Cruzeiro 1 x 2 Tombense – Já era hora

Demorou pra acontecer. O Cruzeiro já mostrava dificuldade em superar as retrancas que os visitantes armam no Mineirão, mas conseguia pelo menos se defender bem, sofrendo poucos gols e conseguindo empates. Contra o Tombense, até trabalhou razoavelmente com a bola para abrir o placar, mas depois a já escassa mobilidade do time cessou.

Some-se a isso os graves problemas defensivos, ocasionados pela distância entre os volantes e a linha defensiva, além do mérito do adversário em explorar exatamente essas falhas, e temos a primeira derrota do Cruzeiro na temporada.

Esquemas iniciais

No início, o 4-2-3-1 Cruzeiro até teve certa mobilidade e controle, mas com o meio e a defesa longe, diante de um Tombense postado no 4-4-2 em linhas e que pressionava só a partir dos volantes celestes

No início, o 4-2-3-1 Cruzeiro até teve certa mobilidade e controle, mas com o meio e a defesa longe, diante de um Tombense postado no 4-4-2 em linhas e que pressionava só a partir dos volantes celestes

Sem Marquinhos, Marcelo Oliveira optou por Judivan na função de ponteiro direito do seu fiel 4-2-3-1, com De Arrascaeta pelo centro e Alisson na esquerda atrás de Damião. Na proteção, Charles e Henrique faziam uma dupla leve e de bom passe, à frente dos zagueiros Manoel e Paulo André, com Mayke e Mena nos flancos. Todos capitaneados pelo goleiro Fábio.

Júnior Lopes, o treinador do Tombense, armou seu time num 4-4-2 britânico, ou seja, em duas linhas: a linha defensiva do arqueiro Warley tinha Gedeílson pela direita, Heitor e Alexandre no miolo e Anderson pela esquerda; a segunda linha tinha Betinho e Jonatan pelas pontas, com os volantes Coutinho e Mateus no centro. Na frente, Rafael Pernão e Jean.

Movimentação até fazer o gol

A escalação de Charles e Henrique era uma tentativa de melhorar a saída de bola e o suporte à organização ofensiva, já que os dois tem bom passe e se alternariam na subida ao ataque. Isso aconteceu em parte, e nos primeiros minutos o Cruzeiro teve até uma saída de bola razoável, com exceção do passe errado de Manoel para De Arrascaeta que o volante Mateus interceptou, para avançar e finalizar em Fábio.

Além disso, De Arrascaeta se mexeu um pouco mais no início, aparecendo pela esquerda e pela direita do ataque, ainda que os ponteiros Judivan e Alisson não ocupassem o setor central em troca. A jogada do primeiro gol é um exemplo: o uruguaio vai até o setor direito para ajudar Mayke, Judivan e Alisson, que naquele momento estava do outro lado, contra quatro defensores. Troca rápida de passes e De Arrascaeta acha Alisson sozinho na frente, forçando a cobertura a sair da área para dar combate. Bastou um drible e veio a assistência para mais um gol de Damião.

Cobertor curto

Mas, como sempre no futebol, se você investe num lugar tem que ceder em outro, afinal são sempre 11 jogadores. Com Henrique e Charles mais voltados a participar da construção, a parte defensiva, que tanto vinha bem neste ano, deixou a desejar. Muito provavelmente a falta de entrosamento especificamente entre os dois tenha atrapalhado, já que em vários momentos ambos avançavam simultaneamente e desguarneciam a última linha.

Dessa forma, o time de Tombos, que já estava numa postura reativa, esperando uma oportunidade para sair em contra-ataques, teve o espaço que queria. Não foi surpresa, portanto, que o passe que iniciou a jogada do gol de empate tenha sido do volante Coutinho, já que Henrique e Charles estavam avançados demais. Ele passou a Rafael Pernão, mas Paulo André fez a leitura e foi pra cobertura, atrasando a jogada e dando tempo para a defesa se recompor. No entanto, isso não aconteceu, pois Charles se preocupou com o jogador dentro da área e Henrique nem voltou. Jonatan recebeu sozinho na entrada da área para empatar.

Excesso de tranquilidade?

A impressão que ficou da primeira etapa é que o Cruzeiro estava numa espécie de letargia pós-gol. Trabalhou com certa preguiça até abrir o placar e depois parou totalmente de vez de se movimentar. Tirando um chute numa jogada individual de Alisson e o gol de Damião, o Cruzeiro pouco ameaçou. Talvez, com o time já classificado no estadual e já pensando no jogo contra o Mineros pela Copa Libertadores, os jogadores naturalmente não mostrassem tanto afinco. Não pode ser desculpa.

Depois do intervalo, a equipe melhorou ligeiramente com Gabriel Xavier pela direita e Marcos Vinícius no centro, mas não o suficiente pra criar chances; problemas defensivos continuaram

Depois do intervalo, a equipe melhorou ligeiramente com Gabriel Xavier pela direita e Marcos Vinícius no centro, mas não o suficiente pra criar chances; problemas defensivos continuaram

Na coletiva, Marcelo citou muitas vezes que “faltou espírito de luta, de competição”. Segundo ele, foi por isso que voltou do vestiário com Gabriel Xavier e Marcos Vinícius nas vagas de Judivan e De Arrascaeta. Marcos Vinícius jogou pelo centro, e Gabriel Xavier o setor direito. A ideia era dar mais mobilidade ao time, e quem sabe aumentar a competitividade.

Um pouco melhor, mas igualmente ruim

As trocas deram uma movimentação um pouco melhor com a bola, já que Gabriel e Marcos se procuravam e tentavam aproximações, sem ainda ser suficiente pra abrir a defensa adversária. Tanto que o lance mais perigoso foi uma bola longa para Gabriel Xavier, que conseguiu dominar já colocando na frente para finalizar. Mandou por cima.

Os problemas defensivos, porém, continuaram. No primeiro contra-ataque da equipe de Tombos, uma falha defensiva generalizada: Alisson não percebe Gedeílson passando às suas costas e não o acompanha, além dos volantes mais uma vez estarem demasiadamente avançados, deixando a última linha em inferioridade numérica. Ainda houve tempo para recuperação, e a defesa ficou no mano a mano, mas Henrique não prestou devida atenção em Coutinho, que infiltrou e virou o placar.

