depois da virada, Joel passou para o lado pois tinha mais fôlego que Willian pra acompanhar o ala Douglas

Bruno conseguiu dar uma fluidez melhor ao meio-campo, e apenas quatro minutos depois do empate, Neilton partiu com a bola dominada, achou espaço e tentou lançar Damião, mas a bola foi desviada e acabou nos pés de Joel. O camaronês viu a movimentação de Willian às suas costas e tabelou com ele, recebendo de volta já dentro da área. A conclusão de pé esquerdo foi indefensável, e a virada tinha chegado.

Com a virada, o Democrata se lançou desesperadamente ao ataque, mas de maneira desorganizada. Perto do fim, Willian se cansou e foi para o centro, deixando Joel na esquerda para marcar o ala Douglas, que havia entrado no lugar de Osvaldir. Diante do 4-2-3-1 bem postado do Cruzeiro, o time da casa não conseguiu mais ameaçar a meta de Fábio.

Devagar com o andor

Infelizmente, ainda não se pode tirar muitas conclusões a respeito desse novo Cruzeiro. Além do gramado ruim, o forte calor e o condicionamento físico ainda não ideal, o Cruzeiro jogou em Valadares com um time misto. Sim, porque vários contratados ainda não estavam regularizados e não poderiam estrear, outros jogadores foram poupados e outros lesionados. Podemos dizer, portanto, que era uma equipe desfalcada.

Isso tudo dificulta fazer uma projeção de como o time pode jogar em 2015. Talvez as únicas conclusões que podem ser tiradas, e ainda assim sem muita convicção, são que Marcelo Oliveira pretende manter o 4-2-3-1 como sistema base, e que Henrique passará a ser o volante que sai mais para o jogo, tentando emular o papel de Lucas Silva no ano passado.

Há outras coisas que podemos inferir pelos treinamentos e amistosos, como as tentativas com Joel e Judivan como meias centrais. Mas o próprio Marcelo Oliveira já parece ter abandonado a ideia de colocar Judivan na posição, pois em entrevista recente disse achar que Judivan rende mais pelo lado. Sinal de que o treinador ainda está experimentando.

Por isso, é preciso ter paciência, sem pressão por resultados. O importante é formar o time, encaixar as características. Felizmente, porém, em Valadares o resultado veio. E isso dá confiança, que também é muito importante.