Na jogada do 2º gol do Tombense, várias falhas permitiram que o adversário atacasse a última linha com superioridade numérica; a defesa ainda conseguiu se recompor, mas Henrique largou a marcação de Coutinho, o autor do tento

Na jogada do 2º gol do Tombense, várias falhas permitiram que o adversário atacasse a última linha com superioridade numérica; a defesa ainda conseguiu se recompor, mas Henrique largou a marcação de Coutinho, o autor do tento

Última cartada

No fim, Cruzeiro totalmente à frente, com Joel entrando na área e Marcos Vinícius armando de trás; Tombense fechou o centro e segurou o resultado, quase marcando o 3º num contra-ataque 4 contra 1

No fim, Cruzeiro totalmente à frente, com Joel entrando na área e Marcos Vinícius armando de trás; Tombense fechou o centro e segurou o resultado, quase marcando o 3º num contra-ataque 4 contra 1

Imediatamente após o gol, Marcelo gastou sua última troca, tirando Charles da partida para lançar Joel. Com isso, Marcos Vinícius era o responsável por qualificar a saída, com Joel entrando na área e Gabriel Xavier circulando entre a direita e o centro. Ficou bem exposto, mas o Tombense recuou as linhas e parou de sair em contra-ataques.

Num dos primeiros lances após o gol, Marcos Vinícius chutou de fora, o goleiro Warley deu rebote nos pés de Gabriel Xavier, que chutou em cima do goleiro novamente. Parecia que o time ia tomar conta, mas foi talvez o lance mais perigoso do Cruzeiro na etapa final. O time celeste finalizou muitas vezes, mas quase sempre de muito longe e sem perigo.

Já perto do fim, Júnior Lopes trocou Jean e Jonatan por Daniel Amorim e Lucas Silva. O Cruzeiro, sem substituições a fazer, se lançou de vez ao ataque, sintetizado na entrada de Paulo André na área com bola rolando, ao invés de bolas paradas como é mais comum. Bastou um erro para deixar Mayke, o último defensor, sozinho contra quatro jogadores. Pra sorte do Cruzeiro, Mayke conseguiu afastar.

Depois, o treinador do Tombense fechou o time de vez com Djair na vaga de Pernão, trancando o meio. Ainda houve tempo para um chute de Joel, mas o camaronês mandou na trave a chance de evitar o primeiro revés da temporada — que, convenhamos, já devia ter chegado antes.

Todos os 20 jogadores de linha na mesma imagem: Cruzeiro desesperado, totalmente à frente, em vias de sofrer um contra-ataque: quatro jogadores contra Mayke, que conseguiu evitar o gol

Todos os 20 jogadores de linha na mesma imagem: Cruzeiro desesperado, totalmente à frente, em vias de sofrer um contra-ataque: quatro jogadores contra Mayke, que conseguiu evitar o gol

E agora?

A grande verdade é que o Cruzeiro jogou a mesma coisa que jogou nos outros jogos. Só que desta vez teve falhas defensivas graves que foram bem aproveitadas pelo adversário. Tanto que foi o primeiro jogo do ano em que o Cruzeiro sofreu mais de um gol — não por acaso, foi a primeira derrota.

A aproveitamento no Mineirão é ruim, mas tem explicação: todos que visitaram o Cruzeiro se fecharam na defesa, inclusive o Atlético Mineiro. E o Cruzeiro atual ainda tem imensa dificuldade em entrar nessas defesas bem postadas. O time ainda é estático demais, com jogadores muito presos aos seus respectivos setores.

Esse é o diagnóstico: falta mobilidade. Nem é preciso muita, como prova o solitário gol da derrota. Muitos sugerem troca de posição de De Arrascaeta, ou mesmo a troca do esquema. Pode funcionar, desde que isso faça com o que o time tenha mobilidade. Se trocar peças, ou de esquema, mas não se mexer, vai continuar tendo dificuldade em destravar estes ferrolhos.

Na quarta-feira, mais uma vez um visitante vai se fechar no Mineirão. Marcelo já sinalizou o time titular, no 4-2-3-1, com De Arrascaeta central e Willian pela direita. Novamente será um jogo para se ter paciência, mas a movimentação tem que aparecer.

Torçamos para que o time, pelo menos, tenha mais espírito de luta.

Mineros 0 x 2 Cruzeiro – A pior de todas

Enfim o Cruzeiro venceu na Copa Libertadores. Mas fez sua pior partida desde 2013, nas palavras do próprio Marcelo Oliveira. Foram 67 minutos em que a equipe foi mal em todas as fases do jogo: ataque, recomposição, defesa, transição, bola parada. Até no contra-ataque, onde até então vinha tendo seu melhor desempenho, o Cruzeiro não foi bom. Com as substituições, o time se distribuiu melhor em campo e passou a controlar as ações, mesmo sem brilho.

Formações iniciais

No 1º tempo, o 4-2-3-1 do Cruzeiro levou um banho tático: os laterais do Mineros avançavam ao mesmo tempo e criavam dificuldades para Marquinhos e Alisson; De Arrascaeta distante dos volantes, dando muito espaço para López se juntar ao intenso ataque dos venezuelanos

No 1º tempo, o 4-2-3-1 do Cruzeiro levou um banho tático: os laterais do Mineros avançavam ao mesmo tempo e criavam dificuldades para Marquinhos e Alisson; De Arrascaeta distante dos volantes, dando muito espaço para López se juntar ao intenso ataque dos venezuelanos

Marcelo escalou o Cruzeiro no 4-2-3-1 tradicional. A linha defensiva de Fábio tinha Mayke e Mena nas laterais, com Léo e Paulo André na zaga. Na volância, Willian Farias substituiu o lesionado Willians, na parceria com Henrique. À frente, Marquinhos fez a ponta direita e Alisson a esquerda, com De Arrascaeta por dentro se aproximando de Damião na referência.

A equipe do Mineros também se posicionou num 4-2-3-1, que variava para um 4-3-3 com a bola com o avanço do volante López. O gol de Romo foi protegido por Machado e Matos, com Vallenilla pela direita e Cíchero na esquerda. À frente da área, Jiménez ficava mais preso, liberando López para se juntar ao meia Blanco e aos atacantes Peña pela direita, Pérez pela esquerda e Cabezas, o avante.

Descompactação

Antes do jogo, escrevi no Twitter que não sabia qual seria a estratégia usada pelo time venezuelano: iriam atacar com tudo, mas dando espaços atrás, ou iriam preferir esperar para jogar no erro do Cruzeiro? A resposta veio logo no começo: o Mineros jogou a vida. Atacaram com muita intensidade, com os dois laterais subindo ao mesmo tempo, inversão de Pérez e Peña, Blanco entrando na área para dar profundidade e deixando a criação para López e o ponteiro do lado da bola. Sempre 5 atacando, com a ajuda dos laterais.

Nem o gol de Damião, na primeira jogada de ataque do Cruzeiro, mudou o cenário. O Cruzeiro parecia estar numa rotação abaixo, sem pressionar o homem da bola, num contraste claro com a intensidade aplicada pelo Mineros. López conseguia transitar com muita facilidade na intermediária ofensiva, ditando o ritmo, pois havia um grande buraco entre os volantes e os homens de frente. Henrique e Willian Farias simplesmente não conseguiam entender o sistema ofensivo venezuelano e tiveram muitas dificuldades em preencher os espaços.

Saída de bola

Quando o ataque do Mineros não funcionava, o Cruzeiro era imediatamente pressionado pelos vários jogadores venezuelanos que estavam no campo de ataque. Quase sempre apelava para a bola longa, também porque De Arrascaeta e Damião, sem contribuir com o trabalho defensivo estavam bem longe do resto do time. Apenas em um lance no primeiro tempo, De Arrascaeta conseguiu encaixar um contra-ataque que achou Damião na área, mas o centroavante chutou pra fora.

Com maior posse, o Mineros criou algumas chances, mas Fábio só teve de trabalhar em um chute do lateral Vallenilla (veja na imagem abaixo). Isso porque a linha defensiva celeste, mesmo exposta demais, teve um bom desempenho. Léo desviou um chute à queima-roupa deitado no chão, e em um passe por cima que deixou Cabezas cara a cara com Fábio, Mena se recuperou a tempo impedindo a finalização. Assim, a primeira etapa terminaria, por incrível que pareça, com o Cruzeiro na frente.

Os problemas defensivos  celestes em um lance: (A) Marquinhos chega atrasado na marcação de Cíchero, forçando Henrique a abandonar o meio e ir para a cobertura; (B) a bola chega no centro, onde W.Farias está sozinho contra López e Peña, com De Arrascaeta longe; (C) Alisson e Mena saem em socorro, mas deixam Cabezas e Vallenilla livres. A bola chegou ao lateral do Mineros que chutou para a defesa de Fábio.

Os problemas defensivos celestes em um lance: (A) Marquinhos chega atrasado na marcação de Cíchero, forçando Henrique a abandonar o meio e ir para a cobertura; (B) a bola chega no centro, onde W.Farias está sozinho contra o avanço de López e Peña, com De Arrascaeta longe; (C) Alisson e Mena saem em socorro, mas deixam Cabezas e Vallenilla livres. A bola chegou ao lateral do Mineros que chutou para a defesa de Fábio.

A troca que mudou a partida

Sempre se espera algo de Marcelo Oliveira no intervalo, mesmo que seja apenas na conversa. Um mero ajuste de posicionamento já poderia melhorar as coisas para o Cruzeiro, mas não foi isso o que aconteceu. O segundo tempo começou da mesma forma que o primeiro, com o Cruzeiro sofrendo em sua retaguarda e tentando sair em contras — Marquinhos poderia ter matado o jogo em um, mas chutou em cima do goleiro.

Com as entradas de Charles e Ceará, Cruzeiro passou a fazer duas linhas sem a bola, preenchendo melhor os espaços e afastando o Mineros de sua área; com a bola, Charles e Henrique avançavam como meias e Alisson abria, formando um 4-3-3, com os laterais se soltando um pouco mais

Com as entradas de Charles e Ceará, Cruzeiro passou a fazer duas linhas sem a bola, preenchendo melhor os espaços e afastando o Mineros de sua área; com a bola, Charles e Henrique avançavam como meias e Alisson abria, formando um 4-3-3, com os laterais se soltando um pouco mais

Foi então que Marcelo fez as trocas que mudaram o panorama. Trocou Mayke, que sofria na marcação pela direita, por Ceará, que sabe compor melhor a linha defensiva. O veterano lateral cumpriu sua função muito bem. Além disso, uma substituição fez a corneta soar forte: De Arrascaeta por Charles. A torcida logo se apressou em criticar, pois era uma troca de um meia por um volante. A velha confusão entre posição, posicionamento e função.

Charles se posicionou do lado esquerdo da linha de meio-campo, deixando apenas Alisson e Damião na frente, com Marquinhos recompondo pelo lado direito. As novas duas linhas de quatro sem a bola agruparam mais o time, o que matou os espaços que o Mineros tinha na intermediária ofensiva. O time venezuelano passou a ter a bola bem mais longe da área celeste, em seu campo de defesa, e já não conseguia entrar com facilidade.

Mais defensivo e mais ofensivo

Além de marcar melhor, o Cruzeiro passou também a fazer uma transição defesa-ataque bem mais suave, sem quebrar a bola. Com os jogadores mais próximos, era mais fácil encontrar um passe na saída após roubar a bola. Assim, podemos dizer que o Cruzeiro ficou mais defensivo e ao mesmo tempo mais ofensivo. Saindo pelo chão, o Cruzeiro começou a chegar com facilidade na intermediária ofensiva e trabalhar a bola.

Com a segurança de Charles pelo lado esquerdo, o lateral Mena, que até então não havia se aventurado no campo de ataque, passou a sair mais. Não por coincidência, a jogada do segundo gol passou pelos pés dele. Alisson puxou a marcação e deixou um corredor livre pelo meio para o chileno avançar, tabelar com Damião e servir Marquinhos do outro lado. O gol que deu tranquilidade e números finais ao jogo.

Sem resultadismo

Taticamente, a partida foi um desastre. Setores muito espaçados, falta de intensidade nas ações e muitos erros de passe com a bola. Talvez Marcelo tenha se surpreendido com a estratégia do Mineros de ir pra cima mesmo deixando espaços generosos atrás. Mas o Cruzeiro tinha que adaptar sua marcação e explorar estes espaços. Não fez nem uma coisa nem outra, a não ser em dois ou três contra-ataques desperdiçados.

Na parte do jogo em que foi dominado, o Cruzeiro só não sofreu gol por causa da falta de qualidade do Mineros. Fosse um time um pouco melhor tecnicamente, arrisco dizer que o Cruzeiro teria saído com o revés. Tanto é que quando o jogo se equilibrou na parte tática, com as trocas de Marcelo, a superioridade técnica do Cruzeiro ficou evidente — a jogada do segundo gol comprova isso.

Valeu a vitória, é claro. Mas cuidado com o resultadismo. É bom saber que o próprio Marcelo reconhece que atuação foi ruim, mesmo com um resultado importante.

Que este jogo seja pelo menos um exemplo de como NÃO se comportar em campo, principalmente na parte defensiva.

Cruzeiro 2 x 3 Atlético/MG – “Olha eu aí!”

"Coluna dois! Ih! Olha eu aí!"

“Coluna dois! Ih! Olha eu aí!”

Antes de mais nada, sei que o jogo já passou e é hora de olhar pra frente. Por isso, este texto chega com algum atraso. Mas ele é também uma resposta aos que dizem que não há textos nas derrotas. Ora, também deixei de escrever em algumas vitórias, pois como já expliquei antes, a questão não é o resultado do jogo e sim o tempo que disponho para digitar minhas observações. Isto posto, sigamos.

O futebol é um jogo de imposição de estilos. Uma frase famosa no futebol, que o Google me diz ter sido dita por Sepp Herberger, técnico da Alemanha campeã em 1954. Mas o que Sepp não disse é que nem sempre o estilo que se impõe sai de campo vencedor. E o que se viu no Mineirão do último domingo foi exatamente isso: o domínio de uma equipe sobre a outra, se impondo e obrigando o rival a se defender como um time pequeno do interior, mas cometendo erros que foram bem aproveitados pelo adversário.

Pela postura, pela estratégia e pela imposição de um time sobre o outro — e até mesmo pelo padrão monocromático preferido pela roupagem do rival — nada mais justo e descritivo do que classificar o resultado como a mais clássica zebra. O título do texto é uma homenagem a isso.

Escalações

Cruzeiro no 4-2-3-1 de sempre, sendo forçado a sair pelos lados por conta do bloqueio dos atacantes rivais aos volantes; Atlético acuado em duas linhas de quatro

Cruzeiro no 4-2-3-1 de sempre, sendo forçado a sair pelos lados por conta do bloqueio dos atacantes rivais aos volantes; Atlético acuado em duas linhas de quatro

Marcelo Oliveira não fez nenhuma mudança em relação ao time esperado: um 4-2-3-1 com dois laterais ofensivos e dois volantes construtores. Do gol, Fábio teve sua linha formada por Mayke e Egídio nos flancos, com Dedé e Léo na área. Henrique e Lucas Silva comandaram a ligação para o trio de meias formado por Éverton Ribeiro, Ricardo Goulart e Alisson, com Moreno na referência comandando a pressão alta.

Levir Culpi tentou surpreender, e no papel o Atlético só tinha um volante, mas na prática, fez um 4-4-2 britânico, ou seja, em duas linhas. O gol de Victor foi protegido pelos zagueiros Léo Silva e Jemerson, com Marcos Rocha na direita e Émerson Conceição na esquerda. A segunda linha tinha o já citado volante, Leandro Donizete, mas com Dátolo a seu lado, jogando por dentro, e com os flancos cobertos por Luan à direita e Carlos à esquerda. Na frente, Guilherme e Diego Tardelli.

Imposição de estilos

Continuando a velha mania da mídia em geral de dar a informação sem observar, os repórteres de campo bradavam que Levir “foi ousado” e que “iria pra cima” do Cruzeiro. Ledo engano. Como lhe é característico, o Cruzeiro tomou as rédeas da partida e já mandou uma bola no travessão logo aos dois minutos, com Alisson completando bela linha de passe. Um lance que resume bem como seriam os 90 minutos de jogo.

O Atlético até tentava ficar com a bola, mas a marcação do Cruzeiro no campo de ataque era excelente, forçando o erro rival, e logo a bola voltava aos pés celestes. Assim, praticamente durante todo o tempo, Guilherme e Diego Tardelli ficavam vendo os zagueiros celestes trocarem passes, sem subir a pressão, se limitando a fechar as linhas de passe para Lucas Silva e Henrique. Isso forçava o jogo do Cruzeiro pelos lados, o que acabou não sendo um problema, pois Mayke e Egídio conseguiam levar a melhor contra Luan e Carlos. E assim o Cruzeiro chegava com facilidade até as proximidades da área rival, mas faltava maior capricho no último passe e na hora de finalizar.

Sequência de erros

E justamente quando o gol celeste parecia madurinho, o Atlético conseguiu seu primeiro gol na sua primeira chance real. Com a jogada transcorrendo do lado esquerdo, Mayke corretamente se aproximou do centro para compactar o time lateralmente, deixando o espaço do lado direito descoberto. Émerson Conceição foi até lá e normalmente teria a companhia de Éverton Ribeiro, o ponteiro direito que acompanha o lateral. Só que Éverton também estava pelo centro e teve que correr uma grande distância para tentar bloquear o cruzamento: primeiro erro. Não foi suficiente, e o cruzamento saiu. Na disputa na área, Léo perde para Luan, muito mais baixo e franzino: segundo erro. E no rebote, Éverton Ribeiro se esqueceu de voltar e habilitou a posição de Carlos, que completou à queima-roupa: terceiro erro.

Talvez por saber que parte da culpa pelo gol foi dele, Éverton Ribeiro se enrolou na saída de bola, tentou um drible em uma posição perigosa do campo e perdeu a bola, gerando um contra-ataque bem executado, em passe de Dátolo para Tardelli já dentro da área. A transição ofensiva é o pior momento para uma equipe perder a posse, pois o pega o time saindo para o ataque, com os jogadores naturalmente saindo de suas posições defensivas. Quando acontece isso, gera um “contra-contra-ataque”, e os jogadores tem que interromper a corrida para a frente e mudar a direção, para voltar e recompor.

Voltando pro jogo

Em clássicos, normalmente um dois a zero contra é quase decisivo. Da forma como foi, mais ainda, pois foram dois gols em sequência quando o Cruzeiro era absolutamente melhor. Geralmente o time fica abalado, mas o Cruzeiro pareceu ignorar isso e continuou jogando como se o placar estivesse em branco. Seguiu com mais posse, rondando a área e chutando mal, exceto na jogada de Éverton Ribeiro, se redimindo em parte pelos erros. Ele achou Goulart sozinho em cima da linha do gol, para diminuir ainda no primeiro tempo, e fazer o Cruzeiro voltar ao jogo com muita naturalidade.

Não houve nenhuma mudança no intervalo, nem de peças, nem de estratégia e nem de estilo. O Cruzeiro continuou se impondo, mas foi muito mais perigoso e incisivo, empatando a partida logo no início com Alisson se descolando de Marcos Rocha, e depois criando uma profusão de chances. Alisson mandou na trave, Moreno mandou por cima um cruzamento da Mayke, que também teve sua chance em cabeceio livre, mas que mandou nas mãos de Victor. Um pouquinho só a mais de capricho nas conclusões teria decidido o jogo já no meio do segundo tempo a favor do Cruzeiro.

Mudanças

Depois do empate, o Atlético mudou para um 4-2-3-1 que acabou não mudando o panorama; Cruzeiro manteve o 4-2-3-1 e pressionou até perto do fim, quando pareceu ter se cansado de chutar tanto a gol

Depois do empate, o Atlético mudou para um 4-2-3-1 que acabou não mudando o panorama; Cruzeiro manteve o 4-2-3-1 e pressionou até perto do fim, quando pareceu ter se cansado de chutar tanto a gol

Após o empate, Levir viu seu time acuado e tentou fazer algo. Aproveitando uma lesão de Luan, mudou para um 4-2-3-1 com Josué ao lado de Donizete e atrás de Carlos à direita, Dátolo centralizado e Guilherme na esquerda, com Tardelli sendo o único centroavante. Depois, sabendo da deficiência defensiva de Guilherme, reforçou a marcação do lado esquerdo com Douglas Santos na lateral esquerda na vaga de Émerson Conceição. Já no Cruzeiro, Marcelo Oliveira mandou Dagoberto a campo na vaga de Alisson, lesionado, sem alterar o sistema mas colocando ainda mais verticalidade. Levir então respondeu com Eduardo na esquerda, mandando Carlos de volta para o lado direito e tirando Guilherme de campo.

Mesmo com tudo isso, o panorama não se alterava. O terceiro gol celeste parecia certo, uma questão de tempo. Marcelo lançou Borges, o melhor pivô do mundo, na vaga de Moreno, e a troca teria sido celebradíssima se Dagoberto convertesse em gol a jogada que construiu com seu antigo parceiro, numa jogada típica de Borges: costas para o adversário, toque de lado para achar o jogador na corrida e deixá-lo em ótima posição para chutar ou cruzar. Dagoberto perdeu um gol que não costuma perder.

Pareceu ser a última cartada do jogo. Talvez por cansaço, o Cruzeiro continuava com a bola mas já não ameaçava tanto a meta de Victor. O time rival conseguiu respirar um pouco e voltou a ameaçar em contra-ataques. Primeiro com Tardelli pela direita — em mais um drible errado de Éverton Ribeiro e que foi o estopim da substituição por Willian. A bola foi rebatida pela zaga e rebote atleticano foi desviado para escanteio. Mas no segundo, Leandro Donizete, com liberdade, achou um cruzamento para Carlos que, também sem marcação, cabeceou no canto oposto de Fábio e decretou o resultado final. Coisas do futebol.

Merecimento e justiça

Quem acompanha o blog sabe que sempre digo que não acredito em resultados injustos. Se o Cruzeiro se impôs, chutou mil bolas ao gol e não venceu, é porque foi incompetente na hora de concluir. E pior: cometeu erros que o rival aproveitou muito bem, com conclusões mais precisas do que as celestes. Por isso, a justiça do futebol é a da bola na rede.

Merecimento, entretanto, é algo diferente. Não que o Atlético não tenha merecido ganhar, pois fez um de seus melhores jogos num período recente, e também teve sorte com as duas bolas na trave. Mas o Cruzeiro, pelo que jogou na partida, pela forma como se impôs num clássico (que sabemos ser um jogo diferente), acuando o time rival em sua própria área, algo incomum para uma partida como essa — por causa disso tudo, o Cruzeiro não merecia perder. Infelizmente, aquele terceiro gol, que parecia certo, não saiu. Se Cruzeiro e Atlético jogassem assim cem vezes, o Cruzeiro sairia vencedor em oitenta.

A linha do tempo mostra: Cruzeiro se impondo durante os 90 minutos com muitas finalizações e Atlético com poucas chances, acuado mas mais eficiente

A linha do tempo mostra: Cruzeiro se impondo durante os 90 minutos com muitas finalizações e Atlético com poucas chances, acuado mas mais eficiente

E é nessa última parte que fica a boa impressão. Perder um clássico é sempre ruim, mas nesse caso, pareceu um pouco menos pior. Porque o futebol que o Cruzeiro mostrou, ainda que com os erros nas finalizações e na marcação do adversário, é suficiente para vencer a maioria das partidas e caminhar rumo ao título.

Ou seja: como defendo sempre, no longo prazo, a qualidade do futebol é mais importante que o resultado. E por essa ótica, o Cruzeiro ganhou de goleada.

Cruzeiro 5 x 0 Figueirense – Chuva… de gols

Depois de um primeiro tempo difícil, quando teve que jogar contra o Figueirense e contra a chuva a mesmo tempo, o Cruzeiro reviveu seu velho estilo arrasador por cinco minutos para definir o jogo. Depois, apenas desfilou no gramado molhado do Mineirão, deixando bem claro que é o melhor time do país atualmente.

Sistemas iniciais

O 4-2-3-1 do Cruzeiro teve dificuldades com a chuva e com o 4-3-1-2 losango do Figueirense que lotava o meio-campo e abria os volantes quando a saída era pelos lados

O 4-2-3-1 do Cruzeiro teve dificuldades com a chuva e com o 4-3-1-2 losango do Figueirense que lotava o meio-campo e abria os volantes quando a saída era pelos lados

Marcelo Oliveira escalou o Cruzeiro no 4-2-3-1 costumeiro, com Marquinhos fazendo companhia a Ricardo Goulart e Éverton Ribeiro, na linha de três atrás de Marcelo Moreno. Henrique e Lucas Silva eram os volantes passadores, protegendo a defensa formada por Dedé, de volta ao time, e Léo. Os laterais Ceará e Egídio completaram a linha defensiva do goleiro Fábio.

O Figueirense estreava seu técnico, Argel Fucks, que preferiu mandar a campo uma equipe mais sólida no meio, com um 4-3-1-2 que era losango com a bola e uma linha de três volantes sem a bola. A meta de Tiago Volpi foi defendida por Luan à direita, Nirley e Marquinhos Barbosa no miolo de zaga e Cereceda na esquerda. Guardando a entrada da área, Paulo Roberto dava suporte aos volantes Marco Antônio e Rivaldo, liberando Kléber da marcação mais intensa no centro. Na frente, Ricardo Bueno e Pablo.

 

 

 

Chuva: pior pra quem ataca

Certamente você já ouviu a máxima de que o gramado molhado é ruim, mas é ruim para os dois times e portanto não deve servir como desculpa. Sim, de fato é ruim para os dois. Mas atrapalha mais o time que tem a bola nos pés e busca tenta trocar passes para abrir a defesa do adversário, do o time que tem uma proposta defensiva e reativa, de bolas longas pelo alto. No caso, o gramado atrapalhou mais o Cruzeiro — ou, melhor colocando, facilitou o trabalho de marcação do Figueirense.

Com seu estilo sendo literalmente emperrado pelas poças d’água, o Cruzeiro demorou a se adaptar. Aproveitava as linhas recuadas do Figueirense para testar o gramado, trocando passes na defesa e observar o comportamento da marcação.

O mapa de passes das equipes até os 15 minutos mostra Cruzeiro com a bola, mas recuado em seu campo, e Figueirense abusando de bolas longas

O mapa de passes das equipes até os 15 minutos mostra Cruzeiro (à direita, atacando para baixo) com a bola, mas recuado em seu campo, e Figueirense (à esquerda, atacando para cima) abusando de bolas longas

Os volantes deles

Os volantes do time catarinense guardavam a sua posição no centro, lotando o meio-campo, enquanto a bola estava nos pés de Dedé ou Léo, evitando um passe direto para Lucas ou Henrique. Se isso acontecesse, era logo rechaçado e os volantes devolviam a bola aos zagueiros. Porém, se o Cruzeiro optasse por sair com um dos laterais, o trio fazia o balanço defensivo pra fechar o lateral: o volante mais próximo sobe a pressão e os outros dois fechavam as linha de passe para Lucas e Henrique, deixando o lateral oposto livre.

Mais à frente, a marcação era “padrão”: lateral batia com ponteiro, volante fixo com meia central e atacante contra os zagueiros.

O caminho, portanto, era uma inversão pelo alto, mas esse tipo de bola é difícil e lenta, dando tempo ao time adversário de encaixar a marcação do lado oposto novamente. Assim, se a bola chegava em Ceará, Rivaldo, o volante pela esquerda, subia a marcação, e Marco Antônio fechava pelo centro. Se fosse em Egídio, Marco Antônio o pressionava, e Rivaldo era quem se aproximava do círculo central.

Arriscando

Depois de quinze minutos de adaptação ao gramado, o Cruzeiro subiu ligeiramente seu posicionamento ofensivo e passou a arriscar mais. Porém, o gramado ainda não tinha boas condições e o Cruzeiro errou mais do que a média. Isso gerou contra-ataques perigosos do Figueirense, que tentava jogar na velocidade de seus atacantes.

O jogo se arrastou assim até o final do primeiro tempo, mesmo após o pênalti inexistente sofrido por Ricardo Goulart e convertido por Lucas Silva. Porém, àquela altura o gramado já estava melhorando, pois a chuva havia diminuído e a drenagem fez o serviço. Sinal da mudança que viria após o intervalo.

Dos 15 até o fim da primeira etapa, Cruzeiro se lançou mais à frente, mas errou passes e o Figueirense usou o espaço para os contra-ataques sem usar tantas bolas longas

Dos 15 até o fim da primeira etapa, Cruzeiro se lançou mais à frente, mas errou passes e o Figueirense usou o espaço para os contra-ataques sem usar tantas bolas longas

Cinco minutos brilhantes

No segundo tempo, a saída foi do Figueirense. Mas tão logo Ricardo Bueno tocou na bola, quatro cruzeirenses já invadiram o campo adversário, correndo atrás de quem estivesse com a bola como loucos. É a tal intensidade, palavrinha da moda, que tanto usamos por aqui. Acossados, os jogadores catarinenses erraram o passe e alguns segundos depois, Egídio já cobrava lateral.

Foi essa intensidade que acabou gerando o segundo gol logo no segundo minuto da etapa final. Por pura pressão da marcação, o jogador do Figueirense, em sua própria intermediária, rebateu a bola para trás, que chegou em Moreno. Este deu um passe curto a meia altura para Marquinhos, que pegou de primeira e fez o gol mais bonito da rodada.

 

Depois, outra característica do Cruzeiro de 2013 apareceu: a bola parada. Em falta sofrida por Ceará e cobrada por Éverton Ribeiro, Dedé subiu mais que todos e tirou do alcance de Tiago Volpi. Três a zero, fatura liquidada. Mas o importante é que, diferentemente do que analisam os “comentaristas de melhores momentos” espalhados pelo jornalismo esportivo, não foi o gol de pênalti no primeiro tempo que fez com que o Figueirense saísse e abrisse espaço para o jogo. Não, o Cruzeiro sufocou o adversário e fez dois gols, sendo que o jogo praticamente não passou do meio campo.

Mudanças e efeitos

Só depois dos gols é que deu pra perceber um pouco melhor como o Figueirense havia voltado para o jogo: Kléber agora passava a fechar o lado esquerdo, onde jogou toda sua vida, mas como ponteiro de um 4-4-2. Rivaldo estava mais próximo do centro, junto a Paulo Roberto, e Marco Antônio ficou aberto definitivamente pela direita. Era uma preparação para as mudanças de Argel: Pablo deu seu lugar a Everaldo e Cereceda saiu para a entrada de Felipe. Kléber passou à lateral direita, com Felipe tomando o lugar como ponteiro e Everaldo foi jogar na frente.

Com menos gente no meio e tentando — agora sim — sair mais para o jogo, Marcelo enxergou uma oportunidade de encantar o público. Primeiro trocou Marquinhos por Dagoberto, e depois tirou Moreno e lançou Marlone. Naquele momento, o Cruzeiro tinha Henrique e Lucas como volantes, leves e bons passadores, e Marlone, Ribeiro, Dagoberto e Goulart na frente. Uma formação moderna e que agrada aos olhos: sem volantes destruidores e sem centroavante. Basicamente, 6 jogadores técnicos do meio para frente. Em questão de minutos, os frutos iriam aparecer.

O belíssimo quarto gol

Cruzeiro 5 x 0 Figueirense - Quarto gol

O belíssimo quarto gol cruzeirense em quatro atos (clique para ampliar)

Eduardo Cecconi, um dos gurus em cuja fonte bebo, tem o mantra de que “futebol é a ocupação inteligente dos espaços relevantes”. O quarto gol é, acredito, um belo exemplo disso. Reparem que, quando Marlone percebe que Dagoberto vai roubar a bola, deixa seu posicionamento defensivo (A) e vai até o espaço que percebe haver no meio-campo. Éverton Ribeiro percebe o movimento do companheiro e permanece sem sua posição, sabendo que aquele movimento confundiria a marcação do adversário.

Quando a bola chega em Lucas Silva, Marlone já está posicionado para receber o passe com liberdade. Rivaldo vai atrás dele (B), mas com isso larga Éverton Ribeiro. Mas ele chega atrasado e Marlone devolve imediatamente para Dagoberto, que dá de primeira para Éverton, livre.

Com a bola dominada e com espaço, Éverton conduz até perto da grande área. Rivaldo sei em seu encalço mas não chega (C). Com isso, Marquinhos Barbosa vem fazer a cobertura e Nirley sai da marcação de Goulart para acompanhar Marlone (D), que acompanhava o lance. Éverton percebe o movimento e passa a Goulart por cima, totalmente livre, cabecear fora do alcance de Volpi e marcar um lindo gol coletivo.

Depois, Ceará daria seu lugar a Mayke, por lesão, configurando o Cruzeiro mais ofensivo que se pode haver: dois laterais apoiadores, dois volantes passadores e quatro meias rápidos e técnicos. Não há centroavante clássico. Futebol moderno na veia: todos marcam, todos jogam.

Um time desses merecia um gol, e fez. Quando Mayke puxa o contra-ataque, nada menos do que os quatro meias estão na área para concluir, e dois chegam na bola. Marlone deixa passar, mas Dagoberto não, e ainda conclui no lado oposto do gol.

Sonhando, mas com pés no chão

No fim, um Cruzeiro com quatro meias móveis e técnicos, dois volantes passadores e ainda dois laterais que apoiam bastante: um sonho para quem gosta de futebol ofensivo

No fim, um Cruzeiro com quatro meias móveis e técnicos, dois volantes passadores e ainda dois laterais que apoiam bastante: um sonho para quem gosta de futebol ofensivo

É inegável que a chuva foi o décimo segundo jogador de defesa do Figueirense no primeiro tempo. Normal: para se praticar um futebol de toques rápidos e envolvente, como este Cruzeiro de Marcelo Oliveira, é preciso que as condições do gramado estejam minimamente aceitáveis. No jogo contra o Atlético/PR pelo turno do Brasileiro de 2013 também foi a mesma coisa, não pela chuva, mas porque o gramado estava mal cuidado.

Quando o gramado melhorou sensivelmente, o futebol celeste apareceu e fez a torcida gritar que o time é melhor que a Seleção. Claro, a empolgação de torcedor é totalmente compreensível. Mas é preciso por os pés no chão: esse jogou valeu apenas pela décima segunda rodada. Ainda faltam outros 26 jogos de um campeonato duríssimo.

A formação que terminou o jogo é o sonho de todo torcedor que gosta de ver a busca incessante pelo gol. Com a lesão de Ceará, Mayke deve jogar a próxima partida diante do Botafogo. Vejamos o que Marcelo fará, se vai escalar seus dois laterais apoiadores ante o provável 4-3-1-2 losango de Mancini, ou se reequilibrará o time defensivamente com Samudio no lugar de Egídio, ou ainda com Nilton na vaga de um dos volantes.

Por mim? Seria Mayke e Egídio, com Lucas e Henrique no meio. Um time que me faz sonhar.

Diagnósticos e perspectivas

O inverno acabou (inVerno, com V). Ele foi longo e tenebroso. Mas acabou, e aqui estamos.

Este espaço não é atualizado desde a final do Campeonato Mineiro, e muita coisa aconteceu desde então. O Brasileirão começou, técnicos já caíram, jogadores foram convocados para a Copa (ou não), e a Libertadores entrou em sua fase eliminatória, nas oitavas e quartas de final.

Brasileirão: dois estilos

Taticamente, alguns pontos chamam a atenção. No Brasileiro, o 4-2-3-1 se manteve como sistema base, mas com o time alternativo, as características dos jogadores são diferentes, e portanto, o time tem um estilo distinto do considerado titular.

Primeiro, a diferença nas laterais. Ceará e Samudio são mais marcadores do que apoiadores — ainda que o paraguaio tenha surpreendido com a qualidade na frente — e contrastam com os estilos ofensivos de Mayke e Egídio. Assim, os volantes tem que ficar um pouco mais presos para fazer a cobertura, e por isso Nilton e Souza são os escolhidos.

Mais à frente, temos Tinga como central, um jogador que ocupa bem os espaços e sempre está perto da bola para ajudar um companheiro, mas que não possui a mesma visão de jogo e qualidade de passe de Ricardo Goulart. Como ponteiros, Marlone e Willian são mais incisivos e verticais, no que se assemelham a Dagoberto, mas Luan é mais trombador e também é muito ofensivo, diferente de Éverton Ribeiro.

Todas essas diferenças acabam por favorecer Marcelo Moreno, que é um centroavante diferente de Borges ou Júlio Baptista. Com jogadores ofensivos e verticais pelos lados, o jogo celeste acaba sendo muito pelos flancos e pouco pelo meio. O resultado é um número maior de cruzamentos na área, o que favorece o boliviano pelo seu bom posicionamento na área: nos dois primeiros jogos, contra Bahia e Atlético/PR, o gol da vitória veio num cabeceio de Moreno. Não é por acaso.

O time titular jogou na segunda rodada contra o São Paulo: o número de cruzamentos em relação ao time alternativo da primeira e terceira rodadas é bem menor

O time titular jogou na segunda rodada contra o São Paulo: o número de cruzamentos em relação ao time alternativo da primeira e terceira rodadas é bem menor

Já na última partida, contra o Coritiba, o Cruzeiro jogou mais no estilo 2013, já que estavam em campo Éverton Ribeiro, Goulart, Dagoberto e Borges — o quarteto “clássico”. Um estilo que pode ser resumido no lance do segundo gol: Goulart recebe de Fábio, avança, passa a Borges e imediatamente começa a corrida para entrar na área, lendo a jogada que se desenhava. Borges, o único jogador do elenco que faz o pivô com qualidade, segura o zagueiro e toca de primeira para Éverton Ribeiro na direita. Livre, o camisa 17 acha Goulart dentro da área, que entrou livre de marcação para concluir e recolocar o Cruzeiro na frente.

 

Este gol é simbólico porque ilustra bem o papel de Goulart e o de Borges, não só taticamente como em termos de estilo de jogo. Não consigo enxergar Júlio Baptista fazendo nenhum dos dois papéis, por exemplo. Nem mesmo Marcelo Moreno fazendo esta jogada pivô, pois a sua característica seria dominar e tentar girar no zagueiro para poder concluir. Em suma, Borges é o melhor centroavante para o estilo de jogo de 2013, mas Moreno é o mais adequado para o estilo do time reserva.

O aspecto mental

Já na Libertadores, porém, o time não foi tão bem, em termos de resultados. Isso, na modesta opinião deste escriba, se deve muito mais ao fator psicológico e mental do que propriamente ao técnico ou tático, dentro de campo. É um característica, não da Libertadores, mas sim de torneios neste formato eliminatório, com uma partida de ida e volta.

Explico: em um torneio de pontos corridos, com 38 rodadas, ao sofrer um gol por um erro de tempo de bola, um desarme mal sucedido, enfim, um lance bobo, o impacto psicológico não é tão grande. Isso porque cada partida se encerra em si mesma, no sentido de que não importa quantos gols foram sofridos, o que importa é vencer aquela partida em questão e somar três pontos. O impacto de um gol sofrido, seja em casa ou fora, é diluído ao longo das rodadas.

Porém, num torneio de mata-mata, o impacto de um gol é altíssimo. Pois um erro pode decidir o confronto e a permanência ou não na competição. Isso acontece em todos os torneios que usam este formato: Copa do Mundo, Liga dos Campeões e, é claro, a Libertadores da América. Isso ainda é agravado pela regra do gol fora de casa, o famoso gol qualificado como critério de desempate — uma regra da qual este blogueiro discorda frontalmente.

Cerro Porteño

Foi o que aconteceu com o Cruzeiro nos dois confrontos. Contra o Cerro, uma partida boa até o momento do gol dos paraguaios, praticamente na única vez em que foram ao ataque, numa jogada de escanteio inexistente. Ao sofrer o gol em casa, o time se enervou e começou a falhar também tecnicamente. No fim, nada de tática: blitz na área adversária até o gol no apagar das luzes de Samudio, que minimizou o prejuízo.

No jogo da volta, o Cruzeiro escapou de sofrer gols no primeiro tempo. Os paraguaios estavam em ritmo mais acelerado, e o Cruzeiro tentando tirar a velocidade do jogo, mesmo com o zero a zero desfavorável. Estratégia ou imposição do adversário? Não saberemos. Mas na etapa final o Cruzeiro entrou correndo mais, disputando mais bolas. Não é o “espírito de Libertadores” que todos pregam, não; isso vale para qualquer campeonato. É a tal intensidade, tanto ofensiva quanto defensiva, que o Cruzeiro tanto usou em 2013 para sobrar no Brasileiro, que faltou no jogo.

A expulsão de Bruno Rodrigo por acúmulo de advertências parecia selar a eliminação, mas o gol de Dedé numa bola improvável reacendeu este espírito. Com a vantagem, o Cruzeiro se imbuiu em defender, mesmo com dez em campo um 4-4-1 que, com as câimbras de Samudio, teve Éverton Ribeiro na lateral esquerda, com o paraguaio indo ser o centroavante. Era praticamente 11 contra 9, mas o Cruzeiro se defendeu bem e ainda marcou mais um em erro da defesa do Cerro.

San Lorenzo

A classificação para as quartas veio, e ainda com a pressão adicional de ser o único brasileiro ainda vivo na competição. Porém, a forma como ela veio indicava que não estava tudo bem. Algo precisava ser feito, principalmente na parte mental. Desta vez, o primeiro jogo foi fora de casa, e foi, sem dúvida, a pior partida da equipe no certame continental. O Cruzeiro quis garantir um resultado médio para poder resolver em casa, mas pagou o preço de ficar atrás, jogando contra sua própria natureza de jogo.

As estatísticas da Conmebol provam: apenas 4 finalizações, todas de média e longa distância e erradas; apenas 174 passes, muito abaixo da média da equipe; e 8 desarmes contra 23 do time do Papa.

É claro que o resultado era plenamente reversível. Mas mais uma vez o impacto psicológico do gol sofrido fez a diferença. Nesta partida, Marcelo resolveu lançar Nilton e Marcelo Moreno na equipe titular, sacando Lucas Silva e Ricardo Goulart. A princípio, achei que fosse para liberar os laterais para o ataque e sufocar o San Lorenzo, mas depois da partida Marcelo Oliveira revelou que queria aproveitar a bola aérea do volante — a mesma explicação podia ser dada para a entrada de Moreno e a permanência de Júlio.

Até os 10 minutos, o Cruzeiro amassava o San Lorenzo, mesmo sem finalizar muito. Nilton e Moreno entraram na equipe para disputarem pelo alto, mas a bola não chegava por ali. Com Ribeiro e Júlio Baptista, a bola não rodava tanto pelos lados e os cruzamentos não saíam, e tampouco o Cruzeiro chegava pelo centro, pois Éverton Ribeiro não tem o mesmo entendimento com Júlio do que com Goulart, já que o primeiro segura mais a bola e cadencia.

O gol do San Lorenzo, porém, destruiu o espírito da equipe. Samudio saiu por lesão, piorando ainda mais a situação. Bruno Rodrigo, Marcelo Moreno e Éverton Ribeiro tentaram: o primeiro sendo absoluto na defesa, o segundo com muita luta e várias finalizações que pararam no goleiro adversário, e o terceiro sem medo de chamar a responsabilidade e tentar conduzir a equipe à frente. Mas o nervosismo atrapalhou, e quando o Cruzeiro chegava, o goleiro adversário estava em noite inspirada. O empate saiu, só aos 30 do segundo tempo, mas ainda era preciso mais dois gols. Não deu tempo.

Nas coletivas pós-jogo, tanto na ida quanto na volta, Dedé e Marcelo Oliveira se referiram à postura do Cruzeiro na Argentina. O zagueiro dizia que era estratégia, já era esperado que eles atacassem e a ordem era segurar. Já o treinador disse que nem sempre isso acontece porque o time quer, mas sim porque o adversário impõe a condição. Então fiquei na dúvida: quem está certo? Foi o San Lorenzo que impôs ao Cruzeiro a condição de apenas se defender, ou o Cruzeiro que escolheu assim para poder decidir a vaga no Mineirão?

Não há como responder, mas meu palpite era de que a ordem era sim se defender, pois era sabido que o ponto forte do time argentino é não sofrer gols, o que indica que o ataque não é tão poderoso assim. É claro que não é tão simples, mas partindo disso, o mais ousado seria atacar o San Lorenzo em sua própria casa, mesmo correndo o risco dos contra-ataques.

Pode parecer fácil falar depois dos jogos, mas a verdade é que o Cruzeiro, enquanto equipe, ainda carece de experiência para não se enervar com resultados adversos em torneios eliminatórios. A Copa do Brasil, no segundo semestre, será mais uma boa oportunidade para medir este aspecto.

Perspectivas

Uma formação possível, bem ousada, que privilegia o ataque: um 4-1-4-1 que aproxima Goulart e Ribeiro, com laterais ofensivos e ponteiros verticais

Uma formação possível, bem ousada, que privilegia o ataque: um 4-1-4-1 que aproxima Goulart e Ribeiro, com laterais ofensivos e ponteiros verticais

Olhando para frente, nas partidas em que precisava construir um resultado (a volta contra o San Lorenzo e contra o Coritiba, após sofrer novo empate), o Cruzeiro apresentou uma formação interessante, que eu gostaria muito de ver iniciando um jogo. Um dos volantes saía para a entrada de mais um ponteiro: com isso, Éverton Ribeiro recuava e fazia o segundo volante, para tentar construir o jogo de trás. Na prática, era um 4-3-3/4-1-4-1, com Ribeiro e Goulart próximos no centro do campo, Willian e Dagoberto pelas pontas e um centroavante.

Uma formação bem ofensiva, especialmente na partida contra o Coritiba, quando Mayke e Egídio estavam em campo. Atacar com 7 jogadores (2 laterais, 4 meias e o centroavante) é uma postura muito ousada e que pode dar certo para resolver as partidas o quanto antes. Seria um sistema ideal para usar nos pontos corridos, sem correr o risco de um gol sofrido dar um choque psicológico grande na equipe. É improvável, porém, que Marcelo Oliveira abandone o bom e velho 4-2-3-1, pelo menos para iniciar as partidas.

Assim, mesmo fora da Libertadores, a perspectiva ainda é boa. Mas fica a lição: em mata-mata, o fator psicológico conta muito mais do que em pontos corridos. E é preciso aprimorar esta aspecto enquanto equipe, mesmo que individualmente o Cruzeiro possua jogadores experientes. É errando que se aprende. Já foram duas (Copa do Brasil 2013 e Libertadores 2014). Na próxima, com certeza, será melhor.